Terça-feira, 22.04.14

"O Nascimento da Democracia"

Estes são os 200 nomes selecionados por Pacheco Pereira para a exposição "O Nascimento da Democracia", relativa ao período de 25 de Abril de 1974 a 1976 que em 16 de Abril foi inaugurada na Assembleia da República. JPP explica no Público de 2014-04-16:
1. A exposição que podem ver na Assembleia da República não é sobre o dia 25 de Abril de 1974, cujo 40.º aniversário se comemora este ano. É sobre o que esse dia permitiu, fez nascer, “abriu”, é sobre o nascimento da democracia portuguesa no meio da turbulência de um país que saía de 48 anos de ditadura.
2. Nos 40 anos do 25 de Abril de 1974, muitas das comemorações vão centrar-se no que aconteceu nesse dia. As interpretações variam: golpe de Estado, revolução, golpe de Estado seguido de uma revolução, etc. Mas uma coisa é incontroversa: no dia 25 de Abril começou a nascer uma democracia e ela apenas foi possível pelo que aconteceu nesse dia. O que aconteceu em 25 de Abril com a ação do MFA foi de facto o “dia lustral”. O dia do começo. Mas, a partir desse dia, o nascimento de uma democracia fez-se na sociedade e com a sociedade, com os portugueses. Como se passa em todas as democracias, foi um processo essencialmente civil, e numa democracia que nasceu de uma ação militar, foram os civis que se revelaram fundamentais para a sua construção.
3. Como se retrata o nascimento de uma democracia?     Em primeiro lugar, pela diferença em relação ao que havia. Pelo tempo de acabar, da PIDE, da Censura, da União Nacional, da ditadura.     Depois, e esse é um dos objetivos desta exposição, começar, mostrar como se começa:     o direito e o exercício de vir à rua manifestar-se, o direito e o exercício de organizar-se, a passagem à legalidade dos partidos clandestinos e a génese de novos partidos, o direito de falar e escrever livremente, o direito de votar em liberdade e escolher quem nos representa e quem nos governa.
   A democracia faz-se com política em liberdade, instituições e representação com génese eleitoral, partidos, participação cívica numa miríade de organizações, discurso público e propaganda política.   No nascimento da nossa democracia, os sinais da sua pujança revelaram-se em todos estes símbolos, com uma nova iconografia, paisagem sonora e visual:    cartazes, autocolantes, emblemas, faixas, panfletos, brochuras e livros, fotografias, imagens, filmes e sons.     O objetivo desta exposição é mostrar o rastro que no nosso olhar ficou desses tempos. Privilegia o que nos envolve, imagens e sons, valoriza o retorno ao passado pela recriação da sua paisagem. (Texto completo aqui)   (Um clique na imagem amplia-a).
# via R.P. Narciso, PuxaPalavra


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Terça-feira, 15.04.14

A história deve ter a ambição de interpretar, explicar a realidade.  (-por Raquel Varela)

  Entrevista dada ao jornalista João Céu e Silva, Diário de Notícias, 5/3/2014.

DN: A primeira frase do seu livro é uma afirmação que muitos portugueses colocam hoje em dúvida: “A revolução mudou profundamente o País.” Porquê?

RV: O fotógrafo Sebastião Salgado, que esteve em Portugal antes e depois do 25 de Abril de 1974, disse que a maior diferença entre o antes e o depois era a alegria das pessoas.

A revolução fez de nós um país mais alegre, optimista, em que as pessoas acreditaram que podiam mudar as suas vidas – e mudaram-na muito. Um dos homens mais ricos do mundo, Warren Buffett, diz que estamos no meio de um grande confronto entre as classes. E que eles, os ricos, estão a ganhar. Pois nessa altura era ao contrário. Foi provavelmente o único período da nossa história em que se inverteu a tendência para os ricos ficarem cada vez mais ricos, como agora. A repartição do rendimento nacional sofreu uma inflexão em benefício da classe trabalhadora – na ordem segundo cálculos oficiais de 18% -, passou a existir um Estado social, chegámos a ter o 7º melhor serviço nacional de saúde do mundo; a educação unificada (isto é, com qualidade e um tronco comum de saber para todos); direito a não ser lançado no desemprego em baixas de produção (direito ao trabalho que é a essência do pacto social); nascimento da segurança social (o que havia antes era assistência social focalizada); durante algum tempo a reforma agrária deu emprego estável aos trabalhadores dos campos do Sul. E, claro, todas as conquistas democráticas (direito ao voto, liberdade de expressão, reunião associação) são asseguradas durante a revolução.

E ganhámos milhares de pessoas competentes e dedicadas, que nos seus locais de trabalho, nas empresas, nos hospitais, nas escolas e universidades fizeram o País dar um enorme salto em frente. Que se tornaram «militantes» da transformação social, dando muitas horas da sua vida para melhorar a sua vida e a dos seus concidadãos. Por convicção.

DN: Centra a cronologia da Revolução nas greves e manifestações. O que muda na visão histórica?

RV: Podia dar muitos exemplos. O 11 de Março pode ser resumido a uma luta de poder entre cúpulas de partidos e militares? Creio que não. Há uma situação social que leva Spínola a fazer o golpe e depois o CR a decretar a nacionalização da banca e ambas se encontram na extensão a que tinha chegado o controlo operário a partir de Fevereiro de 1975.

Porque cai o IV Governo em Julho? Por causa do “caso República”? Não, isso é resumir a história ao episódio. Justamente cai porque PS, PCP e MFA não se entendem mais. Mas porquê? Porque a situação social não aguentava mais um governo frente populista, estável. Porquê, se até aí se tinha aguentado? Porque se estende o controlo operário, há uma onda grevista em maio e Junho de 1975 – há jornais com uma lista de assembleias diárias – que os arquivos demonstram inequivocamente (fazemos no livro as tabelas de evolução deste conflitos). Mesmo com todos os esforços do PS e do PCP de por um lado controlar a situação social com eleições (PS) e do outro com a pressão da batalha da produção (PCP). Ambos em vão. Começa a haver a partir de Abril e maio de 75 aquilo que é mais determinante numa revolução – a coordenação nacional dos organismos de duplo poder (a construção de um poder paralelo ao Estado) e isso leva à constatação de um sector (PS, Grupo dos 9, direita, Igreja) que tinham que fazer um golpe para pôr fim à revolução (25 de Novembro). Preparam o golpe em Agosto e o PCP fica sozinho num governo que jamais apoiou de facto, o V Governo. Tinha ruido para o PCP o programa da frente popular. Mas porque ruiu? Porque a dinâmica do controlo operário e da coordenação nacional de comissões de trabalhadores e moradores tornou impossível manter a situação – criava-se uma situação objectiva de construção a nível nacional de um poder paralelo ao Estado que a pouco e pouco vai-se armar também (comissões de soldados sobretudo a partir de Setembro de 75). Como isto se traduz – traduz-se no Estado aprovar leis que não são cumpridas, traduz-se no controlo dos livros de contas pelos operários nas principais metalomecânicas, por exemplo. Fizemos aqui o levantamento destes organismos de coordenação – são mais vastos do que se pensava. E curiosamente toda a política do PCP neles é votar contra que se coordenem a nível nacional. Do outro lado, temos a esquerda radical que procura, de forma dividida, várias formas de coordenar estes organismos (em Abril, Setembro, etc). Chegam tarde porém – o 25 de Novembro dá-se sem que estas estruturas tenham um comando central de resposta.

A história que ignora o papel determinante dos indivíduos é muito limitada mas a história que resume tudo a lutas entre aparelhos militares e partidários não consegue explicar a realidade – Spínola respondia a uma situação social, a uma fracção de uma classe da mesma forma que os outros sectores. É o comportamento dessas classes e fracções que tem que ser rigorosamente estudado.

Estudei neste livro a dinâmica das classes trabalhadoras, falta estudar a dinâmica das outras classes e fracções – isto faz-se através do estudo dos partidos, das associações empresariais, patronais, etc. É difícil, é mais fácil fazer história somando decretos – e a história também é feita de decretos – mas ficará assim uma visão muito aquém da realidade.

DN: Considera que a História que existe não reflecte a realidade. Mesmo sendo parcial é um contributo válido?

RV: A história deve ter a ambição de interpretar, explicar a realidade. Isso implica muitas vezes ir contra aquilo que é conveniente. É mais fácil e cómodo refugiarmo-nos numa história descritiva e parcial.

Por outro lado há uma questão politica central – há uma unanimidade quase total em Portugal de repulsa à ditadura, por isso quem faz história do Estado Novo sofre menos pressões políticas. Há muito pouca unanimidade sobre a revolução e os protagonistas estão vivos. Há pressões fortíssimas sobre nós, porque quase todas as elites de hoje tiveram um papel na revolução e reclamam que o seu testemunho é parte da história. Acho que estas pressões devem ser na minha opinião absolutamente ignoradas. Trabalhamos com fontes, provas e contra provas, metodologias claras, teorias que devem ser explicitadas.

Agora centrando-nos na revolução: não digo que não é importante estudar o MFA, os governantes, os partidos… Não só é necessário como é indispensável. Mas não há um único acontecimento importante da revolução que possa ser explicado se omitirmos os movimentos sociais. Porque se a política corrente, como disse o poeta Paul Valéry, é a arte de impedir as pessoas de se imiscuírem nos assuntos que lhes dizem respeito, uma revolução é o contrário: é quando aquelas pessoas que normalmente não participam nas decisões capitais que afectam as suas vidas se tornam protagonistas dessas decisões.

DN: Refere que este volume faz a “história total” sobre as “decisões coletivas”. Foi um momento verdadeiramente popular ou também conduzido por ideologias?

RV: As ideologias estão sempre presentes nas mentes do povo. Aliás, nunca estão tão presentes como quando não há revoluções. Aí, as ideologias dominantes subjugam a consciência colectiva. Por exemplo, hoje, mesmo gente de esquerda tende a achar que a ordem social vigente – capitalismo e democracia representativa – é quase inabalável. E se mudar será para pior. É uma visão finalista, ahistórica. A terra move-se mesmo que os pés não sintam e nenhum modo de produção nem nenhum regime foram eternos, pelo contrário. Na altura da revolução de 1974-75 era o contrário, porque as pessoas passam a acreditar que podem mudar a realidade, as suas vidas.

DN: O período 1974/1975 é único na História de Portugal?

RV: É. Mas podemos sempre compará-lo com outros períodos de revolução: a revolução liberal de 1820, a guerra civil de 1828-1834, o período da I República… Fenómenos de certo tipo comparam-se com outros idênticos. Os revolucionários de 1917 usavam até na sua linguagem, como referência, os episódios da revolução francesa de 1789 ou da comuna de 1871. Falavam de ‘termidor’, de jacobinismo…

DN: Não houve imediatamente uma purificação dos ex-responsáveis na nova situação política. Brandos costumes?

RV: Não. Foi o prestígio dos novos protagonistas como Mário Soares ou Álvaro Cunhal, prestígio esse construído na resistência ao regime de Salazar e Caetano, ou o do MFA, que derrubara o regime, que impediu que as pessoas fizessem justiça elementar com os seus carrascos da véspera. O MFA tratou de despachar Tomás e Caetano para longe, primeiro para a Madeira e depois para o Brasil. Os pides quase não foram julgados. Houve apelos repetidos a que os representantes do regime deposto fossem poupados em nome da superioridade moral da democracia.

Quando se fala de violência da revolução esquece-se que o período mais violento da revolução foi protagonizado pela direita no verão quente (com atentados terroristas) e que os ditadores «fugiram», com a benevolência do novo regime.

Este é um tema difícil porque criou-se a ideia, sem qualquer lógica, de que numa sociedade normal cometem-se crimes e as pessoas são correctamente julgadas, mas quando há mudanças de regime há uma ideia de senso comum que o julgamento já é vingança e não justiça?! Falamos de ditadores que têm sob a sua responsabilidade uma polícia política que matou pessoas – devem ser julgados, de forma justa. Mas julgados. Não se trata de vingança mas de elementar justiça democrática.

DN: Porque foi o MFA conivente com o não julgamento de Caetano e Tomás e o consequente exílio brasileiro?

RV: O MFA quis ver-se livre deles quanto antes. Recorde-se que o MFA, num primeiro momento, entregou o poder a uma Junta de Salvação Nacional onde estavam generais que tinham feito parte do regime deposto. A preocupação de Marcelo Caetano em 25 de Abril foi entregar o poder a Spínola para que «o poder não caísse na rua», para usarmos a sua expressão. A intenção de Spínola não seria certamente a de ajustar contas com o regime de que fizera parte.

Na Madeira porém tiverem que sair mais cedo para o Brasil porque uma manifestação e 20 000 pessoas invadiu o Funchal exigindo que saíssem da ilha.

DN: O MFA é ultrapassado pelo povo nos dias que se seguem à Revolução?

RV: Sem dúvida. Fazem mais de 10 comunicados apelando às pessoas para que não saíssem à rua, que ficassem em casa. Em vão. O próprio Salgueiro Maia, aplaudido carinhosamente no Largo do Carmo, quando nesse dia 25 discursa pedindo às pessoas para irem para casa é apupado.

DN: Considera que o poder não caiu na rua durante 1974/75. Não é uma suavização dos próprios acontecimentos?

RV: Não, acho essa visão exagerada. O poder não caiu, entrou em crise. O poder de Estado ficou sobretudo na mão do MFA e dos partidos políticos PS e PCP – e paralelamente constitui-se um outro poder, o poder dor organismos paralelos. O Estado ficou dirigido por estes sectores, não pelos trabalhadores. Isto a um nível puro porque na realidade as comissões são muito influenciadas pelos partidos e os partidos e o MFA têm sectores que se dividem que vão apoiar este outro poder.

DN: Até que ponto houve uma rutura entre o anterior e o novo regime?

RV: Houve pelo menos duas rupturas de regime. Nunca houve ruptura do Estado, ao contrário do que se diz. O Estado permaneceu sempre um Estado capitalista, não se deu essa alteração, o que mudou foi o regime político. Entrou o Estado em crise porque paralelamente a ele criou-se outro poder, e havia uma disputa entre esses poderes, mas entrar em crise não é colapsar. São coisas muito diferentes.

DN: O sistema partidário criado à época era correto ou, 40 anos depois, mostra que foi apenas o possível?

RV: Os partidos criados na época, até pelos nomes, reflectem que houve uma revolução. Veja: ainda hoje temos um partido neoliberal que se intitula social-democrata (popular democrático na época) e o partido mais à direita do espectro político chamava-se democrático e social. Nenhum dos partidos, nem mesmo os de direita, se reclama herdeiro do regime de Salazar e Caetano.

À esquerda, o Partido Comunista, no espaço de um ano, passa de 2 ou 3 mil militantes para 100 mil. Porquê? Porque é, como reivindica, «o grande partido da resistência antifascista» e por que ganha muito espaço no aparelho de Estado, ao entrar para o Governo. O PS cresce também à sombra dessa herança de resistência de sectores mais de classe média, advogados, doutores e também á sobra dos lugares que os seus quadros ocupam no aparelho de Estado. E porque consegue vender aos Portugueses, órfãos da miragem das colónias, de um país que ia «do Minho a Timor», como afirmava a propaganda salazarista, uma outra miragem, a da integração na Europa dos ricos, a Europa da CEE. Foi o tempo da ‘Europa Connosco’, já depois do fim da revolução, em que os chefes de Estado dos países mais ricos da Europa, como a Alemanha Ocidental, o Reino Unido ou a Suécia, desfilaram por Portugal dando o seu apoio, moral e material, à construção do PS.

Hoje todos esses projectos políticos estão em crise. A social-democracia foi roída por dentro pelo neoliberalismo e hoje o PS, como os seus parceiros europeus, quase não se distingue dos partidos de direita, PSD e CDS, aliás seus parceiros no memorando que nos acorrenta à troika. O PCP, mais de vinte anos depois da queda do muro de Berlim e do fim da URSS, continua ligado a um passado de dependência política do bloco de Leste. Resiste, mas num estado de orfandade política. Para usar uma imagem hegeliana, nem chegou à antítese (contestação de regimes que enviavam os opositores para o Gulag), quanto mais a uma síntese superior. Há portanto espaço para novas alternativas. Mas nenhum dos projectos da esquerda radical de 75 vingou. O Bloco não é herdeiro da herança da revolução – não existe um programa, alternativo ou classistas ou sequer anticapitalista. O Bloco é herdeiro dos escombros do programa social-democrata. É uma país muito curioso porque objectivamente tem todas as condições para uma nova explosão social (imobilidade e regressão social, pobreza, desencanto com o regime parlamentar), e isso não tem qualquer reflexo subjectivo, organizativo. Vivemos um desencontro histórico das classes trabalhadoras com as suas estruturas organizativas. O velho já não é e o novo ainda não é.

DN: Contrapõe à sentença de “uma revolução sem mortos” com os “13 anos de horror nas colónias”. Por norma o passado colonialista dos militares de Abril não é branqueado?

RV: Não é branqueado, mas é esquecido. A revolução tem dois actos, o acto das revoluções anticoloniais e o acto da revolução na metrópole. Não é preciso ser cristão para acreditar na possibilidade de redenção das pessoas. O facto de, no seio das forças armadas, sustentáculo do regime deposto, ter surgido – graças ao impacto da luta dos povos das colónias – o MFA, que o derrubou, redimiu o exército colonial aos olhos das pessoas. E muita gente que certamente não se orgulha do papel que teve na guerra mudou genuinamente e ajudou a fazer um país melhor. Gosto desta ideia – as revoluções mudam realmente as pessoas. Por isso não compreendo a desilusão – há alguma dúvida que somos muito melhores hoje do que em 1973 mesmo com tudo o que está por fazer?

DN: Refere-se muitas vezes que os arquivos do antigo regime foram saqueados pelo PCP. É verdade?

RV: Referi que existe essa dúvida, se parte do arquivo da PIDE teria ou não sido enviada para a URSS. Creio que essa dúvida permanece.

DN: Os historiadores portugueses têm feito o seu trabalho para fixar o 25 de Abril de 1974?

RV: Têm, tem-se estudado muito, no campo social, agrário, dos militares, da influência estrangeira. Mas há muito por fazer. Está por fazer no período da revolução a história da Intersindical, das mulheres, da educação, do movimento estudantil, dos governos provisórios, da maioria dos partidos.

DN: E dos acontecimentos que se lhe seguem?

RV: Sim, também. A história do período da contra revolução está por fazer. Suspeito que é também um processo – no 25 de Novembro acaba a dualidade de poderes nos quartéis mas não acabam as ocupações de terras nem a democracia nas fábricas, isso vai levar tempo. Já sabemos como se dá o processo na reforma agrária mas não como se dá na inversão do controlo operário. É uma parte que me interessa muitíssimo descobrir. Como se pôs fim à revolução. Da mesma maneira que uma revolução não é uma quartelada, é um processo, uma contra revolução também não se resume ao golpe de 25 de Novembro. Há uma história por descobrir aí.

DN: As comemorações do 25 de Abril em 1975 mostram já a desunião ideológica que permanece – sob o conceito atual do consenso – no pós-Revolução em torno da independência nacional. Portugal está condenado a ser periodicamente um protetorado?

RV: Portugal não foi assim tantas vezes um protectorado. Num país com mais de oito séculos de história, isso foi certamente a excepção, não a regra. Foi-o no tempo dos Filipes, foi-o episodicamente durante o consulado de ‘el-rei Junot’, durante as invasões francesas (1807-08), terá sido no tempo do Beresford, entre 1809 e 1820, até à revolução liberal. Poderá tê-lo sido em finais do século XIX, no seguimento da bancarrota de 1892, mas não tenho a certeza. Não é a minha área de especialização.

Agora, a manter-se o actual quadro social e político, e com dirigentes que acham o máximo da realização pessoal virem a ocupar um cargo na Goldman Sachs, essa possibilidade existe. Mas a verdade é que os períodos de protectorado em Portugal sempre acabaram com alguém atirado pela janela do palácio ou a fugir à frente de uma revolução. Por isso, mantenho o optimismo. Adoro viver neste país…

----xxx----comentário de S.:

O povo português não é muito dado a revoluções, e a última vez que se revoltou foi na Maria da Fonte, por uma causa aliás pouco nobre. Sem a nobreza não tinha havido 1º de Dezembro, sem parte da tropa não tinha havido 5 de Outubro, sem a tropa não tinha havido 28 de Maio, e o mesmo em 25 de Abril. Os portugueses são mansos ou se não são ainda não foram empurrados para lá dos limites da mansidão. Curiosamente onde o povo mais claramente se manifestou foi no apoio a D. Miguel, como até Oliveira Martins reconheceu. Portanto tenhamos algum cuidado nos lirismos em redor do “Povo” quanto a manifestações revolucionárias. O que eu aliás lamento, pois fôssemos nós um pouco mais briosos e há muito que nos tinhamos livrado desta cáfila oligárquica que nos espezinha sistematicamente.



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Segunda-feira, 14.04.14

 

 

 

 

 

 

 

Série de 4 Postais presentes na exposição do nosso comentador regular "Zé das Esquinas"

 

EXPOSIÇÃO de 9 de Abril a 16 de Maio de 2014

ASSOCIAÇÃO 25 de ABRIL

R. da Misericórdia 95 . Lisboa



Publicado por [FV] às 11:30 | link do post | comentar

Domingo, 13.04.14

Um País Suicidado... 40 Anos Depois... 

   Aproxima-se o 40º aniversário da Revolução do 25 de Abril de 1974. Na madrugada libertadora desse dia, o Movimento das Forças Armadas iniciou um conjunto de operações militares, as quais seriam coroadas de êxito e puseram fim a uma ditadura que oprimia o povo português há 48 anos.

    A assinalar a efeméride e para além das Comemorações Oficiais, vão existir por todo o país Comemorações Populares do 25 de Abril. Em ..., um grupo de cidadãos e cidadãs desta terra, procurando corresponder às aspirações da população, entendeu que não poderia ficar indiferente àquela data, pelo que se assumiu como Comissão Promotora das Comemorações Populares do 25 de Abril. Nesse sentido, convida toda a população a associar-se às Comemorações ...

Filmes sobre o 25 de Abril   (-por H.Matos)

A HORA DA LIBERDADE (1999 - Joana Pontes)

 



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Sábado, 12.04.14

40 anos de Abril: Jantar comemorativo

 «Dizem-nos que não há alternativa. Que a austeridade é perpétua. Que é preciso empobrecer. Que a desigualdade é natural. Que é preciso comer e calar. Que quem não quiser, vá embora. Que é proibido assustar os mercados. Que se suspenda o futuro, a cidadania e, se preciso for, a democracia.
40 anos depois do 25 de Abril, este é o discurso de um poder determinado em proceder ao ajuste de contas com esse «dia inicial inteiro e limpo» de que nos fala Sophia. 40 anos depois, é preciso «incendiar de astros e canções as pedras do mar, o mundo e os corações», como no canto do poeta José Gomes Ferreira. Erguer a voz. Sempre e sempre resistir. Não desistir. Juntar forças, soltar amarras, construir pontes. E assim erguer as alternativas que cumpram a estrada da democracia que Abril abriu.»   Inscrições aqui.
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Novo normal grego?     (-por Nuno Teles, 10/4/2014, Ladrões de B.)

    O Estado grego conseguiu ontem “regressar aos mercados” com uma emissão de obrigações a cinco anos abaixo de 5%. Se o caso português era estranho, o grego parece digno da “twilight zone”. Um país, com uma dívida pública de 180% de um PIB que tem estado em contracção ano após ano e com uma taxa de desemprego quase nos 30%, consegue endividar-se nos mercados internacionais a baixo custo. A explicação para este sucesso reside em vários factores, alguns deles também se aplicando a Portugal.
     O primeiro é a actual abundância de liquidez nos mercados financeiros em boa parte devida ao juro baixo e às injecções de liquidez que a compra de títulos por parte de bancos centrais induz nos mercados. O resultado é que os títulos dívida cobram um juro baixo, introduzindo incentivos ao investimento noutras paragens com juros mais altos e pressões deflacionárias. Investir em dívida grega será uma das alternativas, sendo outra a compra de acções cujos mercados dão preocupantes sinais de bolha especulativa.
    O segundo factor, ainda de ordem externa, encontra-se no enquadramento legal britânico, e não grego, desta emissão de obrigações. Os credores ficam assim protegidos ao abrigo da lei britânica, dificultando assim qualquer futura reestruturação destas obrigações. Seria interessante perceber o que se passa no caso português.(é semelhante!)
    O terceiro factor encontra-se no “sucesso” grego. A economia e o povo grego podem estar de rastos, mas o Estado grego conseguiu um saldo primário (saldo orçamental sem as despesas de serviço da dívida) positivo e um saldo externo equilibrado. Se tais feitos têm pouco ou nenhum reflexo na vida dos gregos, a margem de negociação com os credores oficiais aumenta. Assim, se neste momento o Estado grego já beneficia de taxas de juro baixas e prazos alongados de amortização dos seus empréstimos com a troika, é bem provável que num futuro próximo as condições de pagamento sejam novamente aligeiradas. Aparentemente num novo prolongamento do prazo para 50 anos, um congelamento da taxa de juro e uma extensão do período de carência de juros estão já em cima da mesa.
    Conclusão:      é possível que para a Grécia, como para Portugal, um período de estabilização da economia comece agora. A dívida continuará a ser um lastro sobre a economia e a austeridade regra política durante muitos anos. Qualquer recuperação económica robusta que diminua significativamente o desemprego estará arredada. Só uma alteração do panorama político, mais provável ainda assim na Grécia do que em Portugal, poderá desencadear uma mudança profunda da economia e sociedade grega. No entanto, o futuro não parece risonho também neste campo. Definitivamente, não basta fazer apelos vagos a uma outra Europa e esperar capitalizar com o descontentamento.

                 Ensandecer

Lembram-se da titularização de dívida, onde esta era dividida em diferentes tranches de risco e depois revendida em mercado? Sim, aqueles títulos tóxicos que quase fizeram a economia implodir em 2008. Pois bem, o BCE e Banco de Inglaterra querem aligeirar a regulação de forma a reactivar este mercado na Europa.
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ACELERAR NUM BECO SEM SAÍDA PENSANDO QUE É UMA AUTOESTRADA   (JPP, Abrupto)

       Se a coisa não fosse grave, mais do que isso, muito grave, a vida pública portuguesa seria tão aborrecida como a química do néon. ... Hoje, a nossa vida pública parece o néon, nada reage com nada, apesar do absurdo em que vivemos, apesar das malfeitorias quotidianas. E este absurdo vem de que qualquer pessoa que se debruce sobre o que verdadeiramente se passa e não sobre a nuvem de propaganda e retórica, percebe com absoluta clareza que nada está a mudar, enquanto as pessoas e o país pagam um custo enorme em nome de uma mudança inexistente. Pagaram e muito e vão ficar de mãos a abanar.
     Quando esta “gente”, como o PM gosta de chamar aos seus opositores, for varrida do mapa político, o país continuará com os mesmos problemas estruturais de crescimento, a mesma estagnação ou pior, e nenhum adquirido sustentável. Nem no deficit, nem na dívida, nem em nada. Com o tempo, a complacência política da troika, que se seguiu à hostilidade inicial resultado da queda de um Sócrates muito estimado pela senhora Merkel (convém não esquecer), será esquecida, e 4% de deficit será 4% e não os 2 previstos, e 130% da dívida será 130% e não os previstos. Ou seja, no fim do memorando, na “restauração” do 1640 de Portas, nada do previsto foi alcançado. A instabilidade política crescerá, a instabilidade social, idem, e os impasses actuais mostrarão a sua face soturna. E acelerar num beco sem saída, que é a política do governo, conduz-nos a bater violentamente na parede. Seguro fará o papel da espuma que se deita nas pistas para impedir os incêndios, mas a parede está lá, cada vez mais perto. O resto é magia.
NAVIO FANTASMA: COMO É QUE SE CHAMAM OS CORTES PARA QUEM É DESPEDIDO?
     Vai haver novos cortes? Não, o governo garante que não vai haver "aprofundamento" dos cortes. O que é que significa "aprofundamento"? Não sei. Sei que um corte que é provisório e passsa a definitivo é "aprofundado" e muito. Vai haver "poupanças" na despesa? Sim. Como? Despedindo um número significativo de funcionários públicos. Como é que, para quem é despedido, se chamam os cortes?
      A guerra orwelliana do significado prossegue em pleno.


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Sábado, 29.03.14

Nas Portas de Santo Antão às portas de Abril (-por A.Paço)

    A este propósito, republico um texto do João Mesquita (já falecido).

A um mês da queda da ditadura, os expoentes máximos do «canto de intervenção» actuaram no Coliseu de Lisboa, perante milhares de pessoas. Ninguém adivinhava o que aí vinha. Mas, quem lá esteve, sentiu que a liberdade estava a passar por ali.

«Grândola, vila morena/ Terra da fraternidade/ O povo é quem mais ordena/ Dentro de ti ò cidade.»  Quando cinco mil pessoas, de pé, de braço dado e inclinando-se compassadamente, ora para a esquerda, ora para a direita, começaram a entoar a mítica canção de José Afonso, o soalho de madeira do velho Coliseu dos Recreios transmitiu a sensação de poder ruir em qualquer altura.  Mas não foi isso que fez que um arrepio fosse subindo pela espinha da multidão.  No palco, exactamente do mesmo modo, alguns dos nomes mais importantes da chamada música popular portuguesa cantavam igual melodia. Só isso era absolutamente inédito no Portugal de então.  No seu conjunto, o ambiente dava a sensação de que, mais do que um grande espectáculo ou uma grande festa, era algo de histórico que estava a acontecer.

     As cinco mil almas que, naquela noite de 29 de Março de 1974, se deslocaram ao lisboeta Coliseu dos Recreios – pagando por um bilhete, desde que não comprado na «candonga», 50 escudos –, estavam longe de imaginar que, menos de um mês depois, o regime que tanto detestavam estava derrubado. Muito mais: que a «Grândola, Vila Morena», por elas entoada em coro (haviam começado a fazê-lo em pequenos grupos, aliás, ainda antes de o espectáculo se iniciar), seria o sinal para o arranque das operações militares que levariam à queda de Marcelo Caetano. Mas quando o I Encontro da Canção Portuguesa – assim se chamou a iniciativa, organizada pela Casa da Imprensa – terminou, era uma e um quarto da madrugada, todos quantos nele participaram tinham a sensação de terem dado um empurrãozinho para que nada, no País, fosse como até aí.

    O quarteto de Marcos Resende abriu o programa, que desinteligências de última hora com a organização impediram que fosse apresentado pelo radialista José Nuno Martins. «Até é capaz de ser (um grupo) razoável, só que não se chegou a ouvir, dada a maior força dos assobios», escrevia-se no Diário de Notícias do dia seguinte.   Sucedeu-lhe o duo Carlos Alberto Moniz-Maria do Amparo. «Tenho notado a sua presença em locais e encontros completamente opostos. Só se se perderam», anotava Alexandre Pais no República, dando corpo à pouca disponibilidade para concessões então dominante em certos círculos oposicionistas. Veio depois um (quase) ilustre desconhecido. «O meu nome é Manuel José Soares. Peço desculpa de não o ter dito (no início da actuação)», apresentou-se o próprio, que tal como todos os outros, actuou gratuitamente.

    A primeira grande ovação da noite foi para Carlos Paredes e Fernando Alvim. «(Com eles), o público percebeu que uma guitarra não é sinónimo de fado. E que este, gasto em realizações anteriores da Casa da Imprensa, em boa hora não tinha sido para ali chamado», sustentava Regina Louro, também no República. Estava criado o ambiente para a atribuição dos prémios da associação mutualista dos jornalistas, anunciados por Joaquim Furtado e atribuídos por um júri que integrava os críticos José Duarte e Tito Lívio e os radialistas João Paulo Guerra e José Manuel Nunes. A maioria deles não provocou estrondo – Carlos Trincheiras, no bailado; António Victorino de Almeida, na TV; Jorge Peixinho, na música erudita; António Ramos Rosa, na literatura; Vasco Barbosa, como instrumentalista; Nela Maysa, como pianista; Elsa Saque, como cantora lírica. Mas os restantes dois deram brado. Um foi para o programa radiofónico Página Um, da Rádio Renascença, e entre os que o receberam encontrava-se Adelino Gomes, então já afastado da rádio e a trabalhar na revista Seara Nova. O Diário de Notícias chegava a garantir que o prémio não fora atribuído e O Século ocultava o nome de Adelino.   O outro foi para Sérgio Godinho e José Mário Branco, pelos seus álbuns de estreia – Os Sobreviventes e Mudam-se os Tempos, Mudam-se as Vontades, respectivamente. Os dois cantores encontravam-se exilados em França e, portanto, «não puderam comparecer», como dizia O Século. Mas pouca gente recebeu tantos aplausos como eles. Afinal, canções como «Romance de um dia na estrada», de Sérgio, ou «Queixa das almas jovens censuradas», de Zé Mário (com letra de Natália Correia), corriam já de boca em boca.

    Após o intervalo, a primeira actuação foi dos espanhóis Viño Tinto. Também estes, ainda que por razões bem diferentes, estiveram para «não comparecer». É que a gerência do hotel lisboeta onde se hospedaram reteve-os por uns tempos, quando se apercebeu de que se preparavam para sair sem que a respectiva conta estivesse liquidada. A direcção da Casa da Imprensa lá resolveu o problema. José Carlos Ary dos Santos, que surgiu a seguir no palco, é que teve de resolver o seu sozinho. Parte da assistência não lhe perdoou, entre outras coisas, o envolvimento nos Festivais RTP da Canção. E desatou a assobiá-lo. Como de costume, Ary não se ficou: «Eu venho para dizer poesia. Se não gostam, manifestem-se no fim.» Abandonou o palco sob aplausos, depois de ter declamado «SARL».

    A Ary sucederam-se – não necessariamente por esta ordem – José Barata Moura, o grupo Intróito, Manuel Freire, Fernando Tordo (a sua, e de Ary dos Santos, «Tourada», também foi mal recebida, ou não tivesse sido concorrente aos contestadíssimos festivais televisivos da época), Fausto, Vitorino, José Jorge Letria e, finalmente, Adriano Correia de Oliveira e José Afonso.   Zeca «atacou» logo com «Grândola». Depois, cantou «Milho Verde», a outra canção sua cuja interpretação foi autorizada pela Censura.   A seguir, chamou todos os restantes cantores ao palco, estes deram os braços, começaram a bater, ritmadamente, com os pés no chão, as luzes apagaram-se na sala. «Grândola, vila morena…», ouviu-se novamente, desta vez em coro. Cinco mil pessoas levantaram-se, como se uma mola as tivesse impulsionado. Deram igualmente os braços. E cantaram, também elas: «… terra da fraternidade…».

    No fim, houve quem tivesse entoado o hino nacional. Mas deu a ideia de que mesmo esses, se pudessem, cantariam antes «A Internacional».   Só que ainda faltava um mês para o derrube de Marcelo, a polícia de choque estava estacionada nas proximidades, a sala tinha pides espalhados por todos os cantos, a liberdade de expressão não era especialmente apreciada pela ditadura.  Que o digam os artistas que, no fim do espectáculo, foram interpelados pela então denominada Direcção-Geral de Segurança.  Ou os que, para evitarem tão desconfortáveis encontros, saíram pela porta dos fundos…   -  in António Simões do Paço (coord.), Os Anos de Salazar, vol. 30, O Povo é Quem Mais Ordena, Planeta DeAgostini, 2008, pp. 154-157.



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Sábado, 04.01.14

           Abril  em  2014     (-por Miguel Cardina, Arrastão, 2/1/2014)

    A curva do ano é o local onde se encontram analistas e profetas. Os primeiros observam episódios e esmiúçam o sentido do ocorrido. Os segundos perscrutam o horizonte em busca dos sinais do tempo que virá. Uns e outros encarregam-se nestes dias - nas televisões e nos jornais, nos blogues e no facebook - de desenhar sínteses sobre o ano que passou e o ano que virá.

Em 2013 o governo tremeu mas não caiu. Foi ano de manifestações importantes, da saída de Relvas e Gaspar, da invenção de um novo sentido para a palavra “irrevogável”. Aprofundou-se a política de austeridade, empresas públicas rentáveis entraram em processo de privatização, atacou-se o Estado Social. Apercebemo-nos também que, neste momento, ocorre um fluxo emigratório só comparável ao que aconteceu na década de 1960, num contexto em que existia fome, ditadura e guerra colonial.

Em 2014 teremos eleições – europeias, certamente; legislativas, provavelmente. O resgate sofrerá uma mutação mas, com o predomínio dos mesmos, teremos as mesmas políticas. E o ano será também marcado pelas comemorações dos 40 anos do 25 de Abril. Não é preciso ser um visionário encartado para prever que as forças políticas e sociais vão disputar bastante – como nunca se disputou – esse momento simbólico.

Basta lembrar-nos do que aconteceu em 2004 - com o famoso “Abril é evolução” - para percebermos como o governo e as forças que o suportam não terão pejo de reler o momento à luz das suas necessidades políticas. Mesmo que distante do espírito de Abril, a direita portuguesa irá encontrar formas de o comemorar, retirando-lhe toda a carga conflitual e emancipatória e inventando um palavreado oco sobre o “país”, a “mudança”, a “democracia” e o “Abril que é de todos”.

Será preciso recordar-lhes que o país mudou apesar da direita. E que as conquistas democráticas alcançadas – não só de natureza política, mas também social e económica – foram feitas contra o poder ancestral dos interesses que esta direita hoje representa. Na verdade, as políticas de austeridade em curso – privatizações, destruição das funções sociais do Estado, empobrecimento – são uma espécie de programa histórico da direita portuguesa, aplicado sob assistência. O entendimento do Tribunal Constitucional como uma “força de bloqueio” mostra bem como este programa histórico tem aspetos de revanche objetiva contra o processo de construção democrática do país.

Sabe-se que a memória de Abril é plural: condensa a queda da ditadura e a conquista da liberdade; o fim da guerra colonial e a independência das ex-colónias; disputas agudas pelo poder e o surgimento de lutas sociais que alargaram a “dimensão do possível” e envolveram segmentos da população que até então tinham permanecido silenciados. Quarenta anos depois, devemos lançar um olhar analítico sobre esse passado e os seus lastros. Também por isso, fazê-lo implica recusar os discursos que, por rotina mole ou interesse cínico, pretenderão liofilizar Abril.


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Segunda-feira, 25.11.13

               Ramalho Eanes           (-por V.Moreira)

     A homenagem ao primeiro Presidente da República da era constitucional-democrática é inteiramente merecida. Como poucos dos que tiveram intervenção na implantação do regime democrático em Portugal ele passou o teste do tempo, com sabedoria, equilíbrio, modéstia e moderação. E sem ressentimentos!     Virtuosos não são os homens de Estado que presumem nunca ter errado mas sim os que sempre procuraram agir acertadamente.
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    25 de Novembro de 1975: um dia final que não foi inteiro nem limpo      (-por Raquel Varela)

Alguns historiadores, e certamente a maioria da população, consideram que o regime democrático-representativo tem origem na revolução portuguesa de 1974-1975. Esta visão confunde, cremos, aquilo que é a revolução com a contra-revolução, dois momentos distintos de um mesmo processo histórico.   Esta visão omite que existe um período de regime distinto entre o fim da ditadura – a 25 de Abril de 1974 – e o início do regime democrático, cuja construção se inicia a 25 Nov.1975.   Trata-se de um período marcado por aquilo que se designa historicamente como formas de democracia directa ou como a existência de um duplo poder, um poder paralelo ao Estado assinalado pelo protagonismo dos trabalhadores, diversos sectores/fracções desta classe social. Confesso que acho o equívoco, não para o senso comum, mas entre historiadores, pesado. Porque ele confunde formas de Estado, Regime e Governo.

      Houve vários Governos em Portugal desde sempre. O Estado foi sempre, mesmo em crise, um Estado capitalista (nunca houve um Estado Socialista em Portugal mas um Estado em crise marcado pela existência de poderes paralelos, em 1974-1975). Mas houve vários regimes dentro do Estado: ditadura, os regimes que perduraram durante a revolução, o regime democrático-representativo.

    Está por discutir, e não o fazemos aqui, qual a natureza dos regimes, se é que houve mais do que um, durante o biénio 1974-1975. Teria sido dominante um regime kerenskista durante este biénio, por alusão ao regime de Kerensky depois de Fevereiro de 1917 na Rússia? Há um regime semi bonapartista depois de 11 de Março de 1975, primeiro pressionado pelo PCP (Documento Guia Povo-MFA) e depois pelo PS e a direita (IV Governo)?

Independentemente dos regimes que vigoraram no biénio 1974-1975, a revolução tinha um curso, passo a tautologia, influenciado e influenciante dos regimes. Mas ainda assim um curso independente marcado pelos organismos de duplo poder. Neste sentido, compreende-se que é reducionista considerar que a democracia é filha da revolução. A democracia-directa é filha da revolução, a democracia representativa é filha da contra revolução.

Muitas vezes esta expressão é de imediato alvo de críticas que consideram que ela acarreta mais uma visão ideológica do que histórica. É uma pressão injusta porque a outra visão, que omite ou desvaloriza a existência de uma situação de duplo poder, é muito mais alvo da pressão ideológica de um país que não ainda fez contas – e por isso tem mais dificuldades em fazer história – com um estranho passado:

   1) Um passado em que os mesmos militares que fizeram uma guerra (colonial) terrível contra povos indefesos em África, alguns deles, corajosamente, derrubaram a ditadura a 25 de Abril de 1975 (com o chamado MFA - Movimento das Forças Armadas que, com a adesão popular, se tornou na Revolução dos Cravos).

   2) Um país onde muitos destes militares (Grupo dos 9) que derrubaram a ditadura se juntaram numa ampla frente para pôr fim ao duplo poder, à revolução, num golpe de Estado a 25 Novembro de 1975, que termina com a prisão em massa dos militares afectos às perspectivas revolucionárias que pugnavam por um deslocamento do Estado e não só do regime (a maioria naquilo que se chamou então teorias «terceiro-mundistas»).

   3) Um país onde a democracia liberal encaixou os Partidos que são a constituinte do regime desde então, num amplo pacto social, que implicou desmantelar a origem da pressão para o deslocamento do Estado, isto é, a dualidade de poderes nos lugares de trabalho (comissões de trabalhadores), no espaço de moradia, na administração local e reprodução da força de trabalho (comissões de moradores) e finalmente, a partir de 1975, aquilo que Mário Soares designou como a «sovietização do regime», isto é, a dualidade de poderes emergente nas Forças Armadas.

   4) É ainda uma memória que pesa porque o Partido que teve um papel heróico contra a ditadura – o PCP – aceitou não resistir ao 25 de Novembro assumindo publicamente, pela mão do seu líder de então, Álvaro Cunhal, que a esquerda militar se tinha tornado um fardo para o PCP porque a sua actuação punha em causa o equilíbrio de forças com os 9 e os acordos de coexistência pacífica entre os EUA e a URSS.

     Foi a partir de 25 de Novembro de 1975 que se inicia um novo regime – paulatinamente é verdade, uma vez que a revolução leva mais de 10 anos a ser derrotada e a força de trabalho flexibilizada (a partir de 1986-89), a contra-reforma agrária a ser feita bem como a progressiva erosão do Estado Social com as privatizações.   Mas foi nesta data que se dá o retorno à disciplinarização da produção para a acumulação de capital, aliás reconhecida publicamente no discurso do chefe militar do golpe, o general Ramalho Eanes, nas celebrações do segundo aniversário do 25 de Novembro de 1975.

    Mas o papel dos historiadores não é fazer a história da memória nem arrumar a escrita da história na gestão das relações de forças sociais do momento.

Existe ainda hoje uma intensa polémica à volta do que foi o 25 de Novembro – e há dados que ainda não estão totalmente esclarecidos – porém é indiscutível que esta data marca o início do fim da revolução e a consolidação daquilo que António de Sousa Franco, insuspeito apoiante do PSD, economista e cientista social, chamou a «contra revolução democrática» e que, fruto da força ideológica dos vencedores é hoje apelidado de «normalização democrática».

     Há porém algo que ninguém pode questionar. Independentemente das tendências bonapartistas levadas a cabo pelo PCP no IV Governo e exactamente nas mesmas tendências dominantes no VI Governo, liderado pelo PS (o V Governo a contrario do veiculado é dos mais moderados nas medidas, e instáveis), ambos reflectindo uma acirrada disputa pelo Estado, estava em curso um processo revolucionário. Estava em curso a maior revolução da história da Europa do pós guerra e uma das mais belas do século XX, belas é mesmo o termo, em que o Estado tinha que negociar sistematicamente com organismos de duplo poder (organizados de facto ou não, até maio de 1975, e a partir daí coordenados regional ou sectorialmente).

     Historicamente existem várias formas de revoluções e várias de contra-revolução. Da mesma forma que uma revolução é um processo histórico que não se resume a um golpe militar, uma quartelada, a contra-revolução não é um processo histórico que possa ser resumido a um golpe violento que instaura uma ditadura. Na verdade nasce a contrario do exemplo português, e seguindo o sucesso de Espanha desse ponto de vista, um laboratório de processos contra-revolucionários que nada têm a ver com o modelo Chileno (um golpe contra revolucionário feito sob as botas de uma ditadura militar).   Este modelo «pacífico» de contra-revolução (hoje enquadrado pelo conceito teleológico de «transições para a democracia») será adoptado pelos EUA para  sua política externa, a célebre teoria Carter – e aplicado depois nas ditaduras latino-americanas. Um modelo que se centra na ideia de pôr fim às revoluções ou evitá-las criando uma base social eleitoral, no quadro do regime democrático-representativo, isto é, uma transição para uma democracia liberal, que evite a ruptura revolucionária.

     Em 25 de Novembro de 1975 não começou um país mítico de sonho, de igualdade e justiça, alicerçado num Pacto Social duradouro. Começou o fim de um sonho, de gentes pobres, quantas analfabetas, estudantes, intelectuais, trabalhadores de diversos sectores que não acreditavam só utopicamente numa sociedade mais igual, acreditavam, e essa é a história da Revolução de Abril, que podiam ser eles a fazê-la, a construi-la, em vez de delegar nos outros esse poder.



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Segunda-feira, 22.04.13

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