Quarta-feira, 27.11.13

  Um orçamento contra o país do meio   (-por D. Oliveira, 27/11/2013, Arrastão e Expresso online)

      A conversa sobre a retoma da economia, a luz ao fundo do túnel e o regresso aos mercados é a banda sonora. O Orçamento de Estado é o guião. E a banda sonora da comédia romântica não cola com o filme gore. Porque começamos a ter alguma tarimba em austeridade, sabemos exatamente o que acontecerá: entre as previsões e a realidade qualquer semelhança será pura coincidência.

      O caminho determinado por este orçamento não resulta apenas de incompetência. O "ajustamento interno" que a troika e o governo pretendem, correspondendo à contração da economia, quer simular, de forma tosca, uma desvalorização monetária.   Que permita garantir o crescimento por via da redução dos custos de trabalho e redução do consumo.  E isto já nos foi explicado com todas as letras:   temos de empobrecer para encontrar um novo lugar na economia do euro.   Um lugar que, um dia, acabará mesmo por garantir o nosso crescimento.  Mas em moldes sociais e económicos completamente novos, mais habituais nos países subdesenvolvidos.   Isto, e não as delirantes metas definidas pela troika, é que interessa. Elas nunca foram para cumprir. E por isso mesmo a troika, nas suas avaliações, pouca relevância lhes tem dado.  As metas são a motivação para a austeridade.  A austeridade não é o meio para cumprir o memorando de entendimento e o que lhe venha a suceder.  É o meio para garantir esta assustadora engenharia social. Que permitirá, de caminho, esmifrar a economia nacional, transferindo todos os recursos ainda disponíveis para os credores.

      Manter o IVA e o IRS onde estão, punindo os consumidores, as pequenas empresas e os trabalhadores, enquanto se desce o IRC, que apenas beneficiará grandes empresas que já têm lucro, é uma escolha política.   Fingir que se exige qualquer esforço real à banca e empresas de energia (que é imediatamente compensado pela queda do IRC) e às concessionárias das PPP (que só reduzem a as compensações que recebem na medida em que vão reduzindo os serviços que garantem), enquanto se assalta o contribuinte, o trabalhador e o reformado, é uma escolha política.    Dizer que, em caso de chumbo do Tribunal Constitucional, o plano B passa por mais impostos pagos pelos de sempre, mantendo intocados os interesses que têm sido poupados, também é uma escolha política.   E estas escolhas não resultam de teimosia.   Se digo que são políticas é por terem uma racionalidade. E a sua racionalidade corresponde à estratégia de empobrecimento definida pela troika. Que implica perda de rendimento.

      Muitos pensavam que esta estratégia de empobrecimento teria como principal alvo os mais pobres. Isso seria apenas sadismo e, havendo pouca margem para os empobrecer, não teria grande efeito na economia.   A redução do consumo e dos salários (os dois principais instrumentos para, com a redução da despesa pública, contrair a economia) passa pelo empobrecimento de quem consome e de quem tem salários acima do limiar de sobrevivência: os trabalhadores (e também os reformados) que ainda não são mesmo pobres. São eles que "inflacionam" os custos do trabalho e, com o seu consumo, aumentam as importações.

      A vitima preferencial é o país do meio (que não é, longe disso, apenas a classe média), que aproxima os seus rendimentos dum país de baixo cada vez mais maioritário e se afasta cada vez mais das classes mais altas.   É através do seu empobrecimento que esta macabra engenharia social se faz.   A ideia não é pôr todos na miséria e causar o colapso político e social do país, apesar de, no meio de tanta irresponsabilidade, tal poder vir a acontecer. É pôr quase todos próximo do limiar da pobreza, a produzir barato para consumir apenas o indispensável, exportando quase tudo o que se produz e não importando quase nada para consumir.   Os mais qualificados e mais jovens, que não quiserem participar neste desígnio nacional, emigram. Esse é o investimento que fizemos e oferecemos de borla a outros países.   Aqui fica a mão de obra barata que trabalhará apenas para exportar e pagar a dívida e os seus juros, numa das maiores transferências de riqueza para o exterior a que este país já assistiu.  Isto, claro, se a estratégia resultar.

      O que nos é proposto é passarmos a ocupar, na economia global, o lugar reservado para os países subdesenvolvidos.  Como eles, escravos da dívida e da chantagem externa.   A competitividade que nos propõem depende, na política, da ausência de exigência democrática.   Na organização social, da ausência de mobilidade e dos serviços públicos que a facilitam.   Na economia, da ausência de mercado interno e de consumo.   E, para tudo isto, do empobrecimento radical da classe média e dos remediados.   É isso mesmo que significa o orçamento ontem aprovado:   a continuação do ataque ao país do meio.  E assim, dentro da Europa, vamos saindo dela.

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Alvaro Beleza:   o Orçamento Geral de Estado para 2014 agravará o estado do país, uma vez que o Governo “continua a carregar na mesma receita/veneno”, considera que “faz mal à saúde e à educação” e manifesta-se chocado com o aumento das desigualdades, da pobreza e da exclusão, ao mesmo tempo que crescem as fortunas de muitos dos que estiveram na origem da crise que assola o país.



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Quinta-feira, 21.11.13

  M.Soares: Governo e P.R. devem demitir-se "enquanto é tempo".     "Maioria PSD/CDS está a destruir tudo o que resta do património português e a caminhar para uma espécie de nova ditadura". ... alerta "enquanto é tempo", para a "violência que aí vem".  ...

« Um  orçamento  contraproducente,  desonesto  e  cobarde »      «Quatrocentos e cinquenta mil postos de trabalho depois, com 30% das empresas em risco de incumprimento, nós não estamos hoje mais perto de pagar a dívida do que estávamos há três anos atrás. Este orçamento é a continuidade de uma trajectória contraproducente. E é desonesto (...), ao ser baseado num conjunto de pressupostos e de cenários macroeconómicos que são irrealistas, que não serão cumpridos.    (...) E vem envolto numa retórica (...), a retórica do "milagre económico" (...) que está, supostamente, em primeiro lugar, no crescimento das exportações.  Vale a pena termos presentes estes dados: 70% do aumento das exportações, entre Janeiro e Agosto, deveram-se apenas a um factor, (...) o investimento da Galp em Sines. E o crescimento do turismo contribuiu mais para o crescimento das exportações do que todos os outros sectores de actividade económica juntos (se retirarmos a refinação de petróleo). (...) Um sector que é sazonal e que é extremamente volátil. (...) 
     Mas este orçamento também é desonesto. (...) O governo, o que nos diz hoje, é que este é o orçamento para a recuperação do nosso espaço de soberania política. E isto é um embuste lamentável. (...) Nós temos que perguntar se aquilo que o governo pensa que vai acontecer - a ideia de que vamos ter um apoio para regressar aos mercados, sob a forma de um programa cautelar - (...) nos vai permitir resistir (...) mais a pressões externas para que se proceda à reconfiguração da economia e da sociedade portuguesa. E a resposta é não. (...) Este é um orçamento que é cobarde, porque o governo sabe que, daqui a uns meses, a economia portuguesa vai continuar moribunda, que o desemprego vai aumentar e que nós não vamos estar com melhores perspectivas sobre a sustentabilidade da dívida do que estamos hoje. (...) O governo optou por produzir um Orçamento de Estado cujas probabilidades de ser chumbado pelo Tribunal Constitucional são mais que muitas. E não tinha efectivamente necessidade de o fazer.  O governo, mesmo aderindo cegamente ao paradigma da austeridade, tinha formas de prevenir os riscos constitucionais e, já agora, os riscos macroeconómicos, os riscos de acelerar a recessão. E optou por não o fazer. E isto significa basicamente que o governo está a proteger-se para os dias que aí vêm. Quer esconder-se atrás do chumbo, mais que provável, do Tribunal Constitucional, para fazer tudo aquilo que não teve coragem para fazer até agora.»
     Intervenção de Ricardo Paes Mamede, no encerramento do debate promovido pelo CDA, «Rejeitar o Orçamento, afirmar alternativas».
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   Contra  el  euro : a história de uma ratoeira.   (-por J.Rodrigues, Ladrões de B., 19/11/2013)

     Este livro, diz-nos Juan Francisco Martín Seco na introdução, foi escrito com “raiva”, dada a destruição evitável que está sendo gerada na economia, no Estado social e na democracia espanholas.  Felizmente, a “raiva” foi posta ao serviço de uma argumentação clara e racional. As grandes linhas do argumento contra o Euro são conhecidas e o livro apresenta-as claramente, tendo a vantagem adicional de nos mostrar como a atitude das elites económicas e políticas espanholas em relação ao Euro e à integração neoliberal que lhe esteve indelevelmente associada foi tão semelhante à das castas portuguesas: o mesmo egoísmo, a mesma miopia, a mesma arrogância, os mesmos complexos do bom aluno e a mesma atitude moralista imoral depois da crise rebentar – vivestes acima das possibilidades, agora é altura de pagar.
     As causas estruturais da dívida externa elevada são claramente identificadas: o Euro, uma moeda sem Estado, desligado das finanças públicas, e que aumentou as assimetrias entre os Estados realmente existentes, não serve as economias europeias menos desenvolvidas e agora sem meios decentes para gerir a sua inserção internacional. A acumulação de défices da balança corrente foi um sintoma da perda de competitividade, de uma moeda demasiado forte. Agora, os défices são provisoriamente debelados pelo destrutivo e injusto, até porque só recai sobre os assalariados, mecanismo da desvalorização interna. Este deixa um lastro institucional, social e laboral, pesado, tal como a construção do euro, por via essencialmente da liberalização financeira, já o tinha feito. O trabalho de neoliberalização ficaria completo.

-----«Não estamos todos em crise, há 870 portugueses que pelo contrário estão a aumentar os seus rendimentos»  Uma conversa sobre patriotismos, pacto social, crises e alternativas, e outras estórias e histórias, como a mobilização cívica ou a greve dos trabalhadores do lixo de Madrid, deixo aqui  o link de uma conversa na Antena 3, com Raquel Varela e Rui Zink.

----- Os três fatores que determinarão o nosso pós-troika:  Bruxelas, Berlim e Helsínquia.    (D.Oliveira, 21/11/2013, Arrastão e Expresso online)

...   ... Assim, os apelos do presidente para acordos entre partidos, as pressões sobre o Tribunal Constitucional e os pedidos de silêncio de Passos Coelho nas criticas ao programa de ajustamento são para consumo interno. Mais para culpar outros pelas falhas de quem nos governa do que para a defesa dos interesses do país. Nada têm a ver com os mercados, que, tendo em conta a insustentabilidade da nossa dívida, a debilidade estrutural da nossa economia e a camisa de forças do euro, têm os olhos postos em quem pode desbloquear os problemas europeus ou dar as garantias necessárias de que pagaremos até à nossa exaustão.  ...



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Segunda-feira, 28.10.13

    Para  onde  vão  os  nossos  impostos ?  (-por N.Serra, Ladrões de B.)

Prosseguindo os exercícios feitos em anos anteriores, o Nuno Moniz criou, para o Orçamento de Estado de 2014, uma aplicação que permite conhecer, com bastante detalhe, a repartição dos impostos em função da composição dos agregados familiares e dos seus níveis de rendimento salarial. Assim, uma família com dois filhos menores e com rendimentos líquidos mensais na ordem dos 2.000€ (em que, por exemplo, cada membro do casal aufere um rendimento de 1.000€), desconta em IRS quase 30% dos seus proventos brutos.
    Deste volume global de impostos (818€ mensais), a maior fatia vai para o Ministério das Finanças (379€), que supera assim, em volume, os impostos afectos aos ministérios da Segurança Social (131€), Saúde (107€) e Educação e Ciência (88€), que perfazem no seu conjunto cerca de 326€ mensais.     Aliás, esta família contribui por mês para a gestão da Dívida Pública (102€) quase tanto como para o Ministério da Saúde (107€) e acima do que dela recebe o Ministério da Educação e Ciência (88€).   E quem continua a achar que o equilíbrio das contas públicas se resolve com simples cortes orçamentais no núcleo duro do Estado democrático (da Assembleia à Presidência da República, de Tribunais como o Constitucional ou de Contas, passando pelas transferências para as Regiões Autónomas e o Poder Local), retenha este número: a hipotética família de que partimos desconta mensalmente em impostos cerca de 42€ para todos os órgãos e organismos que integram esta área (Estado).
     Mas há um outro dado que importa sublinhar e que resulta da comparação entre o exercício de 2014 e o de 2013.    Se calcularmos a distribuição percentual, por funções e ministérios, dos respectivos impostos pagos anualmente por esta família (9,8 mil euros), verificamos que apenas as Finanças aumentam o seu peso relativo no conjunto (de 38,2 para 46,4%), passando as principais áreas de despesa social do Estado (Saúde, Educação e Segurança Social) de um peso relativo de 44,1% (2013) para 39,8% (2014).  
    Ou seja, desconfiem quando vos repetirem, pela enésima vez, que «têm que decidir que tipo de Estado Social» estão dispostos a pagar.    E concentrem-se no problema central, o dos encargos com uma dívida crescentemente insustentável e que devora a capacidade produtiva e a coesão social do país.

     Isto não está, nem vai, correr bem  (-por N.Teles, Ladrões de B).



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        Pornografia financeira   

«Os três principais administradores do Banco Privado Português (BPP) - João Rendeiro, Paulo Guichard e Fezas Vital -, receberam 6,4 milhões de euros em 2008, ano em que a instituição faliu. Só J.Rendeiro, antigo presidente do c.a., arrecadou 2,8 milhões, segundo uma tabela de vencimentos incorporada no processo de falência do banco, que corre no Tribunal do Comércio, em Lisboa. Os ordenados dos antigos administradores eram divididos em várias parcelas: salário-base, plafond de despesas, complemento "forex", prémio anual e outro plurianual.» [DN]

      A grande cimeira da desUnião Europeia.  (-por R.Narciso, PuxaPalavra)

... É assim. A Europa connosco. A Europa dos Mercados. A Europa da Alemanha e a Europa dos PIGS.

         OE  2014:   Empobrece  o  Presente.    Hipoteca  o  Futuro.
A proposta de Orçamento de Estado para 2014 apresentada pelo Governo enferma de dois vícios graves que lhe retiram credibilidade e sustentabilidade. 
    Não decorre de um indispensável enquadramento de Opções de desenvolvimento a médio prazo, fixando-se, mais uma vez, em meros cortes de despesa pública e exercícios de equilíbrios orçamentais. Estas Opções de desenvolvimento futuro são fundamentais em quaisquer circunstâncias, mas são-no, ainda mais, quando a situação económica e social do País é a que conhecemos.

    Por outro lado, a proposta de OE 2014 toma por adquirido que o único farol da política económica do País é o da bondade da meta do saldo orçamental que se propõe atingir a qual, aliás, manifestamente, não poderá ser alcançada, pese embora o anunciado reforço da austeridade, com todas as suas previsíveis consequências negativas sobre as condições de vida das pessoas, das famílias e das empresas.
     O modelo de sociedade em risco
É particularmente grave que exista um conjunto de medidas previstas em sede de orçamento que tendem a alterar, pela via do acto administrativo consumado, o modelo de estado social vigente. Veja-se, nomeadamente, o que sucede com os sucessivos cortes nas despesas nos serviços públicos de educação e de saúde, que, somados aos que já se verificaram nos últimos três anos, desqualificam aqueles e abrem caminho à sua privatização. Acresce que se mantem o refluxo das políticas sociais no sentido de uma maior desresponsabilização do Estado em assegurar os direitos às prestações sociais em situações de desemprego ou pobreza, convertendo-as em meros apoios assistenciais. É a desconfiguração do modelo de sociedade que, com esforço, vinha sendo construído, o que verdadeiramente está em causa. O resultado será, para as portuguesas e os portugueses, um outro modo de estar e de viver, menos solidário e menos justo.
    Os fundamentos éticos da nossa reflexão
O GES teve ocasião de se manifestar a propósito do OE 2012 e OE 2013 em textos oportunamente divulgados. Nessas tomadas de posição, encontram-se os fundamentos que motivam também esta reflexão, bem como os princípios que a informam.
    Temos que voltar a afirmar, hoje, o que escrevemos a propósito do OE 2012: Movem-nos preocupações éticas e de responsabilidade cívica pela construção de uma sociedade mais justa, mais inclusiva, mais solidária e onde o ser humano seja o primeiro sujeito de um desenvolvimento sustentável.
    Também continuamos a defender que, embora reconhecendo os actuais constrangimentos de ordem financeira e outros, entendemos que estes não podem ser eleitos como objectivos per se e bem assim que os critérios de avaliação de desempenho da política pública não devem confinar-se a indicadores da redução dos défices ou do peso do endividamento público e privado no PIB.
    Reconhecemos e entendemos, ainda, que não é demais salientar que o caminho de uma austeridade financeira excessiva tem efeitos muito graves na economia, incluindo consequências nefastas para a estrutura produtiva e a capacidade de produção nacional, para o nível de desemprego e risco de empobrecimento de largos estratos de população, para o aumento das desigualdades na repartição do rendimento e para o enfraquecimento da coesão social.
    A persistência no erro de um empobrecimento colectivo
Assistimos com preocupação a que, com o OE 2014, o País venha a aprofundar, ainda mais, um processo de empobrecimento colectivo já oportunamente denunciado e que se entre num caminho de reforço da anomia social e/ou conflitualidade social declarada, de consequências imprevisíveis.
    Como já se referiu, a proposta de OE 2014 evidencia uma obsessão com uma única meta: a redução do défice das contas públicas, elegendo-o como objectivo único da política económica. Trata-se de uma desfocagem perigosa e cheia de consequências para a permanência da recessão económica ou diminuto crescimento económico, bem como para a previsível degradação das condições de vida das pessoas e das famílias, e para o enfraquecimento da coesão social. Cabe perguntar por que razão se insiste num erro que, de há muito, vem sendo denunciado por académicos e por instâncias internacionais e está comprovado pela própria experiência nacional em curso.
    É, igualmente, falaciosa a justificação dada para o caminho proposto ou seja a pretensão de financiamento do Estado e dos particulares através dos “mercados”, entenda-se o recurso ao crédito junto dos financiadores privados. Aos mercados interessa que se mantenham elevados os juros a pagar (oportunidades de boa remuneração dos capitais investidos), mas também condições de solvabilidade dos compromissos assumidos pelos devedores. Assim, o regresso ao financiamento pela via do mercado só será possível quando existir um crescimento económico sustentável, o que pressupõe a inversão de políticas de austeridade que o contrariam.
    A recusa em renegociar a dívida. Outros pontos fracos.
Para além destes aspectos de carácter mais geral, merecem também, desde já, reparo as seguintes orientações contidas na proposta de OE 2014:
   A - A recusa em admitir a necessidade de renegociação da dívida, de forma a aliviar, significativamente, o erário público do peso excessivo dos actuais encargos com o serviço da dívida em todo o orçamento, com consequências muito negativas para o investimento público e as despesas correntes de serviços públicos essenciais. Sem uma tal renegociação, que permita aliviar os encargos com o serviço da dívida, não se pode esperar a libertação dos indispensáveis recursos para o crescimento económico.
   B - Uma fiscalidade que continua a não respeitar regras básicas de equidade e se dispersa por medidas que retiram a necessária transparência ao sistema. Não parece admissível que se mantenha elevada e agravada a tributação sobre os rendimentos do trabalho, quando se reduz, indiscriminadamente, a tributação dos lucros e não se enfrenta devidamente a fuga aos impostos por parte de muitas empresas e, em particular, as grandes empresas. Também consideramos reprovável que se criem impostos especiais para determinadas categorias de cidadãos, como sucede com a impropriamente chamada taxa de contribuição de solidariedade sobre os rendimentos dos pensionistas.
   C - Preocupa-nos, sobremaneira, a medida proposta de um corte nas pensões de sobrevivência, porquanto uma tal medida conduz à desconfiguração do actual sistema de segurança social, fragilizando a confiança no seu pilar contributivo. Sendo o sistema de segurança social uma das traves-mestras do nosso estado de direito, não é admissível que se viole o acordo social que esse sistema representa.
   D - Analogamente, é inaceitável a ligeireza com que se propõem cortes nos salários dos funcionários públicos, aumento de horário de trabalho e uma designada convergência de pensões, com efeitos retroactivos, em total desrespeito pelos contractos estabelecidos, o que, uma vez mais, para além de ser um acto lesivo dos direitos das pessoas abrangidas, é causa de perda de confiança por parte da generalidade dos cidadãos nas instituições e no próprio Estado. 
      A falácia da inevitabilidade dos cortes 
A justificação, que vem sendo dada de que se torna necessário diminuir a despesa do Estado, perde força quando constatamos que a proposta de orçamento para 2014 deixa inalteradas situações em que se poderiam prever significativas reduções de custos. Por exemplo, o excessivo recurso a prestação de serviços outsourcing; os gastos exorbitantes com numeroso pessoal recrutado para apoio aos gabinetes ministeriais com elevadas categorias remuneratórias e benefícios complementares; as parcerias público-privadas que se têm revelado ruinosas para o interesse público e se deixam incólumes; as rendas pagas ao sector da energia e outros; a fraca celeridade da liquidação das dívidas ao Estado, que priva o erário público de verbas que lhe são devidas e prescrevem; etc.
     Acresce que importa lembrar que o défice que se deseja atingir tanto pode ser corrigido pelo lado da despesa como pelo lado as receitas.
     Cortes em sectores chave do estado social
A proposta de OE 2014 introduz, ainda, novos cortes no domínio das despesas em sectores-chave do estado social, como sejam a saúde, a educação, a segurança social, com reflexos óbvios na qualidade da prestação destes serviços e na garantia do carácter universal dos mesmos. Temos assistido, nos últimos meses, a decisões de caracter administrativo (o cheque-ensino, por exemplo) que indiciam um propósito de redução do estado social que conhecemos a um estado mínimo de tipo assistencialista, deixando à iniciativa privada a produção daqueles serviços ou transferindo-os, injustificadamente, para as Autarquias, desresponsabilizando, paulatinamente, o Estado Central pela sua prestação efectiva.
    A pretexto de fazer face a uma situação financeira conjuntural, a actual governação vem abrindo portas a uma liberalização desenfreada e a um capitalismo sem regras, mesmo em sectores de produção de bens e serviços que, pela sua natureza, não deveriam ficar sujeitos aos mecanismos do mercado, como é o caso da educação ou da saúde. Estamos perante um quadro de transformações sistémicas induzidas, sub-repticiamente, e sem o devido escrutínio democrático.
   Todas as medidas, antes comentadas, estão imbuídas de uma concepção de sociedade que persegue as grandes opções realizadas depois do 25 de Abril, as quais não podem ser alteradas, legitimamente, sem um amplo debate colectivo e alargado consenso.
   Fragilidades conceptuais e desrespeito pela equidade
Em nosso entender, a proposta de OE 2014, na versão apresentada pelo Governo para debate e aprovação em sede de AR, revela fragilidades graves e não respeita princípios básicos de equidade. Os compromissos com os credores institucionais não constituem, só por si, uma justificação para as medidas escolhidas e apresentadas como inevitáveis e não se podem sobrepor aos compromissos societários com os portugueses que fundamentam a coesão social. Entendemos que Portugal não pode estar condenado à perpetuação das políticas de austeridade que já provaram a sua ineficácia e deixaram um lastro de sofrimento e injustiça ao longo dos últimos 3 anos, que gera anomia social, perda de coesão social e territorial e hipoteca o futuro.
   Preocupa-nos, em particular, a situação das pessoas dos estratos mais vulneráveis da sociedade, o seu número crescente, a falta de oportunidades de emprego, trabalho digno e justamente remunerado, as situações de fome e de grande precariedade que atingem muitos destes nossos concidadãos e concidadãs.
   Apesar da acção generosa de particulares, das próprias famílias, e das várias instituições de solidariedade social, tal não pode suprir a quebra das prestações sociais da esfera pública e substituir-se à política social baseada em direitos.
   Aflige-nos ver que muitos quadros com formação académica se sentem obrigados a sair do País contra sua vontade, por não encontrarem trabalho compatível com a sua formação, esvaziando o País de um capital humano acumulado ao longo das últimas décadas e imprescindível para o desenvolvimento futuro.
    Grande desigualdade e fraca redistribuição fiscal
Vemos com apreensão que a desigualdade aumenta e cresce a concentração da riqueza no topo da pirâmide, sem que existam mecanismos que contrariem a já visível perda de coesão social. A progressividade dos impostos pessoais é instrumento de que na proposta de OE 2014 se abdica, com o argumento de que temos as taxas mais elevadas entre os nossos parceiros europeus, ignorando que Portugal é um os países mais desiguais da Europa, o que justifica um maior esforço redistributivo pela via do sistema fiscal.
    Contra a corrupção, maior transparência nos negócios
A corrupção declarada ou larvar, que é um dos sinais da crise, alastra e não se vê que existam medidas que se proponham preveni-la e puni-la. Trata-se de um verdadeiro flagelo nacional em que toda a sociedade civil se deveria empenhar exigindo transparência nos negócios privados e públicos e comportamentos éticos irrepreensíveis por parte dos agentes económicos e políticos por eles responsáveis. Ao Governo competiria dar um sinal de tolerância zero que o OE deveria espelhar.
    Conclusão
Em suma e para concluir, a exemplo do que já sucedeu em orçamentos anteriores, a presente proposta de orçamento enferma, como já referimos, da ausência de uma estratégia de desenvolvimento baseada nos recursos nacionais (materiais, humanos e financeiros) existentes e potenciais que seja orientada para o bem-estar, a qualidade de vida das pessoas, a sustentabilidade ambiental e a coesão social  e territorial – como fundamento para um contrato social que devolva a confiança às cidadãs e aos cidadãos. Este é tema a que nos propomos voltar.
    A avaliar por comportamentos anteriores, a maioria parlamentar irá viabilizar a proposta do Governo e pouco aproveitará das críticas que a Oposição e a sociedade civil não deixarão de fazer. Resta esperar que a opinião pública reaja, que a Academia não se refugie em sepulcrais silêncios e que cumpram o seu papel de vigilância e supervisão democrática os diferentes Órgãos do Estado.
   Lisboa, 17/10/2013.  O Grupo Economia e Sociedade (GES), grupo autónomo saído da Comissão Nacional Justiça e Paz, da Igreja Católica.


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Quarta-feira, 16.10.13

        Quantas  vezes  mais ?        (-por João Rodrigues, 15/10/2013, Ladrões de B.)

    Recentemente, o Banco que não é de Portugal estimou que por cada euro de cortes na despesa pública, o PIB cai cerca dois euros. Mais recessivo do que cortes na despesa pública não há. Mais regressivo também não há. Despesa pública que se corta é rendimento que desaparece, no público e no privado, por toda a economia. Se isto é assim, e sabemos como a realidade tem tido um intenso enviesamento keynesiano, o injusto corte planeado nos salários, pensões e serviços públicos, representando mais de 80% de uma nova ronda de austeridade no valor de 3,9 mil milhões de euros prevista no Orçamento de 2014, terá um impacto negativo de cerca de 4% do PIB. Não há economia que resista à austeridade permanente inscrita no memorando e nas regras europeias para lá dele. Não há (povo nem) economia que resista ao governo dos credores.
     Inscrita numa perversa lógica europeia de concorrência fiscal entre Estados despojados de instrumentos de política económica soberana está, entre outras, a anunciada descida do IRC, que supostamente servirá para promover o investimento neste desolador contexto. Perante o choque na procura anunciado, e sabendo que, de longe, o que mais trava o investimento empresarial é a expectativa em relação às vendas, são os empresários que o dizem, esta opção servirá para promover a perda de receita e o chamado Estado fiscal de classe.
     Uma vez mais, insistem numa política que falhou para a maioria do país. Uma vez mais, esperemos que o Tribunal Constitucional possa bloquear algumas das opções da política de austeridade. Uma vez mais, resta-nos esperar mobilizações populares, um país que ainda não desistiu. Quantas vezes mais?
------- Anónimo :
     O que os mercados (banca, fmi, bce e etc.) querem é estados com dívida perpétua (e a submissão esclavagista de trabalhadores, cidadãos e Estados com veleidades sociais, com aspirações de soberania, justiça e liberdade), essa é a verdadeira perversidade, e nós "já estamos no bom caminho" como nos diz o iluminado de Massamá.
------- Diogo :

     «... Quantas vezes mais ? »  (ou «... até quando ? »)
     Até as pessoas se aperceberem que as manifestações pacíficas não servem para nada.
     A violência pode funcionar tanto para subjugar como para libertar. Contra a violência económica e financeira que nos tem atirado a todos para o desespero, repliquemos com a violência que for necessária para desparasitar de vez o país desta cáfila de parasitas assassinos de colarinho dourado.
    Um povo que se revolta de forma sangrenta contra a Máfia do Dinheiro, coadjuvada por políticos corruptos, legisladores venais e comentadores a soldo, e cujos roubos financeiros descomunais destroem famílias, empresas e o país inteiro, esse povo está a utilizar a violência de uma forma justa para se libertar.
     Ouve-se muitas vezes dizer que "a violência gera violência", que "a violência nunca consegue nada", ou que "se se usar a violência para nos defendermos daqueles que nos agridem, ficamos ao nível deles". Todas estas afirmações baseiam-se na noção errada de que toda a violência é igual. A violência pode funcionar tanto para subjugar como para libertar,  fazer Justiça,  se auto-defender:
* Se um pai que pegue num taco para dispersar à paulada um grupo de rufias que está a espancar o seu filho;
* Se uma mulher crava uma lima de unhas na barriga de um energúmeno que a está a tentar violar;
* Se um homem abate a tiro um assassino que lhe entrou em casa e ameaça degolar-lhe a família;
* Os habitantes de um bairro nova-iorquino que se juntam para aniquilar um bando mafioso (que nunca é apanhado porque tem no bolso os políticos, os juízes e os polícias locais), estão a utilizar a violência de uma forma justa;
* Um povo está a utilizar a violência de uma forma justa quando utiliza a força, porque sonegado de todas as entidades que o deveriam defender, contra a Máfia do Dinheiro, acolitada por políticos corruptos, legisladores venais e comentadores a soldo, e cujos (desvios, dolos, burlas,...) roubos financeiros descomunais destroem famílias, empresas e a economia de um país inteiro.



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Terça-feira, 02.07.13

Paulo Portas demitiu-se, também.    E agora ... há ou não há  Eleições, Alternativas e Políticas diferentes ?!   E vamos ser  Cidadãos plenos ou continuar 'mansos' e alienados ?! 

            O  FIM  DO  AVENTUREIRISMO  GASPARISTA.  (-por T. Vasques, 02.07.13)

    Vítor Gaspar abandonou o governo derrotado pela sua própria estratégia e levou Passos Coelho na água do banho, mesmo que o primeiro-ministro se mantenha em funções por mais algum tempo.     Na carta de demissão, o ex-ministro das Finanças admite que o incumprimento das metas do défice orçamental “foi determinado por uma queda muito substancial da procura interna e por uma alteração na sua composição que provocaram uma forte quebra nas receitas tributárias.     A repetição desses desvios minou a minha credibilidade enquanto ministro das Finanças”.    Exactamente o que o país repetia diariamente há mais de um ano.    

    As evidências estoiraram com a receita de Vítor Gaspar, benzida por Passos Coelho, o que – em tese – permite a Paulo Portas substituir, enquanto “ideólogo”, o ex-ministro das Finanças, com o apoio discreto de ministro do PSD, sobretudo Poiares Maduro e Santos Pereira, e meter dentro de um armário, fechada à chave, a nova ministra das Finanças.     Assim, a parte do governo derrotada no conselho de ministros de Alcobaça poderia comandar esta nova fase do governo e dar-lhe um novo folego.     Só que a reacção dos derrotados, Passos Coelho e Cavaco Silva, é imprevisível a partir de agora.     Se o primeiro-ministro se deixar comandar, como até aqui, pelo número dois do governo e o presidente da República mantiver a mesma defesa da “estabilidade política”, este novo governo pode passar o cabo das eleições autárquicas e do próximo orçamento de Estado.    

     P. Lomba  lança  programa  de  irresponsabilidade  política  (-M.Abrantes)

    ‘Para combater o "discurso superficial e vazio que não se compromete com nada e que nada assume", Pedro Lomba propõe-se ter conversas informais

off-the-record com os jornalistas, de forma a poder dizer o que lhe apetece em nome do Governo sem ter de se comprometer com nada nem de assumir nada. Confusos? Não estejam. É o que acontece quando uma pessoa se torna adjunto do adjunto de Pedro Passos Coelho(…)   Lomba diz, para se justificar, que há briefing em on e em off "noutras democracias consolidadas". É verdade. Mas também há políticos que têm sexo com menores e escutas sem mandado judicial "noutras democracias consolidadas" e não é por isso que os queremos imitar. Os briefings off-the-record do Governo, em qualquer país, são uma prática condenável

    Em termos simples: só em casos excepcionais é admissível que um governante fale off-the-record. O uso do off-the-record reduz a responsabilização (accountability) e aumenta a inimputabilidade (deniability) dos políticos.    Muitos o fazem? Sim, mas não deviam fazer e os jornalistas não os deviam ouvir.    A aceitação do off-the-recordem declarações de um governante promove a irresponsabilidade do governante e do Governo, aumenta a opacidade da política, reduz a liberdade de imprensa e abre a porta ao tráfico de influências. Que alguém que escreveu um livro intitulado Teoria da Responsabilidade Política não perceba isto, é lamentável.’



Publicado por Xa2 às 14:24 | link do post | comentar | comentários (9)

Quarta-feira, 10.04.13

O Reitor da Universidade de Lisboa contra a chantagem do Governo (R.Narciso, PuxaPalavra)

     Com Passos Coelho, um Jota impreparado e perigoso, alcandorado a 1º Ministro por Miguel Relvas (conforme este publicitou, como uma ameaça, na declaração de despedida do Governo) e Victor Gaspar, um representante dos mercados financeiros, como ministro das Finanças, o inacreditável pode acontecer.
    "Estupefactos" por o Tribunal Constitucional não se demitir das suas funções e assim não poderem "governar" sem a chatice da democracia e de constituições, de acordo com a sua fé neoliberal e as orientações do min. das finanças alemão, Sr. Chauble e do FMI, estes governantes, amparados pelo Presidente da República, que até agora só acumularam falhanços, decidiram vingar-se com um despacho do min das Finanças, que se fosse cumprido à risca paralisaria a administração pública.
O Reitor da U.L., António S. Nóvoa explica o alcance do despacho despautério neste comunicado:
...  apenas três exemplos: "ficamos impedidos de comprar produtos correntes para os nossos laboratórios, de adquirir bens alimentares para as nossas cantinas ou de comprar papel para os diplomas dos nossos alunos."  Agora multipliquem isto por milhares. Pelos centros de saúde (apenas os hospitais ficaram de fora), escolas, repartições públicas, centros de investigação. O homem ensandeceu de vez.
     A decisão do ministro é de tal forma insensata e perigosa, e é de tal forma evidente que se trata de uma manobra política para criar o pânico no País e assim impor a sua vontade, que se exige uma imediata intervenção do Presidente da República para repor a normalidade. A ver se fica claro: Vítor Gaspar e Pedro passos Coelho não são donos de Portugal nem são donos do Estado. Não o podem usar para cercar os cidadãos e impedir o regular funcionamento do País.Não há, por causa dos 1.200 milhões de euros que agora estão em causa, nenhuma razão financeira que justifique esta decisão. É um ato de prepotência e chantagem política, através de um inacreditável abuso de poder, que não pode ficar impune.
                Impasse (I):  a   responsabilidade    (-por Daniel Oliveira) 
    ... Com o governo, acompanhado por alguns comentadores e jornalistas, a querer atirar culpas para todos os lados, devemos, na análise desta crise, começar por isto mesmo: de quem é a responsabilidade da incerteza política que vivemos esta semana? A resposta é rápida: do primeiro-ministro. Toda e sem ter de a dividir com ninguém. E essa responsabilidade divide-se em três:

    1. O governo fez um Orçamento que sabia ser inconstitucional. O seu suposto "choque" é sonso. Há meses que praticamente todos os constitucionalistas avisavam que seria este o resultado. A decisão do Tribunal não foi uma bizarria incompreensível que o apanhou de surpresa. Era esperada e foi mais do que justificada até por juristas da área do PSD. Arrisco-me mesmo a dizer, mas disso tratarei amanhã, que foi desejada pelo governo.      Sobre esta declaração de inconstitucionalidade, li e ouvi duas teses peregrinas.

    - A primeira: que o Tribunal Constitucional deveria ter em conta a situação financeira em que o governo colocou o País. Na realidade, foi o que o TC fez o ano passado. E fez mal, criando um grave precedente de suspensão da Constituição e prejudicando milhares de pessoas. Aceitou que uma norma que considerava inconstitucional poderia ser aplicada. Como até a boa-vontade tem limites, perante a insistência teimosa e até desrespeitosa do ponto de vista institucional, por parte do governo, o TC reiterou a sua posição anterior, sem no entanto repetir a absurda suspensão constitucional do ano passado que, como é evidente, tornaria a Constituição numa inexistência prática.

     A Democracia baseia-se no princípio da separação de poderes. Não cabe ao Tribunal Constitucional fazer a gestão das contas públicas. Cabe-lhe apenas analisar a constitucionalidade das leis. Das leis que, como já escrevi, são aprovadas pelas maiorias parlamentares. Tendo em conta uma Constituição que, também ela, é aprovada e revista pelo parlamento. Se o governo decide fazer um Orçamento que sabe ser inconstitucional quer dizer que ou não o quer ver aplicado - criando assim condições para uma dramatização política que lhe permite imputar a outros a responsabilidade por cortes que já queria fazer e por um segundo resgate que se tornara cada vez mais provável -, ou espera que a democracia deixe de funcionar. Um e outro expediente são ilegítimos. O governo fez um orçamento que pela segunda vez é inconstitucional. Só ele, e não quem confirma essa inconstitucionalidade, é responsável pelas consequências da decisão que tomou.

     - A segunda: que a lei fundamental torna a realidade inconstitucional. Há mesmo quem defenda que ela é, neste momento, um obstáculo à saúde das nossas finanças e que deveria ser ignorada. Que o País está sem dinheiro e não pode travar as suas decisões por causa de pormenores formais. E há quem vá concluindo, sem prestar grande atenção ao que foi decidido pelo TC, que assim é impossível reduzir as despesas do Estado. Passos disse mesmo que o TC defendia o aumento de impostos.

      A ver se nos entendemos: os dois princípios que estiveram na base da decisão do Tribunal - a igualdade e a proporcionalidade - são comuns a qualquer Constituição de um país democrático. Não são programáticos. É verdade que a Constituição em vigor resulta da vontade dos deputados e eles podem revê-la, desde que consigam uma maioria de dois terços. Ela não caiu do céu aos trambolhões nem é resultado de imposição externa. Foi revista inúmeras vezes. Mas, é bom lembrar, que uma Constituição que não integre estes dois princípios dificilmente será compatível com a existência de um Estado Democrático.

      Ver tanta gente com responsabilidades a defender, na prática, a suspensão da Constituição só nos pode perturbar. Mesmo em guerra ou em situações de calamidade natural de enorme escala a Constituição continua em vigor, podendo ser limitada, nas condições formais que ela exige. Se, perante uma crise financeira e económica, estamos dispostos a dispensar a existência da nossa lei fundamental,  nem quero imaginar o que nos pode acontecer perante uma situação mais grave. E elas existem. Quando tanta gente enche a boca com a "responsabilidade" e o "sentido de Estado", é assustador perceber o pouco valor que é dado aos limites formais da democracia.

      2. O governo não tinha um plano B para uma decisão mais do que previsível. E não tinha um plano B porque esta é a sua forma de lidar com esta crise. Como está na moda dizer-se, na sua "narrativa" não cabe a ideia de que para um mesmo problema podem existir várias soluções. O discurso da inevitabilidade, escrevi-o várias vezes, é incompatível com a democracia. Porque ela vive do confronto entre alternativas, claro, mas por uma outra razão mais comezinha: a separação de poderes, a existência de vários focos de decisão e a vontade popular podem, a qualquer momento, contrariar um rumo decidido. Só em ditaduras estes percalços não acontecem (e mesmo aí...). Como a existência de várias soluções não cabe no discurso do governo, ele, agora ou mais tarde, acabaria por nos colocar num impasse político. A inexistência de uma solução para um problema que o próprio governo criou só pode ser imputada ao próprio governo. Neste caso, a coisa é mais grave: o governo usou a provável inconstitucionalidade do seu orçamento para criar o enredo em que a inevitabilidade do que defende e a sua própria desresponsabilização pudesse ser mais facilmente vendida aos portugueses, numa manobra de uma extraordinária irresponsabilidade.

      3. O governo chega a Abril com uma situação financeira tal que não tem espaço de manobra para procurar outras soluções. É bom, para quem se tem dedicado à dramatização (de que tratarei amanhã) para encontrar outros culpados por um provável segundo resgate, recordar mais uma vez que o desvio orçamental causado pela decisão do TC corresponde a um terço do desvio causado pela aplicação das medidas decididas por Vítor Gaspar no ano passado. Ou seja, o monumental buraco orçamental resulta, antes de mais, da estratégia até agora seguida. É ele, e não a decisão do TC, que corresponde a 0,7% do PIB, que nos leva a este resgate. A decisão do TC, que é responsabilidade do governo, apenas tornou a situação ainda mais grave. Não a criou.

     Não deixa de ser extraordinário que se esteja a querer responsabilizar a decisão do TC pelo impasse político e financeiro atual, como se o problema não fosse anterior. Se o governo considera que este desvio cria um impasse que até poderia levar à sua demissão, porque não considerou que um desvio três vezes superior não lhe causava um embaraço maior? Porque este pode ser atribuído a outros. Pelo contrário, este é o único desvio que o governo poderia, nas conversas com a troika, apresentar como inevitável. E isso deveria ser visto como algo que lhe daria alguma margem de manobra. Mas o governo quer o espaço de manobra para outra coisa: para impor um programa que já tinha decidido e que sabe não contar com o apoio da maioria dos portugueses.

     Conclusão: só o governo pode ser responsabilizado por um Orçamento inconstitucional, numa situação em que o buraco orçamental resultante das suas opções era já colossal e sem ter um plano B para a confirmação desta inconstitucionalidade. 



Publicado por Xa2 às 07:50 | link do post | comentar | comentários (6)

Quinta-feira, 08.11.12

        Realismo  e  sensatez 

   «Pode haver dor sem haver ajustamento. (...) Esta ideia de ganhar tempo, aguardando os resultados da execução orçamental do próximo ano, é - na opinião do Conselho Económico e Social - contrária aos interesses do país, pois na eventualidade de não serem atingidas as metas para 2013, as negociações com a troika far-se-ão numa posição de maior fragilidade. Por isso, o Conselho recomenda que o processo de negociação deva ter lugar no mais curto espaço de tempo, de forma a poder reflectir-se nas metas para 2013.» (...)      [São três os pontos que é preciso rever:]

   . redução expressiva dos juros a pagar pelo empréstimo concedido a Portugal;

   . uma reavaliação dos prazos em relação aos períodos de amortização dos empréstimos;

   . estabelecimento de maior equilíbrio entre austeridade e crescimento, mediante a introdução de novas e eficientes medidas fomentadoras da retoma da economia e da criação de emprego. (...)

    O Conselho alerta, com a maior das preocupações, para as possíveis consequências - no plano político - decorrentes das situações de desamparo, miséria, incerteza, insegurança e intranquilidade, que poderão contribuir, de forma muito grave, para situações de ruptura social.»       Excertos da declaração de Silva Peneda, na apresentação do parecer do CES sobre a Proposta de Orçamento de Estado para 2013, que mereceu a abstenção dos representantes do governo, por considerarem que «o parecer do CES, ao ignorar elementos fundamentais, apresenta uma análise desequilibrada e que não permite uma percepção correcta das escolhas que efectivamente se colocam a Portugal».
     Quando se somam, dia após dia (e vindas dos mais insuspeitos sectores), as vozes que apontam para a necessidade de iniciar urgentemente uma renegociação radical do memorando, dada a crescente evidência do erro da escolha austeritária, o governo persiste - por fanatismo alienado, interesse ideológico ou simples cobardia - na sua estratégia delirante e suicidária. Depois da aprovação na generalidade, pela maioria, do Orçamento de Estado, resta esperar que Cavaco Silva dê sinais de que mora em Belém um presidente com um mínimo de sentido de patriotismo e responsabilidade. É também a ele que será entregue a Petição pela rejeição do Orçamento de Estado para 2013, promovida pelo Congresso Democrático das Alternativas e que ainda pode ser subscrita, até ao final deste mês.   (-



Publicado por Xa2 às 07:58 | link do post | comentar

Quarta-feira, 07.11.12

    João Ferreira do Amaral arrasa política do governo    ( # por Raimundo Narciso)

Extratos da entrevista a Dinheiro Vivo    [texto completo da entrevista Dinheiro Vivo ou aqui]
     ...     Tem defendido que Portugal deveria sair de uma forma organizada do euro. Mas ninguém, nem os partidos mais à esquerda, parece defender isso. Vamos mesmo acabar por sair de uma forma atabalhoada?
     Há uma grande probabilidade de isso acontecer porque, olhando friamente para as condições em que Portugal está, não vejo como possa sustentar--se dentro da zona euro....
     ... Há vinte anos, quando começou o caminho para a moeda única, o nosso sector industrial pesava 24% do produto interno bruto (PIB). Hoje pesa 13 %, que é metade do que pesava em 1953, quando começou a haver contas nacionais. Nenhum país consegue prosperar e crescer assim, é impossível.
     ...     Nesta semana, a maioria aprovou o Orçamento e o governo convidou o PS a participar de forma ativa naquilo a que chamou refundação do acordo com a troika. São quatro mil milhões de cortes permanentes na despesa a efetuar em 2013 e 2014. Há alguma coisa que o Estado possa deixar de fazer? Ou cortar?
     O Estado faz hoje, em Portugal, o mesmo, e às vezes até menos, do que faz a generalidade dos Estados na União Europeia. Os Estados da  UE têm as funções de soberania, a segurança, a justiça, os negócios estrangeiros, etc. Depois têm as funções sociais, educação e saúde. Não gastamos mais, nem por sombras, do que se gasta por essa Europa fora. Pode-se, evidentemente, melhorar a eficiência e reduzir as despesas para obter o mesmo resultado, mas não creio que isso sejam quatro mil milhões de euros. Creio, sim, que isso é um absurdo e é preciso ver como é que surgem esses quatro mil milhões de euros. Penso que aí o Partido Socialista tem razão: isto resulta em grande parte da estratégia seguida de provocar uma grande recessão.
   ... Ouvi que já estariam três mil e quinhentos milhões de euros destinados a ser cortados nas funções sociais, mas não nos esqueçamos de que a Segurança Social estava equilibrada. Só se desequilibrou este ano devido justamente à recessão. Esta estratégia não tem futuro nenhum. Se estamos agora a cortar quatro mil milhões, daqui a dois anos estamos a cortar seis mil milhões. Isto vai ser uma bola de neve que nunca mais acabará. Não faz sentido.
     Voltando ao início desta entrevista, e ao início também da sua história... Esteve em 1977 com o FMI, esteve em 1983 com o FMI, tem olhado de fora para o trabalho do Fundo. Este FMI é menos esclarecido? São tecnocratas de quinta ou sétima linha, como disse Fernando Ulrich?
     Não sei o que é a responsabilidade do governo ou do FMI na forma como o memorando foi delineado. Agora que estes programas não fazem sentido nenhum, não fazem. Para mim, pior ainda é a Comissão Europeia, que se tornou numa espécie de capataz da Alemanha em conflito com os países mais débeis, quando não era nada disso que a Comissão Europeia fazia no passado.
 
  O centro da Europa     (-por Miguel Cardina)
 Lisboa vai estar no centro da Europa. E não só por causa da visita da Merkel na próxima segunda-feira. Alexis Tsipras (Syrisa), Jean-Luc Mélenchon (Front de Gauche), Gabriele Zimmer (Die Linke), Cayo Lara (Izquierda Unida), Francisco Louçã, Marisa Matias e Alda Sousa (Bloco de Esquerda) vão estar esta sexta em Lisboa num comício inédito. A esquerda europeia contra-ataca. Estão todos/as convidados/as.


Publicado por Xa2 às 07:57 | link do post | comentar | comentários (3)

Quarta-feira, 31.10.12

Não  passará !

 (via cinco dias )

 

 

    “vale  tudo  no  amor  e  na  guerra”…  de  classes!      

       Um texto imprescindível da greve dos estivadores e dos papel dos sindicatos, escrito pelo sociólogo Alan Stoleroff, do  IUL-ISCTE, que aqui publico com a sua autorização.        All’s fair in love and (class) war .      (por Raquel Varela )



Publicado por Xa2 às 18:01 | link do post | comentar

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