O secretário de Estado que já tinha batido com a porta em Outubro passado volta a bater com a porta. Desta, foi de vez, parece que por razões de incomodidade para as empresas do sector que a secretaria tutela. E o que vai fazer o Governo? Nomear para o seu lugar um dos supervisores da EDP, quadro da ERSE.
Sim, é verdade, a mesma ERSE que acha absolutamente normal que o consumidor português, pela electricidade e pelo gás natural, tenha de pagar mais do que a esmagadora maioria dos consumidores dos outros países da OCDE.
António Borges – ministro-sombra das privatizações, parcerias, recapitalizações da banca e outras idas ao pote – auferirá um rendimento mensal de 25 mil euros que terá de dividir com os outros cinco economistas que coordena, tudo gente polivalente. Fará a sua consultoria, diz-nos o Expresso, a partir do seu gabinete de administrador, reparem no detalhe, da fundação Champalimaud. Pobre do descartável Álvaro. Enfim, esta flexibilidade laboral de Borges deve ser o preço a pagar para atrairmos o “talento” de topo da Goldman Sachs –“gigantesca lula-vampiro enrolada na cara da humanidade, com o seu tubo de sucção alimentar incansavelmente fossando em busca de tudo o que lhe cheire a dinheiro”. Borges já tinha mostrado, em 2008, a sua admiração pelo sistema chinês de poupança, que é parte dos desequilíbrios da economia mundial, exortando também os portugueses a comprarem menos Mercedes e tudo. Talvez seja mesmo este modelo, assente num Estado social demasiado frágil para as necessidades dos reprimidos trabalhadores chineses, que está subjacente a um estudo encomendado pela associação portuguesa das seguradoras, que propõe o desmantelamento do Estado social para supostamente fomentar a poupança à chinesa. Vejam lá que quem tem mais dinheiro é quem poupa em Portugal, o que implicitamente até justificaria a actual política de alterações das regras económicas por forma a favorecer a redistribuição de baixo para cima. O problema é a chata da procura que também vem do consumo a que a maioria é mais atreita, gastando tudo em vinho, até porque teve acesso a hospitais, escolas e subsídios de desemprego. O problema é o paradoxo da poupança e a depressão assim gerada, a dificuldade em promover simultaneamente a poupança pública e privada. A poupança é o que sobra e sobra cada vez menos, claro. O problema central foi a perversidade de um modelo de financiamento por poupança externa, o inevitável destino das periferias que se abrem de forma irrestrita às forças do mercado global e aderem a uma moeda forte. Em conjunto com as privatizações foram as grandes obras da ideologia liberal em Portugal. O problema também é o que sabemos sobre o modelo norte-americano de capitalismo financeirizado, longe da “repressão financeira” dos chineses que ainda não foram totalmente nas cantigas dos Borges na área financeira, e para onde os bancos e as seguradoras nos querem na realidade levar: reformas derretidas no casino financeiro, famílias ainda mais endividadas e insolventes por terem de fazer face às despesas com bens e riscos sociais, todo o poder aos bancos e seguradoras para inventarem custos de transacção sem fim e assim sugarem, em comissões e outras extorsões, os rendimentos dos trabalhadores: a tal economia política da expropriação financeira de que nos fala Costas Lapavitsas. A erosão do Estado social no mundo desenvolvido só alimenta as lulas-vampiro financeiras e a ideologia da “promoção da poupança” é a forma possível de ocultar este processo nas actuais condições intelectuais e políticas. De resto, haverá cada mais material para filmar um “Inside Job” em Portugal, para filmar o mundo dos que querem continuar a ir ao nosso pote. Um mundo feito de práticas financeiras opacas, mas também de percursos transparentes. Que o diga Luís Amado: o ex-dirigente de um partido que contesta há muito, e bem, os paraísos fiscais vai voltar às suas origens madeirenses, acumulando a direcção do BANIF com um cargo na administração da Sociedade de Desenvolvimento da Madeira, ou seja, do sórdido inferno fiscal madeirense. São mesmo estrangeiros estes negócios.
(por Daniel Oliveira, 3.2.2012, Arrastão e Expresso online)
A ministra da Justiça enviou para o Procurador Geral da República os contratos de Parcerias Público-Privadas que permitiram leoninos arrendamentos, que esmifram os dinheiros públicos e que foram assinados no governo anterior. Tem direito ao meu aplauso de pé. É assim mesmo, na justiça, que se tem responsabilizar quem usa o Estado para negócios menos claros. Espero que a PGR e os tribunais não demorem tanto tempo a chegar a uma conclusão que, quando lá chegarem, de nada sirva.
Apenas lamento uma coisa: que estas decisões sejam sempre um pouco seletivas. Ou seja, que se limitem sempre ao governo anterior quando o governo anterior é de um partido diferente. As PPP começaram na fase final do consulado de Cavaco Silva para construir uma ponte sobre o Tejo. Sabe-se que o acordo então assinado foi de tal forma vergonhoso que teve de ser renegociado várias vezes. O seu promotor, o então ministro das Obras Públicas Joaquim Ferreira do Amaral, acabou sentado na presidência do Conselho de Administração da Lusoponte. Continuaram de forma desenfreada no governo de António Guterres. O governo de Durão Barroso continuou o esquema com o mesmo empenho. E o de Sócrates também.
Para cumprir o défice, o Estado, em vez de se endividar para investir, entregava a construção e exploração de uma obra pública a um privado e ainda o compensava por possíveis perdas durante décadas. Ou seja, endividava-se muitíssimo mais, escondia a despesa, dava espaço para todo o género de negócios pouco claros e promovia um espírito rentista e parasitário nas maiores empresas nacionais. Ao mesmo tempo que promovia o endividamento dos seus parceiros privados, com custos para o País.
As PPP, em vez de serem a exceção, transformaram-se na regra para todo o tipo de investimento, fossem eles obras (com concessão de exploração) ou simples arrendamentos. Foram e são um dos principais factores de opacidade dos negócios do Estado e de mau endividamento público, privado e externo. São, em geral, um cancro para as contas públicas e para a economia.
Apesar da decisão de Paula Teixeira da Cruz ser correta, parece-me que devemos exigir muito mais. Da mesma forma que a ministra renegociou muitos contratos, tendo, segundo a própria, poupado seis milhões de euros ao erário público, é inaceitável que o Estado não faça o mesmo com tudo o resto. Que não reveja de fio a pavio todos os contratos deste género que governos do PS e do PSD assinaram, os renegoceie com determinação e, no caso muito provável de ali encontrar sinais de um comportamento danoso para o Estado por parte dos que deviam ter defendido os seus interesses, recorra à justiça. Sejam os responsáveis de que partido forem. Estaríamos então perante uma mudança radical do comportamento do Estado, com enormes ganhos para os seus cofres e a possibilidade de pedir menos sacrifícios aos portugueses. Com esta seletividade, a coisa soa mais a "spin" para passar culpas.
Em nome da poupança, foi anunciado que o Estado deixará de comparticipar, entre outras coisas, a pílula contracetiva e a vacina que previne o cancro do colo do útero. Esta vacina foi integrada no plano nacional de vacinação em 2009 e dispensada às raparigas jovens. De fora ficaram todas as outras mulheres que para prevenirem este cancro recorriam à compra da vacina nas farmácias. O cancro do colo do útero é a segunda causa de morte (a seguir ao cancro da mama) entre as mulheres jovens (15-44 anos) na Europa. Portugal regista a maior incidência dos países da União Europeia: cerca de 17 casos por cada 100 mil habitantes, com 900 novos casos por ano. Todos os anos morrem no nosso país cerca de 300 mulheres com este tipo de cancro. O governo decidiu também deixar de comparticipar a pílula contracetiva. Dos 5 euros e qualquer coisa, uma embalagem passará a custar cerca de 18 euros. A pílula continuará a ser dispensada gratuitamente nos centros de saúde, através das consultas de planeamento familiar, e ainda bem. Porém, dizer que os centros de saúde nem sempre a têm não é novidade como também não é novidade dizer que para ir a uma consulta a um centro de saúde se tem de perder uma manhã ou uma tarde de trabalho. O que também não é novidade para ninguém é que a medicina preventiva é mais barata que a medicina curativa e, sobretudo, mais humana. Sempre em nome da poupança, o governo parece estar a sugerir (ou a impor) às mulheres uma nova forma de organização da sua vida sexual: sem sexo não é preciso pílula contracetiva; sem sexo quase se esgota a possibilidade de transmissão do vírus do papiloma humano. O resultado será, evidentemente, outro: aumentará a incidência de cancro do colo do útero e de gravidezes indesejadas.
O livro de Carlos Moreno «Como o Estado gasta o nosso dinheiro», agora lançado, irá marcar a discussão pública sobre a gestão financeira do Estado em Portugal. Na verdade, nada do que o agora juiz jubilado do Tribunal de Contas (TC) escreve é novidade - várias vezes neste blog referimos relatórios do TC sobre os principais aspectos agora focados, onde se destacam as Parcerias Público Privadas (PPP).
A mensagem é clara:
as PPP realizadas nas últimas duas décadas em Portugal foram, em geral, um péssimo negócio para o Estado e um óptimo negócio para os ‘parceiros privados’, os quais ficaram com a garantia de rendimentos e isentos dos riscos das operações.
No momento actual, este tipo de discurso parece assentar bem aos economistas da praxe, àqueles que nos impingem que tudo o que o Estado faz é errado. Na verdade, o desastre das PPP deve-se, em larga medida,... precisamente àqueles que nos impingem que tudo o que o Estado faz é errado.
A lógica das PPP consiste em acreditar que o Estado deve deixar espaço aos privados para revelarem a sua eficiência supostamente acrescida. Acontece que a maior eficiência que esses privados têm revelado é na argumentação jurídica que lhes permite justificar renegociações dos contratos – só na Lusoponte a derrapagem financeira associada foi de 400 milhões de euros.
A lição a retirar não deixa espaço para dúvidas:
se o Estado não é suficientemente bom para conduzir directamente os investimentos, não o será seguramente para prevenir ou vencer batalhas jurídicas associadas a contratos complexos.
Mas esta não é a história toda.
A passagem directa de governantes para a direcção de empresas que beneficiaram da sua governação obriga-nos a suspeitar da determinação de alguns responsáveis políticos na defesa do interesse público.
Não posso, poucos poderão, saber o que levou Joaquim Ferreira do Amaral (ex-ministro das Obras Públicas de Cavaco) à direcção da Lusoponte ou Jorge Coelho (ex-ministro das Obras Públicas de Guterres) à direcção da Mota-Engil, depois de terem tomado decisões em nome do Estado que foram favoráveis a estas empresas. Mas posso dizer que Portugal está longe de seguir práticas de bom governo no que respeita à gestão dos conflitos de interesse.
A história das PPP em Portugal mostra-nos que menos Estado não é necessariamente melhor Estado.
Mostra-nos também que o combate ao desperdício tem de passar por um Estado mais activo e mais decente.
Um Estado que assuma que o investimento directo é frequentemente melhor do que acordos de parceria com demasiadas contingências incertas.
Um Estado que reforce as competências técnicas dos organismos públicos, de forma a assegurar que não é por falta de competências que as boas decisões não são tomadas.
Enfim, um Estado com mais transparência e maior controlo democrático, de forma a reduzir os riscos da sua captura por interesses particulares.
O negócio da saúde em parceria público-privada é grande e garantido: os privados ficam com os lucros e o Estado com os riscos
Na semana passada ficámos a saber que um consórcio liderado pela Espírito Santo Saúde ganhou o concurso para a construção e gestão do hospital de Loures. Uma responsável do mesmo grupo já tinha afirmado à RTP, em 2007, que «melhor negócio do que a saúde só mesmo a indústria do armamento». Um grande e garantido negócio em parceria público-privada: os privados ficam com os lucros e o Estado com os riscos. O governo de José Sócrates tem estado à altura da mais ambiciosa tradição de engenharia política neoliberal, importada do pioneiro Reino Unido, onde, entretanto, caiu em desgraça nos últimos tempos. Das estradas aos hospitais, passando até pelas prisões, não há área da provisão pública que esteja a salvo da voragem dos negócios. O Tribunal de Contas tem feito saber, para quem esteja interessado em ler os seus relatórios, que as parcerias público-privadas assentam em contratos opacos e em frágeis mecanismos de monitorização. O interesse público e a transparência orçamental são sacrificados.
O próprio José Sócrates reconheceu o perigo de engenharias com múltiplas faces quando, em 2008, decidiu acabar com a danosa gestão do hospital Amadora-Sintra pelo grupo Mello Saúde: «Há uma grande dificuldade em fazer os contratos, o Estado gasta uma fortuna para vigiar o seu cumprimento e nunca foi possível eliminar a controvérsia. Por isso, é melhor o SNS ter gestão pública».
Percebe-se que os grandes grupos privados gostem destas engenharias. Nada melhor do que investir em áreas sem concorrência e com rendibilidade garantida pelos poderes públicos. Quem quererá investir nos concorrenciais sectores de bens transaccionáveis para exportação quando pode controlar equipamentos públicos? Dada a sua natureza, o Estado tem sempre de assumir os riscos, mas tem muitas dificuldades em garantir que a busca incessante de lucros pelos privados - "rendas" talvez seja uma expressão mais adequada neste caso - não coloca em risco o bem público.
Apesar de todas as perversidades, estes esquemas têm uma vantagem: mostrar que o discurso sobre o "monstro" do peso do Estado faz parte de um romance de mercado pouco informativo sobre a real orientação das políticas públicas.
A partir de agora, não há desculpas para não traçar linhas claras:
bens e equipamentos públicos devem ser controlados e geridos pelo sector público.
É uma política mais eficaz e transparente. E é uma política que envia os sinais certos aos grupos privados com propensão para ter antigos e futuros ministros nas suas folhas de pagamento:
vão trabalhar para os sectores exportadores, malandros?
Em meados dos anos 90, uma nova moda tomou conta do discurso político e da administração da coisa pública: as modernas e inteligentes parcerias público-privadas.
Portugal é um dos países europeus que mais usou este tipo de financiamento para o investimento do Estado. A moda começou com Guterres, continuou com Durão e Santana e seguiu o seu caminho com Sócrates.
A coisa funciona assim:
o Estado procura nos privados o dinheiro para o investimento. Os privados endividam-se para o garantir.
Aliviam assim as contas públicas, criando dois novos problemas: a dívida, multiplicada por muito, será paga no futuro; e o endividamento externo aumenta.
A factura já vai em 48,3 mil milhões de euros, até 2049, quase um teço do nosso PIB. Depois, em muitos dos casos, o privado trata da exploração da infra-estrutura, recebendo as devidas compensações do Estado até a factura estar paga.
Como testemunha o juiz Carlos Moreno, que durante anos fiscalizou, no Tribunal de Contas, as PPP’s e é autor do livro “Onde o Estado gasta o nosso dinheiro”, o Estado fez péssimos negócios.
Em troca do investimento privado não se limitou a pagar mais do que pagaria se fosse ele próprio a garantir o investimento. Ficou com o todo o risco do seu lado, garantindo aos privados extraordinárias mesadas. Um negócios das arábias para os financiadores: dinheiro certo em caixa.
Um descalabro para os cofres públicos: paga-se mais, dá-se a exploração a outro e banca-se sempre que a coisa corre mal.
Carlos Moreno não tem dúvidas em considerar que houve, na celebração destes negócios, um comportamento “incompetente e desleixado”, em que “o Estado, em grande parte das concessões, ficou com uma parte substancial do risco”.
Podia o Estado ser mais rigoroso na negociação destes contratos? Poder, podia. Mas não era a mesma coisa.
Porque esta ruína não resulta apenas de incompetência. É ver onde estão muitos dos que, governando em nome do povo, trataram destes negócios: espalhados por conselhos de administração de empresas de obras públicas, telecomunicações, energia ou cimenteiras.
É ver as derrapagens de custos. É ver a megalomania inútil de algumas obras.
Fala-se muito de despesismo do Estado. E não falta quem esteja pronto para cortar nas despesas sociais. Dizem que o Estado “ama-seca” tem de acabar.
Do que se fala pouco é de quem contribuiu e lucrou com o desperdício. De quem trata realmente a “ama-seca”. Sempre prontos para cravar o dente nos funcionários públicos, nos desempregados ou nos beneficiários do Rendimento Social de Inserção, os sonsos deste País perdem pouco tempo com os verdadeiros sugadores de recursos públicos. É natural.
Isso obrigaria a um verdadeiro corte com o passado: o fim da promiscuidade entre poder político e poder económico.
E quantos, no bloco central, se quereriam dedicar à política se apenas a causa pública os movesse? Poucos. Mas seguramente melhores.
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E, se a 'isto' acrescentarmos o moderno das externalizações de serviços ex-públicos, as consultorias e estudos, as remodelações e luxos, as verbas de 'diversos', a multiplicação de entidades com autonomia financeira, a engenharia contabilístico-financeira ... e a colocação (por confiança...) de 'excelentes paraquedistas' na Administração Pública, ficaremos com uma melhor percepção das causas do défice galopante.
[ ' Punishing the Poor: the Neoliberal Government of Social Insecurity ', Loíc Wacquant ]
É conveniente que se esqueçam como a crise começou: das desigualdades à especulação. A memória é perigosa, mas frágil.
Vários estudos mostram que quanto maior é a desigualdade de rendimentos, maior é o peso da população prisional e mais intensos são outros problemas sociais. Grandes oportunidades de negócio à vista.
Peguem então num país já de si desigual. Fragilizem, com planos ditos de estabilidade, o seu fraco Estado social e o que resta das regras que protegem uma parte dos trabalhadores e dos grupos sociais mais vulneráveis.
Do subsídio de desemprego ao pagamento de horas extraordinárias, passando pelo rendimento social de inserção, ainda há muito que erodir. Já está? Muito bem.
Um novo aumento do desemprego e da precariedade, que se segue à contracção da procura popular, ajuda a esfarelar solidariedades e a reduzir custos salariais. É violento e dá uma trabalheira política, bem sei, mas têm de convir que a luta de classes que precede os vossos negócios nunca foi um chá dançante.
Arranjem bodes expiatórios; dos imigrantes aos pobres, passando pelos funcionários públicos ou pelos sindicatos. Estes últimos são perfeitos para a intervenção de alguns intelectuais públicos que servem de vossos idiotas úteis.
Aliás, não se esqueçam de os contratar para estarem sempre na televisão, num monólogo de economia do choque e do pavor.
É bom que as pessoas tenham medo e se isolem nos seus tempos ditos livres. Lembrem-se que a depressão é outra boa oportunidade de negócio. Também é conveniente que as pessoas esqueçam como esta crise começou: do aumento das desigualdades à especulação financeira sem freios, depois de décadas das vossas liberalizações.
A memória é perigosa, mas frágil.
E podem evitar prejudiciais mobilizações se conseguirem que as alternativas socialistas e democráticas tenham pouca visibilidade.
Depois é continuar a imitar o modelo do capitalismo de predação, ou seja, os EUA, a terra dessa liberdade: construir prisões e investir na segurança e nos condomínios privados, excelentes negócios em sociedade fracturadas.
Quase um em cada cem adultos na prisão, como nos EUA? Talvez seja demasiado ambicioso, mas lembrem-se que o enfraquecimento do Estado social é o reforço do Estado penal.
Entretanto, mobilizem mais economistas convencionais: é preciso exaltar as virtudes da grande empresa, perdão, do mercado.
Aliás, digam sempre "os mercados" num tom ameaçador. É que ainda há monopólios que podem arrebanhar a bom preço ou com bom financiamento público: dos correios à REN.
O Estado financia e vocês gerem os novos equipamentos ditos públicos - as tais prisões, por exemplo -, como acontece nos EUA ou em Inglaterra.
De facto, as parcerias público-privadas são um dos grandes negócios que ainda se pode expandir neste capitalismo de crise em crise, como já vos disse várias vezes...
- por João Rodrigues, em I on line, 15.03.2010 Economista e co-autor do blogue Ladrões de Bicicletas
Com os tempos de crise, a vertigem liberal e os problemas orçamentais, uma moda instalou-se na Europa: a moda das Parcerias Público-Privado (PPP). E como acontece com tantas modas, ela bateu forte em Portugal. Portugal tornou-se rapidamente no país que mais investe através desta modalidade em percentagem do PIB. No Orçamento do Estado para 2010, constam mais de 700 millhões em encargos com estas parcerias e até 2050, só com as parcerias já contratadas até hoje, o Estado vai ter de pagar 48 mil milhões de euros, dados da Direcção Geral do Tesouro.
O princípio é simpático: O Estado faz avançar investimentos estruturantes, contornando as restrições orçamentais. Leve agora, pague depois. Parece bom de mais para ser verdade. E isso é porque não é verdade.
O Estado já tem o equivalente a 30% do PIB comprometido com esta parcerias durante os 40 anos e os negócios, que oscilam entre o mau e o péssimo, são frequentemente renegociados, sempre em prejuízo do interesse público.
É o que diz Carlos Moreno, juiz jubilado do Tribunal de Contas, em duas entrevistas obrigatórias ao Jornal de Negócios e Sol (22 de Janeiro) e no seu relatório de final de mandato.
“Se nas empreitadas tradicionais, o Estado assumia os encargos dos trabalhos a mais, agora, no âmbito das PPP, o Estado acaba por assumir o risco, mas por via dos processos de reequilíbrio financeiro, que afinal configuram mais do que encargos com trabalhos adicionais e outras alterações não previstas no projecto inicial.”
No seu Relatório de fim de Mandato, Carlos Moreno escreve: “Os bancos passaram a determinar o nível de exposição financeira e de risco para o Estado, exigem cláusulas contratuais de compensação por alteração de circunstâncias, aumentam as suas garantias, os spreads e os honorários – tudo isto, evidentemente, pago pelo contribuinte”. Segundo Carlos Moreno, chegou-se ao ponto de o Estado pagar “avultados encargos de consultores contratados pelos privados para negociar os contratos das PPP” […] “O sector público não retira qualquer benefício da curva de aprendizagem”.
Ou seja, o Estado negoceia mal, renegoceia pior, não aprende a negociar ao longo do tempo eainda paga aos privados para negociarem melhor contra o Estado. As parcerias obedecem ao princípio de que o risco fica para o Estado e os privados ficam com receita garantida. De acordo com o Tribunal de Contas, no sector rodoviário, aquele em que há mais parcerias, os encargos do Estado chegam quase ao dobro do investimento previsto e a Ponte Vasco da Gama será paga entre três a quatro vezes, no total da concessão.
Carlos Moreno faz um balanço cristalino: “Em termos de gestão financeira e em termos de boas práticas, tirando a renegociação do contrato da Fertagus, todos os relatórios do TC mostram que não fez bons negócios.”
Acresce que, a cavalo das parcerias e do discurso do que agora se chama Investimento de Iniciativa Pública, este governo e o que o antecedeu, deu mais alguns passos na privatização de serviços. A saúde é o caso mais evidente, com consequências particularmente desastrosas. Carlos Moreno refere que as sucessivas derrapagens nas PPP na Saúde “conduziram a uma descredibilização, mesmo a nível internacional, do programa nacional nessa área”.
Estas entrevistas e o relatório levantam inúmeras questões sobre o relacionamento entre o Estado e os privados. Todas essas questões mostram que “deixar tudo para os privados” é uma estratégia que produziu resultados miseráveis, aliás, não apenas no domínio das parcerias. Mas mostram também as enormes insuficiências no comportamento do Estado nestes negócios. Insuficiências de natureza técnica (que aliás também resultam da mesma estratégia de “deixar tudo para os privados”) e escolhas erradas ao nível das regras de contratação. Sobre isso, tentarei falar amanhã.
As parcerias público-privadas foram “inventadas” pelo governo conservador de John Major em 1992 (private finance initiative). Como não podia deixar de ser Tony Blair achou que eram muito boa ideia e insistiu. Vários partidos socialistas e sociais-democratas (convertidos à terceira via) haveriam de ser contaminados. Um destes dias essa febre passa-lhes.
Soube-se que «o hospital de Loures, o primeiro a ser lançado no modelo de parceria público-privada, vai ser construído e gerido pelo consórcio liderado pela Espírito Santo Saúde». Vale a pena ouvir de novo a reveladora declaração de uma responsável da Espírito Santo Saúde: saúde e armamento são os melhores negócios. O capitalismo predador no seu melhor.
Vale a pena também lembrar as declarações de José Sócrates: «Há uma grande dificuldade em fazer os contratos, o Estado gasta uma fortuna para vigiar o seu cumprimento e nunca foi possível eliminar a controvérsia. Por isso, é melhor o SNS ter gestão pública». Isto foi em Março 2008. Anunciou-se o fim da gestão privada depois do fiasco do Amadora-Sintra. No entanto, pelo sim, pelo não, continuaram com as engenharias predadoras feitas de construção e de gestão. Os riscos ficam todos no Estado. Como já aqui argumentei, ao contrário do romance de mercado sobre o monstro, a questão do peso do Estado não nos diz nada sobre a orientação das políticas públicas.
Neste blogue há muito que defendemos a tese de que a entrada dos grupos económicos privados na gestão de hospitais públicos constitui um dos principais mecanismos de destruição a prazo do Serviço Nacional de Saúde (por exemplo, I, II e III). Não só não existe evidência de ganhos de eficiência com a gestão privada, como se multiplicam os custos com o desenho de complexos contratos e com a sua monitorização. Isto para não falar dos riscos de captura política e do crescente músculo político dos grandes grupos económicos rentistas. De facto, custa muito dinheiro garantir que a busca incessante de lucros não coloca em risco a saúde pública. A gestão pública do SNS é mais segura e eficaz. Os grupos económicos privados que vão trabalhar para os sectores de bens transaccionáveis para exportação… [Ladrões de bicicletas, João Rodrigues]