Custe o que custar, mesmo para além de…
Já todos entendemos de que o “custe o que custar” pode ir para além da legalidade e do cumprimento dos próprios preceitos que definem a existência do actual Governo.
Já todos nos apercebemos de que a mil vezes evocada condição de economista do Presidente da República o faz confundir o juramento constitucional de cumprir, defender e fazer cumprir a Constituição, com a sobreposição dos seus interesses partidários e com o cumprimento, defesa e obrigatoriedade de cumprimento do Orçamento do Estado, mesmo que seja contra os interesses nacionais e contra a Constituição.
Já todos entendemos que o Presidente da República justifica os seus actos, nomeadamente este que revela uma quebra consciente e assumida do seu juramento constitucional – uma vez que tinha declarado, anterior e publicamente, estar consciente da violação da norma constitucional - com desculpas esfarrapadas como a de que nunca, anteriormente a ele, algum Presidente havia inviabilizado um OE e omitindo (como aliás é useiro e vezeiro em omitir no que lhe interessa (lembram-se da questão das pensões em que só falou de uma parte insignificante do que recebia?), que também nenhum dos seus antecessores tinha promulgado conscientemente uma Lei que contivesse clausulas inconstitucionais.
Já todos nos apercebemos de que Paulo Portas só aparece quando os actos estão consumados e que se faz sempre de vítima quando os escândalos de que é co-responsável já são do domínio público.
Já todos nos apercebemos de que este Governo exerce a política da chantagem e da ameaça e que só se prontifica a negociar depois de verificar que a sua chantagem não funciona (caso da greve dos médicos e da dos pilotos da TAP).
Já todos nos apercebemos de que a agenda é despedir 100.000 trabalhadores da Administração Pública e que a estratégia seguida está a caminho de concretizar esta agenda.
Já todos nos apercebemos de que o “ir mais além” é o ensaio para se saber até onde podem ir e que, se não lhes explicarmos que já foram longe demais, tentarão ir sempre ainda mais além.
Já todos nos apercebemos de que, quando a Troika tiver de admitir que as suas políticas são miseráveis e que não servem os seus próprios interesses (porque não é possível conseguir o reembolso de quem já nada mais tem para reembolsar), irá desculpar-se com “o mais além daquilo que tinham proposto” com que Passos Coelho e Paulo Portas entenderem empobrecer Portugal.
Já todos entendemos de que o “custe o que custar” está à beira de custar o próprio cumprimento dos nossos compromissos internacionais.
A jornalista São José Almeida é autora de um excelente artigo no Público de hoje sobre os jovens precários. Fala dos movimentos que procuram organizar estes trabalhadores que de algum modo se parecem ao proletariado de outros tempos!
As famílias, que são muitas, que têm jovens trabalhadores precários, alguns já com décadas, sabem de que drama ou dramas estamos a falar. Assim:
Ser precário é um drama para a família: efectivamente ter um membro da família a trabalhar com um vínculo que vai acabar é ter a angústia de não ter meios para o apoiar quando estiver no desemprego. Desemprego que pode ter ou não subsídio! E quando irá ter novo trabalho?
Ser precário é um drama pessoal. Toda a vida é precária, até o amor é precário! Não podem existir planos de vida pessoal nem familiar. As alternativas são o desemprego ou a emigração, quase sempre também precária!
A precariedade pode ser também um caminho para a doença, nomeadamente para a depressão! Espanha e Portugal são países com muita precariedade e muitas doenças do foro psicológico.
A precariedade cria um estado de espírito, uma cultura e alimenta um tipo de empresa de natureza predadora! Usar e deitar fora!
Esta empresa está ao serviço do moderno capitalismo que cada vez mais funciona com um tipo de gestão baseada na pressão e em objectivos que não estão ao alcance do trabalhador e que serve o máximo lucro do accionista. O trabalhador sente que por mais que se esforce não consegue alcançar os objectivos traçados pela chefia! Fica nas mãos dos chefes e gestores. Começa a duvidar das suas capacidades e de si próprio!
Estas empresas pressionam frequentemente para despedir os trabalhadores efectivos e recorrer em seguida aos temporários.
Mesmo sob ponto de vista económico a precariedade não é boa para os estados. A saúde e a segurança social recolhem menos receitas e vão gastar mais com a saúde e subsídios de desemprego quando existem!
Esta sociedade a tratar assim a gente nova não vai ter futuro! Serão os próprios jovens que virão para a rua dizer BASTA !
(Texto de João Rodrigues, em Vírus, 2010.02.05 )
Estradas, prisões, aeroportos, matas nacionais, rede eléctrica, património histórico, áreas protegidas, hospitais. A lista não tem fim. A progressiva canibalização da esfera pública é assegurada através de engenharias políticas, envolvendo opacas privatizações e parcerias público-privadas, complexas subcontratações ou dispendiosos subsídios e incentivos fiscais.
Entrega-se, desta forma, o controlo de equipamentos e de infra-estruturas públicas à voragem de interesses capitalistas cada vez mais predadores.
A especialização dos grupos económicos nos sectores dos bens não-transaccionáveis, menos exposto à concorrência internacional, deve-se, em parte, a políticas públicas erradas que abrem aos privados áreas onde os lucros estão politicamente garantidos porque, dada a importância dos bens e equipamentos em causa para a vida da comunidade, o Estado acaba sempre por ter de assumir os riscos do "negócio".
O esvaziamento do Estado, associado ao atrofiamento da provisão e do controlo público, avança a par da inserção cada vez mais dependente da economia portuguesa. Esta traduz-se numa balança comercial muito desequilibrada e num endividamento externo crescente e deve-se, em parte, ao défice de investimento no sector dos bens transaccionáveis para exportação, em especial nos sectores tecnologicamente mais avançados, onde as virtudes empreendedoras podem ser testadas.
No entanto, quem quererá investir em bens e serviços para exportação quando pode controlar a Brisa, a Lusoponte ou a REN, empresas onde, dada a natureza da actividade, os lucros, ou melhor, as rendas, estão praticamente garantidas?
Como sublinhou recentemente Nuno Teles, a financeirização da economia portuguesa, associada ao poder do sector financeiro, cujo crescimento desmesurado foi activamente promovido pelas políticas públicas neoliberais, deixou um rasto de sobrendividamento das famílias, de especulação fundiária e financeira e contribuiu para aprofundar ainda mais a funesta aposta económica privada em sectores de bens não-transaccionáveis como a construção de habitação a preços empolados1.
Estes processos avançaram a par de um esforço político para aumentar a discricionariedade do poder empresarial privado e para assegurar que este consegue transferir mais custos para os trabalhadores.
Disso são exemplos a complacência face ao brutal aumento da precariedade - desde 2005 que o número de trabalhadores precários, que auferem em média 73% do salário dos trabalhadores com contratos sem termo, cresceu mais de duas centenas de milhar - e as gravosas alterações ao código de trabalho - que vão da redução dos custos salariais por via de adaptabilidade de horários à duplicação do chamado período experimental, passando pelo esfarelamento da contratação colectiva.
Estas opções traduzem uma recusa política em fixar regras exigentes que assegurem um maior equilíbrio nas relações laborais e que aumentem os incentivos para a modernização da estrutura produtiva, a partir do momento em que os sectores mais retrógrados do patronato sabem que não podem mais prosperar através da transferência sistemática de custos para os trabalhadores sob a forma dos baixos salários, das relações laborais autoritárias ou da precariedade.
O atrofiamento do espaço público, a financeirização da economia, agora em crise, e um modelo de relações laborais que atribui mais liberdade aos patrões, o que tem como contrapartida necessária a maior vulnerabilidade dos trabalhadores, traduzem a consolidação do que o economista norte-americano James Galbraith designou por "Estado predador", ou seja, uma "coligação de interesses económicos reaccionários" que prosperam através de políticas públicas neoliberais de esvaziamento do Estado democrático que protegia o interesse público e os trabalhadores2. Esta ideia, pensada para a economia norte-americana, aplica-se que nem uma luva às políticas públicas dominantes da "esquerda moderna" no nosso país.
As consequências desastrosas deste processo só tornam mais urgente a definição de uma alternativa política de esquerda que terá de contribuir para a construção do que Manuel Alegre designou por "Estado estratega". Este tipo de configuração envolve uma acção pública determinada numa multiplicidade de áreas, dos serviços públicos ao combate às desigualdades. No resto deste breve texto, discuto algumas políticas que podem ajudar a reverter o carácter rentista do capitalismo português.
Um Estado estratega deve ter como uma das suas prioridades apoiar e orientar o investimento privado no sector dos bens transaccionáveis para exportação. Isto pressupõe, em primeiro lugar, traçar linhas claras entre o que é público e o que é privado, ou seja, um Estado estratega tem de controlar e de gerir directamente todos os chamados "monopólios naturais", do abastecimento de água à rede eléctrica ou à rede de estradas.
Em segundo lugar, um Estado estratega tem de reforçar o controlo do sector financeiro. A actual crise assinala os limites das privatizações do sector bancário que dominaram a paisagem europeia desde os anos oitenta. Agora que é inegável o tratamento diferenciado deste sector face à restante economia - os bancos não podem ir à falência - teremos de regressar, em novos moldes, a uma maior presença pública neste sector. Só assim será possível dirigir o crédito disponível prioritariamente para os sectores exportadores e/ou criadores de emprego de qualidade que o país tem interesse em promover.
Em terceiro lugar, um Estado estratega tem de definir uma política fiscal calibrada para combater a especulação fundiária e bloquear alguns dos mecanismos que contribuem para a corrupção e que acentuam a funesta aposta económica privada na especulação fundiária.
Como se defende numa proposta recente da esquerda socialista, uma política inteligente nesta área passa, entre outras medidas, pela "cativação pública das mais-valias decorrentes da valorização de terrenos em consequência da alteração da sua definição por via de actos administrativos da exclusiva competência da Administração Pública ou da execução de obras públicas que resultem total ou parcialmente do investimento público".
Finalmente, e nas actuais circunstâncias nacionais, é necessário reconquistar alguma margem de manobra para evitar que a actual crise conduza a um brutal e irreversível processo de destruição industrial, aprofundando tendências económicas que vêm de uma inserção internacional mal gerida que se entregou cegamente às forças do mercado global sem procurar uma inserção favorável ao progresso tecnológico e produtivo do país.
Como defendeu recentemente João Ferreira do Amaral, isto passa por encontrar, à escala da UE, "um sistema para possibilitar que os Estados com défices persistentes na balança de pagamentos possam aplicar medidas excepcionais, derrogando, se necessário e temporariamente, as leis da concorrência e das ajudas de Estado para poderem combater esse défice" 3.
Desta forma poder-se-á ganhar mais espaço para forjar uma política industrial coerente, servida por incentivos selectivos e por investimentos públicos bem planeados, que favoreça a área dos bens transaccionáveis intensivos em conhecimento e em tecnologia e não a captura de sectores da provisão pública.
Deve ser ainda realçado que o Estado democrático é uma arena de conflito e de cooperação permanentes. A actual trajectória só pode ser politicamente revertida com uma robusta aliança entre as classes médias e os trabalhadores.
No fundo, ainda podemos escolher. Entre o Estado estratega e o Estado predador, como sempre acontece, é tudo uma questão de políticas.
NOTAS:
1. Nuno Teles, "A crise e o processo de financeirização em Portugal", Le Monde diplomatique, Dez.2008.
2. James Galbraith, The Predator State, Nova Iorque, Free Press, 2008.
3. João Ferreira do Amaral, A "crise o futuro", Le Monde Diplomatique, Janeiro de 2009.
Vários estudos mostram que quanto maior é a desigualdade de rendimentos, maior é o peso da população prisional e mais intensos são outros problemas sociais. Grandes oportunidades de negócio à vista.
Peguem então num país já de si desigual. Fragilizem, com planos ditos de estabilidade, o seu fraco Estado social e o que resta das regras que protegem uma parte dos trabalhadores e dos grupos sociais mais vulneráveis.
Do subsídio de desemprego ao pagamento de horas extraordinárias, passando pelo rendimento social de inserção, ainda há muito que erodir. Já está? Muito bem.
Um novo aumento do desemprego e da precariedade, que se segue à contracção da procura popular, ajuda a esfarelar solidariedades e a reduzir custos salariais. É violento e dá uma trabalheira política, bem sei, mas têm de convir que a luta de classes que precede os vossos negócios nunca foi um chá dançante.
É bom que as pessoas tenham medo e se isolem nos seus tempos ditos livres. Lembrem-se que a depressão é outra boa oportunidade de negócio. Também é conveniente que as pessoas esqueçam como esta crise começou: do aumento das desigualdades à especulação financeira sem freios, depois de décadas das vossas liberalizações.
A memória é perigosa, mas frágil.
E podem evitar prejudiciais mobilizações se conseguirem que as alternativas socialistas e democráticas tenham pouca visibilidade.
Depois é continuar a imitar o modelo do capitalismo de predação, ou seja, os EUA, a terra dessa liberdade: construir prisões e investir na segurança e nos condomínios privados, excelentes negócios em sociedade fracturadas.
Quase um em cada cem adultos na prisão, como nos EUA? Talvez seja demasiado ambicioso, mas lembrem-se que o enfraquecimento do Estado social é o reforço do Estado penal.
Entretanto, mobilizem mais economistas convencionais: é preciso exaltar as virtudes da grande empresa, perdão, do mercado.
Aliás, digam sempre "os mercados" num tom ameaçador. É que ainda há monopólios que podem arrebanhar a bom preço ou com bom financiamento público: dos correios à REN.
O Estado financia e vocês gerem os novos equipamentos ditos públicos - as tais prisões, por exemplo -, como acontece nos EUA ou em Inglaterra.
De facto, as parcerias público-privadas são um dos grandes negócios que ainda se pode expandir neste capitalismo de crise em crise, como já vos disse várias vezes...
- por João Rodrigues, em I on line, 15.03.2010
Economista e co-autor do blogue Ladrões de Bicicletas
[Esta história passa-se em França e foi-me enviada por email]
"O senhor Imã Bouziane não trabalha, sendo um sábio do culto muçulmano o Imã Bouziane é polígamo, e:
Declarou em 1993 à Prefeitura a existência de uma sua segunda esposa.
A Prefeitura aceitou que a sua segunda esposa se juntasse a ele em França contudo sem lhe emitir a autorização de residência.
As crianças nascidas da Segunda esposa são francesas.
Assim, ela não tem documentos mas também não pode ser expulsa.
O Imã Bouziane tem hoje 16 filhos, 8 de cada mulher.
1) A segunda esposa não é considerada como tal.
Ela é considerada pela C.A.F. (Caisse d'allocations familiales) como um “parente isolado".
Por essa razão ela passa a ter direito ao A.P.I. ‘l'allocation de parent isolé”, ou “subsídio
monoparental”, que atinge os 707,19 € para uma família monoparental com um filho, ao qual se soma mais 176,80 € por filho suplementar => (7 x 176,80 mais).
Seja um total de 1.944,79 €
2) Todos os meses ela recebe pelos seus 8 filhos 978,08 € de subsídios familiares.
3) Como ela tem 2 filhos com menos de três anos, tem direito ao A.P.J.E.
(Allocation Pour Jeune Enfant) de 161,66 € x 2, ou seja, mais 323,32 €.
4) Como família monoparental, tem ainda direito a 305 € de subsídio de habitação.
5) Com 8 filhos ela não trabalha, o que faz com que o seu marido e muçulmano exemplar
aprove sem dúvida que toda a mulher muçulmana «tem o direito de não trabalhar com os homens porque ela poderia ser tentada pelo adultério…" RMI (Revenue Minimum d’Insertion) ou Rendimento Mínimo de Inserção para uma pessoa só:
417,88 € + 167,15 € / criança ou seja, um total de 1.755,08 €.
6) Ela tem 4 crianças em idade escolar:
Subsídio ou Bolsa escolar anual => 257,61 € X 4 = 1.030,44 €, o que dá um montante mensal de mais 85,87 €.
No total, a Sra Bouziane n° 2 recebe 5.296,14 € / mês
O Sr. e a Sra Bouziane n°1 :
Com os seus 8 filhos atingem os 978,08 € de subsídios familiares todos os meses
+ 2 Subsídios para – crianças < 3 anos = 323,32 €
+ Subsídio habitação 305 €
+ Rendimento Mínimo Inserção Casal 626,82 €
+ 8 Filhos (1.337,20 €) => ou seja 1.964,02 €
+ Subsídio escolar para 4 filhos => 85,87 €.
No total, o Sr. e a Sra Bouziane n°1 atingem 3.651,29 € / mês
TOTAL : 8.947,43 € / mês
Medite, enraiveça-se e grite, ... Mas sobretudo continue a trabalhar duro, porque é preciso pagar !!!
E fique ainda a saber que o Imã não paga impostos !"
Esta história não vos faz lembrar nada parecido?
A erosão do espaço público prosseguirá graças às engenharias políticas de governos dispostos a tudo para agradar aos mercados.
As acções de Sócrates e o carácter que estas revelariam são escrutinados e debatidos até à exaustão. Fala-se muito do autoritarismo do primeiro-ministro e da sua necessidade de controlo da agenda mediática. Curioso é que muitos dos seus recentes críticos na imprensa passaram anos a entoar loas às suas determinação e coragem "reformistas" contra os chamados "grupos de interesse": estranhamente, o empresarialmente correcto dominante só usa esta expressão para se referir aos sindicatos e às suas lutas.
O que é realmente preocupante não está no centro do debate: o autoritarismo não é um defeito de Sócrates, mas sim o feitio de escolhas políticas governamentais concretas. São mais as políticas neoliberais, as que satisfazem os agentes que operam nos mercados financeiros liberalizados, a escolher os autoritários convenientes para a sua prossecução do que o contrário.
Sócrates sabe isto muito bem. Sabe onde está o poder. Basta estar atento às suas declarações à imprensa estrangeira, em que se apresenta como o mais competente para fazer recair o fardo do ajustamento sobre os mesmos grupos e espaços de sempre: contenção dos salários garantida pelo aumento de desemprego e pela precariedade e erosão dos serviços públicos.
Aqui a convergência com Belém e com a direita é total: prosseguir o que o economista político David Harvey designou como acumulação por expropriação dos bens comuns, ou seja, a empresarialização da gestão dos recursos públicos, de que as escolas secundárias são o último exemplo, como primeiro passo para a privatização nas condições que forem mais cómodas para os grupos económicos que já só prosperam à custa desta predação.
É claro que este processo, num contexto de crise e de estagnação duradoura, tem de gerar resistências, que serão tanto mais fortes quanto maior for a capacidade de mobilização dos contrapoderes na sociedade civil, sejam eles sindicatos, partidos ou outros movimentos sociais. Só uma sociedade civil activa pode traçar as linhas políticas que protegem a integridade do espaço público e assim asseguram as condições para a democracia e para a sobrevivência de um ethos de serviço público necessariamente antimercantil.
E, no entanto, foi sobre estes movimentos sociais que recaiu, e recairá, a ira do poder económico e de muita comunicação social. A desconfiança de sempre relativamente a uma democracia vibrante leva agora muitos a temer as explosões sociais e a olhar para o Oriente com enlevo: os modelos de capitalismo autoritário prosperam sem as tralhas da democracia. Enquanto não houver rupturas democráticas com esta trajectória ideológica e de políticas governativas, a erosão do espaço público prosseguirá graças às engenharias políticas de governos dispostos a tudo para agradar aos mercados.
Economista e co-autor do blogue Ladrões de Bicicletas
Uma das ideias mais interessantes do último livro de James K. Galbraith – O Estado Predador – diz respeito às virtudes económicas da existência de regras apertadas capazes de diminuir a discricionariedade do poder empresarial privado: das normas ambientais exigentes às normas salariais igualitárias negociadas por contrapoderes sindicais fortes.
Galbraith assinala que certas fracções do mundo dos negócios podem ter vantagens em apoiar muitas destas regras e que este é um dos segredos para a sua adopção em muitos países capitalistas: «Uma estrutura de regulação funcional é um instrumento competitivo para as fracções mais progressivas do mundo dos negócios que desejam – para a sua própria vantagem – forçar todos os outros concorrentes a alinhar por um conjunto comum de regras».
Na questão dos salários, Galbraith cita o exemplo dos países escandinavos e a importância da existência de uma estrutura relativamente centralizada de negociação colectiva que favorece a emergência de um padrão salarial mais igualitário: «O efeito disto na disciplina dos negócios é magnífico. Para ser bem sucedida, a empresa tem de encontrar formas de competir que não envolvam a degradação dos standards salariais da sua força de trabalho. Manter a produtividade elevada e investir na busca permanente de inovações tecnológicas é a melhor forma de o conseguir. Isto significa que as indústrias avançadas prosperam na Escandinávia, enquanto que as atrasadas morrem (…) Salários altos, protegidos por sindicatos fortes, garantem que a empresa não tem alternativa a não ser manter-se competitiva».
Galbraith defende que muitos economistas cometem um erro crasso quando declaram que os salários variam mecanicamente de acordo com a produtividade. A produtividade não é determinada fora do processo produtivo por inovações tecnológicas exógenas ou por outras circunstâncias que a empresa não controla: «No mundo tal como ele é, as estruturas salariais são, em larga medida, fixadas pela sociedade; as empresas ajustam-se. A tecnologia e os métodos de negócio são inventados e adaptados dentro da empresa para se conformarem às regras que a sociedade impõe à empresa. E estruturas igualitárias são mais exigentes e, portanto, até um certo ponto, mais produtivas».
Em Portugal, regras pouco exigentes favorecem os sectores empresarias mais retrógrados e predadores. E ainda há economistas que querem subsidiar as empresas que pagam o salário mínimo aos seus trabalhadores. De qualquer forma, e como mostra o estudo do Ricardo Mamede, os recentes aumentos do salário mínimo têm um impacto «moderado» na estrutura de custos das empresas.
A mensagem de Galbraith deveria ser escutada pelos decisores políticos portugueses: «os standards salariais exigentes que empurram a indústria para as melhores práticas são apenas uma versão do que pode ser feito nas áreas ambientais, da saúde e da segurança do trabalhador ou do consumidor. Impor standards e assegurar que estes são respeitados é uma resposta política à emergência do Estado Predador. Este último reduz-se a uma coligação das forças empresariais reaccionárias que tentam manter a competitividade e a rendibilidade sem melhorias tecnológicas, sem controlos ambientais, sem respeito pelos direitos laborais ou pela segurança dos produtos que fabricam».
[Ladrões de Bicicletas, João Rodrigues]
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