POR FAVOR TIREM-ME DAQUI
( -por J.Pacheco Pereira, 28/10/2013, Abrupto)
De cada vez que escrevo sobre o que acontece em Portugal,
haja ou não haja "guião", haja ou não haja Orçamento, haja ou não haja mais peripécias do Governo bipolar que temos, haja ou não haja avaliações da troika, haja ou não haja manifestações, haja ou não haja greves, haja ou não haja mais uma mentira, um escândalo, uma inconfidência, uma fuga via Marques Mendes, ou um "recado" via Expresso, haja ou não haja um retorno vingativo e um ajuste de contas, haja ou não haja o que houver, Portugal parece Sísifo com a sua pedra, ou um navio que não sai do sítio, encalhado por uma maldição qualquer num canto do oceano.
Até aqui, nestes textos, parece que se volta sempre à maldição de Sísifo, ou do Navio-Fantasma, ou, mais prosaicamente, ao Dia da Marmota do filme Groundghog Day com Bill Murray, traduzido para português apropriadamente como o Feitiço do Tempo. Nem o mítico Sísifo, nem o wagneriano Navio-Fantasma, nem o Bill Murray, acordando sempre no dia seguinte no mesmo dia anterior, são novidades, porque já estou a repetir referências que já fiz.
Já não tenho mais metáforas, nem mitos, nem filmes.
Por favor, tirem-me daqui.
Quando falo em público, as perguntas das pessoas são sempre as mesmas:
"Quanto tempo é que isto vai durar?",
"Como é que nos vimos livres destes senhores?",
"Quando é que saímos disto?",
"Como é que se dá a volta?", e outras variantes do mesmo.
E embora eu desconte a relação entre o que diz o palestrante e as expectativas dos ouvintes, cujo acto de lá ir é já de si uma mostra de empatia e interesse, seja de simpatia, seja de antipatia,
mesmo assim há alguma coisa que está muito errada quando uma sala com duas ou três centenas de pessoas, no meio de uma noite de tempestade, no fundo, quer saber quando é que anda tudo à pancada e a partir montras ou coisas piores, e manifesta o seu enorme desagrado e impotência por tal não acontecer.
E quando falo de uma sala destas - e estou a pensar em exemplos muito concretos e recentes - estou a falar de gente da CLASSE MÉDIA, composta, educada, com profissões reconhecidas como sendo de elite, engenheiros, médicos, professores, advogados, funcionários públicos dos escalões superiores, reformados com pensões acima de mil euros, pelo menos, alguns pequenos empresários privados, e os seus filhos qualificados e desempregados.
Bem sei que são eles, os que "ainda têm alguma coisa", o ALVO preferencial da sanha governativa, aquilo que antes se chamava "classe média", e hoje se considera os 'ricos' e os 'privilegiados', para confiscar fiscalmente e REDUZIR, por todos os meios, salários e pensões, ao remedeio, à quase pobreza, quando não à POBREZA.
E são eles que me perguntam, de uma forma cada vez menos eufemística, quando é que há uma REVOLUÇÃO, nem mais nem menos.
E mesmo eu, que entendo que toda a intransigência face ao Governo e à governação é pouca, ainda fico surpreendido com a veemência da sua REVOLTA, que já ultrapassou a hostilidade aos governantes, para estar já na raiva por NADA ACONTECER e no vitupério ao "povo" que aceita tudo e NÃO FAZ NADA.
E se pensam que estou a exagerar, enganam-se. A coisa está muito negra por estes lados.
Não estou a falar de gente que tenha simpatias pelo PCP, pelo BE. Bem pelo contrário, a sua esmagadora maioria são votantes "centrais", votaram no PSD e no PS e mesmo no CDS.
Estão informados, muito mais informados do que a média dos portugueses, vêem a SICN e a TVI24, acompanham os debates, lêem o Expresso no fim-de-semana, sabem o que disse o Marcelo e o que escreveu o Vasco Pulido Valente ou o Miguel Sousa Tavares, conhecem-me da Quadratura mais os meus companheiros de debate.
E estão positivamente FURIOSOS, não só porque o seu bolso é o alvo principal mas também porque se sentem IMPOTENTES e, acima de tudo, insultados e HUMILHADOS.
Se voltarmos ao nosso país, permanentemente no Dia da Marmota, ou encalhado no Mar dos Sargaços, ou a levar a pedra ao cimo do monte para a ver cair, percebe-se que não lhes faltam irritantes quotidianos.
Há, primeiro que tudo, o estado ontológico da "inevitabilidade", ou seja, nós somos os "forçados da dívida", presos numa prisão de alta segurança, cujos carcereiros menores, empregados dos carcereiros maiores, nos dizem que não há a mínima esperança de sair de lá.
Volto ao armazém literário, para ver a entrada do Inferno de Dante: ó vós que entrais, perdei toda a esperança.
Como é que se vive sem esperança? Eles sabem.
Depois que palavras novas - nem sequer estou à espera de dizer promissoras, salvíficas, esperançosas - esperam eles ouvir de Cavaco Silva ou Passos Coelho, que logros e enganos renovados esperam de Portas ou Maduro, que coisas convincentes de Seguro, que não sejam as mesmas de ontem, gastas, cansadas, fora de qualquer prazo de validade. Nem sequer MENTIRAS novas, mas sempre as mesmas recicladas. Já vimos tudo, já ouvimos tudo, já sabemos tudo, e é também por isso que a indústria das peripécias, vulgo comunicação social, nunca descansa nos seus moinhos de orações.
Coisa graves há, Angola, dívida, orçamento, SAQUE fiscal, DESTRUIÇÃO da confiança, VIDAS estragadas, perda, PERDA, perda.
Mas misturadas com muita irrelevância que ganha terreno no meio do cansaço, a ver se ainda há alguma novidade. Ah! Sócrates escreveu uma redacção sobre a tortura e desceu dos céus parisienses via RTP... E depois? Serve de entretenimento, mas mais nada.
Este gigantesco marasmo inquina tudo.
Bloqueia qualquer solução política que "abra" a situação e permita avançar. Cavaco Silva tem muita culpa ao não ter fechado uma crise endémica, que está aí todos os dias no governo da diarquia, com eleições antecipadas. Não mudava tudo, mas permitia uma descompressão da situação.
O que é que o impedia de ter exigido aos partidos nova legislação para encurtar os prazos eleitorais e assim minimizar os danos dos tempos longos entre a decisão de haver eleições e a posse de um novo governo?
O que é que o impedia de forçar um pacto pré-eleitoral entre os três partidos, dizendo-lhes claramente que ia convocar eleições, em vez de andar penosamente a pedi-lo em público, recebendo um não?
Havia riscos e custos?
Certamente que havia, nos juros que nos impediriam de ir aos mercados.
Mas a verdade é que depois da "crise Portas" também não há condições para ir aos mercados, e suspeito que os portugueses preferiam defrontar o problema com ELEIÇÕES do que ter que pagar o mesmo preço com Portas a agitar-se todos os dias para parecer bem e Passos Coelho a tirar-lhe o tapete para que ele pareça mal.
Até a troika, que sabe o que são factos consumados, aceitaria a inevitabilidade, esta virtuosa, de haver eleições. Mas C. Silva não quis e agora está condenado a aceitar um orçamento INCONSTITUCIONAL, ele que jurou defender a Constituição.
O bloqueio político é o maior problema que Portugal hoje conhece, maior do que o défice e do que a dívida,
porque ele condiciona o defrontarmos o problema do défice e da dívida em democracia e a médio prazo, única forma de o podermos fazer.
Sublinho, EM DEMOCRACIA.
Bloqueado politicamente, com este PSEUDOGOVERNO, arrastando-se nas suas contradições, preparando um GOLPE contra o Tribunal Constitucional, com uma ilegalidade tornada normal pela retórica da "emergência financeira", com as instituições a não funcionarem, Portugal está encalhado no meio do mar, traz aos ombros a pedra maior dos sacrifícios do seu povo, para a ver cair de novo, e assiste pela milionésima vez às comemorações do Dia da Marmota.
Admirem-se pois que aqueles pacíficos cidadãos queiram a revolução.
Tirem-me daqui.
Por favor, porque somos gente educada.
Queremos partir tudo, mas somos educados.
------ porém :
«A corja que despreza a Constituição que se ponha a pau. É que, se os meus direitos à saúde, à educação, pensão, trabalho, habitação, não valem nada; então, também os seus direitos à propriedade privada, ao lucro, à integridade física e moral, deixam de valer. E nós somos mais que eles ! » - Miguel Tiago, deputado.
------ e :
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CDA: Debater o orçamento do « vale tudo » (-por N.Serra)
AS FRASES (sem comentários) (-por C.Esperança, 27/10/2013, PonteEuropa)
CORREIO DOS AÇORES – Editorial de hoje, 1.ª página, assinado pelo seu diretor Américo Natalino Viveiros.
Título – Violação dos direitos e deveres sociais
1.º § - «As medidas avulsas que o governo da República tem tomado no âmbito do sistema social, a coberto dos programas de assistência financeira, estão desmantelando progressivamente aquilo que são direitos que foram criados em Portugal por Salazar e por Marcelo Caetano e que a Constituição de 1976 consagrou».
(…) Penúltimo § - «O governo de Paulo Portas não foi mandatado pelo povo para destruir o Estado Social como o vem fazendo, com a complacência do Primeiro-Ministro e do Presidente da República».
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As forças armadas e o seu bispo (general) (-por C.Esperança, 28/10/2013, PonteEuropa)
... ... A atual Concordata, assinada pelo governo de Durão Barroso, alargou as capelanias militares às forças policiais, juntando-se às capelanias hospitalares e prisionais. O Governo descura a assistência do Serviço Nacional de Saúde mas não deixa que falte a assistência religiosa. A comparticipação nos medicamentos baixa mas as mesinhas para a alma são comparticipadas a 100%. ...
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A erosão dos valores e a perda de solidariedade (-por C.Esperança, 25/10/2013, PonteEuropa)
... ... Nos primeiros anos (de Abril), o espírito solidário foi uma constante. Ninguém negava dinheiro para uma creche, terreno para uma escola, trabalho em obras sociais. Todos cooperavam nas campanhas de alfabetização, no recenseamento eleitoral, nas mesas de voto ou em qualquer outra tarefa cívica que urgisse.
Depois, lentamente, a cidadania deu lugar ao egoísmo, a disponibilidade ao interesse, a generosidade ao cálculo videirinho. ...
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Portugal, a fé e os partidos (-por C.Esperança, 24/10/2013, PonteEuropa)
A longa ditadura fascista fez que a democracia se alicerçasse mais nas crenças do que na razão. Os cidadãos, perdido o medo, correram a matricular-se nos partidos e a fazer a profissão de fé no que lhes pareceu melhor, enquanto outros procuraram adivinhar o que lhe traria maiores conveniências.
Os oportunistas foram os melhor sucedidos, confiscando empregos, obtendo benefícios e promoções, alcançando prestígio e poder, enquanto os heróis de Abril eram remetidos para os quarteis e tratados como insurretos.
De Abril ficou, sobretudo, o exemplo generoso dos capitães e a liberdade de expressão que o desemprego e o medo de represálias vão mitigando. Hoje, nem o PR nem o PM e, muito menos, os autointitulados centristas, nutrem qualquer gratidão pela libertação da ditadura à qual se teriam acolhido com a maior tranquilidade.
São poucos os que leram os programas partidários e ainda menos os que gostariam de os ver postos em prática. Assim, a pertença partidária assume aspetos de profissão de fé de quem aderiu a um partido do mesmo modo que aderiu à religião, por se ter habituado a seguir a que estava em uso ...
A discussão de ideias na política, como no futebol, não é um exercício de cidadania, é uma pugna em que vale tudo, um exercício de gritaria, um fenómeno de maniqueísmo. ... ...
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Anulação de contrato swap pelo Supremo pode influenciar outras sentenças
Empresas que ainda não avançaram com acções judiciais têm novo argumento para pedir nulidade dos contratos. [-R. Soares, publico.pt, 25-10-2013, via MIC]
O acórdão do Supremo Tribunal de Justiça (STJ), declarando nulo um contrato de swap sobre taxas de juro com base "em alteração relevante de circunstância" [a crise financeira e a queda abrupta das taxas de juro], pode influenciar a decisão de dezenas de acções que se encontram nos tribunais de primeira instância e mesmo na Relação.
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Freitas do Amaral acusa governo de forçar demissão ao propor leis inconstitucionais
Para o antigo governante, "é altura de dizer basta e de fazer este governo recuar", porque "a continuar por este caminho, qualquer dia temos aí uma ditadura". [-por Lusa, 27-10-2013, via MIC]
... o Governo está a criar propositadamente as condições para que o Tribunal Constitucional chumbe a proposta do Orçamento do Estado para 2014 e possa, depois, demitir-se (e culpar o TC pela sua inépcia e desgoverno).
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Desperdício de geração jovem é "quase criminoso" (-via MIC, 27-10-2013)
Ex-reitor diz que jovens estão a ser obrigados a emigrarem. O antigo reitor da Universidade de Lisboa, António Sampaio da Nóvoa, defende que os jovens (e todos os activos/ desempregados) deviam ser melhor aproveitados pelo País e diz que muitos estão a ser forçados a emigrar.
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Até onde vão baixar os salários? (-por I Kathimerini, Atenas, Grécia, 26-10-2013]
Os gregos estão (a ser forçados) a aceitar salários cada vez mais baixos, sejam jovens licenciados ou trabalhadores mais velhos que arranjam emprego após um período de desemprego.
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O Mundo, Portugal e a questão angolana... (por é-pá!, 25/10/2013, PonteEuropa)
... ... As relações internacionais envolvem muitos parâmetros, entre eles, a História, a Economia, a Geografia, a Sociologia, etc. Em contrapartida – após a globalização - tornou-se cada vez mais ténue e difuso o papel do Direito Internacional (público e privado). E a questão angolana parece alojar-se num velho conceito em que uma das partes reivindica a capacidade de reger os seus negócios pelo Mundo segundo as suas leis ou ausência delas. Isto é, sem qualquer limite, regulação ou interferência.
Ao fim e ao cabo as concepções emergentes nas relações internacionais traduzem um regresso aos tempos bárbaros. Os interesses financeiros (do Estado ou de oligarquias reinantes) sobrepõem-se às questões de princípio e o estado actual da globalização tende a incentivar a criação de ‘offshores diplomáticas’ onde o ‘investimento’ é rei e não tem lei.
O OUTONO DOS PILARES EUROPEUS (-por R.Namorado, 15/10/2013, OGrandeZoo)
Caminha-se assim para uma coligação liderada pela Sr.ª Merkel que envolverá o SPD, certamente ainda lembrado que a mais recente coligação idêntica (2005-2009) o fez descer da qualidade de um grande partido, separado dos democratas-cristãos por um escasso deputado, para a de um modesto partido de média dimensão, que ficou abaixo dos 25 %. Em quatro anos de oposição (2009-2013), conseguiu a proeza pálida de, ao subir apenas cerca de 2%, exceder ligeiramente o modesto patamar anterior. Contudo, essa anemia política do SPD nada de positivo trouxe para o peso eleitoral dos outros dois partidos de esquerda, que continuaram penosamente a rondar os dez por cento.
Será de esperar que os eleitores alemães de esquerda continuem a dar votos a partidos que preferem ser capachos, diretos ou indiretos, de um partido de direita, que tem assombrado a Europa, do que ousarem a enorme aventura de se entenderem?
2. A França e, de algum modo, a Europa assustaram-se com um recente resultado de uma eleição local, conjugado com uma sondagem que colocava a Frente Nacional no primeiro lugar das intenções de voto dos franceses. Mesmo que não se possa dizer que há aqui uma verdadeira exceção francesa e sendo a FN um fenómeno político com décadas, só por ligeireza, no entanto, se poderiam desvalorizar estes sinais.
E eu não estou a pensar em sofisticadas interpretações do fenómeno, mais vocacionadas para compensarem a inação do que para serem guias da ação. Não estou a pensar numa meticulosa procura de culpados, como se fosse mais importante encontrá-los do que combater politicamente o prenúncio de novas serpentes.
Estou a pensar na necessidade de confrontar a direita democrática francesa com os recorrentes sinais de transigência que vários dos seus vultos têm enviado à FN e com as consequências dessas atitudes.
Estou a pensar no imperativo de se confrontarem as várias esquerdas com a necessidade de avaliarem aprofundadamente as razões da perda de apoio social e eleitoral que as atingiu, parte da qual, por desespero e primarismo político, talvez se tenha transferido para a extrema-direita.
Particularmente, o PSF não pode permanecer alheado da necessidade premente de uma reconversão estratégica, que supere definitivamente o pântano da terceira via, reconciliando-se com a sua matriz socialista, que no essencial o identifica e que não pode deixar de inscrever um pós-capitalismo no seu horizonte. O PSF, todos os partidos socialistas europeus, não podem pedir o voto ao povo de esquerda, para deixarem depois os banqueiros governar.
E não podendo imprudentemente ignorar a realidade que os condiciona e rodeia, não podem limitar-se a deixarem-se arrastar pela corrente dos automatismos económico-financeiros do capitalismo, sem praticarem a resistência possível e sem se baterem pelo seu próprio caminho, rumo ao seu próprio horizonte.
De facto, se os socialistas aceitarem exercer o poder político institucional, como meros certificadores de decisões que lhes escapam, como simples homologadores de decisões dos poderes de facto, podem penosamente governar durante uma ou outra legislatura, num ou noutro país, mas arriscam-se a sofrer um forte desgaste popular, pelas consequências sociais desse caminho. E podem assim perder, irremediavelmente o peso político necessário para que estejam em condições de desempenhar o seu papel nuclear, como garantes e potenciadores de um desenvolvimento democrático que transcenda o capitalismo.
Ora, faz parte das vicissitudes da luta política que um partido socialista se arrisque em prol dos seus objetivos históricos e identitários, expressão do interesse legítimo de todos os que são prejudicados pelo capitalismo, materialização de um humanismo completo, podendo pagar um preço político por essas decisões.
Mas é um puro absurdo estéril que um partido socialista perca a sua base social e eleitoral de apoio, por se deixar arrastar na deriva dos automatismos económicos, eles próprios reflexos dos interesses e do domínio dos poderes económicos de facto.