Terça-feira, 01.03.16

A minha entrevista ao Il Manifesto ... (-R.P.Mamede, 29/2/2016, Ladrões de B.)

 
O jornal Il Manifesto publicou ontem a entrevista que dei ao Goffredo Adinolfi, correspondente do diário italiano em Lisboa, sobre a situação política e económica em Portugal. Fica aqui a versão traduzida.
-Q: Finalmente, com um atraso de alguns meses, o Orçamento do Estado para 2016 (OE2016) está na recta final: que avaliação é possível fazer ao governo das esquerdas liderado por António Costa? 
R: O esforço para distribuir melhor os rendimentos é o aspecto mais positivo. Esta foi uma preocupação central dos acordos feitos entre os partidos de esquerda e isso foi conseguido principalmente através de duas vias: a política orçamental e o aumento do salário mínimo. O aspecto menos positivo do OE2016 tem a ver com o facto de continuar a trajectória de redução severa do défice orçamental, que vai de 3,1% para 2,2% do PIB, num momento em que o desemprego ainda é muito elevado (muito mais do que os números oficiais mostram).
-Q: Valeu a pena? 
R: Tendo em conta a alternativa valeu seguramente a pena, mas ainda é insuficiente considerando as condições em que o país se encontra.
-Q: A direita e os meios de comunicação estão a tentar fazer passar a ideia de que o aumento de impostos previsto no OE2016 prejudica a classe média e as empresas.
 R: A direita e grande parte dos meios de comunicação tiveram uma reacção que é quase risível. Começaram por criticar a proposta de OE2016 porque consideravam os valores pouco fiáveis. Depois passaram a dizer que o OE não estava em conformidade com as regras europeias. Em seguida tentaram sustentar que os aspectos de redistribuição de rendimentos estavam ausentes. Finalmente, argumentaram que a estratégia do Orçamento – aumentar a procura interna – não iria funcionar na prática. Esta atitude dá a entender que a direita olha com grande nervosismo para a busca de alternativas.
-Q: O OE2016 respeita os critérios impostos pela União Europeia. Isso significa que a austeridade também pode ter uma interpretação de esquerda?
 R: Isso é parcialmente verdadeiro, mas há limites. Este Orçamento mostra que é realmente possível distribuir melhor os esforços de consolidação orçamental, mas também mostra que dentro das regras europeias não há nenhuma possibilidade de ter uma política que promova decisivamente o emprego. De facto, a “austeridade de esquerda” dá um contributo modesto para a resolução da crise social em Portugal.
-Q: Ao contrário do que se poderia pensar, a Comissão Europeia deu o seu aval ao Orçamento do governo de Costa, depois de exigir uma série de medidas compensatórias. Isto é um sinal de que algo está a mudar também em Bruxelas?
 R: Não, não creio que tenham ocorrido grandes mudanças de atitude. A Comissão Europeia teve em todo este processo uma postura extremamente agressiva com o Governo Português, e as coisas só não foram piores porque a posição negocial da Comissão não é a melhor neste momento. Seria um erro pensar que a Comissão teve uma atitude transigente. Em Bruxelas há uma grande preocupação em relação tanto ao resultado do referendo britânico como ao problema dos refugiados. Além disso, a Comissão Europeia teve de ter em conta os erros cometidos durante o programa de ajustamento. Um dos mais importantes que surgiram no contexto da negociação deste Orçamento foi o facto a Comissão ter tratado como medidas permanentes o que, na realidade, eram apenas medidas temporárias do anterior governo (tais como o corte dos salários da função pública). Isto criou dificuldades acrescidas ao actual governo português.
-Q: Algumas críticas também vieram da esquerda, especificamente foi dito que as medidas favorecem principalmente a classe média...
 R: Creio que a grande maioria das pessoas e organizações de esquerda vêem este Orçamento como o menor dos males possíveis. Em parte, é verdade que o tipo de medidas tomadas beneficia principalmente a classe média, mas isso também acontece porque foi a classe média o grupo mais penalizado em termos fiscais durante o programa de ajustamento. Mas é preciso ter em conta que há também importantes medidas que visam apoiar os rendimentos mais baixos: o aumento do salário mínimo, o aumento das transferências sociais e a alteração dos benefícios fiscais para os filhos. Por isso não é inteiramente verdade que o OE2016 penaliza as classes mais baixas em favor das classes médias. Dito isto, é preciso fazer muito mais para reduzir os elevados níveis de desigualdade que existem em Portugal.
-Q: Um aspecto-chave que está a emergir fortemente nos últimos meses tem a ver com o resgate dos bancos pelo Estado, que, segundo alguns cálculos, ascendem a cerca de 40 milhões de euros...
 R: Basicamente, existem dois motivos que levaram ao fracasso de quatro bancos, incluindo aquele que era o terceiro maior do país: por um lado, houve casos de má gestão; mas 15 anos de crescimento económico medíocre foram definitivamente o factor que mais determinou a acumulação de grandes quantidades de empréstimos malparados. É um fenómeno diferente do ‘subprime’ ou de outros activos tóxicos. Num país que está há muitos anos em crise também a actividade bancária acaba por ser penalizada.
-Q: É possível calcular quanto o Estado terá de gastar como consequência da falência de bancos?
 R: Não, é muito difícil fazer esse cálculo, porque há uma suspeita de que as dívidas incobráveis ainda não foram totalmente contabilizadas pelos bancos, a fim de manterem os seus rácios de solvabilidade.
-Q: O governo de Costa deveria, então, reduzir ainda mais as expectativas...
 R: É um dos muitos riscos que o governo irá enfrentar. Outros incluem a evolução muito incerta da economia internacional, a política monetária europeia e o impacto dos estímulos previstos no OE2016.
-Q: Quais foram os resultados de quatro anos de Troika?
 R: O programa de ajustamento Português teve três objectivos principais: assegurar a sustentabilidade das finanças públicas, melhorar a competitividade da economia e estabilizar o sistema financeiro. Hoje vemos que o sucesso nos dois primeiros eixos - as finanças públicas e da competitividade - é muito questionável. E no que respeita à estabilidade do sistema bancário parece que ainda está tudo por fazer.
-Q: Diz que o OE2016 tem muitos aspectos positivos, mas que é manifestamente insuficiente para resolver os problemas estruturais...
 R: No actual contexto Português é impossível simultaneamente criar emprego, pagar a dívida nos termos previstos e cumprir as regras orçamentais europeias – é o que eu chamo o triângulo das impossibilidades da política orçamental. A opção da troika e do Governo anterior consistiu em concentrar-se na aplicação das regras orçamentais e no pagamento da dívida pública, deixando o desemprego crescer. Um governo que queira contribuir para a criação significativa de emprego terá de abdicar de cumprir um dos dois outros objectivos. A não ser que as condições de pagamento da dívida as regras orçamentais venham a ser alteradas na União Europeia, não é possível fazer as três coisas ao mesmo tempo...
-Q: ... Logo?
 R: Logo, ou tomamos a iniciativa de renegociar a dívida e/ou de desrespeitar as regras orçamentais, sujeitando-nos à enorme pressão das lideranças europeias (como se viu no caso grego) ou desistimos de recuperar a economia, assistindo a mais 15 anos de estagnação, com efeitos dramáticos sobre o emprego e a emigração.
-Q: O rácio dívida pública/PIB, que passou nos últimos 4 anos de 100 a 130%, é sustentável?
 R: Portugal paga cada ano cerca de 4,5% do PIB em taxas de juros sobre a dívida pública. Isto significa que para o Orçamento estar equilibrado é necessário cortar todos os anos na despesa pública. Na verdade, não há nenhum país que tenha conseguido pagar uma dívida tão elevada sem ser num contexto de forte crescimento económico...
-Q: ... Mas depois do programa de ajustamento não deveria ter ocorrido esse crescimento?
 R: Portugal não pode crescer porque não tem controlo sobre sua moeda, não pode promover as exportações, ao mesmo tempo que tem de prosseguir uma política de contenção orçamental. Neste contexto, a reestruturação da dívida torna-se uma questão fundamental e acredito que, na realidade, todos o reconhecem, sem querer dizê-lo abertamente.
-Q: Por reestruturação da dívida entende a redução dos montantes ou o alargamento dos prazos?
 R: Do meu ponto de vista, o objectivo é reduzir significativamente os juros a pagar todos os anos, é pouco relevante como se lá chega. A economia portuguesa não pode recuperar se 4,5% do PIB têm de ser alocados anualmente ao pagamento dos juros da dívida. Este é um suicídio lento, pelo que tem de ser encontrada uma solução, seja qual for a via.
-Q: Considera possível reestruturar a dívida? Há sensibilidade para esta solução ou a alternativa é a saída do euro?
 R: A saída do euro ou uma situação de confronto unilateral entre o país e a UE é um cenário muito pouco provável, por duas razões: primeiro, porque o poder de negociação de Portugal é actualmente muito limitado; segundo, porque os custos de saída do euro são muito mais visíveis para o público do que os custos associados ao contexto austeritário actual. Dito isto, não posso descartar por completo a possibilidade de Portugal entrar em rota de colisão, levando ao abandono da moeda única. Em qualquer caso, os problemas fundamentais causados pela disfunção da zona do euro vão continuar, o que vai levar a um aumento das tensões políticas na UE e o desfecho é difícil de prever.
-Q: Qual é a lógica por detrás de uma política económica suicida?
 R: Portugal tem 3 tipos de desequilíbrio macroeconómico fundamentais: as finanças públicas, a dívida externa e o desemprego elevado. Não é possível corrigir os três ao mesmo tempo. O FMI privilegia a redução da dívida externa até mais do que a dívida pública. Na perspectiva do FMI, a dívida externa pode ser reduzida através da desvalorização interna, o que tem um efeito duplo: por um lado, permite ganhar competitividade baixando o preço das exportações; e, por outro lado, leva a uma redução das importações, porque o investimento e o consumo diminuem.
Q: Com que consequências?
 R: Os efeitos dessas políticas são devastadores não apenas sobre o emprego, uma vez que criam as condições para uma recessão permanente, mas também sobre as contas públicas, porque o impacto positivo das exportações sobre as finanças públicas é muito baixo. O Estado ganha mais quando os produtos das empresas são vendidos internamente, por meio de impostos sobre o consumo, do que quando são vendidos no exterior. Logo, a opção por privilegiar a correcção da dívida externa põe em causa a prossecução dos outros dois objectivos: crescimento do emprego e finanças públicas.
-Q: Se as consequências das políticas austeritárias são claros para todos, por que se insiste no erro?
 R: Não é possível ter economias com estruturas produtivas tão diferentes como as que existem na UE e, ao mesmo tempo, viver com as mesmas regras de política monetária, a menos que se verifique uma de duas coisas: ou há uma enorme transferência de recursos (como aqueles que existem, por exemplo, entre o norte e o sul de Itália); ou então há um empobrecimento acelerado e duradouro das economias que têm estruturas de produção menos competitivas. A maioria das instituições internacionais considera politicamente inviável a primeira hipótese – e, provavelmente, têm razão. Sendo assim, a solução para a preservação da zona euro tem de passar por promover a flexibilidade e a desvalorização interna das economias mais fracas.
-Q: A coligação entre PS, PCP e BE demonstrou nas últimas semanas grande solidez, o que se pode esperar no futuro?
 R: O facto de haver hoje em Portugal uma direita convictamente neoliberal é o maior seguro de vida para o actual governo, porque nenhum dos partidos de esquerda quer ser visto com responsável de um regresso a políticas extremamente agressivas para a população, que a direita continua a defender. Assim, embora o BE e o PCP enfatizem a sua posição crítica em relação ao comprometimento do PS com as regras orçamentais europeias, enquanto for possível obter políticas mais favoráveis para os trabalhadores e para o conjunto da população não espero que haja uma ruptura da coligação que permitiu a formação deste governo.
-Q: Como tem sido percepcionado pelo público o novo Orçamento de Estado: com entusiasmo, oposição ou indiferença?
 R: Por enquanto, não existe nem uma grande oposição, nem um grande entusiasmo. Parece-me que há boas razões para que não haja nem uma coisa nem outra, porque o que temos é o menor dos males – e o menor dos males nunca suscitou muitos ódios nem muitos amores.
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-- COMO É QUE CHEGAMOS AQUI ?      (- J.P. Pereira, 27/1/2016, Abrupto)
  Como é que, algures pelo caminho dos últimos anos, perdemos a independência?
   Como é que permitimos, todos, povo e governantes, o que se está a passar?
   E não me venham com a dívida. A dívida ajuda e muito, mas não é a questão central. A questão central é que ao abdicarmos de soberania, abdicamos também de democracia.
   E estamos agora governados por uma burocracia anónima, sem legitimidade eleitoral, que responde aos seus donos e nós não somos donos de nada. Nem sequer de nós próprios. 


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Segunda-feira, 29.02.16

 Entretanto, em Porto Rico  (p      O governo suspende o pagamento da dívida pública:
Puerto Rico's governor has signed a bill that puts the island's debt payments on hold until January 2017. Gov. Alejandro Garcia Padilla says the island's first priority is covering payments for essential services.
     Puerto Rico acted this week following reports that a key financial institution, the Government Development Bank, is nearly insolvent. A group of hedge funds went to court to block public agencies from withdrawing funds from the bank. Within hours, the Legislature moved to pass the debt moratorium by approving the measure. (...)
     While the Legislature was meeting, a group of creditors who hold general obligation bonds were in San Juan to pursue a deal to restructure some $5 billion of the island's debt. The head of the Government Development Bank rejected their proposal, saying, "It is exactly the type of 'Wall Street' solution that led us to the precipice we are now looking over."
      Creditors say the measure violates prior agreements and the island's constitution.

Um assunto que dá que pensar é que Porto Rico (um "Estado associado aos EUA", na prática, algo entre uma colónia e um protetorado dos EUA) pode suspender o pagamento da dívida sem se levantarem preocupações de que o território terá que sair do dólar (ao contrário do que acontece com os paises da zona euro, onde qualquer default leva à ameaça de expulsão do euro).
 ------- Bernie Sanders :* se for eleito passa a ser o Governo dos EU a mandar em Wall Street e não o contrário
    "A ganância, a fraude, a desonestidade e a arrogância tomaram conta do mercado financeiro", diz Bernie Sanders, criticando a sua principal rival no Partido Democrata, Hillary Clinton -- Clinton, é a candidata norte-americana destas eleições que mais doações de Wall Street recebeu. "Para aqueles que em Wall Street possam me estar a ouvir hoje, deixem-me ser claro. A ganância não é boa. Na verdade, a ganância de Wall Street/... e das corporações americanas/... está destruindo o tecido social de nossa nação. E aqui está uma resolução de Ano Novo que vou manter se eleito presidente: Se vocês não colocarem um fim na sua ganância, vamos acabar com isso por vocês", disse Sanders, num discurso no centro de Manhattan.
     Bernie Sanders estabeleceu um programa de dez pontos que promete mudar profundamente o modo como funciona hoje o mercado financeiro americano. Se colocadas em prática, as suas propostas podem revolucionar a economia mundial. Para melhor. Desde o início de sua campanha, Sanders vem denunciando o lobby dos bancos para desregulamentar quase todas as áreas do mercado financeiro, enquanto o Congresso, que deveria representar os interesses da população, vem enfraquecendo as leis do trabalho e os direitos do consumidor. “Na crise de 2008, a ganância, a imprudência (+os lobbies) e a corrupção em Wall Street quase destruíram os Estados Unidos e a economia internacional. Milhões de americanos perderam seus empregos, suas casas e suas poupanças de uma vida inteira. Enquanto isso Wall Street recebeu a maior ajuda financeira vinda do governo na história do mundo, sem nenhuma contrapartida. A classe média americana continua a desaparecer, a pobreza só aumenta e o fosso entre os muito ricos e o resto do povo está a crescer mais e mais”.    Eis aqui os dez pontos da reforma do sistema financeiro americano defendidos por Bernie Sanders:

1: Pôr fim aos bancos “grandes demais para falir" (ou too big to fail)
   Bernie Sanders sugere reeditar uma lei antitruste contra os grandes bancos, nos mesmos moldes da Lei Antitruste Sherman... 
2: Desmantelar os grandes bancos
    Se eleito, Sanders diz que logo no primeiro ano de mandato vai pedir ao Departamento do Tesouro uma lista das instituições financeiras cujo colapso representa um risco catastrófico para a economia dos Estados Unidos.    
3: Aprovar no Congresso uma Lei Glass-Steagall do século XXI
   A Lei Glass-Steagall foi aprovada pelo presidente Franklin D. Roosevelt em 1933 devido à Grande Depressão de 1929. Para evitar uma nova crise, Roosevelt dividiu as instituições entre comerciais e financeiras.
4: Por fim à política de “grande demais para se poder prender” (ou "too big to jail")
    Sanders diz que na sua administração é o governo quem irá regular Wall Street e não o contrário. Ele defende uma “justiça igual para todos”, o que significa incriminar os altos executivos dos bancos e das demais instituições financeiras cujas apostas imprudentes tenham lesado a vida de pessoas simples e da classe-média.
 5: Criminalizar o atual modelo de negócios em Wall Street
"A verdade é que a fraude se tornou o modelo de negócios em Wall Street. Não é uma exceção à regra. É a regra. E sem uma regulamentação mais rígida, é provável que os investidores e operadores em Wall Street continuem com o comportamento corrupto que todos já conhecemos.
6: A criação de um imposto sobre a especulação no mercado financeiro
     Um dos pontos chave na reforma de Sanders sobre Wall Street é a criação de um imposto sobre as transações financeiras.  
7: Reforma das Agências de Classificação de Risco
    Depois do crash de 2008, as agências de 'rating'/ classificação perderam completamente sua credibilidade. 
8: Reduzir os juros do cartão de crédito e as taxas cobradas pelos bancos
     Nas palavras de Bernie Sanders, os bancos e as companhias de cartão de crédito precisam parar de "extorquir o povo americano com a cobrança de juros altíssimos e taxas ultrajantes".
9: Permitir os correios de oferecer serviços bancários.
...
10: Reforma da Reserva Federal
      Por último, Bernie Sanders propõe uma reforma no Banco Central norte-americano, de modo que este passe a atender aos interesses da população, ao invés dos grandes bancos. "Quando Wall Street estava à beira do colapso, o Federal Reserve agiu rapidamente para salvar o sistema financeiro. Precisamos que o Fed aja da mesma maneira para combater o desemprego e os baixos salários. É inaceitável ver o Federal Reserve sequestrado pelos banqueiros, logo ele que é responsável pela regulação dos bancos.
 

------ EUA, o buraco negro da economia mundial   (-A.Vilarigues, oCastendo, 19/2/2016)

Relógio Dívida EUA

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   A dívida federal dos EUA atinge 18 883 mil milhões de dólares,103,7 % do PIB. Mais grave ainda é o facto de cada ano desde há mais de uma década aumentar em média 1000 mil milhões de dólares (10 12), 114 milhões por hora.. Além disto a dívida total (incluindo privados) atinge 64 614 mil milhões.
    As despesas militares e de segurança ascendem a 584 mil milhões, quase 60% do aumento da dívida. Contudo este valor está subestimado pois (pelo menos) não inclui as pensões dos veteranos e despesas médicas militares.   A propaganda vigente contesta outros números: Medicare –Medicaid: 1 013 mil milhões, Segurança social: 890,8 mil milhões. É aqui e na educação pública (encerramento de escolas) que os cortes se têm estado a fazer.   Há cerca de 2 milhões de presos, mais de 46 milhões de pobres, mais de 45 milhões recebem subsídios de alimentação (food stamps). 
     Recorde-se que quando foi pedida a intervenção da troika a dívida pública em Portugal era 94% do PIB, a dos EUA é agora maior. O aumento da dívida corresponde a capital fictício titulado em dólares, sem correspondência na economia real produtiva, pois as despesas militares são por natureza improdutivas.    A situação é tanto mais grave quanto o crescimento económico mundial, que poderia exigir um acréscimo na procura de dólares, está estagnado e há cada vez mais países cujo comércio se processa em moedas nacionais, como a China, a Rússia e parceiros comerciais que escapam à órbita dos EUA/NATO. 
    Portanto, temos todos os ingredientes de crise e é isso que está a acontecer.    No entanto, não é por este motivo nem assim que o capitalismo vai desaparecer. Pelo contrário, as soluções que se desenham são para aplicar a receita que aqui conduziu: mais concentração monopolista, mais finança usurária e especuladora, mais “liberdade” para o capital e seus “paraísos”. Por exemplo, na União Europeia, acelera-se a “união bancária” que formalizará o fim dos sistemas financeiros nacionais como tal.

    Os propagandistas do sistema promovem estas soluções, condimentando-as com algumas críticas, factos tão evidentes que é impossível esconderem-se, porém não deixam de concluir de forma muito assertiva dizendo que a solução é: “mais europa”. Trata-se de fingir que se quer mudar alguma coisa, para ficar tudo na mesma. Nesta traficância de ideias são eles bons, têm muito treino…



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Quarta-feira, 24.02.16

Estamos a regressar a 2011? - 1      

      Quem veja televisão e leia jornais parece que, desde que o Partido Socialista chegou ao Governo, Portugal está em risco de voltar a 2011, mas antes da entrada da troika. Hoje, Passos Coelho repete aquela velha máxima desse tempo: "pusemo-nos a jeito", frase que é uma antecâmara do prato forte - um programa endurecido - bem regado com molho "não há alternativa" porque "temos de fazer o que os mercados querem". Um prato que, como se sabe, não saiu muito bem e ainda hoje está por digerir.
    Este "revivalismo" não é um acaso. E isso ficou bem patente no debate organizado pelo Observatório sobre Crises e Alternativas", dedicado ao tema "A narrativa da crise e crise das narrativas", que se realizou ontem em Lisboa, no ISCTE.
     Na minha participação, expus - muito sucintamente - a evolução entre 2010 e 2014 do pensamento de seis jornalistas económicos da nossa praça - Pedro Santos Guerreiro (PSG), Helena Garrido (HG), Camilo Lourenço (CL), António Costa (AC), Nicolau Santos (NS) e João Vieira Pereira (JVP). Em linhas gerais, o que se verificou nesse período foi um progressivo e crescente criticismo à eficácia da aplicação do programa de ajustamento. NS contra a própria filosofia subjacente; PSG, HG, AC e JVP dando conta dos fracos resultados do programa, mas criticando o Governo de falta de iniciativa; e CL defendendo veementemente a filosofia original do programa. A exposição - na presença de HG, NS e JVP - tornava evidente a alteração de posições dos jornalistas: desde uma recusa à vinda da troika, passando pelo seu entusiástico acolhimento, pela defesa da aplicação do programa e de um Governo PSD/CDS, pela crítica posterior aos técnicos da troika, antes erguidos - por eles - como "popstars" e que afinal demonstraram o seu falhanço; pela crítica ao vazio do poder da direita no poder. E tudo terminava com citações recentes de jornalistas, já em 2016, defendendo a necessidade de um programa de austeridade que nos tire o bafo dos mercados no nosso pescoço. Tal como acontecera em 2011.
             Mas - culpa minha - não concluí de forma mais clara.
     Quando os jornalistas presentes mais visados foram ouvidos, frisaram 1) que mudaram de opinião e isso não tem mal (HG); 2) que, na verdade, não mudaram porque se o programa falhou foi porque foi mal aplicado: dever-se-ia ter cortado na despesa pública e isso não foi feito, e que nenhuma reforma estrutural fora levada a cabo, o Estado continua capturado por interesses (HG e JVP).
     Ora, essa é que é a questão: a volatilidade dos jornalistas não mostra que tenham mudado o seu sistema de crenças. Na sua opinião, os magros resultados do programa não podem descredibilizar a "narrativa" de que mais cortes promoverão o crescimento económico. Pelo contrário. Tal como aconteceu em 2010/11 com o Governo Sócrates, defende-se que a austeridade então aplicada relutantemente não teve resultados por causa disso mesmo: eram insuficientes. E cada insucesso é um sucesso. Recusa-se o seu carácter intrinsecamente recessivo. Nega-se que a austeridade nunca pode ser expansionista, como ficou provado pela realidade.
     A questão que se põe é: e se tivesse sido? A resposta oficial é: nunca saberemos. Mas na verdade, nem Governo, nem troika insistiram muito na aplicação integral do programa. E por alguma razão foi.
    Em conclusão: todo o edifício cego de defesa da austeridade ainda está de pé e pronto a ser usado de novo. A ideia de base foi reforjada, reformatada, reconstruída das cinzas do fracasso. E vai ser reafirmada por completo, como se nada se tivesse passado e com um total despudor. Até por Passos Coelho. Como já se assiste...

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Domingo, 07.02.16

Isto está tudo ligado  (-por  J.R.Almeida, 2/2/2016, Ladrões de B.)

Por onde quer que nos viremos, acabamos sempre num tema - desigualdades.
   Tem passado sem muito alarde na comunicação social, a denúncia feita pelo anterior director-geral da Autoridade Tributária, Azevedo Pereira, de que há uma meia dúzia de famílias de muito ricos que não pagam os impostos devidos : pagam 0,5% do IRS cobrado quando deviam pagar 25% (aqui). E isso acontece porque têm "acesso aos decisores políticos que fazem as leis", que influenciam a sua feitura e que criam alçapões que permitem a fuga aos impostos destas famílias.
      Essa fuga não é novidade: as estatísticas têm demonstrado ao longo de duas décadas que o IRS é pago significativamente por pensionistas e assalariados (actualmente vai em 90%), o que não é crível que seja essa a distribuição do rendimento em Portugal. E nada tem acontecido, apesar de reformas fiscais parciais e parcelares. Fazem-se notícias, crónicas, mas nunca é um escândalo na comunicação social. Tudo passa sossegadamente, como uma pedra no lago.
     Houve já diversas propostas que tentaram quebrar este ciclo de injustiça, mas que nunca tiveram força política - e partidária - para ser sequer discutidas. Relembro as propostas de Miguel Cadilhe e de Octávio Teixeira, no sentido de tributar o património financeiro. Alguém se lembra disto? Não, apenas se fala de património imobiliário porque, na sua maioria (o que não está registado em empresas 'offshore' ou "de investimento" isentado), é pago pelos mesmos (classe média, trabalhadores por conta de outrém, pensionistas) e em que os mais ricos escapam a essa tributação em IMI.
    Não é uma questão ideológica: é apenas dinheiro. Esta realidade parece ser fruto de um único pensamento: "Como é que nos safamos de pagar impostos e continuarmos ricos na mesma?" Só depois é que vêm as justificações: "No fundo, os ricos são quem cria valor na sociedade; sem eles não haveria empresas nem empregos". E só finalmente vêm as consequências omitidas deste raciocínio: "Devemos é colocar aqueles que são os beneficiários do Estado" - ou seja, da redistribuição da riqueza - "a pagar para o bolo que vai ser redistribuído entre eles". Este é o verdadeiro sentido da austeridade, da política de austeridade.
     Durante 4, 5 anos, vivemos a pesada terapia do "não há alternativa"('tina'), vinda do centro da Europa como forma de nos redimir dos pecados de povos do sul. De nada valia insistir que não há défices externos sem superávites, e que não há superávites sem necessidade de financiamento dos défices e que não há crescentes défices sem crescentes dívidas e que não há crescentes dívidas sem abalos na moeda única e que não há abalos na moeda única sem uma desigual distribuição de custos. Tudo foi em vão.
     Agora, voltamos a sentir na nuca o velho bafo de leão. A direita exalta de ansiedade para que a esfrangalhada Europa encoste à parede a "esquerda radical" no poder. E faça regressar os velhos temas que a fizeram perder as eleições. A análise da proposta do OE pela comunicação social vai ser escrutinada com base na questão: onde está a austeridade que o PS disse que não iria aplicar?
    Mas o exercício nunca é outro: como é que se poderá cumprir um Tratado Orçamental sem agravar as desigualdades. É legítimo que não o seja? É possível?
    Pode fazer-se tudo para conseguir esse objectivo. Nomeadamente pôr meia dúzia de famílias (e empresas, muito ricas) a pagar o que devem à sociedade. Mas e se, apesar disso, não for possível cumprir o Tratado sem mais desigualdades? Qual é a opção?


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Terça-feira, 19.01.16

Aprender a desobedecer

 
Euclid Tsakalotos, ministro das Finanças grego, em entrevista ao jornal espanhol El Mundo, declarou o seguinte: «aplico políticas neoliberais das quais não gosto». Esta declaração de impotência democrática pode ser transposta para outros contextos de soberania limitada no quadro da periferia da Zona Euro.  De facto, ainda que sem usar o termo neoliberal, um dia antes, em declarações na Assembleia da República, o ministro das Finanças português, Mário Centeno, tinha dito, a propósito da decisão sobre o Banco Internacional do Funchal (Banif), que «o Governo preferia outra solução», nomeadamente a recapitalização do banco e a sua integração na Caixa Geral de Depósitos, mas que não havia agora luz verde de Bruxelas para tal, ainda para mais tendo em conta o arrastar da situação pelo anterior governo durante mais de dois anos. Uma vez mais, as constrangedoras regras neoliberais europeias, neste caso sobre os limites às chamadas «ajudas de Estado», no quadro das regras de concorrência, não são apreciadas por um governante nacional, mas são aceites.
      Excerto do artigo - Não gostar, mas aplicar: o caso Banif - que eu e o Nuno Teles escrevemos para o número de Janeiro do Le Monde diplomatique - edição portuguesa. Um número que conta, na sua componente portuguesa, entre outros, com um contributo de Ricardo Cabral sobre a política económica possível no actual contexto bem constrangedor.
      Ainda sobre o contexto económico-político europeu, podem ler um artigo de Frédéric Lemaire e Dominique Plihon sobre a forma como Bruxelas está a alimentar a próxima crise financeira, através de um conjunto de iniciativas de desregulação nesta área.   A Comissão Europeia (CE) está a promover com afinco a titularização de créditos e outras práticas financeiras mais do que duvidosas, como se viu nesta crise.   Na realidade, desregulação é o outro nome da criação de regras favoráveis aos interesses dos grandes colossos financeiros que exercem o seu poder político na escala supranacional. Não é defeito, é mesmo feitio: em Bruxelas não sabem fazer outra coisa. Como sempre acontece, quem quiser controlar a finança deve pensar em primeiro lugar na escala nacional e na desobediência ao consenso de Bruxelas.     , Ladrões de B.)

----- Temas que o governo não pode ignorar: política industrial e reestrutração da dívida

     No seu habitual registo de moderação e assertividade, Rui Peres Jorge lista no Jornal de Negócios vários desafios que o governo enfrenta para se confirmar como uma alternativa de qualidade.
    Eu sublinho dois temas, que até agora não vi tratados pelo governo: a política industrial e de inovação; e a reestruturação da dívida.
     Escreve RPJ sobre o primeiro:  "embora bem-vinda e urgente face à perda de quase 600 mil empregos nos últimos anos, não basta a aposta numa recuperação dos rendimentos para acelerar a recuperação.  O país necessita de uma estratégia de requalificação das práticas de gestão, tanto no sector público como no sector privado, e de uma política industrial assente na valorização do conhecimento, da tecnologia e do mérito."
     E sobre o segundo:  "Financiar 15 a 20 mil milhões de euros por ano de dívida pública como se fará em 2016 provar-se-á uma missão quase impossível quando o BCE deixar de comprar dívida a partir de 2017;  e na banca o marasmo espelha-se nos elevados níveis de crédito mal parado. Torna-se por isso essencial (re)negociar estratégias de amortização e reestruturação das dívidas pública e privada."
    Tem toda a razão.    (-
 

------   Factos lamentáveis que o fim do BANIF vem confirmar

     1º) Mais uma vez constatamos que há muita gente que tem muito poder - que pode impor elevados custos sociais e financeiros ao conjunto da sociedade - sem nunca poder ser responsabilizada por isso. Incluem-se aqui:
• os reguladores, pelo que permitem que os bancos façam sob a protecção dos Estados;
• os banqueiros, pelas suas (más) práticas de gestão;
• o Banco de Portugal, pelas suas falhas de supervisão;
• os governantes, pelas suas decisões (de acção ou inacção);
• a Comissão Europeia, pela forma parcial (e neoliberal) como faz a regulação;
• a comunicação social (neste caso, a TVI), pela capacidade de gerar pânico infundado entre depositantes (e manipular/desinformar a opinião pública).
       2º) Fica clara mais uma dimensão do falhanço do "programa de ajustamento" a que Portugal foi sujeito entre 2011 e 2014. Já tínhamos a noção de que o programa tinha sido errado no pilar da sustentabilidade das finanças públicas (como, mais uma vez, o FMI assumiu há poucos dias). E que o seu alcance foi, na melhor das hipóteses, modesto no pilar das chamadas "reformas estruturais". Agora temos a confirmação de que no pilar da estabilidade do sistema financeiro ficou quase tudo por resolver.
      3º) Este processo mostra também a arbitrariedade na aplicação das regras orçamentais europeias: não há limites à utilização de dinheiros públicos quando se trata de salvar bancos; mas se for para salvaguardar postos de trabalho em empresas estratégicas, ou para relançar a economia através do investimento público, aí a inflexibilidade é total.
     Há, de facto, muitas reformas estruturais que é preciso implementar, mas não são bem aquelas que nos querem impor.   (


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Sábado, 09.01.16

Tudo menos economia, de facto    (por David Crisóstomo, 6/1/2016, 365forte)

   (uma oferta que nos chegou por e-mail):

Ricardo Cabral escreveu recentemente dois posts (1) (2) sobre o processo de resolução do Banif no Tudo Menos Economia, blogue do Público que partilha com Francisco Louçã e Bagão Félix. Não consigo esconder algum espanto por este tipo de exercícios em que, pondo completamente de lado a realidade em que o objeto analisado se insere, se investe imenso em cálculos – o que confere sempre a ilusão de credibilidade – para chegar a resultados próximos de teorias da conspiração.

     O autor afirma, em ambos os posts, que “o Banif cumpria os rácios de capital mínimo legalmente exigíveis” quando foi intervencionado. Aparentemente, crê que existe algum interesse em aplicar medidas de resolução com enormes custos sociais, económicos e políticos a bancos que não necessitam destas. Conviria, no entanto, lembrar alguns detalhes da tal instituição financeira que respirava saúde. Por exemplo:

- existia um processo de averiguação da legalidade do auxílio estatal concedido ao Banif em janeiro de 2013;

- este processo de averiguação arrastou-se durante praticamente três anos, sem que o Banif conseguisse demonstrar que era, pós ajuda pública inicial, uma instituição bancária viável;

- a consequência imediata de o auxílio estatal ser considerado ilegal era a devolução da ajuda pública;

- estamos, portanto, a falar de um montante de 825 milhões de euros. Dado que o capital do Banif a 30 de setembro era de 675 milhões de euros… enfim, é fazer as contas sobre o Banif cumprir ou não cumprir os rácios de capital mínimo.

   Ricardo Cabral toma ainda como hipótese razoável, para chegar à extraordinária conclusão que a operação do Banif terá sido vendida com um rácio de solvabilidade quase a chegar aos 40% e que tal apenas foi feito para beneficiar os malandros dos espanhóis, “que as contas do Banif estavam “limpinhas e direitinhas” como afirma o seu antigo presidente”. Poderá ser interessante considerar, no entanto, que Jorge Tomé está em excelente companhia neste tipo de afirmações. Creio, aliás, ser impossível de encontrar, por mais que nos esforcemos, um antigo presidente de um banco que tenha ido à falência ou tenha enfrentado sérias dificuldades e que não tenha dito exatamente o mesmo tipo de frase. De facto, Ricardo Salgado, Oliveira e Costa, João Rendeiro ou até mesmo Jardim Gonçalves continuam a ser pródigos na defesa das respetivas damas. Caramba, tanto banco que escusava de ter ido à falência, não é? 

    De facto, tomando como boas as premissas do post de Ricardo Cabral qualquer pessoa se vê forçada a concordar com este, até porque as contas das tabelas que apresenta são irrelevantes face às hipóteses assumidas. Afinal, qualquer aluno de economia aprende muito rapidamente que todos os resultados são alcançáveis num modelo, dependendo apenas das hipóteses que nos forem úteis para a história que queremos contar. Agora vou só ali partir do princípio que tenho asas e saltar da janela. Desejem-me sorte.      (--António Marques)

 ----   "O que de facto aconteceu no Banif?"  (-por Diogo Moreira, 365forte) 

Por que foram chumbados oito planos de reestruturação do Banif em Bruxelas? 

-----------------   Ano novo, vida nova (?!?)   (por MCF, 5/1/2016)

...  O ano de 2016 promete, ao menos, uma oportunidade. A oportunidade de ter um ciclo político sem Cavaco Silva (foram muitos e longos anos), sem uma política austeritária que deixou um legado pesado ao País e sem – até agora – um discurso entre o miserabilista e o passa-culpas que pautou demasiadas vezes sucessivos Governos. 
         À economia será dado algum espaço para respirar e é preciso que ele seja aproveitado. Temos, é verdade, uma dívida pública maior do que nunca. Temos, é verdade, um défice que continua por controlar, pese embora o enorme aumento de impostos de Vitor Gaspar, que ainda estamos a pagar. Temos, ainda, um Estado menos capaz do que no passado de assegurar políticas sociais mínimas em áreas críticas como a Saúde, a Educação ou a Segurança Social. 
       Mas temos, por outro lado, a força de trabalho mais qualificada de sempre, mesmo descontando os que emigraram. Temos, também, uma dura aprendizagem feita a expensas próprias sobre a importância de exportar mais. Esse será, talvez, o único legado duradouro dos últimos anos e aquele que importa reter. Temos, por fim, uma Europa um tudo nada menos ortodoxa e intransigente porque, por um lado, a Alemanha está a braços com outras prioridades e porque, por outro, já percebeu que se mata a periferia do seu mercado interno, mais dia menos dia, isso lhe custará também qualquer coisa.
       Não é um cenário inteiramente brilhante, decerto, mas é o menos mau desde, pelo menos, 2011. Mas se o País onde nasceu a actual crise mundial em 2008 conseguiu sair dela com relativo sucesso, não podemos exigir a nós próprios menos do que isso. Precisamos de recuperar salários, a par do aumento da produtividade dos factores de produção (e não só do trabalho, como tanto se gosta de insistir), e de voltar a crescer. Pouco, dirão, mas alguma coisa sempre é melhor que sucessivos trimestres de recessão como vivemos recentemente.    ...

----  A grande fraude eleitoral de Passos (PSD/CDS)     (por Nuno Oliveira, 6/1/2016) 

     Paulo Núncio, Paulo Portas, Maria Luís Albuquerque e Passos Coelho enchiam a boca com o interesse nacional, com a preocupação com a economia nacional, com as empresas exportadoras.

     A confirmar-se a notícia de hoje do Diário Económico, fica revelado todo o cinismo político dos irresponsáveis que nos (des)governaram de 2011 a 2015. Martelar as contas públicas de 2015 e martelar a devolução da sobretaxa para iludir o eleitorado colocou em causa a tesouraria de tantas e tantas empresas e deve ser merecedor da maior censura política. Coloca o interesse partidário mesquinho da direita à frente da execução orçamental de 2015 e da economia nacional.

     Tivessem comunicação social e comentadores a exigência de que  tantas vezes se arrogam e estes (ir)responsáveis políticos não teriam o descaramento de voltar a pedir o voto dos portugueses.   ...  



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Sábado, 28.11.15

  O  XXI governo (PS / António Costa)  (por j. manuel cordeiro, 27/11/2015, Aventar)

governo costa

António Costa e os seus 17 ministros

 

     Passados quatro anos e meio de um governo (PSD-CDS) eleito com uma grande mentira (pode-se dizer fraude?) e reeleito com várias pequenas mentiras (pode-se dizer ilegitimidades?), terminou ontem o assalto ao aparelho de Estado, versão PSD/CDS.

    Hoje há um recomeço (com o PS). Vamos ver se haverá realmente diferença ou não. Há sinais contraditórios neste governo. No lado positivo, a Assembleia da República vai ser o centro da governação, tal como sempre deveria ser, em vez desta ditadura renovada a cada quatro anos, que é o que têm sido os governos com maioria de um partido ou de uma coligação. A probabilidade de governos prepotentes fazerem o que bem lhes apetece, quantas vezes porque um ministro ou um secretário de estado se acha no direito de virar o país de pantanas, fica drasticamente reduzida.

     Por outro lado, olho com enorme perplexidade para Eduardo Cabrita e Ana Paula Vitorino, casados, serem ministros neste governo. Idem para Vieira da Silva regressa como ministro da Segurança Social e ter filha, Mariana Vieira da Silva, como secretária de Estado adjunta de António Costa.  E ter Miguel Prata Roque como secretário de estado da presidência do Conselho de Ministros, tendo ele sido o advogado de José Sócrates numa providência cautelar interposta contra o CM e a CMTV.   Não conheço a competência das pessoas envolvidas e até acredito que estejam à altura dos cargos. Mas, na política, não basta ser; também é preciso parecer. E esta situação traduz-se em dar o flanco sem necessidade. Há ainda outras escolhas igualmente estranhas, como é o caso de Azeredo Lopes para ministro da Defesa e de alguns secretários de estado. Bom, é esperar para ver.

    No geral, sinto-me mais seguro com um governo controlado pela Assembleia da República e com o fim do saque da direita à Segurança Social, Saúde, Educação, águas, transportes, etc., etc. Idos os anéis e não havendo dinheiro para obras públicas, era a estas áreas estruturantes do Estado que a direita estava a ir gerar as oportunidades para os fantásticos empreendedores encostados ao Estado

  -- Nem a propósito: «  O que fez o 2º Governo de Passos?  Privatizou a TAP e “deu” milhões às Misericórdias   (--A.R.Silva , A.Campos e C.Viana, 26/11/2015)
     Em 27 dias, 16 dos quais em gestão, o XX Governo constitucional não teve tempo (e margem) para deixar muitas marcas. O PÚBLICO fez um levantamento das medidas aprovadas por este Governo, destacando-se a polémica conclusão da privatização da TAP e uma série de medidas na área da saúde.    (…)   É a autorização para a despesa de mais de 130 milhões de euros, até 2020, para a contratação de consultas e cirurgias a oito Misericórdias do Norte do país. »

    Espero que tudo corra bem e que a esquerda consiga ultrapassar a vertente táctica para, realmente, crescer em conjunto. Mas como não nasci ontem, realisticamente sei que, mais cedo ou mais tarde, acabarei a escrever contra o governo, pois não estou aqui com uma comissão de serviço, nem à espera de saltar do Aventar para deputado ou qualquer outra nomeação. Vamos ver como avança a governação e se haverá, ou não, coragem para mudar o que tem que ser mudado.

----- A propósito de bicicletas e das convergências à esquerda (II)  (N.Serra, 26/11/2015)

  Cinquenta e três dias depois das eleições legislativas de 4 de Outubro, tomou hoje posse o XXI Governo Constitucional, liderado por António Costa, com apoio maioritário da esquerda parlamentar. Para a História ficará a quebra de um tabu - o do entendimento entre as esquerdas - e um processo muito interessante de confluência de vontades e de identificação de denominadores comuns, necessários à formulação de uma solução de governo que permita virar a página da austeridade e devolver a esperança ao país, com realismo e determinação.
      Este é pois um bom dia para sublinhar e enaltecer o esforço de todos quantos, no Partido Socialista, no Bloco de Esquerda, no Partido Comunista Português e no Partido Ecologista «Os Verdes», contribuíram, com o seu empenho e abertura, para que se tivesse chegado aqui.   Considerando a «prata da casa», uma menção especial ao José Gusmão e ao Pedro Nuno Santos, dois «ladrões» que estiveram sentados à mesa das negociações, como assinalava a Suzete Francisco no jornal «i», em meados do mês passado (recordando, de caminho, as origens deste blogue).
----- Da estrutura e da conjuntura       (--J. Rodrigues, 26/11/2015, Ladrões de B.)
   Portugal nunca pagou tão pouco pelas emissões de dívida como em 2015. No leilão de ontem, Portugal emitiu dívida a dez anos a uma taxa de juro de 2,3975% (2,4249% no penúltimo leilão e uma taxa de juro média ponderada nos dez leilões deste ano de 2,47%). Útil informação retirada do Negócios, um dos jornais que, durantes estas últimas semanas, deu espaço à desavergonhada linha de propaganda das direitas lapidarmente definida pelo Nuno Teles: os vossos desejos não são notícia.
      Como acontece nas sociedades crescentemente dependentes, as dinâmicas internas são crescentemente sobredeterminadas pelo centro: neste caso, o registo da dívida deve-se à acção do soberano monetário estrangeiro, de quem enquadra e conduz as forças de mercado, do BCE. O que o BCE deu, o BCE pode tirar, claro. Tudo depende de uma avaliação política pós-nacional e pós-democrática, como já por várias vezes tivemos possibilidade de atestar. Isto é obviamente um problema. O problema, diria mesmo. O problema da soberania limitada e logo da democracia limitada.
       É claro que enquanto o pau vai e vem, folgam as costas, ou seja, atenua-se a austeridade: é preciso aproveitar este momento para conseguir o máximo de ganhos socioeconómicos, para mudar tanto quanto for possível a correlação de forças, sem contudo esquecer as estruturas externas que nos governam, condicionam e que estão por superar, até porque se tudo correr bem teremos de nos confrontar com elas.
     Creio que a actual solução política nacional está tão bem calibrada quanto é politicamente possível para aproveitar uma conjuntura marcada por taxas de juro baixas ou pela vontade francesa e italiana de declarar uma espécie de estado de excepção orçamental.   Esta vontade foi ontem apoiada pelo editorial do Financial Times, um diário esquerdista ao pé da nossa imprensa económica intransigentemente direitista, dado que a política monetária é por si só, como qualquer economista keynesiano, qualquer economista razoável, sabe, incapaz de afastar das economias o espectro da deflação e da crise.


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Sábado, 14.11.15

 -------    Atenção, atenção     (-por J.Rodrigues, 12/11/2015, Ladrões de B.)

1. Atenção, atenção: não deixem de ler o artigo do Ricardo Paes Mamede no Le Monde diplomatique - edição portuguesa deste mês – Prioridades para um governo apoiado pelas esquerdas em Portugal. Na linha do seu livro, claro e distinto, este é um artigo sobre economia e política económica nacionais que articula e desenvolve três reflexões que o Ricardo já fez neste blogue e que vale sempre a pena revisitar neste novo e empolgante contexto: o triângulo das impossibilidades da política orçamental; a coligação de direita tem um projecto claro e coerente para o país; um terreno minado por todos os lados.

2. Atenção, atenção: o problema central, como sublinha Pedro Lains, não é um problema de finanças públicas, mas sim um problema relacionado com o constrangimento externo, da balança corrente ao endividamento externo brutal, um problema de falta de instrumentos para fazer com que a dinamização necessária do mercado interno, do consumo ao investimento, não se traduza numa deterioração de um saldo externo entretanto precariamente equilibrado à custa da degradação das capacidades produtivas nacionais e das condições de vida das classes populares.

3. Atenção, atenção: útil análise de Francisco Louçã neste contexto – “Faltam ainda respostas estruturais para o investimento, para gerir a conta externa e para melhorar a balança de rendimentos, o que só se fará com uma reestruturação da dívida. E, sem ela, não se vê como possa haver suficiente margem de manobra para resistir a pressões externas e para relançar o emprego. É preciso investimento e criação de capacidade produtiva e o Estado tem que ter um papel estratégico na resposta à prolongada recessão que temos vivido.”

4. Atenção, atenção: estamos sobretudo dependentes do pós-democrático BCE, o soberano monetário, o condutor dos mercados de dívida, por muito que jornais económicos se esforcem por destacar as reacções dos especuladores e as “análises” dos seus representantes bancários face ao efeito de um governo apoiado pelas esquerdas, disfarçando mal as suas preferências ideológicas (vejam como noticiam as subidas nos juros no mercado secundário e como noticiam as descidas): como sublinhou, o Nuno Teles, os vossos desejos não são notícia; isto não quer dizer que não possa existir algum efeito modesto; mal seria, aliás...

5. Atenção, atenção: está um golpista e sabotador em Belém. Neste momento, é a fonte primacial de instabilidade política.
------- O teste da "austeridade progressista"    (-J.Bateira, 13/11/2015, Ladrões de B.)
 
    O governo da direita caiu. Evidentemente, não passava pela cabeça dos líderes da coligação PàF que, tendo ganho as eleições, não pudessem governar o país. Muito mais reveladora foi a reacção dos media, com destaque para os jornalistas das televisões, que mandaram às malvas o seu código deontológico sem qualquer pudor ou disfarce. A falta de pluralismo na televisão é um problema que se arrasta há muitos anos. Porém, a viragem à esquerda do PS suscitou uma histeria que ultrapassou tudo o que já tínhamos visto. Recuperar o pluralismo nos media exige uma reforma estrutural que o novo governo – esperando que o bom senso prevaleça em Belém – deve iniciar no imediato, a bem da higiene no espaço público e da saúde da nossa democracia.

A conclusão de um acordo de incidência parlamentar que permita ao PS governar com o apoio da esquerda iluminou o rosto de muitos portugueses. Na expectativa do desanuviamento que se avizinha, é manifesta a alegria que invadiu inúmeras famílias de baixos rendimentos, para não falar dos militantes de base dos partidos da nova maioria e dos cidadãos que sempre sonharam com a “unidade das esquerdas”. Em largos sectores da população, a sensação de beco sem saída que os anos de chumbo da austeridade produziram na sociedade portuguesa, uma verdadeira anomia, está a ser substituída por um sentimento de esperança em melhores dias. Há até sinais de alguma euforia que só não é mais evidente porque ainda não conhecemos a decisão que vai tomar o Presidente da República.

Admitindo que a Constituição da República Portuguesa será respeitada, teremos em breve um governo a braços com uma tarefa muitíssimo pesada: a de virar a página da austeridade através de uma política orçamental que respeite os limites impostos pelas regras da zona euro. Como disse Mário Centeno, o muito provável novo ministro das Finanças, trata-se de seguir a trajectória exigida por Bruxelas, embora a um ritmo mais lento. O modelo dos economistas do PS diz-nos que a nova versão do seu programa mantém o saldo orçamental abaixo dos 3%, uma condição essencial para não despertar a fúria da Comissão Europeia, do Eurogrupo e das agências de rating. Por outro lado, sabe-se que os partidos da nova maioria aceitam rever as suas escolhas orçamentais para acomodar os impactos da crise bancária que se avizinha ou de outros imprevistos. Não acredito que a curto prazo surjam tensões sérias entre os signatários do acordo.

A maior dificuldade que o novo governo terá de enfrentar reside na orientação que Bruxelas dará ao Orçamento português. Admitindo que na actual conjuntura será aceite um deslizamento nas metas do défice, não parece muito difícil alcançá-las se o governo puder executar uma redistribuição dos sacrifícios da austeridade que resulte num aumento do rendimento disponível das classes sociais com maior propensão ao consumo. Contudo, não é seguro que Bruxelas aceite facilmente esta mudança para uma “austeridade progressista”. Importa lembrar que o ordoliberalismo inscrito nos tratados, e na prática da CE e do Eurogrupo, não aceita esta política económica com o argumento de que um crescimento económico apoiado no consumo agrava o desequilíbrio externo através do aumento das importações. Claro que o novo ministro pode sempre contra-argumentar que esse aumento do consumo ocorrerá sobretudo nas classes de rendimentos mais baixos, onde o conteúdo em importações será mais modesto. Mas, dado o enviesamento político dos economistas do eixo Bruxelas-Berlim-Frankfurt, não se espera um acolhimento favorável ao primeiro Orçamento português. Bem pelo contrário.

Acresce o facto de, no âmbito da supervisão dos orçamentos nacionais, a CE estar agora mandatada para exigir a execução de reformas estruturais que, do seu ponto de vista neoliberal, seriam favoráveis ao potencial de crescimento da economia portuguesa. A CE assumiu um compasso de espera nas suas exigências de reformas para favorecer a eleição da PàF mas, surpreendida e desagradada com o volte-face no governo do país, irá certamente voltar à carga com exigências que a esquerda dificilmente poderá aceitar.

Assim, o rumo que o país tomará nos próximos anos vai depender crucialmente da forma como a nova maioria vier a enfrentar o “mau ambiente” em Bruxelas e das escolhas que o governo alemão, com Merkel em baixa e Schäuble em alta, vier a fazer no quadro de uma quebra das exportações alemãs para os chamados países emergentes. Pretenderá recuperar o mercado europeu? Haverá tolerância para uma “austeridade progressista” na periferia?


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Quinta-feira, 01.10.15

O que está mesmo em causa nas legislativas    (-N.Teles e  J.Rodrigues, via Ladrões de B.)
    A campanha eleitoral está, aparentemente, a ser marcada por demasiada apatia, sobressaindo posições cujas linhas de demarcação parecem ser tão artificiais quanto de difícil escrutínio para os eleitores.
    Depois de quatro anos de profundos cortes nos salários, pensões e serviços públicos, níveis de desemprego nunca vistos desde o 25 de Abril e uma nova onda de emigração em massa, o eleitorado dá sinais de desmobilização e de resignação. Parece paradoxal, mas não é: vivemos tempos em que a democracia parece ter sido esvaziada de opções políticas. Tudo já está decidido, tudo é inevitável, diz-nos a sabedoria convencional.
    Bom exemplo disso é o artigo de Paulo Trigo Pereira (PTP) no Público 6/9/2015, onde um dos actuais ideólogos do PS analisa os programas dos diferentes partidos. Em relação aos partidos da coligação de direita aponta o histórico da governação, sublinhando as propostas economicamente mais recessivas e socialmente mais regressivas no que toca a cortes. Um histórico que, acrescentamos nós, terá uma continuidade, mais ou menos radical, conforme o andamento da economia mundial, os apetites dos mercados financeiros e as decisões do BCE, os principais factores que influenciam as condições de pagamento de uma dívida, privada e pública, insustentável. Mais do mesmo, em menor ou maior dose, e com as graves consequências conhecidas.
     Um dos problemas da análise de PTP é que tudo isto parece unicamente inscrito de forma oblíqua na política de integração europeia. O actual governo é criticado pela sua “aceitação acrítica de tratados e pactos”, advogando-se uma posição mais crítica e uma aplicação mais “criativa” dos tratados europeus, em linha com a posição aparente do Partido Socialista. É assim invocado o tratamento dado às violações do Pacto de Estabilidade e Crescimento no início da década passada, esquecendo-se a forma como este foi contornado: desde a engenharia financeira assente na promoção do endividamento das empresas públicas (por sinal, mais caro do que o do Estado) à solução das Parcerias Público-Privadas, cujos resultados nem sequer vale a pena continuar a denunciar.
     Impõe-se para já uma primeira conclusão:  no decisivo âmbito da política económica, decisivo por dele hoje tudo depender, parece que nestas eleições teríamos de optar, se estivéssemos confinados aos partidos do bloco central, por diferenças de retórica em Bruxelas e de “criatividade” contabilística, em Lisboa, para ser aceite pelas instituições europeias.  Neste último campo, o Partido Socialista já anunciou o que pensa fazer: uma redução da TSU, temporária ou não, com a qual espera um impulso no consumo das famílias e no investimento das empresas. Sem entrar no jogo dos cenários com modelos macroeconómicos escondidos do público, usados por alguns economistas do PS, devemos questionar por que achará a UE aceitável esta medida com impacto orçamental em detrimento de outras (por que não mais investimento público, com o mesmo impacto orçamental, mas maiores efeitos no crescimento?).  A resposta é simples e reveladora da integração europeia realmente existente, bem como das cumplicidades do PS: porque a descida da TSU pode ser vista como uma reforma estrutural. No jargão europeu, uma reforma estrutural é uma medida que visa reduzir à escala internacional as protecções sociais e laborais conquistadas à escala nacional, tornando-as variáveis de ajustamento para economias desprovidas de instrumentos decentes de política económica.   Erodir a Segurança Social é de resto, para quem esteja atento, um objectivo europeu com vários anos, tendo já marcado a regressiva reforma da Segurança Social realizada pelo PS, em 2007, abrindo assim mais espaço para formas de provisão social privadas, tão ineficientes quanto iníquas.
   Neste contexto, as críticas dirigidas por PTP aos partidos à esquerda do PS são injustas.   Servem apenas, em última instância, para revelar aos mais distraídos o seu conformismo, e o do PS, com a ordem pós-democrática, inevitavelmente austeritária, que está sendo construída todos os dias à escala europeia.   Dificilmente podia ser diferente a partir do momento em que se desiste de mobilizar e preparar o país para a necessidade de reestruturar a dívida, controlar publicamente o sistema financeiro e recuperar instrumentos de política económica, incluindo o controlo sobre a moeda.   São outros tantos meios para travar um declínio socioeconómico com mais de uma década e a correspondente impotência democrática nacional.   Só as formações à esquerda, em particular a CDU, colocam estes temas na agenda desde há muito, tendo de resto alertado a tempo, por exemplo, para as consequências danosas da adesão ao Euro. Está tudo escrito e tudo pode ser consultado. Por isso é que as caricaturas das suas posições, e as correspondentes críticas fáceis, são ainda mais incompreensíveis.
    Só quem aceita, como PTP, o actual enquadramento que esmaga o país, retirando-lhe permanentemente soberania, pode encarar a estagnação (“crescimento moderado”) e o declínio demográfico (“envelhecimento”) como “a realidade” a ser aceite com resignação, justificando assim novas rondas de erosão da provisão social também promovida pelo PS, ainda que de forma mais furtiva.   Quem não se conforma com o triste declínio do país desde a adesão ao Euro, feito de acumulação de uma dívida externa recorde e de estiolamento das nossas capacidades produtivas, é quem quer reduzir o fardo de uma dívida impagável ou realizar uma reforma fiscal que desonere o trabalho e onere mais o capital, em especial o financeiro, não podendo por isso ser acusado de irresponsabilidade orçamental, até porque os défices orçamentais resultam no fundamental das dificuldades económicas, ao contrário do que indica o fascínio de PTP por regras europeias artificiais.
    Depois da experiência grega, quem recusa consequentemente o triste declínio do país, tem de querer reconquistar alguma margem de manobra nos campos orçamental, monetário, cambial ou da política de crédito e industrial. Só com essa reconquista é possível, em simultâneo, dinamizar o mercado interno por via da recuperação do poder de compra popular e reconverter a economia por forma a torná-la mais competitiva, evitando assim acumular mais défices externos insustentáveis. Só com a recuperação de instrumentos de política económica à escala nacional é possível recusar protectorados explícitos e implícitos e a destruição do Estado social. Tudo o resto é a inconsequência que esconde um programa de resignação.
    Sabemos também que é fácil falar-se, como faz PTP, de “inflação importada” para assustar os cidadãos perante os que, como a CDU, são portadores de alternativas estratégicas relevantes, incluindo a preparação do país para uma saída do Euro tão negociada quanto possível, mantendo, e até reforçando, aquelas dimensões da integração que possam ser vantajosas para a maioria dos que aqui vivem.  Hoje, são cada vez mais os que compreendem, contra PTP, que o Euro foi desenhado para fragilizar os Estados democráticos e sociais europeus, condenando ainda as periferias à dependência económica e política. Hoje, a resignação é a preparação da derrota. A apatia combate-se apresentando alternativas reais. Cremos que é isso que a CDU está a fazer, com o realismo de quem tem provas na luta pela soberania democrática e popular. Cremos também que todos são poucos para esta decisiva tarefa política.



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Sexta-feira, 18.09.15

Portugal, aluno modelo?     (R.Namorado, OGrandeZoo, 16/9/2015)

É este título interrogativo que encabeça um texto sobre a situação atual do nosso país que acaba de ser publicado no número de setembro do magazine francês, Alternatives Economiques. (nº349 – setembro de 2015). São seus autores, Sandra Moatti e Alexis Toulon.

No seu início, pode ler-se a seguinte frase destacada:” Portugal retomou o crescimento e libertou-se da troika, mas o seu endividamento público e privado, continua colossal e a sua economia muito frágil”.

Dele vou traduzir a segunda parte desse texto, tecendo depois alguns comentários acerca do respetivo conteúdo. Atentemos no texto que mostra como é grande o embuste com que a direita quer enganar os portugueses, através de uma propaganda mentirosa e desonesta. Eis o extrato que referi, cujo subtítulo é significativamente, Enormes fragilidades

“Menos punitiva do que para a República da Grécia, a cura deixou no entanto marcas profundas sobre no tecido económico e social. O investimento afundou-se 35% desde 2008. A taxa de desemprego subiu até aos 17,5% em janeiro de 2013 e atinge ainda  12,4% em junho de 2015, e 31,6% entre os menores de 25 anos. Um refluxo que se explica em boa parte pela emigração massiva:   mais de 100.000 portuguese deixam o país em cada ano desde o início da crise, em maioria jovens diplomados, e a população ativa recuou 350.000 pessoas entre 2008 e 2015.   Os bancos, no entanto recapitalizados, continuam frágeis, como o mostrou o resgate do Banco Espírito Santo em 2014 e o falhanço do Banco Comercial Português nos testes de resistência do banco central Europeu (BCE) em outubro passado.

E se  enfim a atividade económica arrancou a partir do segundo trimestre de 2014, fê-lo em bases frágeis. No primeiro trimestre de 2015, a produção portuguesa continuava mais de 7% aquém do seu nível do início de 2008 e mesmo abaixo do seu nível de 2001. Com um setor industrial que continua a representar 20% do PIB e os salários que baixaram 5,3% entre 2010 e 2014, o país reencontrou realmente uma certa competitividade custo:  uma hora de trabalho portuguesa custa 9,80 euros, todos os encargos considerados, contra 14,40 euros na Grécia. O que permitiu dopar as exportações, nomeadamente, no seio da união Europeia. Mas a produtividade da mão-de-obra continua ela também muito fraca: um trabalhador gera apenas 17,10 euros por hora trabalhada, contra 20 euros na Grécia e 32 ao nível da União.

Portugal continua a depender fortemente da indústria com fraco valor acrescentado, como é o caso do têxtil, que representa 10% das suas exportações. O nível de educação dos portugueses continua a ser um dos mais baixos da Europa: somente 43% dos mais de 25 anos concluíram o ensino secundário (contra 68% na Grécia e 76% no conjunto da União). Uma situação que a crise degradou ainda mais com os cortes orçamentais que amputaram um investimento público já pouco elevado, bem com as despesas com a educação.

Contrariamente às economias grega ou espanhola, a economia portuguesa não tinha tido nenhum “boom” antes da crise ela tinha vegetado durante toda a primeira parte dos anos 2000. Beneficia hoje da energia e de um euro não caros enquanto a política activa do BCE faz baixar os custos de financiamento. Mas o crescimento continua demasiado frágil para permitir que os agentes económicos se desendividem. Portugal é com efeito um dos países da União onde o endividamento total é mais pesado. Ele representa 486% do PIB, bem mais do que os 364% da Grécia ou dos 321% da média da zona euro. A dívida pública de Portugal que , como na Grécia, continuou a crescer com a ação da troika, passou de 111% do PIB em 2011 para 129% em 2014. Mas a das famílias é também colossal, 120% do PIB, tal como a das empresas não financeiras que é de 237%.

Apesar disto, o país conseguiu escapar às garras da troika em maio de 2014 e o seu Estado financia-se a taxas historicamente baixas: menos de 3%. Mas, mesmo baixas, as taxas de juro pagas pelos agentes económicos continuam superiores à taxa de crescimento dos seus rendimentos, e num tal contexto o peso das dívidas não pode baixar. Tal como a Grécia, Portugal precisará de um política de investimento massivo e de um apagamento da dívida para que a sua economia verdadeiramente recupere. Aquando das tensões surgidas nos últimos meses por causa da situação grega, a taxa das obrigações portuguesas voltou a subir. Antes de voltar a descer depois do acordo de julho passado. Se o Grexit tivesse ocorrido, todos sabemos que Portugal seria o que viria a seguir na lista.”

   Comentário:

Este excerto mostra quão descarado é o embuste assumido pelos partidos da direita que formam o atual governo, quando ficcionam um país viçoso e economicamente saudável graças aos seus méritos imaginários. A coligação que nos governa é um desastrado grupo de capatazes do capital financeiro, cuja agenda neoliberal segue docilmente, não sem que se tenham desgraçadamente aprimorado num fatal excesso de zelo que muitos e muitos portugueses pagaram duramente. Para se desembaraçarem da sombra do servilismo perante interesses estrangeiros, os do capital financeiro internacional, vestiram-se de um nome – disfarce, usando o nome de Portugal para esconderem quanto dele se têm afastado.

O gang do grande capital internacional (/"os mercados"/ "bangsters"), onde se destaca o FMI, o BCE, as agências de 'rating'/ notação financeira, as 'offshores', a alta burocracia da União Europeia e os principais dirigentes do PPE/direita, com especial destaque para os alemães, comporta-se como se Portugal estivesse a respirar saúde com as mesmas motivações que antes o levaram a ficcionar desastres e a construir uma ameaça de bancarrota. Os alegados mercados ajudam à festa, mostrando bem o que realmente os move. Dispostos a “salvar” países, na estrita medida em que tal seja necessário para “salvar” bancos, vestem a pele de credores, mas verdadeiramente apenas usam essa posição para impor políticas e agravar sujeições.

A sua 'generosidade', em face de um “status quo” económico-social  que permanece desastroso, só tem paralelo na sua intransigência hostil, quando deram à troika o papel de garante da aplicação de uma política de direita (não só antipopular como antinacional) que em democracia os portuguese nunca teriam aceitado. Os seus dóceis mandatários que nos governaram nesta ultima legislatura são agora levados ao colo, mas não entram pela porta principal, continuando a servir as bicas aos senhores.

Não enxotar de vez esta coligação de criados de libré do grande capital financeiro, pode suscitar os aplausos da Sr.ª Merkel ou do afogueado Camarão britânico, mas arrastará o nosso país para o risco de um colapso civilizacional. Se o soubermos ler, é isto que nos mostra o texto acima transcrito.

---------  A Volkswagen vista da Grécia  (via Entre as Brumas...., 27/9/2015)

 
 « Então vocês têm andado a  ENGANAR e a MENTIR - e a Europa é que pagará o preço ?! »
         Escandalosa falcatrua (agora descoberta nos EUA,...) na emissão de gases poluentes pela VW (e ...), com prejuízo para os consumidores (não têm aquilo que pagaram), para o Estado (perda de receitas/impostos devidos por serem + poluidores), para o ambiente (níveis de poluição muito acima dos permitidos), sobrecarga dos contribuintes (que subsidiam uma empresa com esquema fraudulento), penalização/perda de mercado de outras empresas concorrentes (que cumpriram legislação), e mais futuro desemprego dos trabalhadores de empresas fabricantes VW e componentes (que agora serão penalizadas), ... - i.e. um "grande exemplo" do país líder da UE ?!!   e querem ser "bons alunos" destes neoliberais neo-imperialistas ?!! destas transnacionais que capturam estados e empobrecem os povos.
.«Então


Publicado por Xa2 às 07:49 | link do post | comentar | comentários (7)

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