Um novo sujeito político à esquerda (-por Daniel Oliveira, 14/11/2013, Arrastão e Expresso online)
Não precisamos de nos esforçar muito para olhar para António José Seguro e ver, na sua impreparação e falta de carisma, na sua falta de convicções e de programa, na sua moleza de carácter e na sua hesitação constante em matéria de princípios, um Hollande em potência. O voto favorável dos socialistas ao Tratado Orçamental (uma aberração para qualquer pessoa que defenda algum papel do Estado no combate a crises económicas) e a abstenção na redução do IRC (que, associada a um IRS e um IVA na estratosfera, resulta numa brutal transferência de recursos dos trabalhadores e dos consumidores para os bolsos das maiores empresas nacionais) diz tudo sobre o que podemos esperar de Seguro num governo, provavelmente em coligação com o PSD. Apesar das espectativas estarem tão baixas, arrisco-me a dizer que, como primeiro-ministro, António José Seguro será, como Hollande está a ser em França, a maior decepção que a esquerda portuguesa já viveu.
Mas é assim que as coisas têm de ser? Não há outra alternativa para além de esperar que a alternância na austeridade se vá processando em degradação permanente da democracia? Como em tudo, recuso destinos marcados. Em Espanha, onde, tal como por cá, a extrema-direita não medra, a austeridade imposta pela direita e o vazio de discurso do PSOE está a ter outros efeitos. Como cá, cerca de 75% dos espanhóis desaprova a ação de Rajoy (PP). Mas ainda mais (85%) desaprovam a liderança de Rubalcaba, no PSOE. PP e PSOE descem nas sondagens. É o fim do bipartidarismo espanhol - ainda mais poderoso do que em Portugal - que está em causa. Só que a decepção com estes dois partidos, apesar de engrossar a abstenção, não se fica por aí. O partido centrista, federalista, antinacionalista e laico (pouco definido do ponto de vista ideológico, mas em grande parte vindos das hostes do centro-esquerda) criado em 2007, UPyD, passa de menos de 5% para mais de 10%. Mas também a Esquerda Unida (IU) sobe dos 3% (nas eleições gerais em 2008) e 7% (nas mesmas eleições em 2011) para próximo dos 12% nas próximas europeias (onde teve, em 2009, 3,7%). Conforme as sondagens, uma e outra força política ocupam o terceiro e o quarto lugar, muito acima em intenção de votos do que é habitual. Os resultados da IU, muito menos significativo do que seriam se tivesse conseguido ir mais longe na sua abrangencia política, e da UPyD estão a obrigar o PSOE a reagir. De forma errática, é verdade. Mas já começou a viragem do discurso à esquerda e mudanças importantes no seu funcionamento interno.
Estou absolutamente seguro que, em Portugal, só uma forte ameaça vinda da esquerda pode impedir que o Partido Socialista (vire ao centro neoliberal e) siga o seu homólogo francês. E só ela pode obrigá-lo a dialogar e a entender-se com quem se opõe à austeridade em vez de dar ouvidos aos Amados, Teixeira dos Santos e restantes apologistas do bloco central. Quem julgue que basta apear a nulidade que é Seguro para travar esta corrida para o abismo está enganado. A questão ultrapassa a personalidade que lidere o PS. A questão é muito mais profunda: (a direcção do) PS, tal como o PSF e o PSOE, não tem um discurso consistente sobre esta crise. Porque, para ter esse discurso, teria de rever a matéria dada. As responsabilidades do centro-esquerda para a criação das condições para esta crise europeia e nacional são demasiado grandes para que possa regressar ao poder e mudar alguma coisa sem uma profunda reflexão. Começando pelo seu discurso europeu.
Essa ameaça dificilmente poderá surgir, por si só, de um novo partido político. Isso poderia balcanizar ainda mais o que já está dividido, bloqueando qualquer solução e, no fim, apenas contribuindo para oferecer, em troca de nenhuma alteração substancial de rumo para o país, um pequeno aliado aos socialistas. Essa ameaça dificilmente pode surgir do PCP, que não está interessado em qualquer estratégia de reconfiguração da esquerda portuguesa e cuja possível e circunstancial entrada no eleitorado socialista nunca terá, pela ausência de política de alianças, grandes repercussões. E essa ameaça não virá do Bloco de Esquerda, que perdeu a oportunidade histórica de cumprir esse papel. Hoje não tem capacidade de atração do eleitorado socialista ou de qualquer eleitorado que não seja já seu. A verdade é que dificilmente, em Portugal, com a nossa história, um movimento político amarrado à tradição da extrema-esquerda poderá ameaçar o PS. Não é apenas uma questão de imagem. É uma questão de conteúdo programático e de tradição política. Na reconfiguração do cenário partidário à esquerda, a abrangência ideológica tem de ser muitíssimo maior do que hoje é abarcado pelos partidos à esquerda dos socialistas. Para ser muito maior a sua credibilidade e o seu espaço de progressão.
Um novo sujeito político (coligação/frente democrática) deve juntar quem, fora e dentro dos partidos existentes, esteja interessado em unir forças. Pode e deve abranger partidos políticos já existentes ou partidos políticos que se entretanto se possam formar. Mas a refundação de um espaço político à esquerda do PS (e com este?) tem de ser muito mais do que uma simples soma de descontentamentos. Tem de transportar consigo um potencial de esperança que os atuais atores políticos são incapazes de oferecer aos portugueses. E isso depende dos seus protagonistas e do realismo e coragem das suas propostas. Tem de corresponder a uma frente democrática que defenda um novo papel para Portugal na Europa. Um patriotismo que, não desistindo dos combates europeus, ponha a democracia e o Estado Social como as primeiras de todas as suas prioridades. E que esteja, na defesa da soberania democrática e dos direitos sociais, disposta a negociar com todos os que defendam um programa urgência nacional que se apresente com firmeza em alternativa ao programa de subdesenvolvimento proposto pela troika. É isto, ou a preparação para a deprimente tragédia francesa.
"Exmo. Senhor Primeiro-Ministro,
Os signatários estão muito preocupados com as consequências da política seguida pelo Governo.
À data das últimas eleições legislativas já estava em vigor o Memorando de Entendimento com a Troika, de que foram também outorgantes os líderes dos dois Partidos que hoje fazem parte da Coligação governamental.
O País foi então inventariado à exaustão. Nenhum candidato à liderança do Governo podia invocar desconhecimento sobre a situação existente. O Programa eleitoral sufragado pelos Portugueses e o Programa de Governo aprovado na Assembleia da República, foram em muito excedidos com a política que se passou a aplicar. As consequências das medidas não anunciadas têm um impacto gravíssimo sobre os Portugueses e há uma contradição, nunca antes vista, entre o que foi prometido e o que está a ser levado à prática.
Os eleitores foram intencionalmente defraudados. Nenhuma circunstância conjuntural pode justificar o embuste.
Daí também a rejeição que de norte a sul do País existe contra o Governo. O caso não é para menos. Este clamor é fundamentado no interesse nacional e na necessidade imperiosa de se recriar a esperança no futuro. O Governo não hesita porém em afirmar, contra ventos e marés, que prosseguirá esta política - custe o que custar - e até recusa qualquer ideia da renegociação do Memorando.
Ao embuste, sustentado no cumprimento cego da austeridade que empobrece o País e é levado a efeito a qualquer preço, soma-se o desmantelamento de funções essenciais do Estado e a alienação imponderada de empresas estratégicas, os cortes impiedosos nas pensões e nas reformas dos que descontaram para a Segurança Social uma vida inteira, confiando no Estado, as reduções dos salários que não poupam sequer os mais baixos, o incentivo à emigração, o crescimento do desemprego com níveis incomportáveis e a postura de seguidismo e capitulação à lógica neoliberal dos mercados.
Perdeu-se toda e qualquer esperança.
No meio deste vendaval, as previsões que o Governo tem apresentado quanto ao PIB, ao emprego, ao consumo, ao investimento, ao défice, à dívida pública e ao mais que se sabe, têm sido, porque erróneas, reiteradamente revistas em baixa.
O Governo, num fanatismo cego que recusa a evidência, está a fazer caminhar o País para o abismo.
A recente aprovação de um Orçamento de Estado iníquo, injusto, socialmente condenável, que não será cumprido e que aprofundará em 2013 a recessão, é de uma enorme gravidade, para além de conter disposições de duvidosa constitucionalidade. O agravamento incomportável da situação social, económica, financeira e política, será uma realidade se não se puser termo à política seguida.
Perante estes factos, os signatários interpretam - e justamente - o crescente clamor que contra o Governo se ergue, como uma exigência, para que o Senhor Primeiro-Ministro altere, urgentemente, as opções políticas que vem seguindo, sob pena de, pelo interesse nacional, ser seu dever retirar as consequências políticas que se impõem, apresentando a demissão ao Senhor Presidente da República, poupando assim o País e os Portugueses ainda a mais graves e imprevisíveis consequências.
É indispensável mudar de política para que os Portugueses retomem confiança e esperança no futuro.
PS: da presente os signatários darão conhecimento ao Senhor Presidente da República.
Lisboa, 29 de Novembro de 2012"
MÁRIO SOARES, ADELINO MALTEZ (Professor Universitário-Lisboa) ALFREDO BRUTO DA COSTA (Sociólogo) ALICE VIEIRA (Escritora) ÁLVARO SIZA VIEIRA (Arquiteto) AMÉRICO FIGUEIREDO (Médico) ANA PAULA ARNAUT (Professora Universitária-Coimbra) ANA SOUSA DIAS (Jornalista) ANDRÉ LETRIA (Ilustrador) ANTERO RIBEIRO DA SILVA (Militar Reformado) ANTÓNIO ARNAUT (Advogado) ANTÓNIO BAPTISTA BASTOS (Jornalista e Escritor) ANTÓNIO DIAS DA CUNHA (Empresário) ANTÓNIO PIRES VELOSO (Militar Reformado) ANTÓNIO REIS (Professor Universitário-Lisboa) ARTUR PITA ALVES (Militar reformado) BOAVENTURA SOUSA SANTOS (Professor Universitário-Coimbra) CARLOS ANDRÉ (Professor Universitário-Coimbra) CARLOS SÁ FURTADO (Professor Universitário-Coimbra) CARLOS TRINDADE (Sindicalista) CESÁRIO BORGA (Jornalista) CIPRIANO JUSTO (Médico) CLARA FERREIRA ALVES (Jornalista e Escritora) CONSTANTINO ALVES (Sacerdote) CORÁLIA VICENTE (Professora Universitária-Porto) DANIEL OLIVEIRA (Jornalista) DUARTE CORDEIRO (Deputado) EDUARDO FERRO RODRIGUES (Deputado) EDUARDO LOURENÇO (Professor Universitário) EUGÉNIO FERREIRA ALVES (Jornalista) FERNANDO GOMES (Sindicalista) FERNANDO ROSAS (Professor Universitário-Lisboa) FERNANDO TORDO (Músico) FRANCISCO SIMÕES (Escultor) FREI BENTO DOMINGUES (Teólogo) HELENA PINTO (Deputada) HENRIQUE BOTELHO (Médico) INES DE MEDEIROS (Deputada) INÊS PEDROSA (Escritora) JAIME RAMOS (Médico) JOANA AMARAL DIAS (Professora Universitária-Lisboa) JOÃO CUTILEIRO (Escultor) JOÃO FERREIRA DO AMARAL (Professor Universitário-Lisboa) JOÃO GALAMBA (Deputado) JOÃO TORRES (Secretário-Geral da Juventude Socialista) JOSÉ BARATA-MOURA (Professor Universitário-Lisboa) JOSÉ DE FARIA COSTA (Professor Universitário-Coimbra) JOSÉ JORGE LETRIA (Escritor) JOSÉ LEMOS FERREIRA (Militar Reformado) JOSÉ MEDEIROS FERREIRA (Professor Universitário-Lisboa) JÚLIO POMAR (Pintor) LÍDIA JORGE (Escritora) LUÍS REIS TORGAL (Professor Universitário-Coimbra) MANUEL CARVALHO DA SILVA (Professor Universitário-Lisboa) MANUEL DA SILVA (Sindicalista) MANUEL MARIA CARRILHO (Professor Universitário) MANUEL MONGE (Militar Reformado) MANUELA MORGADO (Economista) MARGARIDA LAGARTO (Pintora) MARIA BELO (Psicanalista) MARIA DE MEDEIROS (Realizadora de Cinema e Atriz) MARIA TERESA HORTA (Escritora) MÁRIO JORGE NEVES (Médico) MIGUEL OLIVEIRA DA SILVA (Professor Universitário-Lisboa) NUNO ARTUR SILVA (Autor e Produtor) ÓSCAR ANTUNES (Sindicalista) PAULO MORAIS (Professor Universitário-Porto) PEDRO ABRUNHOSA (Músico) PEDRO BACELAR VASCONCELOS (Professor Universitário-Braga) PEDRO DELGADO ALVES (Deputado) PEDRO NUNO SANTOS (Deputado) PILAR DEL RIO SARAMAGO (Jornalista) SÉRGIO MONTE (Sindicalista) TERESA PIZARRO BELEZA (Professora Universitária-Lisboa) TERESA VILLAVERDE (Realizadora de Cinema) VALTER HUGO MÃE (Escritor) VITOR HUGO SEQUEIRA (Sindicalista) VITOR RAMALHO (Jurista) - que assina por si e em representação de todos os signatários)
Ler mais: http://expresso.sapo.pt/carta-aberta-a-passos-coelho-na-integra=f770322#ixzz2DcgTBXFE
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