As fraudes legais, a oligarquia legal e o primado da lei
(-por José Vítor Malheiros, Público,
A maior notícia dos últimos dias foi a revelação da existência de um gigantesco esquema de evasão fiscal montado pelas autoridades fiscais do Luxemburgo em benefício próprio e de centenas de grandes empresas multinacionais. Este esquema permitiu poupar às empresas milhares de milhões de euros em impostos e roubar a mesma quantidade de dinheiro ao erário público dos países onde estes impostos deveriam ter sido pagos. (transformando estes países em infernos fiscaispara os seus trabalhadores, empresas e cidadãos contribuintes!)
Que o Luxemburgo é um paraíso fiscal ('offshore') é algo sobejamente conhecido. O que é verdadeiramente espantoso neste esquema – revelado por um grupo de mais de 80 jornalistas do International Consortium of Investigative Journalists (ICIJ) – é a sua dimensão, a complexidade das transações realizadas e o grau de organização e de rotina atingido pela operação.
Entre as mais de 340 empresas cujas operações de evasão fiscalforam reveladas por esta investigação, conta-se a IKEA, Pepsi, Federal Express, a consultora Accenture, os laboratórios Abbott, a seguradora AIG, a Amazon, Blackstone, Deutsche Bank, Heinz, Morgan Chase, Burberry, Procter & Gamble, Carlyle Group e a Abu Dhabi Investment Authority, para mencionar apenas algumas das mais conhecidas. As operações estão documentadas em 28.000 páginas de documentos oficiais a que os jornalistas tiveram acesso.
Uma das coisas mais relevantes nestas revelações é que elas envolvem um total de transacções da ordem das centenas de milhares de milhões de dólares (leu bem), realizadas entre 2002 e 2010, a que deveriam corresponder pagamentos de impostos na ordem dos milhares de milhões de dólares. De facto, as empresas chegavam a pagar taxas efectivas inferiores a um por cento sobre os lucros – um valor que, apesar de irrisório, representava (representa) um prodigioso maná para o Estado luxemburguês.
Outro elemento que nos faz pensar é que todos estes casos descobertos pelo ICIJ dizem respeito, exclusivamente, a clientes da empresa de consultoria financeira PricewaterhouseCoopers (PwC). Como é provável que outras empresas de contabilidade proporcionem este serviço luxemburguês aos seus clientes, percebemos que, apesar de gigante, esta montanha representa apenas a ponta do icebergue e que o total envolvido nestas evasões fiscais escapa à nossa imaginação.
Há inúmeras coisas chocantes nesta história. Uma delas é o facto de se tratar de um esquema sancionado pelo Estado luxemburguês e não de uma falcatrua perpetrada apenas pelas empresas. O Governo luxemburguês, liderado pelo actual presidente da Comissão Europeia, Jean-Claude Juncker, assinava com as empresas acordos secretos para ganhar um euro por cada dez ou vinte euros que as empresas deixavam de pagar nos seus países, comportando-se como uma espécie de receptador de bens roubados e violando assim a mais elementar lealdade entre Estados-membros da UE.
Estes acordos secretos com as empresas não eram feitos por uns governantes corruptos, com o fim de meter uns cobres ao bolso, e que agora vão ser atirados para a cadeia. Estes acordos eram legais. Secretos, para não enfurecer os outros Estados-membros, mas legais. Legais à luz da lei luxemburguesa e legais, juram os dirigentes luxemburgueses, à luz das normas europeias. Porquê legais à luz das normas da UE, que (em teoria) proíbe todas as ajudas a empresas que possam enviesar a concorrência? Porque, respondem os luxemburgueses com ar seráfico, “todas as empresas eram tratadas da mesma maneira”. Qualquer empresa que quisesse fugir aos impostos encontrava no Luxemburgo uma mão amiga.
A legalidade desta pouca-vergonhacoloca-nos um problema. O problema é que nos habituámos a definir a lei como o último refúgio da equidade e da justiça e a considerar o primado da lei como uma característica essencial das democracias. Mas o que acontece quando a lei apenas defende os mais fortes? O que acontece quando a lei é não um instrumento para proteger os mais fracos dos abusos dos mais fortes, como devia ser, mas um instrumento para proteger os abusos dos mais fortes e para subjugar os mais fracos? O que acontece quando a lei é iníqua, desumana?
Vivemos no mundo um ataque aos direitos, à liberdade e à igualdade também no plano legal. Não são apenas as leis (ou os acordos secretos) que permitem que os ricos não paguem impostos. São as leis que reduzem os direitos dos mais fracos, que reduzem os apoios sociais, que criminalizam os protestos, que impedem as greves, que criminalizam os sem-abrigo.
As leis tornaram-se demasiado complexas, a sua produção quase secreta e a sua alteração quase impossível. É duvidoso que um milésimo da população da UE soubesse em que consistia o Tratado Orçamental Europeu antes de ele ser assinado (ou o próximo TTIP com os EUA). Vivemos, na UE, numa camisa-de-forças legal, composta por tratados que ninguém discutiu nem aprovou, e que poucas pessoas sabem que consequências terão. Podemos alterá-los? Em teoria, sim. Mas apenas em teoria. E se a lei se estivesse a tornar um instrumento de ditadura?
Apoio Seguro para combater as rapaziadas das Tecnoformas... (-por Ana Gomes, 23/9/2014) A 28 de Setembro, nas eleições primárias do PS, vou votar em Antonio José Seguro. Entre outras razões, porque ele não tem medo de se comprometer. É o primeiro candidato a Primeiro Ministro que assume centralmente, no projecto político que propõe para o PS e para o País, o compromisso de se empenhar no combate à promiscuidade entre política e negócios. Promiscuidade que é veículo da corrupção e do que ela implica, em desvio de recursos do Estado, em falseamento da concorrência entre empresas e em agravamento da desigualdade entre os cidadãos. Sob a direcção de António José Seguro, o PS apresentou na Assembleia da República um conjunto de propostas com o objectivo de aproximar e responsabilizar mais os eleitos diante dos seus eleitores. E com medidas concretas para reforçar as incompatibilidades entre titulares de cargos públicos e políticos e interesses económicos privados: - medidas para proibir consultores do Estado ou negociadores do Governo para representarem o Estado em processos de privatização ou concessão de activos públicos de aparecerem, depois, ao serviço das empresas privatizadas; - medidas para proibir os deputados de exercer funções de perito, consultores ou árbitros em qualquer processo de que o Estado seja parte; - medidas para impor a revelação da origem dos rendimentos dos titulares de cargos políticos, com indicação das entidades pagadoras, e para garantir a fiscalização da veracidade das declarações de patrimônio e de rendimentos apresentadas, desmaterializando-as (informatizando) e sujeitando-as a cruzamento dos respectivos dados; - medidas como a criação de um registo público de interesses obrigatório, inclusivé com identificação de sócios, registo que deve existir também junto das assembleias autárquicas, relativamente aos membros dos órgãos executivos, etc.. Enfim, propostas para impor transparência que desagradam a quem beneficia com a opacidade actual - e por isso tantos resistem sequer a discuti-las na AR. Ora são propostas que devem mesmo ser discutidas na AR, até por que podem ser ainda melhoradas. Este combate contra a promiscuidade entre política e negócios é fulcral para reformarmos o Estado, regenerarmos o sistema político, relançarmos a economia e para sairmos da crise.
É um combate tanto mais urgente quanto nos últimos tempos atingimos novos patamares de desresponsabilização. Não, não falo apenas do Ministro da Educação e da Ministra da Justiça que pediram publicamente desculpas, mas como expediente para não tirarem consequências políticas dos seus erros, demitindo-se. Nem falo do Governo que fazia foguetório com a promessa de extinguir fundações que são esquemas para defraudar o Estado e que três anos depois ainda mantém em actividade a maior parte delas, incluindo a Fundação para as Comunicações Móveis, mais conhecida por Fundação dos Magalhães. Nem falo de um Governo que procura alijar fundamentais responsabilidades e não acciona a justiça perante o colapso do esquema fraudulento GES/BES, e de um Banco de Portugal que embaraça o País ao ser confrontado com a retirada de licença bancária a Ricardo Salgado pelo ....Dubai. Falo de um Primeiro Ministro que, face a alegações que põem em causa a sua probidade pessoal, não se dá ao trabalho de as refutar, nem esclarecer. Estou a referir-me ao caso Tecnoforma, que deu origem a investigações da PGR e da União Europeia sobre um esquema de formação forjado - de trabalhadores de aeródromos que não existiam - para obter financiamentos comunitários, de que teriam sido agentes Miguel Relvas e Pedro Passos Coelho. Ora, as mais recentes alegações implicam o então jovem deputado Pedro Passos Coelho, a receber 5.000 euros mensais durante uns anos em pagamento dos serviços a "abrir portas", no dizer do então patrão da Tecnoforma, a uma falsa Organização Não Governamental que era instrumento daquela empresa para sacar fundos comunitários.
Não interessa que a responsabilidade criminal esteja prescrita, ou que não estivesse o deputado obrigado a regime de exclusividade: persiste a responsabilidade política! Pedro Passos Coelho tem de esclarecer se recebeu, ou não, pagamento pelos serviços que prestou a essa ONG de fachada e se declarou o que tenha recebido ao fisco, pagando impostos. Se não se lembra, pode certamente pedir extractos bancários e declarações fiscais. Se o não fizer, o PM perde qualquer réstia de autoridade moral e de legitimidade política para governar. Não será apenas a Justiça que o seu Governo pôs em estado de Citius: é Portugal que fica em estado de sítio!
O que me leva ao (após primárias do PS). Voto Seguro porque quero combater as rapaziadas das Tecnoformas, onde quer que se infiltrem, incluindo no PS. Neste Portugal à beira do estado de sítio precisamos absolutamente do PS reagrupado, depois da contenda interna nas primárias, e se regenerado e fortalecido por ela. O combate à corrupção e à promiscuidade entre política e negócios está na mesa, é incontornável. Vença quem vencer, para ganhar Portugal.
-----xxx----- Zé T. disse:
Não sei se A.Seguro ou A.Costa é/será melhor líder do PS ... Ambos têm aspectos positivos e negativos, apoiantes de qualidade e outros que só estragam ou são duvidosos... - e a equipa/ 'entourage' também conta.
O que me parece importante para fazer uma escolha é uma análise crítica das suas propostas (foram poucas as concretas ...), dos princípios político-económicos que defende (ou se aproxima), do seu comportamento cívico-democrático, do seu currículum/ experiência relevante ... para avaliar da seriedade do seu caracter e da exequibilidade das suas promessas ...
E, sobretudo, no início deve-se evitar «dar/ assinar cheques em branco» (exigindo transparência e 'contrato' claro), contínua e periodicamente deve-se fazer controlo com análise e debate crítico da sua gestão/medidas tomadas e, no final de cada mandato, deve-se exigir responsabilidades pelo trabalho feito ou não-feito ... e "partindo a loiça", se necessário.
Chega de opacidade política-económica e apelos ao coração ou à 'clubite' da 'carneirada acéfala'... usada e abusada por 'figurões' ou 'jotas' !
-----xxx---- Dilema ou trilema ... eleitoral : Em quem votar ? ou não votar ? ou ... 1- do mal o menor. pelo que, conhecendo-se o que fez, não fez ou deixou fazer J.Seguro, (idem para o seu adversário), o meu voto seria para o A.Costa. 2- percebendo os podres e «telhados de vidro» existentes no PS (e em muitos dos seus figurões e jotas ... e piores no PSD e CDS)... apetece votar no A.Seguro, para ver se este ganha ou fica muito próximo do vencedor, para ver se é desta que se «parte a loiça toda» no PS e este partido se limpa da porcaria e interesses que o tolhem e se se refaz como um verdadeiro partido social democrata, de esquerda. 3- não votar em nenhum destes candidatos, ... não votar no PS ... nem votar em qualquer partido.
. esta seria uma posição «fácil», de demissão como militante e/ou como cidadão ... ética e politicamente não posso ir por aí.
. como militante devo votar num dos candidatos (ou deveria eu próprio candidatar-me ...)
. como simpatizante (inscrito, brrr !! vade retro...) ou como cidadão, mantenho a liberdade e o dever de, em qualquer eleição, votar no partido (ou proposta ou candidato) que penso melhor defender os meus princípios, a democracia, a liberdade, a igualdade de acesso, o estado social, a humanidade, ... 4- daqui se pode concluir que :
. estou descontente com os 2 candidatos do PS (talvez em grau e causa diversas);
. estou descontente com o PS; . mas mais descontente estou com os fantoches, burlões e incompetentes do PSD e CDS que nos desgovernam;
. gostaria de votar/ apoiar outro candidato e/ou partido, melhor: numa coligação de partidos e movimentos de esquerda;
. assim : vou VOTAR nestas e em todas as eleições, vou discordar e criticar ou apoiar sempre que ache que o devo fazer e tiver liberdade para isso (sim, que a Liberdade já está a ser limitada, condicionada, os cidadãos e trabalhadores voltaram a ser censurados, coagidos e estão a sofrer ameaças e penas várias), e, no momento próprio, em segredo, "pesando tudo" até à última, vou escolher o menos mau. !!
Duas fraudes sempre convenientes (-por J.Rodrigues, 21/4/2014, Ladrões de B.) 1. Os economistas pré-keynesianos ganharam politicamente em toda a linha. O refúgio na retórica vaga da “gordura do Estado” é uma fuga àética da responsabilidade. É evidente que nenhum espírito isento discordará do combate ao desperdício, aos grupos económicos que parasitam o Estado e fogem às suas responsabilidades fiscais ou ao cancro da economia informal. No entanto, as politicas de austeridade exigidas pelos “mercados” e pelas “estúpidas” regras dos pactos europeus implicam em todo o lado fazer cortes abruptos, injustos socialmente e contraproducentes economicamente. Escrevi isto em 2011, nas vésperas da troika, em debate com um Álvaro Santos Pereira apostada na fraude das gorduras. Esta fraude está integrada na fraude maior de uma política orçamental condicionada por regras cada vez mais estúpidas e só pode gerar discursos e comportamentos fraudulentos, sob pano de fundo de um moralismo atroz. É como diz Rui Peres num artigo a não perder e que confirma este ponto: números errados, ideias erradas de um Passos condenado a mentir neste e noutros campos. De resto, as gorduras são funcionários públicos, salários e pensões; a melhor carne dos serviços públicos é para ir oferecendo ao capital. Fraude conveniente. 2. A fraude ideológica da rigidez e da flexibilidade laborais, já aqui tantas vezes denunciada, promovida incessantemente pelo FMI, pela CE, pelo BCE e pelo seu governo, serve apenas para puxar o debate politico de tal modo para um terreno neoliberal que os representantes de alguns patrões podem parecer razoáveis e ponderados: “hoje a lei laboral não constrange a economia”, diz António Saraiva da CIP em entrevista ao Público. Os patrões organizados sabem bem que a divisão dos direitos e das obrigações, que determinam quem se apropria do quê e porquê, lhes é cada vez mais favorável. Os patrões sabem bem que a lei laboral nunca constrangeu a “economia”. O que constrange a acumulação de capital é, em primeiríssimo lugar, a falta de procura e num distante segundo lugar o acesso ao crédito. A flexibilidade para os patrões, que é rigidez para os trabalhadores, gera um dos maiores e reais constrangimentos da economia: a desigualdade na repartição do rendimento e da riqueza. Fraude conveniente.
Leituras (-por N.Serra, 21/4/2014, Ladrões de B.) «Há qualquer coisa em Passos Coelho que faz com que as pessoas lhe tolerem com alguma bonomia todas as suas mentiras. Ou que pelo menos não se indignem como se indignavam com Sócrates ou com Durão Barroso ou como se continuam a indignar com Portas. (...) Querem o melhor exemplo? O espaço de opinião de José Sócrates, transformado numa "entrevista confrontacional", foi aplaudido pela maioria dos jornalistas. A entrevista de José Gomes Ferreira a Pedro Passos Coelho, transformada num espaço de opinião partilhada (à semelhança do encontro amigável de Passos Coelho com uns cidadãos, na RTP), não provocou grande incómodo nos intrépidos defensores do jornalismo corajoso e independente. Na realidade, a entrevista foi tão fácil que Passos Coelho acreditou que os país era composto por milhões de gomes ferreiras. E desembestou num chorrilho de mentiras sem pensar que havia um dia seguinte.» -Daniel Oliveira, As contradições de Passos Coelho em entrevistas não "confrontacionais"
«No diálogo televisivo de terça-feira, o primeiro-ministro falou dum alargamentozinho no corte de salários face ao do anterior Governo. Segundo o primeiro-ministro, fazer cortes de 3,5% nos salários a partir de 1500 euros não é muito diferente de cortar 2,5% a partir dos 675. Também, segundo ele, não existirá grande diferença entre o tal corte de 3,5% nos salários de 1500 euros e o atual de 8,5%. Mais do dobro. (...) Infelicidade verbal, pois então. Mas existiram mais aspectos que houve quem achasse claros. Houve tempo para libertar (...) uma não verdade, quando disse que os cortes nas despesas de funcionamento do Estado tinham sido de 1600 milhões de euros: não foram, foram de metade desse valor como provou o Jornal de Negócios dois dias depois. Infelicidade verbal, sem dúvida. Também não faltaram, no alegre convívio, momentos de puro entretenimento: o desonerar (...) das pensões e salários em 2016. Se der, eventualmente, às tantas. Tão certo como "termos cumprido as metas". Não houve tempo para explicar como é que não se tendo cumprido uma única meta original se diz exatamente o contrário. Infelicidade verbal, claro.» -Pedro Marques Lopes, "Infelicidades verbais várias"
«"Nós temos um sistema de pensões que não é sustentável". (...) Como incentivo à fuga contributiva, dificilmente se conceberia melhor declaração. Depois, os vários estudos de instituições internacionais mostram que, depois de 2006, o sistema de pensões português é dos que apresentam menores riscos. (...) O problema da segurança social hoje é a combinação entre quebra contributiva (por força da quebra do emprego) e aumento de despesa (efeito do desemprego). Entre 2010 e 2012, a diminuição das contribuições foi de 400 milhões de euros, enquanto a despesa com subsídio de desemprego aumentou 480 milhões. (...) "Os portugueses escolheram um governo para governar nas circunstâncias mais difíceis de que há memória nos 40 anos sobre a revolução". (...) As frases citadas foram proferidas por Passos Coelho na conversa televisiva desta semana. Esta última distingue-se por ser verdadeira e merece um comentário adicional: foi uma tragédia, num momento como o que vivemos, termos alguém tão impreparado a chefiar o governo.» -Pedro Adão e Silva, Um primeiro-ministro
«Nunca saberemos ao certo se o primeiro-ministro cedeu a tentações eleitorais em 2011 ou se pura e simplesmente desconhecia o plano de ajustamento da troika e as limitações da poupança com as "gorduras no Estado". Vê-lo voltar a essa história de fadas de grandes reduções de défice com base em ganhos de "eficiência", menos "consultoria" e muitas "fusões" causa inevitavelmente calafrios - especialmente se considerarmos que três anos depois parece ainda não dominar o assunto em que depositou tanta esperança. Se desta vez, o primeiro-ministro errar, já não terá desculpa. Pois como disse, e bem, "às vezes criam-se ideias que não são correctas".» -Rui Peres Jorge, Números errados, ideias erradas
«Debaixo deste discurso muito pouco transparente, há no entanto uma ideia clara e um objectivo definido. A ideia clara é que a austeridade é para continuar. (...) O objectuvo definido é que, para conseguir aqueles equilíbrios, o governo aposta tudo no esmagamento da procura interna. E isso exige que salários e pensões não só nunca mais voltem aos patamares de antes da crise como se mantenha a brutal carga fiscal sobre os rendimentos. Em síntese, este ajustamento exige e assenta no esmagamento da classe média. E é isso que a troika e o governo têm prosseguido com afinco, enquanto nos fazem sentir a culpa de "termos vivido acima das nossas possibilidades", seja isso o que for, uma viagem às Maldivas ou jantar fora demasiadas vezes...» -Nicolau Santos, Quantos pobres fazem o ajustamento?
Empresário já não vai responder em tribunal num processo de fraude fiscal avaliada em 6,7 milhões de euros. O processo prescreveu.
Macedo, que ficou conhecido por defender os interesses da Indonésia na altura da ocupação de Timor-Leste, esteve, em 2003, seis meses em prisão preventiva por causa deste processo, que corre no Tribunal de Barcelos.
Dez anos não foram suficientes para o Ministério Público concluir o inquérito e deduzir a acusação para os 43 arguidos, entre 70 suspeitos de pertencerem à rede de tráfico.
Quando, em janeiro de 2013, os seis volumes de acusação foram enviados para o juiz de instrução criminal, a prescrição beneficiava perto de metade dos arguidos, entre os quais Manuel Macedo e um seu filho. O empresário já apresentara requerimentos ao tribunal alegando a prescrição, que acorrera em dezembro de 2012.
Todavia, o processo segue o seu caminho em relação aos outros arguidos, um dos quais requereu ao tribunal a abertura de instrução. Para os arguidos "amnistiados", o processo acabou.
A investigação que, em 2002, levara três dos suspeitos, entre os quais Manuel Macedo, à prisão depois de três dias de interrogatório, concluía pela existência de fortes indícios de participação "em associação criminosa para fraude fiscal".
O empresário seria o cérebro da rede que utilizava empresas fictícias para a importação de automóveis novos e usados oriundos de países da União Europeia que eram depois vendidos abaixo do preço de mercado. O filho Ricardo Macedo estava igualmente indiciado mas, na altura ficou em liberdade, pagando uma caução de 300 mil euros.
Ponto da situação sobre mais uma folha Excel da nossa austeridade: a troika quer, o governo e o banco que não são de Portugal sonham, os dados “parciais” nascem e a fraude da "rigidez laboral" mantém-se. O uso da expressão “rigidez laboral” indica, desde logo, que estamos em presença de uma manipulação ideológica, cujo objectivo, agora confessado, sempre foi o de transferir rendimentos do trabalho para certas fracções do capital, as que prosperam em tempos de crise de procura causada pela política de austeridade, a grande responsável pela colossal subida do desemprego nestes últimos anos. Entretanto, deixo uma pergunta singela: por que é que se usa a expressão rigidez laboral para caracterizar uma situação em que ainda existem direitos laborais e correspondentes obrigações patronais e não se usa a expressão rigidez patronal, ao invés da expressão flexibilidade, para caracterizar uma situação em que existem demasiados direitos patronais e correspondentes obrigações laborais? Seja como for, a sabedoria convencional tem, aqui e agora, dois lados: temos os que dizem, como o FMI, que é preciso continuar a mexer numa legislação laboral, que será sempre demasiado rígida, para continuar a descer salários – se há desemprego só pode ser porque os salários são demasiado elevados – e temos os que acham que a economia portuguesa já exibe uma grande “flexibilidade” laboral e salarial e que por isso já está em melhores condições para sair da crise. Ambos os lados, concordam que a rigidez patronal é boa, discordando apenas na avaliação que fazem da economia portuguesa. E depois temos os que, por exemplo, por aqui têm dito que a chamada “rigidez laboral” não só não é responsável por um desemprego gerado pela austeridade, como é virtuosa, da contratação colectiva, a despedimentos legal e pecuniariamente custosos, passando por subsídios de desemprego decentes ou por salários mínimos em actualização real e que evitem a pobreza laboral: reequilibra as relações laborais, ajuda a combater a desigualdade, dificulta a transferência de custos sociais para os trabalhadores, penalizando os empresários medíocres, gera estabilidade que motiva e incentiva à formação, faz com que se pense duas vezes antes de se despedir, dificulta a redução dos salários e a correspondente quebra da procura, obstaculizando os círculos viciosos intensos, ainda para mais quando à quebra de rendimentos se junta o endividamento prévio e logo a insolvência. Subjacente a esta visão está a superação da narrativa do mundo do trabalho visto pelo prisma de um mau manual de introdução à microeconomia, o que fala do trabalho numa lógica da batata e de supostas leis de oferta e procura.
Falar de “mercado” serve apenas para ocultar as lógicas da assimetria de poder e da compulsão nas relações laborais, o desemprego como mecanismo disciplinar, o medo, a desmotivação, a desqualificação, os círculos viciosos da crise e da pobreza laboral, a falácia da composição visível em patrões que podem ser tentados a cortar nos salários dos “seus colaboradores” ao mesmo tempo que se queixam de que a quebra das vendas impede o investimento, apenas porque demasiados têm a mesma tentação. Felizmente, há bons manuais [Economia(s)] que abordam algumas destas coisas.
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Evidentemente que o que se está a passar hoje em dia é um crimede proporções colossais – Está-se a enviar a esmagadora maioria da população para a pobreza para enriquecer ainda mais os já super-ricos. Tem de se pôr um fim a isto, nem que seja pela forma mais drástica. Agora, existe uma nova realidade que tem de ser encarada: a evolução tecnológica exponencial está a acabar com os empregos em todo o lado.
[aquilo (tecnologia/robots/TICs/R&D) que prometia dar melhor qualidade de vida para todos, maiores rendimentos, mais tempo livre (sim !!)... está a tornar-se um pesadelo para a maioria: desemprego, miséria, perda de liberdade e de direitos conseguidos por gerações de luta, esforço, cidadania e evolução da civilização.]
Donde, o paradigma económico (e social e político) tem necessariamente de mudar: a capacidade produtiva está a aumentar (devido à automação, à informatização e à inteligência artificial) e essa produção (rendimentos) tem de começar a ser dividida (distribuída) de outra maneira. A propriedade privada dos meios de produção e o emprego estarão mortos dentro muito pouco tempo. (- Diogo)
Quando também sabemos que as remunerações médias dos trabalhadores portugueses caíram, entre reduções salariais e perdas de emprego, 7,2%, enquanto que os rendimentos dos activos registaram um comportamento quase simétrico, confirma-se o que dizia o grande economista John Kenneth Galbraith: “Para muitos, e em especial para os que têm voz política, dinheiro e influência, uma depressão ou uma recessão está longe de ser penosa (é até bem lucrativa). Ninguém pode confessar isto abertamente; em certas coisas há que ser discreto, mesmo do que revelamos de nós próprios”.
Confirmam-se também outras ideias de Galbraith: atrás da fraude do “mercado livre” esconde-se a realidade da grande empresa capitalista e das suas estruturas de poder; estas estruturas, em especial quando estão associadas à fraqueza dos freios estatais e dos contrapesos sindicais, explicam os rendimentos de quem está no topo da cadeia alimentar e não um suposto mérito que, vá lá perceber-se porquê, costuma ser confundido com os montantes arrecadados. José Reis, no âmbito de mais um ciclo organizado por estudantes de economia, irá discutir, esta quinta-feira, o pensamento de John Kenneth Galbraith.
... Recorrendo a um conjunto de dados estatísticos, Marques Mendes verificou que o número de professores duplicou entre 1980-2010 e que, no mesmo período, o número de alunos matriculados no 1.o ciclo do ensino básico caiu para metade. Verificando esse contraciclo, concluiu que há professores a mais no sistema. O seu raciocínio está errado. Não se pode comparar o sistema educativo português em 1980 com o de 2010. É que, entretanto, houve dois alargamentos da escolaridade obrigatória. Não é coisa pouca. Em 1986, a escolaridade mínima obrigatória passou para o 9.o ano e, mais recentemente, passou para o 12.o ano (18 anos). As implicações são tremendas. Desde logo, os alunos passam mais anos a estudar, e em ciclos de estudos diferentes, pelo que é normal que sejam necessários mais professores nos ciclos que, antes do alargamento da escolaridade, a maioria dos alunos não frequentava. Depois, a partir do 2.o ciclo do ensino básico, os alunos passam a ter vários professores (um por disciplina), o que faz naturalmente aumentar o número de professores.
Ainda não é legítimo comparar o número de alunos do 1.o ciclo com o número total de professores no sistema educativo. Não se pode comparar uma parte com o todo. Entre 1980-2010, no 1.o ciclo, é certo que diminuiu o número de alunos mas, se olharmos para o número de professores nesse ciclo, notamos que também diminuiu em 19%. Convenhamos que é muito diferente de um aumento de 50%.
O exercício não é inédito. Mas, feito por um dos principais líderes de opinião, o facto assume particular gravidade, pela legitimidade que atribui a esta argumentação errónea. E, claro, pelo potencial de influência que o ex-líder do PSD tem nos corredores do poder.
2. Foquemo-nos no que realmente importa: há professores a mais no sistema educativo? É verdade que o sistema educativo viveu muitos anos num desfasamento, não fazendo corresponder a queda do número de alunos com a evolução do número de professores. Mas é também claro que esse desfasamento tem vindo a ser corrigido.
Primeiro, há cada vez menos professores nos quadros. No ano lectivo 2007/2008, no ensino básico e secundário, havia 110 mil, enquanto no ano lectivo 2010/2011 já só havia 96 mil (fonte: DGEEC). Em apenas 3 anos, diminuiu em 14 mil (13%), sobretudo devido a aposentações. De resto, entre funcionários e professores do quadro, a corrida às aposentações tem sido uma realidade desde 2006: aposentaram-se quase 28 mil no Ministério da Educação, entre 2006-2013 (fonte: “Diário da República”), e só para este ano estão ainda 6 mil em lista de espera para a reforma.
Segundo, há cada vez menos professores contratados. É sabido, pois foi amplamente mediatizado, que o início do ano lectivo ficou marcado por uma acentuada diminuição do número de professores contratados. Não há ainda dados oficiais. Mas na Síntese Estatística do Emprego Público (SIEP, 13 Fevereiro 2013) é possível observar, entre Dezembro de 2011 e Dezembro de 2012, uma queda abrupta de funcionários no Ministério da Educação. Ou seja, num ano apenas, saíram 15 475 funcionários (a esmagadora maioria são professores contratados). A expectativa é de que a tendência se mantenha.
Assim, somando os referidos dados, é inevitável constatar que o ajustamento está a ser feito. Mantendo o rumo, o desequilíbrio do sistema educativo ficará resolvido. Havia professores a mais. Está a deixar de haver. Abandone-se, portanto, essa retórica.
3. Daqui surgem duas conclusões. A primeira, óbvia, é que continuar a diminuir o número de professores, como se nada tivesse acontecido desde 2011, é um erro que pode pôr em causa o funcionamento do sistema educativo. A segunda é que, com o ajustamento em curso, a pergunta que importa passa a ser outra: como agilizar os sistemas de contratação e de colocação de professores, para evitar os horários zero (e consequente mobilidade especial)? O desafio está em flexibilizar o sistema, para que um professor que faz falta numa escola não fique preso a uma outra onde não faz falta. Há muitos caminhos para o fazer – preparar o futuro passa por discuti-los."
Falar de fusões como quem conta alguidares e limitar a fusão do fisco a mais uma extinção para efeitos estatísticos revela alguma responsabilidade populista iniciada por Teixeira dos Santos e prosseguida pelo actual Governo. Não é a DGCI (contribuições e impostos) ou a DGAIEC (alfândegas e imposto especial sobre o consumo) que estão a mais no Estado, a DGCI existe há mais de cem anos e as Alfândegas há séculos, não foram estas direcções-gerais a lançar o país na crise financeira e se toda a Administração Pública usasse o dinheiro dos contribuintes como a DGAIEC ou a DGCI não existiram as famosas gorduras. Por ali não entram funcionários pela porta do cavalo, os directores-gerais não têm gabinetes luxuosos e há muita gente a trabalhar em instalações que há muito deveriam ter sido modernizadas, por exemplo, as salas de formação da DGAIEC são bem piores e estão pior equipadas do que as salas de informática que as autarquias têm para ensinar o Windows aos nossos velhinhos.
Da fusão do fisco não vão resultar poupanças significativas e muito menos poupanças que justifiquem a desestabilização a que a DGCI e a DGAIEC foram sujeitas desde que um senhor chamado Sérgio Vasco mais uma pandilha de fedelhos idiotas e oportunistas que tomaram conta da secretaria de Estado dos Assuntos Fiscais. No fisco não se brinca às meias dúzias de milhões de euros, da sua eficácia depende a cobrança de mais ou de menos milhares de milhões. O problema do fisco não reside em cortar uma dúzia de lugares de chefia só para que Passos Coelho possa dizer que vai mesmo cortar na despesa ou para que o ex-PND diga que quando a oposição exigiu cortes na despesa teve uma ejaculação precoce. Com a desestabilização do fisco iniciada no Governo anterior quem se arrisca a ter uma ejaculação precoce é o país.
É evidente que no fisco faz-se silêncio, os que iniciaram petições contra a fusão ficaram calados na esperança de sobreviverem nos lugares, os que receiam perdê-los pediram a aposentação mas solicitaram a suspensão até verem se continuam com os cargos e o STI que está convencido de que sacrificando as Alfândegas ilude o Governo e mantém abertas centenas de serviços de finanças inúteis, ineficazes, caros e desnecessários. Recorde-se que a extinção das tesourarias de finanças foi um processo que durou anos e na prática o que se conseguiu foi transformar centenas de serviços em pequenos galheteiros.
Mais do que pensar em termos de fusão o que o fisco carece é de se pensar em termos de reestruturação da Administração Fiscal e se daí resultar a necessidade de uma fusão procede-se à mesma assegurando que a reestruturação seja concluída. Da fusão poderá resultar a extinção de meia dúzia de cargos, mas não promove o aumento de eficácia que ponha fim ao paraíso fiscal em que Portugal se tem vindo a transformar com sucessivos governos a iludirem os eleitores confundindo premeditadamente a recuperação de dívidas declaradas e liquidadas com sucesso no combate à evasão e fraudes fiscais.
Da fusão resultará mais confusão do que outra coisa, confundir a luta anti-fraude nas Alfândegas com as inspecções na DGCI é quase a mesma coisa que tratar uma cama do Pinheiro da Cruz com uma cama do Meridien nas estatísticas das camas para turismo. Nas Alfândegas controlam movimentos de mercadorias enquanto no fisco controlam-se saldos contabilísticos, nas Alfândegas coopera-se com polícias de todo o mundo no combate aos tráficos ilícitos. Da fusão não resultarão ganhos neste capítulo a não ser a circulação de informação algo que já poderia suceder pois o sistema informático é o mesmo, se não sucede é porque há gente que se opõe o que não admira quando um subdirector-geral da DGCI chegou a defender numa reunião oficial que não podia fornecer dados à DGAIEC porque esta não pertencia à Administração Fiscal! Nada garante que após a fusão tal informação circule, da mesma forma que toda a gente sabe que a colaboração entre os vários serviços da DGCI existe, a DGCI é uma cooperativa de subdirecções-gerais onde cada subdirector-geral se comporta como um vice-rei. Nada garante que da fusão resulte algo melhor, antes pelo contrário, é muito provável que se extingam as qualidades das duas direcções-gerais e acabe por fundir o que há de mau nas duas culturas de organização.
As Alfândegas (DGAIEC) carecem de uma reestruturação apesar de ao longo das últimas três décadas terem sido alvo de sucessivas reestruturações o que até é um caso raro na Administração Pública, sempre que se alterou na realidade fizeram-se ajustamentos e promoveram-se poupanças. E a realidade já mudou, para além de nalgumas das reestruturações anteriores terem sido cometidos erros elementares, a título de exemplo não faz sentido existir uma Alfândega em Braga e outra em Viana do Castelo ao mesmo tempo que no porto de Sines existe uma delegação que depende de Setúbal, da mesma forma foi um absurdo ter-se extinto uma divisão de valor aduaneiro e origens (a alma das Alfândegas) e manter uma divisão do IVA.
Mas onde se registam maiores níveis de ineficácia não é nas Alfândegas que há muito que estão enquadradas no conjunto das Alfândegas da Europa, que velam pela fronteira externa e cooperam com Alfândegas e polícias de todo o mundo quer em termos bilaterais, quer no Âmbito da OMA ou das instituições da EU. Desde a adesão à CEE que as Alfândegas portuguesas são permanentemente auditadas pela Comissão e pelo Tribunal de Contas Europeus, um caso raro na Administração Pública, algo que só sucede com mais dois ou três organismos. Quando as Alfândegas erram os problemas financeiros daí resultantes são discutidos em Bruxelas e daí podem resultar consequências, quando a DGCI erra (como sucedeu há uns anos quando forma emitidos indevidamente milhares de reembolsos indevidos de IRC) o assunto é abafado e mais tarde ou mais cedo os culpados ainda recebem um louvor.
De uma reestruturação das Alfândegas poderá resultar a extinção de vários serviços ou a eliminação de cargos de chefia, não faz sentido, por exemplo, manter uma direcção de serviços para o pessoal e outra para o património, assim como se pode reduzir o número de directores-gerais, extinguir várias direcções de serviços e alfândegas, sem que daí resulte perda de eficácia, ainda que, em boa verdade, também não resulte qualquer acréscimo de eficácia.
O problema da DGCI é bem diferente, quando em Portugal se fala de evasão e fraude fiscais, de eficácia do fisco ou de equidade fiscal é da acção da DGCI que estamos a falar. A DGCI sofreu vários alargamentos mas nunca foi alvo de reestruturação digna desse nome. O país, a economia e as tecnologias mudaram e a DGCI adaptou-se criando novas camadas de organização, deixou de ter um director-geral e vários subdirectores-gerais para passar a ter um rei que governa os seus corredores e vários vice-reis que governam autênticas colónias fiscais.
Hoje a DGCI tem duas estruturas, a estrutura municipalista do século XIX e a estrutura central que é uma mistura da reforma dos anos oitenta promovida por Oliveira e Costa como desenvolvimento informático que foi posterior. A estrutura municipal que há muito deveria ter sido modernizada e em grande medida eliminada não só existe, como é a coluna dorsal do poder corporativo da DGCI, quem manda na DGCI não é o director-geral, são os chefes dos serviços de finanças. É por isso que quando foi evidente que nas grandes cidades não se estavam a cobrar as dívidas ao fisco foi necessário “invadi-las” com funcionários vindos da província. Um único chefe de finanças, o do centro de Lisboa onde estão sediadas as grandes empresas e os grandes bancos tem mais poder do que um director-geral, mas tem um serviço que em termos organizacionais ainda não ultrapassou o século XIX.
Faz algum sentido que quando se organiza formação na direcção de finanças de faro essa formação seja ministrada em Alcoutim? Faz algum sentido a existência de um serviço de finanças em Vila Real de Santo António e outro em Castro Marim (mais as respectivas tesourarias desnecessárias), ou um em Alcoutim e outro em Mértola? Faz algum sentido existir uma direcção de finanças em cada distrito? Faz algum sentido que o director do Centro de Estudos Fiscais ou os directores de finanças de Lisboa e do Porto serem equiparados a subdirectores-gerais? Faz algum sentido o fisco ter sido regionalizado na Madeira e nos Açores não? Faz algum sentido existirem duas direcções de Finanças nos Açores? Faz algum sentido com uma fusão manter o fisco regionalizado na Madeira enquanto os serviços aduaneiros ficam centralizados (Deus nos livre de entregarem as Alfândegas ao Alberto!)? Faz algum sentido haver um subdirector-geral para a cobrança e os serviços jurídicos que tratam dessa cobrança depender de outro subdirector-geral?
É evidente que este modelo organizacional do fisco tem os seus beneficiários, alguns deles bem poderosos, não admira que muitos dirigentes locais quando vêm a Lisboa antes de irem cumprimentar o director-geral passem antes pela Rua dos Correeiros. Deste modelo organizacional depende uma imensa teia de gestão de influências que vão desde escritórios de advogados (onde pululam ex-governantes e dirigentes da DGI) a uma imensidão de técnicos oficias de contas, muitos deles grandes especialistas e menores da evasão fiscal. Na DGCI nunca houve uma reestruturação que beliscasse estes interesses, quando Sousa Franco foi ministro das Finanças ainda beliscou esta teia mas com o governo de Durão Barroso foi reposta a “normalidade”, foi o maior erro de Manuela Ferreira Leite. É uma rede tão eficaz que conseguiu convencer o governo anterior e o actual a iniciar um processo do qual não resultarão benefícios para o país mas garante que o "negócio" passe a abranger também as Alfândegas, não tanto pelo seu peso na cobranças de direitos aduaneiros, mas sim pelo imenso filão que já representam os impostos especiais sobre o consumo, algo que significa um quarto das receitas fiscais do Estado.
O problema de país não é meia-dúzia de chefes a mais no fisco, é o fisco cobrar uns milhares de milhões a menos e ser forçado a compensar a ineficácia fiscal sobrecarregando de impostos aqueles que não se podem escapar. Com a fusão conseguirão eliminar-se alguns cargos de chefia que em tempos de propaganda populista darão muito jeito, mas dela resultará muita confusão e o risco de se perderem muitos mais milhões. Uma fusão sem reestruturação apenas adiará a profunda reestruturação de que o fisco carece e da qual não só resultará mais eficácia e, em consequência, mais justiça fiscal e saúde financeira do Estado, como se eliminarão muitos mais lugares de chefia do que os que resultarão de um processo de fusão para inglês (neste caso a troika) ver.
Fraude, fraude dos grandes bancos, fraude dos políticos ao seu serviço, fraude dos sistemas (políticos) que a estes bancos e aos mercados financeiros se submetem (-por Júlio Marques Mota)
Uma peça simples mas que talvez nos permita encarar melhor o que se passa com os rufias do Tea Party (o termo rufia é do Wall Street Journal, creio) no Congresso dos Estados Unidos. Dissemos em tempos num outro post que o único Presidente a ter uma visão sobre o que deve ser feito para combater a crise seria o Presidente Obama, com as armas que dispõe e que são poucas e, lamentavelmente, não com a pressa que se exige, não com a urgência que se sente como necessária.
Daí os dias relativamente dramáticos em que o mundo esteve suspenso dos acordos obtidos no Senado quanto ao tecto da dívida dos Estados Unidos. Enquanto na Europa socialistas como Zapatero ou como François Hollande estão dispostos a vender aos mercados a Constituição do seu país laboriosamente elaborada e fruto de múltiplos e difíceis acordos entre partidos eis que, de outro lado do Atlântico, nos vem mais uma lição do combate ao grande capital pela via que ao Presidente Obama lhe é possível, lição este relatada pelo jornal "Le Temps", num artigo de ontem, dia 6 de Setembro, peça que poderão ler mais abaixo.
Aqui e agora, em Portugal, digam-me só, enquanto o país perigosamente se aproxima do que se poderia chamar de fascismo moderno e com a Europa e com Durão Barroso à frente a indicar-nos ou mesmo a impor-nos esse caminho, digam-me só, enquanto o nosso Presidente da República encaixou mais valias com o BPN que agora seremos todos nós a pagar, e sobretudo os nossos filhos, a quem as suas condições escolares serão reduzidas, a quem as protecções na saúde serão parcialmente eliminadas, digam-me só, enquanto aos grandes empresários se permitiu antecipar a distribuição de dividendos para escapar ao pagamento de impostos, digam-se só se tudo isto tem alguma a coisa a ver com a dignidade com que Obama pacientemente vai impondo justiça, como se mostra na peça do Le Temps.
Não nos custa a acreditar que por detrás dos rufias do Tea Party esteja a correr muito dinheiro, porque inegavelmente há um homem a abater pela grande banca, o Presidente Obama. Na mesma linha do texto aqui presente estão já em mira as acusações contra os grandes bancos americanos sobre as hipotecas e não basta já à Justiça americana a multa de mais de 500 milhões de dólares imposta à Goldman Sachs. Os processos irão continuar, a menos que… o Presidente caia nas próximas eleições.
Por cá temos os intelectuais de pacotilha como Braga de Macedo, antigo ministro de tempos não suficientemente distantes para não se considerar também responsável políticamente pela situação que passamos, vergonhosamente ainda ontem a considerar os paraísos fiscais como os centros de captação da poupança mundial!
De um covil de ladrões relativamente a cada país eis que os servidores dos mercados se colocam prontos a branquear os grandes centros de fugas a impostos, conferindo-lhes um sentido económico, justificando-os, portanto.
E enquanto estes e aqueles que para lá fogem com o seu dinheiro estão bem protegidos, os governos, como o nosso acaba bem de o demonstrar, estão disponíveis para saquear completamente os bolsos dos mais ou menos pobres com impostos e na maior impunidade possível.
Fazem-no assim também em nome da defesa dos usurários que se dizem agora estarem a receber apenas os seus devidos prémios de risco em função portanto, como diz o senhor Ministro das Finanças actual, da sua própria percepção de risco. Como percepção é subjectiva, é pessoal, nada a dizer, dizem-nos, apenas há que pagar. E assim se passa a chamar aos paraísos fiscais o nome pomposo e nada inocente de centros de captação de poupança! É preciso imaginação, é preciso descaramento.
Em tempo de crise, como se vê agora, temos Obama por um lado e os servidores do grande capital por outro e com estes no extremo bem oposto ao do Presidente Obama. E estes bons servidores têm estado em Portugal desde há anos, pela mão de Sócrates primeiro e agora aceleradamente pela mão do menino de Massamá em primeiro-ministro transformado a impor ao nosso país uma cavalgada para o abismo na ânsia de bem servir os grandes mercados financeiros, as grandes fortunas que nestes mercados se fazem e destes se alimentam, muitas delas bem abrigadas nos paraísos fiscais, isto é, na nova terminologia, nos centros de captação de poupança. Poupem-nos dos Braga de Macedo, poupem-nos dos Nogueira Leite, poupem-nos dos José António Mendes Ribeiro.
E quanto ao senhor antigo ministro, Braga de Macedo, tomo a liberdade de lhe sugerir algumas leituras sobre o que são os paraísos fiscais, os seus centros de captação de poupança afinal, e aqui lhe deixo as minhas recomendações:
1. audição no Senado sobre a UBS, o maior banco à escala mundial em captação de poupança, o maior banco à escala mundial em gestão de fortunas.
2. Tax havens: how globalization really works. Ronen Palan, Richard Murphy and Christian Chavagneux,Ithaca,NY: Cornell University Press 2010.
3. E necessariamente Eva Joly em:
a. La force qui nous manque, Editions Les Arènes 2007.
b. La grande évasion: le vrai scandale des paradis fiscaux, de Xavier Harel com prefácio de Eva Jolly (2010)
d. Au-delà des apparences, l'utilisation des entité juridiques a des fins illicites, OCDE, 2002.
E trata-se, creia-me, de livros francamente recomendáveis a quem parece não saber o que são paraísos fiscais para lhes chamar centros de Captação de Poupança. Ignorância ou desonestidade são termos em que temos insistido e que aqui também se aplicam. Sabendo porém atráves do próprio James Galbraith que este é amigo de Braga de Macedo sou levado então a acreditar que se trata então de ignorância e a ser assim aqui lhe recomendo que vença a sua ignorância, recomendação que sistematicamente faço aos meus alunos o que, a partir de agora, nunca mais farei pois, cansado das reformas que os neoliberais pela mão de socialistas considerados impuseram às Universidades, vou‑me embora, vou passar à situação de reformado...
Para os que desejam saber um pouco mais sobre estas questões, em anexo forneço uma lista um pouco mais longa sobre Paraísos Fiscais pois pode ser que pessoas como o nosso ex-ministro Braga de Macedo estes temas queiram bem desenvolver. Aproveito esta ocasião para disponibilizar a todos os estudantes, a todos os visitantes e leitores de aviagemdosargonautas, um texto da OCDE, «Au-delà des apparences, l'utilisation des entités juridiques a des fins illicites, OCDE, 2002, dificilmente encontrável na Internet até porque por esta Instituição foi retirado do seu site.
Neste último documento pode-se ver bem qual a vergonha do sistema financeiro internacional que pelos neoliberais foi instalado, e vê-se tão bem que até a muito neoliberal OCDE se sentiu obrigada a retirar o texto sobre os paraísos fiscais. Não esqueçamos que os paraísos fiscais são parte integrante do sistema financeiro moderno e, de resto, uma peça fundamental no conceito de optimização fiscal das grandes empresas e das grandes fortunas (leia-se fuga aos impostos legalmente). Curiosamente é também pela falta de receitas, de impostos pagos acrescente-se, que justificam andarem-nos agora, a nós trabalhadores, legalmente a roubar, enquanto muitos de nós passivamente neles andamos a votar. Eu, isso não fiz, mas disso sou vítima, como vítima é agora a maioria do povo português.
Fraude e ultimato do fisco americano ao Credit Suisse
Fraude, L’ultimatum des Etats-Unis plonge la Suisse dans une situation inextricable
(- François Pi, 6.9.2011, Le TEMPS, Suiça).
Os Americanos exigem informações de agora para hoje, imediatas. A solução proposta pela Suíça tem poucas possibilidades de ser bem sucedida.
Apresentar o assalto americano contra o Credit Suisse como uma repetição em tudo semelhante ao processo UBS não seria, de facto, muito exacto. No primeiro caso, o fisco americano (IRS- Internal Revenue System) tinha fundamentado os seus pedidos em documentos internos do banco, roubados pelo antigo empregado da UBS Bradley Birkenfeld, nos quais os seus colegas tinham meticulosamente estabelecido o número dos seus clientes em fraude para com o fisco americano.
Com o banco Credit Suisse, os Estados Unidos pedem à Suíça que proceda ela própria à contagem. O resultado deve ser comunicado ao Departamento da Justiça hoje. Na falta de resposta adequada um ou vários bancos de entre a dezena dos bancos visados na esteira do comportamento de Credit Suisse correm o risco de serem acusados de ajudarem à fraude fiscal.
Como foi revelado à imprensa dominical, este ultimato é feito através de uma carta dirigida no dia 31 de Agosto ao diplomata Michael Ambühl pelo ministro-adjunto da Justiça, James Cole. Este coloca a Suíça numa situação inextrincável. Responder a esta carta, tanto quanto o direito suíço o permite, representaria uma dupla confissão de culpabilidade e de fraqueza. Não o fazer poderia levar daqui a alguns dias a um segundo processo do tipo que foi feito contra a UBS, quando, no início de 2009, as autoridades suíças tiveram que ceder na urgência às exigências americanas para evitar represálias dramáticas contra um banco demasiado grande para poder falir.
Os negociadores suíços sabem desde há meses que o inquérito conduzido pelo fisco americano IRS contra o Credit Suisse saldar-se-á de uma maneira ou outra pela entrega de milhares de nomes de clientes e pelo pagamento de uma pesada multa. Sem dúvida fartos pela lentidão destas negociações, os Americanos quiseram talvez colocar um sinal forte das suas intenções. Por seu lado, os Suíços esperam ainda poder responder às exigências americanas por um pedido de entreajuda administrativa gigante, tornada possível pela nova convenção de dupla imposição, acordada em 2009, que autoriza “os pedidos de informações agrupadas”.
Problema: se o Parlamento suíço validou devidamente esta convenção que abre uma nova brecha no sigilo bancário, o Senado americano não parece quanto a ele apressado sobre esta matéria. “Desde há meses que dizem que o vão fazer, mas não se passa nada”, suspira um funcionário federal. Os Suíços esperam que o Parlamento americano aprove este texto aquando da sua próxima sessão, em meados de Setembro.
Ora os Americanos têm todos as razões do mundo para desconfiar desta solução. Ainda que a convenção seja enfim assinada, os futuros pedidos de entreajuda não permitiriam a identificar as contas detidas antes da data da sua entrada em vigor, em Setembro de 2009. E como o mostram os inquéritos do fisco americano contra Credit Suisse e vários outros bancos, é precisamente durante a segunda metade de 2009 que os contribuintes americanos se começaram a preocupar com as consequências do ataque judicial lançada contra a UBS.
Em Setembro de 2009, Credit Suisse transferia activamente os seus clientes indesejáveis para bancos dos cantões como os bancos de Zurique ou de Basileia, e nomeadamente para Julius Baer e Wegelin. Muitos outros eram deslocados para Singapura. “Um pedido de entreajuda limitada a após Setembro de 2009 correria o risco de dar resultados muito imprecisos”, confirma um advogado que assistiu a algumas destas transferências. “Isto facilitaria a vida ao Credit Suisse, mas meteria Julius Baer e Wegelin em sérias dificuldades”, explicou.
“Receber um pedido de entreajuda e ter que responder que a maior parte das contas já tinha sido fechada antes do fim de 2009 poria a Suíça numa posição muito incómoda”, teme uma fonte em Berna.
A carta de James Cole exige o número de todas as contas detidas por contribuintes americanos, a partir de 50 000 dólares. E isto a partir de 2002. Identificar o conjunto desde esta data exigiria um novo acordo semelhante ao que foi feito para o caso de UBS, o que não é admitido pelo lado suíço.
Na conferência de imprensa em que divulgou a taxa extraordinária de IRS o ministro das Finanças referiu-se brevemente à evasão fiscal fazendo passar a opinião de que em Portugal o fenómeno não é preocupante. Compreende-se o raciocínio do ministro das Finanças, no momento de impor mais um robusto programa de austeridade o debate da justiça e equidade fiscais é inconveniente, o prioritário é cobrar mais impostos e a melhor forma de conseguir esse resultado é indo directamente aos rendimentos dos que não se podem escapar.
Nos últimos anos a mentira de que tinha havido sucesso no combate à evasão fiscal, a grande invenção do marketing do bem-sucedido gestor dr. Macedo, tornou-se uma mentira conveniente para todos os governantes, Manuela Ferreira Leite colou-se ao suposto sucesso do dr. Macedo e o mesmo fez Teixeira dos Santos que não se cansou de exibir resultados até ao dia em que teve de pedir ajuda externa.
O dr. Macedo pouco ou nada fez para combater a evasão fiscal, aliás, pouco ou nada fez para mudar a máquina fiscal, ao contrário do que fez crer a sua propaganda. Limitou-se a aproveitar-se dos investimentos em novas tecnologias e para, beneficiando de ideias alheias, recuperar uma parte importante das dívidas fiscais, isto é das dívidas de contribuintes que contribuindo com as suas obrigações declarativas não pagavam os impostos liquidados, por falta de meios ou aproveitando-se da inércia resultante da imensa burocracia do fisco. Quanto à chamada economia paralela nada se fez.
Não há localidade deste país onde se ande cem metros sem nos cruzarmos com actividades económicas que funcionam à margem do fisco ou que iludem as leis fiscais, são centenas de actividades económicas que alimentam a cada vez maior economia paralela. Qualquer português sabe que nenhum restaurante, nenhuma oficina de reparação automóvel, sucateiro, empresa de construção civil paga todos os impostos a que estão obrigados.
Ainda ontem a magistrada Cândida Almeida alertava que a fraude fiscal é mais preocupante do que a corrupção, uma posição claramente contrária à do ministro das Finanças. É a diferença entre quem tem do país um conhecimento da realidade e quem o conhece através de indicadores e de relatórios.
A evasão fiscal existe, não tem sido combatida de forma eficaz e é cada vez maior. Pior, tem tido acolhimento por parte de muitos juristas que têm sido secretários de Estado dos Assuntos Fiscais que sendo muito sensíveis aos argumentos dos seus clientes que, em regra, têm conflitos com a Administração Fiscal por serem apanhados em situações de incumprimento, não se cansa de inventar mecanismos de recurso. O resultado é estarem nos arquivos dos tribunais tributários cerca de treze mil milhões de euros.
A evasão fiscal não alimenta apenas o contribuinte faltoso, alimenta também uma imensa classe parasita de advogados e juristas especializados em fiscalidade que, para mal deste país, tem dominado os gabinetes ministeriais.
O buracão com os medicamentos (do jornal «O Médico»)
A direcção das farmácias tem vindo a ser abandonada pelos farmacêuticos e a ser ocupada por toda a sorte de "investidores"; por outro lado, o regime jurídico da farmácia tem assistido a vários ziguezagues e remendos avulsos, sem que ninguém fiscalize nada. Portanto, não será generalizado mas devem ser crescentes situações como esta:
«- Uma grande fraude que se está a passar nas farmácias.»
- Ai sim? Ora conte lá isso...
- O senhor jornalista lembra-se de quando ia aviar remédios à farmácia e lhe cortavam um bocadinho da embalagem e a colavam na receita, que depois era enviada para o Ministério da Saúde, para reembolso às farmácias?
- Lembro, perfeitamente... Mas isso já não existe, não é verdade?
- É... Agora é tudo com código de barras. E é aí que está o problema...É aí que está a fraude. Deixe-me explicar: como o senhor sabe, há muita gente que não avia toda a receita. Ou porque não tem dinheiro, ou porque não quer tomar um dos medicamentos que o médico lhe prescreveu e não lhe diz para deixar de o receitar. Ora, em algumas farmácias - ao que parece, muitas - o que está a acontecer é que os medicamentos não aviados são na mesma processados como se o doente os tivesse levantado. É só passar o código de barras e já está. O Estado paga.
- Mas o doente não tem que assinar a receita em como levou os medicamentos? - Perguntei.
- Tem. Mas assina sempre, quer o levante, quer não. Ou então não tem comparticipação...Teria que ir ao médico pedir nova receita...
- Continue, continue – Convidei
- Esta trafulhice acontece, também, com as substituições. Como também saberá, os medicamentos que os médicos prescrevem são muitas vezes substituídos nas farmácias. Normalmente, com a desculpa de que "não há... Mas temos aqui um igualzinho, e ainda por cima mais barato". Pois bem: o doente assina a receita em como leva o medicamento prescrito, e sai porta fora com um equivalente, mais baratinho. Ora, como não é suposto substituírem-se medicamentos nas farmácias, pelo menos quando o médico tranca as receitas, o que acontece é que no processamento da venda, simula-se a saída do medicamento prescrito. É só passar o código de barras e já está. E o Estado paga pelo mais caro...
Como o leitor certamente compreenderá, não tomei de imediato a denúncia como boa. Até porque a coisa me parecia simples de mais. Diria mesmo, demasiado simples para que ninguém tivesse pensado nela. Ninguém do Estado, claro está, que no universo da vigarice há sempre gente atenta à mais precária das possibilidades. Telefonei a alguns farmacêuticos amigos a questionar...
- E isso é possível, assim, de forma tão simples, perguntei.
- É!... Sem funfuns nem gaitinhas. É só passar o código de barras e já está, responderam-me do outro lado da linha.
- E ninguém confere? - Insisti.
- Mas conferir o quê? - Só se forem ter com o doente a confirmar se ele aviou toda a receita e que medicamentos lhe deram. De outro modo, não têm como descobrir a marosca. E ó Miguel, no estado a que as coisas chegaram, com muita malta à rasca por causa das descidas administrativas dos preços dos medicamentos... Não me admiraria nada se viessem a descobrir que a fraude era em grande escala...
E pronto... Aqui fica a denúncia, tal qual ma passaram...
P.S.
Quase de certeza que quem promoveu tal legislação sabia que isso iria suceder, o nosso legislador não é ingénuo, é gente muito bem preparada e assessorada em certos escritórios de advogados e apoiada em bons pareceres jurídicos.
Como diria o poeta “ o povo é que paga, o povo é que paga...”