Elogio da austeridade
(-por Rui Herbon, 12.06.15, delito de opinião)
Zygmunt Bauman – que introduziu o conceito de modernidade líquida, a do precário, inseguro e volátil – analisou o fenómeno à escala mundial e denunciou a transformação do consumo, que passou a ser CONSUMISMO. Trata-se de uma corrida vertiginosa em direcção à novidade pela novidade em si mesma, onde o prazer já nem sequer reside no que se tem mas no que se adquire, onde as mercadorias caducam de um dia para o outro e não há limites aos desejos humanos, condenados por isso a estarem sempre insatisfeitos.
George Miller, um neodarwinista norte-americano, vê o MARTKETING como o invento mais importante dos últimos milénios porque é a única invenção que apareceu para dar real poder económico às pessoas, isto é, o poder de fazer com que os nossos meios de produção transformem o mundo natural num pátio de recreio para as paixões humanas. E questiona-se se na sua versão moderna o marketing é algo bom ou mau. Aponta como positivo o facto de o marketing PROMETER uma idade dourada na qual as instituições sociais e os mercados são organizados para maximizar a FELICIDADE humana (o que a ciência faz para a percepção, o marketing promete para a produção). Aponta como NEGATIVO o facto de o marketing nos INDUZIR a COMPRAR coisas que na realidade não necessitamos e que, mais do que desordenar as nossas casas ou garagens, corrompe as nossas almas.
Com o fenómeno do consumismo tem relação natural o seu oposto: a AUSTERIDADE. Tony Judt, historiador falecido em 2010, relatou numa crónica na New York Review, intitulada "Austerity", memórias da sua juventude inglesa. Reconhece que aos olhos dos seus filhos é uma relíquia da era da inocência tecnológica. Tem, num tempo de substituições imediatas para qualquer coisa que falhe ou falte, costumes tão arcaicos como percorrer o seu apartamento reparando pequenas coisas, apagando luzes que não fazem falta, fechando torneiras que gotejam, guardando sobras de papel. Os filhos comentam com os amigos que o pai criou-se na pobreza. Ele corrige-os: eu cresci foi na austeridade.
Recorda que depois da guerra havia falta de tudo em Inglaterra. A roupa foi racionada até 1949, os móveis até 1952, a comida até 1954. O racionamento era para uma criança uma coisa natural. A sua mãe administrava tudo rigorosamente, inclusive as guloseimas.
O governo trabalhista do pós-guerra melhorou as coisas: tiveram, por exemplo, fácil acesso a leite e a sumos de citrinos. Os racionamento e os subsídios faziam com que satisfazer as necessidades básicas da vida fosse algo ao alcance de todos. Desde 1945 até meados dos anos 60 funcionou um programa em larga escala de construção de habitações MODESTAS mas DIGNAS.
Havia CARÊNCIAS, mas tudo era tolerável particularmente porque existia solidariedade nas famílias. Até os ricos se tornaram mais modestos, menos OSTENSIVOS, menos dirigidos ao consumo conspícuo.
Contemplando aquelas circunstâncias a partir da perspectiva actual, Tony Judt vê as virtudes desse tempo de RELATIVA POBREZA. Pessoalmente, ele não desejaria o seu retorno, mas recorda que a austeridade não se vivia só como uma condição económica das pessoas: aspirava a uma ÉTICA pública. Clement Attlee, um homem modesto que foi primeiro-ministro trabalhista entre 1945 e 1951, encarnou as reduzidas expectativas da época. Representava a classe média reformista, moralmente séria e austera. Quem, pergunta-se Judt, entre os actuais líderes dos países prósperos poderia pretender o mesmo, ou sequer entendê-lo? Explica que a seriedade na vida pública é, como a pornografia, algo que é difícil definir mas que se reconhece quando se vê. Ela significa COERÊNCIA de intenção e acção, uma ética de RESPONSABILIDADE pública.
Agora temos uma visão empobrecida da comunidade: a solidariedade no consumo é tudo o que nos identifica com aqueles que nos governam. Se queremos melhores líderes, devemos aprender a pedir mais deles e menos para nós. Enfim, um pouco de austeridade.
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A austeridade aqui elogiada nada tem a ver com a definição que a palavra agora parece ter tomado (em exclusivo e erradamente). Uma coisa é certa: os povos austeros por natureza raramente chegam à presente austeridade.
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----R. Herbon:
Vivemos numa sociedade da abundância (aparente e fomentada pelo crédito que, como se viu, um dia cobra a sua factura) onde as pessoas cada vez são mais infelizes.
Não me recordo quem escreveu (...) que a felicidade fica a meio caminho entre a escassez e o excesso. Não tenho dúvida disso.
----P.Correia:
Tantas vezes me tenho interrogado sobre isto também - a necessidade reaprendermos a viver com menos para conseguirmos ser melhores do que somos.
Imersos nestas sociedade pós-modernas europeias que durante algumas décadas fez da cultura do desperdício uma bandeira, perdemos o contacto com o essencial.
... "a austeridade não se vivia só como uma condição económica das pessoas: aspirava a uma ética pública."
------ jj.amarante:
Precisamos portanto de lançar mais impostos sobre os muito ricos para trazer, também a eles, os benefícios da austeridade! ...
------lucklucky:
"Trata-se de uma corrida vertiginosa em direcção à novidade pela novidade em si mesma,
onde o prazer já nem sequer reside no que se tem mas no que se adquire,
onde as mercadorias caducam de um dia para o outro"
Pelos vistos esta "igualdade" em que um pobre pode comprar um produto que há 10 anos nem um rico poderia ter, é má...
------Vento:
A austeridade não é uma medida que se impõe, é também uma atitude natural face às circunstancias.
Aquilo que no presente definem como austeridade não passa de uma medida que visa suprir a perda de resultados de uns em DETRIMENTO do bem-estar de outros.
É esta, como exemplo, a medida preconizada pelos austeros Passos e Portas e outros mais que no aconchego do conforto de seus gabinetes, proporcionado pela massa de cidadãos com e sem recursos, e com ordenados garantidos ao final do mês, pagos por essa mesma massa de anónimos, debitam leis, refundações e reformas que simplesmente refodem o que outros iniciaram.
É muito fácil pedir essa austeridade quando a simples equação de TIRAR, literalmente, o que FAZ FALTA a uns para SOBREVIVER e o colocar nas mãos dos que já TÊM e não o usam para reverter o ciclo que eles mesmo implementaram, está na ordem do dia.
É necessário que se EDUQUE para REJEITAR o SUPÉRFLUO concentrando-nos no essencial.
Mas este ESSENCIAL não pode ser comparado ao essencial do passado.
Mas esta austeridade que na realidade vivemos eu já a vejo há muito tempo: em África, sem me esquecer do Biafra; na América-Latina; a miséria do Subcontinente indiano que reforça a ideias das castas para justificar a "austeridade"; mas também em muitas partes da Ásia e da Europa de Leste; e no underground mundo AUSTERITÁRIO nos EUA.
Na realidade, Passos e Portas, e em geral o PSD/CDS, unidos aos demais aprendizes do Club de Bilderberg dispersos pela Europa, instituições europeias e Internacionais, sem esquecer a ONU e o FMI, assimilaram e vivem, tal como respiram, esta mentalidade super-elitista para si e quarto-mundista para todos os outros...
------ Zé T.:
o AUSTERITARISMO está associado ao NEOLIBERALISMO que enviesa a economia e a política a favor da Finança global e da Oligarquia económica para estes poderem Saquear os recursos comuns e Explorarem ainda mais os trabalhadores e a classe média, os contribuintes, os consumidores e os pequenos produtores !!.
No fundo as Elites que preconizam estas políticas e os governantes fantoches e capatazes que as aplicam,
promovem o empobrecimento geral a favor de uma minoria, e
em vez de desenvolvimento e mais igualdade e cidadania, solidariedade e Humanismo,
promovem as favelas, a injustiça e desigualdade, o crime, a violência e a perda de direitos Humanos, sociais, políticos, laborais e ambientais.!!.
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