Nota prévia: Por princípio sou contra postagem extensas, mas considerei ser tão importante que merecia abrir uma excepção...
Entrevista a Kevin Dutton
Por: Nicolau Ferreira [Público] 13/06/2014
Um psicopata puro não vê o outro como uma pessoa, mas como uma peça no seu tabuleiro de necessidades. Todos nós podíamos usar uma dose q.b. de características dos psicopatas, defende o psicólogo britânico Kevin Dutton.
O empresário Steve Jobs, o astronauta Neil Armstrong ou o apóstolo São Paulo são apresentados por Kevin Dutton, psicólogo e investigador da Universidade de Oxford, no Reino Unido, como exemplos de pessoas famosas com características associadas à psicopatia. O Que Podemos Aprender com Os Psicopatas, livro editado agora pela Lua de Papel em que o investigador defende que alguns traços da personalidade dos psicopatas, podem ser uma mais-valia para todos nós.
Implacabilidade, charme, concentração, resistência mental, ausência de medo, atenção plena e capacidade de agir são traços dos psicopatas, mas que também nos tornariam heróis na mesa de cirurgia ou numa acção militar de resgate. É só preciso não deixar para trás a empatia.
Por que é que começou a estudar os psicopatas?
Há uma razão pessoal e uma científica. O meu pai era psicopata. Não era um homem violento, era um comerciante, extremamente sedutor e carismático, calmo, nunca perdia a cabeça, não tinha medo de nada. […]
Há também uma razão científica: quando comecei a fazer investigação na psicopatia queria acabar com o mito de que ser um psicopata é uma coisa puramente má. Se um marciano chegar à Terra e for trabalhar para um hospital onde só trata das pessoas com problemas relacionados com o Sol, cancro de pele, escaldões, vai pensar que o Sol é mau e que é preciso tapar o Sol. Mas sabemos que o Sol não é mau, excepto se ficarmos expostos a grandes doses, mas em pequenas doses fazem-nos bem. O meu argumento é o mesmo. Se ficarmos completamente expostos à psicopatia, apanharemos um cancro da personalidade, mas em menores doses pode ser benéfico, a personalidade fica bronzeada.
E por que é que há um fascínio pelos psicopatas?
Quando pergunto às pessoas “se o pudesse transformar num psicopata durante meia hora, e ao fim desse tempo tudo ficasse outra vez normal, não haveria nem repercussões morais ou legais, o que faria?”, há duas respostas. Um grupo diz que encontraria as pessoas que lhe andaram a fazer mal ao longo de anos, e vingava-se delas. O outro diz que procuraria a pessoa que tinha amado a quem nunca tinha tido tomates para dizer isso e, finalmente, dizia-lho.
A chave da questão é não haver consequências. Os psicopatas são assim. […] Os psicopatas estão-se nas tintas sobre o que as outras pessoas pensam deles. […] Isto torna os psicopatas fascinantes. Por um lado, são muito perigosos, e temos um fascínio pelo perigo e pela morte. Os psicopatas dos assassínios em série, são a morte na sua forma mais implacável, têm aqueles olhos desprovidos de emoção, aquela lógica inexorável. Mas acho que nós, secretamente, também queremos ser assim, mas não temos coragem. Temos medo das consequências.
O que podemos aprender com eles?
Os psicopatas não procrastinam (não adiam, não protelam). Se querem fazer uma coisa, fazem-na logo. Um dos maiores problemas no negócio e em qualquer aspecto da vida é que muitas vezes adiamos as coisas. Os psicopatas nunca adiam. Estão muito virados para a recompensa. Se querem alguma coisa, vão atrás dela. Muitos de nós têm medo da rejeição, de falhar. Se há um preço a pagar por algo, os psicopatas não vêm o lado negativo, atiram-se ao positivo. […]
Termina-se o seu livro e não há uma resposta que diga o que faz com que um psicopata mate pessoas. Qual a razão de haver um pequeno grupo de pessoas psicopatas que saem para a rua e disparam contra outros?
Há duas outras características que devem entrar na mistura da psicopatia: a inteligência e a agressividade. Um psicopata com um mau início de vida em termos sociais, pouco inteligente e naturalmente violento não é uma boa combinação. É provável que acabe por ser um bandido de baixo nível ou pertencer a um gangue criminoso. Em ambos os casos vai acabar na prisão. Se retirar a violência da equação, poderá ser um ladrão, um vigarista menor, um traficante de droga ou um proxeneta. De qualquer maneira, vai acabar também na prisão. Mas se não é naturalmente violento, tem um bom início de vida e é inteligente, então é mais provável que venha a ser o melhor nos mercados financeiros. O mais interessante é que se for um psicopata inteligente e violento, então pode acabar nas forças especiais ou ser o cabecilha de uma rede criminosa.
Há também a impulsividade, a incapacidade de adiar a gratificação, que se correlaciona com a inteligência. Quanto mais inteligente for, menos impulsivo tenderá a ser.
Mas se não é naturalmente violento, tem um bom início de vida e é inteligente, então é mais provável que venha a ser o melhor nos mercados financeiros.
Então a violência é outro campeonato?
Sim. A violência não vem necessariamente com a psicopatia. Lidei com muitos psicopatas vigaristas que não eram violentos, mas seriam impiedosos a tirar todo o seu dinheiro e deixá-lo sem nada, destruiriam a sua vida sem um lampejo de consciência:
Psicopatas vigaristas que seriam impediosos a tirar todo o seu dinheiro e a deixá-lo sem nada, destruiriam a sua vida sem um lampejo de consciência.
E em relação à empatia: Desmond Tutu, o activista sul-africano, disse que “uma pessoa só é uma pessoa se reconhecer os outros como pessoas”. Os psicopatas reconhecem os outros como pessoas?
Os psicopatas puros, não. Não teriam nenhuma empatia. E as outras pessoas são apenas peças de xadrez com que eles jogam.
Mas é aqui que as coisas complicam. Entrevistei neurocirurgiões de topo e um deles disse-me: “Imagine que tem os meios para ser um cirurgião de topo. Tem a visualização do espaço necessária para isso, tem a mão, a destreza, o conhecimento médico. Mas falta-lhe a capacidade para se desligar emocionalmente da pessoa que está a operar, então não vai conseguir operá-la.” A empatia, como Desmond Tutu disse, é muito importante, mas não é sempre importante.
No livro entrevista um cirurgião que diz ter aprendido a deixar de parte a empatia na sala de cirurgia. Mas isso é um treino, não é aprender a ser psicopata. Sim, chama-se regulação emocional. O argumento do livro é que se pensarmos em traços psicopatas — como ser-se impiedoso, não se ter medo, ter concentração, calma quando se está sob pressão, carisma, charme, e claro a falta de empatia e a falta de consciência —, estes traços não são preto ou branco. Estão dentro de um espectro e não há uma mistura certa destes traços que seja definitiva e correcta. Depende do contexto, da combinação e do grau de cada traço. Algumas profissões vão exigir que alguns botões estejam mais acima da média: a cirurgia, a advocacia, ser-se militar ou empresário.
Não estou a dizer a toda a gente para se tornar psicopata, senão a sociedade desintegrar-se-ia. O que digo é que às vezes estas características são boas.
No livro, os psicopatas aparecem como uma invenção tardia da natureza, quando nos tornámos gregários e começámos a viver em comunidade.
[…] Houve sempre uma necessidade nas sociedades para pessoas impiedosas e sem medo, como os caçadores. Ou pessoas que são charmosas e carismáticas. Ou que são boas a dizerem mentiras, como os espiões. O representante de tudo isto é James Bond, ele é um exemplo brilhante de um psicopata funcional: impiedoso, não tem problemas em matar, em trair pessoas, não tem medo, é calmo sobre pressão. Conheço pessoas que são uma cópia do James Bond.
As pessoas estão mesmo a tornar-se mais psicopatas?
A teoria dos jogos mostra que uma sociedade só com psicopatas vai desmoronar-se, porque eles vão matar-se uns aos outros. Quando se chega a um rácio crítico,
as pessoas que não são psicopatas começam a prosperar, porque interagem entre si e isolam os psicopatas. Nessa altura, deixa de ser vantajoso ser um psicopata criminoso. Por isso, nunca iremos ter uma sociedade de psicopatas. Mas sempre que temos uma sociedade apoiada em pessoas boas e de confiança haverá alguns que funcionam contra o sistema.
“As sociedades sempre precisaram de pessoas impiedosas, charmosas e que mentem”