«E agora, senhoras e senhores, a “guerra contra o terror”! Pensando bem, nela já estávamos desde o 11 de Setembro, mas em cada nova curva desta eterna história do
Ocidente cercado de inimigos reemerge esta retórica paranóica do “isto agora é a sério!” Ou seja, depois das guerras mundiais e das guerras coloniais do séc. XX,
passámos a viver num estado de guerra perpétua? Não se dizia que o fim da Guerra Fria trouxera o
Fim [feliz]
da História? Onde ficou tudo quanto se disse sobre o triunfo de um modelo de sociedade capitalista e radiante, de um
way of life que só o Ocidente soubera criar e que lhe cabia ensinar ao resto do mundo?... (...)
Levante-se, portanto, a nação em armas, e que se deixe de “bons sentimentos” e de “acolhimento generoso”! Guerra é guerra! Requer disciplina social, como a imposta pelo estado de emergência em França, ou suspendendo normas previstas na Declaração Universal de Direitos Humanos (incluindo a interdição da tortura), como se fez nos EUA, no Reino Unido ou, desde há semanas, em França. Requer mais recursos, como os que vêm pedindo os falcões de serviço para os orçamentos militares, dispensando qualquer limite de endividamento público. E requer soldados, como os muitos que agora acorrem aos centros franceses de recrutamento (de 100-150/dia em 2014, passou-se para 1500 desde os atentados de 13 de Novembro — cf. Le Monde, 19.11.2015).
Espero que ninguém julgue que tudo isto se faz sem consequências para a democracia, sem riscos para a nossa liberdade e a nossa segurança. E não falo apenas de segurança perante a violência dos terroristas, mas perante a (violência) dos Estados que se dizem em guerra contra o terror. Quantos inocentes já foram, e vão ser, vítimas da sua violência? Não falo só de Guantánamo ou das prisões ilegais da CIA; falo de centenas de franceses cujos direitos têm sido violentados desde que o Governo impôs o estado de emergência, sujeitos a interrogatórios violentos sem que contra eles um juiz tenha pronunciado uma só acusação, cujas casas são rebentadas! Não se julgue que se trata apenas de cidadãos de religião muçulmana, tão franceses como os demais; falo de activistas ecologistas e/ou daqueles que se manifestam contra os abusos policiais.
Como diz um centro de investigação da Queen Mary University (Londres),
“o contraterrorismo” tem sido pretexto “para tornar sistémica a violência de Estado e para reprimir a oposição de qualquer natureza política: social ou religiosa, de protesto ou separatista. (…) Conflitos armados de longa duração entre atores estaduais e não estaduais têm sido
transformados em guerras domésticas contra o terror, minando os princípios do Direito Internacional que gere o uso legítimo da violência.” (
Building Peace in Permanent War, International State Crime Initiative&Transnational Institute, 2015)» --
Manuel Loff (via Entre as brumas..., 5/12/2015, JL)