21.6.14
Corrupção dos poderosos, pequenos vícios dos de baixo
«Não aceito a culpabilização sistemática dos mais pobres e mais fracos e da classe média,
por terem vivido “acima das suas posses”, mesmo quando não o fizeram.
E mesmo quando havia uma casa a mais, um carro a mais, um ecrã plano a mais, um sofá a mais, um vestido ou um fato a mais, umas férias a mais, uma viagem a mais,
recuso-me a colocar estes “excessos” no mesmo plano moral dos “outros”.
Algum moralismo salomónico, que coloca no mesmo plano a corrupção dos poderosos e dos de cima
com os pequenos vícios dos de baixo e do meio,
tem como objectivo legitimar sempre a penalização punitiva de milhões para desculpar as dezenas.
É por isto que esta crise corrompe a sociedade e vai deixar muitas marcas, mesmo quando ninguém se lembre de Portas e de Passos.»
José Pacheco Pereira, no Público de hoje. http://entreasbrumasdamemoria.blogspot.pt/
UM ESTADO DE CRIMINOSOS RICOS
2014/6/24
No meio do ruído dos futebóis e das querelas partidárias, na mansidão provocada pelo unidimensional comentário televisivo e pelo cinzentismo generalista que marcam as ideias veiculadas na imprensa, o artigo que José Pacheco Pereira publicou, no último sábado, no "Público", soa a um alarme contra a paz podre que hoje se vive na sociedade portuguesa. Num texto intitulado "Só com os criminosos pobres é que não se pode comer à mesa", o historiador explica como "algum moralismo salomónico que tem como objectivo legitimar a penalização punitiva de milhões para desculpar as dezenas", mostrando a realidade dicotómica e profundamente desigual, que marca o funcionamento das instituições face ao comum dos mortais e aos detentores de grandes grupos financeiros.
O texto de Pacheco Pereira vai à raiz dos problemas, não esquece "a completa promiscuidade com o poder político" sublinhando, até, a tipologia da movimentação destes senhores em relação ao poder político dominante: "Os Espírito Santo frequentavam os gabinetes de Sócrates, elogiaram-no até ao dia em que o derrubaram, quando os seus interesses estavam em causa pela ameaça de bancarrota. O dinheiro fluiu nos contratos swap, usados e abusados pela governação socialista, e as PPP contaram com considerável entusiasmo da banca nacional e internacional". Mas Pacheco Pereira não vê apenas a árvore - vê a floresta. E explica que "o actual governo mereceu também da banca todos os elogios e retribuiu em espécie, impedindo que qualquer legislação que deminuisse os lucros da banca passasse no Parlamento ou ficando como penhor de bancos que em condições normais iriam à falência, mesmo numa altura que já era difícil alegar crise sistémica". Toca, aliás, o historiador, num caso sintomático, de bradar aos céus, que é o da "transumância de lugares com a banca tanto mais reforçada quanto a sua relação como os "mercados" passava pela intermediação financeira quer em Portugal, quer fora, e a desertificação das chefias da função pública, atiradas para a rua pela demagogia do diminuir os "lugares de chefia", entregou áreas importantes do Estado a consultoras financeiras e à advocacia de negócios". E sobram no texto os exemplos dessas acções nefastas que são vírus letal no coração do Estado.
Mas o que ´ºe mais significativo no artigo de Pacheco Pereira é o retrato da completa impunidade com que actua o sector bancário, em Portugal. Vejam os leitores o que diz o historiador. A transcrição é um pouco longa, mas vale a pena ler:
"E é crime sem castigo, ou com leve castigo, porque não se percebe como banqueiros envolvidos em evasão fiscal e manipulação de contas (para usar o politicamente correcto, porque se não fosse assim seriam falsificações de contas, contabilidades paralelas, "esquecimentos" de declarar ao fisco milhões de euros,uso quotidiano de off-shores para esconder operações financeiras, etc...etc.) não são imediatamente impedidos de exercerem actividades na banca, acto que depende dos reguladores, mesmo antes da justiça se pronunciar sobre os eventuais crimes cometidos, se é que vai alguma vez pronunciar-se.
A completa desresponsabilização sobre a crise dos últimos anos, desencadeada pelo sistema financeiro, mas de que, no fim, este veio a beneficiar, marca moralmente como uma doença a sociedade da crise em que vivemos. O que choca as pessoas comuns e é uma fonte enorme de descrença da democracia e de sentimento de injustiça propício a todos os populismos, é que ninguém imagina que um ministro,primeiro-ministro ou Presidente se fosse sentar à mesa com alguém que tivesse desviado uns poucos milhares dos seus impostos ou tivesse um restaurante, uma barbearia, ou uma oficina de automóveis em modo de"economia paralela", enquanto todos viram nos últimos anos, em plena crise, conviver agradecidos e obrigados com estes homens que aparecem agora nos jornais como se tendo "esquecido" de declarar milhões de euros ao fisco ou estando à frente de instituições bancárias que emprestaram a amigos e familiares muitos milhões de que não se sabe o rasto, e tinham contabilidades paralelas.
É por tudo isto que não aceito a culpabilização sistemática dos mais pobres e mais fracos e da classe média, por terem vivido "acima das suas posses", ...
a Choldra !
De concessão PT ... e contribuinte paga ! a 26 de Junho de 2014 às 16:28
Bem feito
O eng. Bava é uma pessoa amável que tive o prazer de conhecer noutra encarnação. Até foi condecorado, a título de vivo, no último 10 de Junho.
Mas a "sua" PT sempre beneficiou da complacência geral do regime, independentemente do governo.
Agora o Estado - ou seja, os contribuintes - tem uma multa pesada para pagar em Bruxelas à conta desse porreirismo político-corporativol.
«A máxima instância judicial europeia condena Portugal a pagar um total de três milhões de euros e uma multa coerciva de 10.000 euros por dia do atraso por não ter executado uma sentença anterior, de 2010»,
ou seja, por ter escolhido «a Portugal Telecom (PT) para fornecedor de serviços universal sem respeitar o procedimento legal comunitário, ou seja, sem concurso.»
Bem feito.
Sobre o banco do regime e sobre o regime do banco
A situação do BES é crítica. Falência? Não sabemos. Apesar de sermos nós que pagamos quando o negócio corre mal, a contabilidade dos bancos continua a ser uma coisa opaca, onde os poderes públicos não entram para repor a transparência. Apenas sabemos que, tal como aconteceu com Oliveira e Costa na falência do BPN, que todos pagámos e ainda está por julgar mais de seis anos depois, a anterior Administração do BES foi afastada e substituída por gente do regime. Os nomes não são nem os de Durão Barroso, nem o de Manuel Pinho, nem o de Maria de Belém Roseira, nem o de Miguel Frasquilho. E podiam ser. Todos eles ou passaram pelo BES ou continuam por lá de manhã ou à tarde enquanto de tarde ou de manhã desempenham cargos públicos. Mas que ninguém se preocupe. O BES ficou em muito boas mãos.
«O BES está em convulsão interna e vai ter de substituir o seu conselho de administração. Salgado sai por causa de "irregularidades graves", dívida escondida e coisas afins.
Mas deixa lá o seu braço direito, Amílcar Morais Pires, arguido num caso de abuso de informação na compra de ações da EDP. Para chairman, o Grupo Espirito Santo propõe Paulo Mota Pinto, presidente do conselho de fiscalização das "secretas", deputado do PSD e atualmente do conselho de administração da ZON [Isabel dos Santos, accionista de referência]. Ainda para a administração vai Rita Barosa, secretária de estado do Ministro Relvas... do PSD.» – Mariana Mortágua, no Inflexão.
«A crise dos Espirito Santo. Os Espirito Santo – chamemos-lhe BES, ou grupo Espirito Santo - são o regime português. A partir de 1869, da Caza de Cambios, os Espirito Santo construíram um império financeiro que suportou e modelou o regime.
O Estado Português é, em boa parte, o Estado que a família Espirito Santo construiu. Já na I Grande Guerra os Espirito Santo negociavam em nome do Estado Português junto do Bank for International Settelments, o Banco de Pagamentos Internacionais que ainda hoje tem a sede em Basileia, na Suíça.
Os Espirito Santo foram os financeiros de Salazar.
Os Espirito Santo dirigiram os negócios de volfrâmio da II Guerra Mundial a troco do ouro nazi.
Os Espirito Santo financiaram negócios estratégicos em Angola e Moçambique durante o período colonial.
Os Espirito Santo organizaram os grandes negócios do regime democrático. Estão presentes nas PPP, nas grandes obras publicas, na saúde, nos transportes, na energia, no material militar, nas comunicações.
Os Espirito Santo despacharam funcionários seus, às dezenas, para ministros, secretários de Estado, administradores de empresas estatais.
Quer isto dizer que a falência, ou a grave crise dos Espirito Santo é um problema nacional de primeira ordem.
A ministra das Finanças, o governador do Banco de Portugal, têm de dar uma explicação sobre o que se passa com os Espirito Santo. Ouve-se, e não se acredita, que os Espirito Santo recrutaram um vice-presidente do PSD para cobrir dificuldades, que armadilharam uma solução para camuflarem uma situação de falência.
Ninguém no governo diz nada. Todos são coniventes? Todos estão à espera que o povo aguente, mais uma vez e pague sem bufar?
É curioso que, neste caso dos Espirito Santo, ninguém exija explicações. Que baste um tal Gomes Ferreira, aprendiz de contabilista na SIC dizer que o BES está blindado para todos ficarmos descansados. Eu não estou.» – Carlos Matos Gomes, no Facebook.
«
As informações sobre o que se está a passar no GES, como o que nos últimos anos se veio a saber do BCP, e, andando um pouco mais para trás, toda a história ainda em curso do BPP e do BPN, mostram alguma coisa de consistente no comportamento de uma parte importante da elite político-financeira portuguesa.
Não estou a dizer que tudo tenha sido igual, mas muita coisa não sendo igual, nem em dimensão nem em consequências, é demasiado parecida para que não se anotem as semelhanças. Há excepções, com tanto mais mérito quanto escapam à regra, mas são excepções.
O que tudo isto tem em comum é em primeiro lugar a completa promiscuidade com o poder político.
Os Espírito Santo frequentavam os gabinetes de Sócrates, elogiaram-no até ao dia em que o derrubaram, quando os seus interesses
estavam em ameaça de bancarrota
...
...
ameaça de bancarrota. O dinheiro fluiu nos contratos swap, usados e abusados pela governação socialista, e as PPPs contaram com considerável entusiasmo da banca nacional e internacional. Compreende-se porquê, quando mais tarde se veio a saber detalhes dos contratos leoninos que deixavam milhões e milhões para pagamento num futuro que já era muito próximo.
O actual governo mereceu também da banca todos os elogios e retribuiu em espécie, impedindo que qualquer legislação que diminuísse os lucros da banca passasse no parlamento, ou ficando como penhor de bancos que em condições normais iriam à falência, mesmo numa altura em que já era difícil alegar crise sistémica. O governo actual manteve todas as práticas de co-governação com a banca e as instituições financeiras que já vinham do governo anterior, consolidando um efeito perverso, que não é apenas nacional, de permitir que os principais responsáveis pela crise dos últimos anos tivessem sido seus beneficiários principais.
Para além disso, mantém uma transumância de lugares e funções com a banca tanto mais reforçada quanto a sua relação com os “mercados” passava pela intermediação financeira quer em Portugal, quer fora, e a desertificação das chefias da função pública baseadas no mérito, atiradas para a rua pela demagogia do diminuir os “lugares de chefia”, entregou áreas importantes do estado a consultoras financeiras e à advocacia de negócios. Os incidentes com secretários de estado que vinham da banca e do sistema financeiro e que se transmutavam da venda de swaps para negociadores de swaps, mostraram essa promiscuidade. E as decisões revelam como ninguém quer beliscar uma banca de onde veio, onde pode voltar a ir. A decisão de não ir a tribunal em nenhum caso mais grave de acordos leoninos quanto a PPPs e contratos swap, foi um dos maiores presentes que o actual governo ofereceu à banca. Os provados que usaram a justiça, ganharam em toda a linha, o estado encolheu-se perdeu muito.
As privatizações reforçaram esta promiscuidade, favorecendo uma captura do estado pelos interesses financeiros sem comparação com o passado. No passado, havia interesses industriais, agrícolas, manufactureiros, comerciais que partilhavam com a banca essa proximidade com o estado, o governo e os partidos do “arco da governação”. Agora, mesmo sectores em que as operações financeiras são relevantes, como a distribuição, não tem nem de perto nem de longe a promiscuidade com o poder político que tem a banca e por isso podem com maior liberdade falar criticamente.
Outro aspecto crítico, também atirado para debaixo do tapete, é o papel de elite cleptocrática angolana que se exerceu também em Portugal através de uma colaboração estreita com a banca portuguesa, que não se importou de contar malas de dinheiro trazidas meio às escondidas, meio com a complacência e colaboração das autoridades portuguesas, e assim permitir uma penetração na economia portuguesa, na comunicação social e na política.
Outra das coisas que se vão sabendo é como a gestão dos bancos se fazia como se o dinheiro que lá estava fosse pertença dos seus donos, gestores, administradores e dos seus amigos, ao mesmo tempo que uma ríspida prepotência e intransigência é a norma de tratamento dos clientes e depositantes, a quem não se desculpa nada. Os milhares de casas, carros, empresas, bens que foram consumidos nesta voragem da “dívida”, que tornou famílias e pessoas solventes naquilo que nunca imaginaram que iam ser, insolventes, oferece um contraste flagrante com a prática reiterada de evasão e fuga fiscal dos mais ricos com dimensões muito significativas.
E é crime sem castigo, ou com leve castigo, porque não se percebe como banqueiros envolvidos em evasão fiscal e manipulação de contas (para usar o politicamente correto, porque se não fosse assim seriam falsificações de contas, contabilidades paralelas, “esquecimentos” de declarar ao fisco milhões de euros, uso quotidiano de off-shores para esconder operações financeiras, etc., etc.) não são imediatamente impedidos de exercerem actividades na banca, acto que depende dos reguladores, mesmo antes da justiça se pronunciar sobre os eventuais crimes cometidos, se é que vai alguma vez pronunciar-se.
A completa desresponsabilização sobre a crise ...
O labirinto do verdadeiro poder
(- 27/06/2014 por João Mendes , http://aventar.eu/2014/06/27/o-labirinto-do-verdadeiro-poder/#more-1217141 )
Segundo o Expresso, a Portugal Telecom investiu, já durante o ano de 2014, 900 milhões de euros no Grupo Espirito Santo. À primeira vista parece simples mas não é, pelo menos para mim que sou leigo nestas coisas da trapacice financeira. Ler uma notícia destas, para mim como para a esmagadora maioria dos portugueses, é como estar perdido num labirinto de bancos e sociedades gestoras de participações, onde quase todos são accionistas uns dos outros e em cujos conselhos de administração abundam destacadas figuras dos 3 partidos do arco da governação, não vá ser preciso um “empurrãozito” aqui ou acolá.
A coisa é mais ou menos assim: a PT adquiriu os tais 900 milhões em papel comercial – uma espécie de emissão de dívida a curto prazo – do Espirito Santo International. Esta “holding” do GES foi recentemente sujeita a uma auditoria do banco de Portugal que revelou irregularidades nas contas na ordem dos 1,3 mil milhões de euros e um buraco de 2,5 mil milhões. Tal como o próprio GES, está portanto “consideravelmente” endividada. Para piorar a situação, parece que a maioria da dívida do ESI é de curto prazo, o que implica sucessivos refinanciamentos. Para contornar esta dificuldade, é sabido que desde o final de 2013 a instituição se dedicou com mais afinco à comercialização do tal papel comercial, cuja emissão andará na casa dos milhares de milhões de euros. Foi neste contexto que a PT adquiriu 900 milhões de euros de papel, papel esse que foi trocado, em Abril, por papel semelhante, desta feita pertencente a outra empresa com o carimbo da família Espírito Santo, a Rioforte. O prazo de validade deste papel expira em Julho, altura em que poderá ser novamente trocado por outro tipo de papel. Parece que estou a ouvir o Ricardo Araújo Pereira: “O papel? Qual papel?”
Curiosamente, ou não, este investimento surge mais ou menos ao mesmo tempo que o Banco de Portugal obrigou o BES a constituir provisões no valor de 700 milhões de euros. Quanto a quem decidiu tal aplicação, tal parece estar ainda envolto na neblina do costume. Mas sabe-se que Amílcar Morais Pires, o tal que Ricardo Salgado quer a substituí-lo no comando do BES, ou não fosse ele o seu nº2 de longa data, faz parte do conselho de administração da PT. E sabemos também que a recomendação para a PT investir no GES partiu do BES. Eu não acredito em coincidências, mas que as há, há!
A PT fala em “aplicação financeira”. E até o pode ser ou não fosse a PT parte interessada por ser, também ela, accionista do BES, cujo maior accionista é o Espirito Santo Financial Group, que é controlado pela Rioforte que por sua vez é controlado pelo ESI, o tal que recebeu o investimento de 900 milhões da PT e que faz parte do Grupo Espírito Santo, que, nem de propósito, é um dos maiores accionistas da PT. Estará a proteger o seu investimento numa altura de aperto? Ou será apenas uma barganha de conveniência? Eu estou inclinado para a segunda hipótese e pelos visto o João Vieira Pereira e o Pedro Guerreiro também. Pelo menos “na prática”. E consta que eles percebem do assunto.
O jogo da trapacice financeira não é para todos. Poucos o entendem, menos ainda o sabem jogar. A maioria limita-se a existir enquanto ele acontece, ignorando o jogo e o impacto profundo que este tem nas suas vidas. Uma pequena minoria, porém, domina-o e dita as suas regras, independentemente do regime ou do partido no poder. A família Espírito Santo é exímia neste jogo, seja com Salazar, José Sócrates ou Passos Coelho no poder. Podem esquecer-se de declarar uns milhões em impostos, ou até fazer desaparecer uns quantos dos bolsos das suas próprias empresas mas nunca se passa nada. Nada. E nós lá vamos assistindo a tudo isto, regra geral sem perceber exactamente o que se está a passar, enquanto la famiglia instrumentaliza o poder ou brinca aos pobrezinhos. Tudo lhes é permitido. Eles são o verdadeiro poder.
Só com os criminosos pobres é que não se pode comer à mesa
(JPPereira, 21/6/2014, Público)
As informações sobre o que se está a passar no GES, como o que nos últimos anos se veio a saber do BCP, e, andando um pouco mais para trás, toda a história ainda em curso do BPP e do BPN, mostram alguma coisa de consistente no comportamento de uma parte importante da elite político-financeira portuguesa.
Não estou a dizer que tudo tenha sido igual, mas muita coisa não sendo igual, nem em dimensão nem em consequências, é demasiado parecida para que não se anotem as semelhanças. Há excepções, com tanto mais mérito quanto escapam à regra, mas são excepções.
O que tudo isto tem em comum é em primeiro lugar a completa promiscuidade com o poder político. Os Espírito Santo frequentavam os gabinetes de Sócrates, elogiaram-no até ao dia em que o derrubaram, quando os seus interesses estavam em causa pela ameaça de bancarrota. O dinheiro fluiu nos contratos swap, usados e abusados pela governação socialista, e as PPPs contaram com considerável entusiasmo da banca nacional e internacional. Compreende-se porquê, quando mais tarde se veio a saber detalhes dos contratos leoninos que deixavam milhões e milhões para pagamento num futuro que já era muito próximo.
O actual governo mereceu também da banca todos os elogios e retribuiu em espécie, impedindo que qualquer legislação que diminuísse os lucros da banca passasse no parlamento, ou ficando como penhor de bancos que em condições normais iriam à falência, mesmo numa altura em que já era difícil alegar crise sistémica. O governo actual manteve todas as práticas de co-governação com a banca e as instituições financeiras que já vinham do governo anterior, consolidando um efeito perverso, que não é apenas nacional, de permitir que os principais responsáveis pela crise dos últimos anos tivessem sido seus beneficiários principais.
Para além disso, mantém uma transumância de lugares e funções com a banca tanto mais reforçada quanto a sua relação com os “mercados” passava pela intermediação financeira quer em Portugal, quer fora, e a desertificação das chefias da função pública baseadas no mérito, atiradas para a rua pela demagogia do diminuir os “lugares de chefia”, entregou áreas importantes do estado a consultoras financeiras e à advocacia de negócios. Os incidentes com secretários de estado que vinham da banca e do sistema financeiro e que se transmutavam da venda de swaps para negociadores de swaps, mostraram essa promiscuidade. E as decisões revelam como ninguém quer beliscar uma banca de onde veio, onde pode voltar a ir. A decisão de não ir a tribunal em nenhum caso mais grave de acordos leoninos quanto a PPPs e contratos swap, foi um dos maiores presentes que o actual governo ofereceu à banca. Os provados que usaram a justiça, ganharam em toda a linha, o estado encolheu-se perdeu muito.
As privatizações reforçaram esta promiscuidade, favorecendo uma captura do estado pelos interesses financeiros sem comparação com o passado. No passado, havia interesses industriais, agrícolas, manufactureiros, comerciais que partilhavam com a banca essa proximidade com o estado, o governo e os partidos do “arco da governação”. Agora, mesmo sectores em que as operações financeiras são relevantes, como a distribuição, não tem nem de perto nem de longe a promiscuidade com o poder político que tem a banca e por isso podem com maior liberdade falar criticamente.
Outro aspecto crítico, também atirado para debaixo do tapete é o papel de elite cleptocrática angolana que se exerceu também em Portugal através de uma colaboração estreita com a banca portuguesa que não se importou de contar malas de dinheiro trazidas meio às escondidas, meio com a complacência e colaboração das autoridades portuguesas, e assim permitir uma penetração na economia portuguesa, na comunicação social e na política.
Outra das coisas que se vão sabendo é como a gestão dos bancos se fazia como se o dinheiro que lá estava fosse pertença dos seus donos, gestores, administradores e dos seus amigos, ao mesmo tempo que uma ríspida prepotência e intransigência é a norma de tratamento dos clientes e depositantes, a quem não se desculpa nada. Os milhares de casas, carros, empresas, bens que foram consumidos ..
Só com os criminosos pobres é que não se pode comer à mesa
(-José Pacheco Pereira , 21/06/2014 )
...
...Os milhares de casas, carros, empresas, bens que foram consumidos nesta voragem da “dívida”, que tornou famílias e pessoas solventes naquilo que nunca imaginaram que iam ser, insolventes, oferece um contraste flagrante com a prática reiterada de evasão e fuga fiscal dos mais ricos com dimensões muito significativas.
E é crime sem castigo, ou com leve castigo, porque não se percebe como banqueiros envolvidos em evasão fiscal e manipulação de contas (para usar o politicamente correto, porque se não fosse assim seriam falsificações de contas, contabilidades paralelas, “esquecimentos” de declarar ao fisco milhões de euros, uso quotidiano de off-shores para esconder operações financeiras, etc., etc.) não são imediatamente impedidos de exercerem actividades na banca, acto que depende dos reguladores, mesmo antes da justiça se pronunciar sobre os eventuais crimes cometidos, se é que vai alguma vez pronunciar-se.
A completa desresponsabilização sobre a crise dos últimos anos, desencadeada pelo sistema financeiro, mas de que no fim este veio a beneficiar, marca moralmente como uma doença a sociedade da crise em que vivemos. O que choca as pessoas comuns e é uma fonte enorme de descrença da democracia e de sentimento de injustiça propício a todos os populismos, é que ninguém imagina que um ministro, primeiro-ministro ou Presidente se fosse sentar à mesa com alguém que tivesse desviado uns poucos milhares dos seus impostos ou tivesse um restaurante, uma barbearia, ou uma oficina de automóveis em modo de “economia paralela”, enquanto todos os viram nos últimos anos, em plena crise, conviver agradecidos e obrigados com estes homens que aparecem agora nos jornais como se tendo “esquecido” de declarar milhões de euros ao fisco ou estando à frente de instituições bancárias que emprestaram a amigos e familiares muitos milhões de que não se sabe o rastro, e tinham contabilidades paralelas.
É por isto tudo que não aceito a culpabilização sistemática dos mais pobres e mais fracos e da classe média, por terem vivido “acima das suas posses”, mesmo quando não o fizeram. E mesmo quando havia uma casa a mais, um carro a mais, um ecrã plano a mais, um sofá a mais, um vestido ou um fato a mais, umas férias a mais, uma viagem a mais, recuso-me a colocar estes “excessos” no mesmo plano moral dos “outros”. Algum moralismo salomónico, que coloca no mesmo plano a corrupção dos poderosos e dos de cima com os pequenos vícios dos de baixo e do meio, tem como objectivo legitimar sempre a penalização punitiva de milhões para desculpar as dezenas. É por isto que esta crise corrompe a sociedade e vai deixar muitas marcas, mesmo quando ninguém se lembre de Portas e de Passos.
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«O governo actual
manteve todas as práticas de co-governação com a banca e as instituições financeiras
que já vinham do governo anterior (…)»
Pacheco Pereira hoje no Público, a pretexto da «crise» no BES.
Trapacices financeiras em offshore
(- 28/06/2014 por João Mendes , http://aventar.eu/2014/06/28/trapacices-financeiras-em-offshore/#more-1217180 )
No labirinto da trapacice financeira, todos os dias são um rebuliço. Lê-se hoje nos jornais cá do Rectângulo, que o todo-poderoso Ricardo Salgado e o seu protégé Amílcar Morais Pires, homem de currículo que se impõe, poderão ter recebido pagamentos, na ordem dos milhões de euros, directamente do BES Angola. Sim, esse mesmo, o tal que “perdeu rasto” a 5,7 mil milhões de euros.
Ao que tudo indica, os dois terão recebido 27,3 milhões de euros, através de duas empresas, a Savoices e a Allanite, empresas essas que constam na lista de clientes da Akoya, a empresa de gestão de fortunas no epicentro do caso Monte Branco. A quantia terá sido transferida pelo BES Angola para contas bancárias na Suíça. Trapacice financeira que é trapacice financeira tem que ter offshores pelo meio.
A confirmarem-se estas notícias, poderá alargar-se aqui o leque de opções para as autoridades que tentam investigar estas coisas. O que muito provavelmente acabará em absolutamente nada. Ou em prescrição. Mas a Maria Luís sossega-nos: a situação deste emaranhado de empresas do universo Espírito Santo não é motivo para alarme. Diz a ministra que “Temos acompanhado a situação há largos meses para nos asseguramos que não há questões de estabilidade financeira que tenham consequências para as contas públicas“. Parece que já estou a ver uma comissão parlamentar de inquérito com Ricardo Salgado a comer uma sandocha e a contar as suas memórias. O BPN também não ia custar um cêntimo aos contribuintes…
Ana Gomes: "Ninguém, chame-se Salgado ou Espírito Santo, pode ser demasiado santo para não ir preso"
Sandra Henriques 17 Jun, 2014, 09:30 / atualizado em 17 Jun, 2014, 09:33
No Conselho Superior da Antena 1 desta manhã, Ana Gomes diz compreender “o esforço de tantos comentadores, sabichões e economistas em tentar isolar e salvar do lamaçal o BES, o maior e um dos mais antigos bancos portugueses, que emprega muita gente e ninguém quer ver falido e nacionalizado, mas a verdade é que o GES está para o BES como a SLN para o BPN”.
Segundo a eurodeputada socialista, o “banco foi e é instrumento da atividade criminosa do grupo”. “Se o BES é demasiado grande para falir, ninguém, chame-se Salgado ou Espírito Santo, pode ser demasiado santo para não ir preso”, sublinha.
“Nem os empregados do BES, nem as Donas Inércias, nem os Cristianos Ronaldos se safam se o Banco de Portugal, a CMVM, a PGR e o Governo continuarem a meter a cabeça na areia, não agindo contra o banqueiro Ricardo Salgado e seus acólitos, continuando a garantir impunidade à grande criminalidade financeira, e não só, à solta no Grupo Espírito Santo”, alerta.
Ouvida pelo jornalista Luís Soares, Ana Gomes recorda como começaram a ser investigadas as contas do grupo e afirma que o líder do BES, Ricardo Salgado, dizia não querer financiamento do resgate “para não ter que abrir as contas do grupo à supervisão do Estado, esse Estado na mão de governantes tão atreitos a recorrer ao GES/BES para contratos ruinosos contra o próprio Estado”.
Para além de acusar Ricardo Salgado de tentar “paralisar as tentativas de investigação judicial” em vários casos – como o dos submarinos, Furacão ou Monte Branco –, Ana Gomes argumenta que a mudança das regras da supervisão bancária a nível europeu “obrigou o Banco de Portugal a analisar as contas do GES/BES a contragosto e com muito jeitinho”.
A eurodeputada socialista critica a escolha da consultora PMG – “uma empresa farta de ser condenada e multada nos Estados Unidos, no Reino Unido e noutros países por violação dos deveres de auditoria e outros crimes financeiros” e que “foi contratada pelo BES desde 2004, pelo menos, para lhe fazer auditoria” –, só que “a borrasca era tão grossa que nem a PMG se podia dar ao luxo de a encobrir”.
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