UM ESTADO DE CRIMINOSOS RICOS
2014/6/24
No meio do ruído dos futebóis e das querelas partidárias, na mansidão provocada pelo unidimensional comentário televisivo e pelo cinzentismo generalista que marcam as ideias veiculadas na imprensa, o artigo que José Pacheco Pereira publicou, no último sábado, no "Público", soa a um alarme contra a paz podre que hoje se vive na sociedade portuguesa. Num texto intitulado "Só com os criminosos pobres é que não se pode comer à mesa", o historiador explica como "algum moralismo salomónico que tem como objectivo legitimar a penalização punitiva de milhões para desculpar as dezenas", mostrando a realidade dicotómica e profundamente desigual, que marca o funcionamento das instituições face ao comum dos mortais e aos detentores de grandes grupos financeiros.
O texto de Pacheco Pereira vai à raiz dos problemas, não esquece "a completa promiscuidade com o poder político" sublinhando, até, a tipologia da movimentação destes senhores em relação ao poder político dominante: "Os Espírito Santo frequentavam os gabinetes de Sócrates, elogiaram-no até ao dia em que o derrubaram, quando os seus interesses estavam em causa pela ameaça de bancarrota. O dinheiro fluiu nos contratos swap, usados e abusados pela governação socialista, e as PPP contaram com considerável entusiasmo da banca nacional e internacional". Mas Pacheco Pereira não vê apenas a árvore - vê a floresta. E explica que "o actual governo mereceu também da banca todos os elogios e retribuiu em espécie, impedindo que qualquer legislação que deminuisse os lucros da banca passasse no Parlamento ou ficando como penhor de bancos que em condições normais iriam à falência, mesmo numa altura que já era difícil alegar crise sistémica". Toca, aliás, o historiador, num caso sintomático, de bradar aos céus, que é o da "transumância de lugares com a banca tanto mais reforçada quanto a sua relação como os "mercados" passava pela intermediação financeira quer em Portugal, quer fora, e a desertificação das chefias da função pública, atiradas para a rua pela demagogia do diminuir os "lugares de chefia", entregou áreas importantes do Estado a consultoras financeiras e à advocacia de negócios". E sobram no texto os exemplos dessas acções nefastas que são vírus letal no coração do Estado.
Mas o que ´ºe mais significativo no artigo de Pacheco Pereira é o retrato da completa impunidade com que actua o sector bancário, em Portugal. Vejam os leitores o que diz o historiador. A transcrição é um pouco longa, mas vale a pena ler:
"E é crime sem castigo, ou com leve castigo, porque não se percebe como banqueiros envolvidos em evasão fiscal e manipulação de contas (para usar o politicamente correcto, porque se não fosse assim seriam falsificações de contas, contabilidades paralelas, "esquecimentos" de declarar ao fisco milhões de euros,uso quotidiano de off-shores para esconder operações financeiras, etc...etc.) não são imediatamente impedidos de exercerem actividades na banca, acto que depende dos reguladores, mesmo antes da justiça se pronunciar sobre os eventuais crimes cometidos, se é que vai alguma vez pronunciar-se.
A completa desresponsabilização sobre a crise dos últimos anos, desencadeada pelo sistema financeiro, mas de que, no fim, este veio a beneficiar, marca moralmente como uma doença a sociedade da crise em que vivemos. O que choca as pessoas comuns e é uma fonte enorme de descrença da democracia e de sentimento de injustiça propício a todos os populismos, é que ninguém imagina que um ministro,primeiro-ministro ou Presidente se fosse sentar à mesa com alguém que tivesse desviado uns poucos milhares dos seus impostos ou tivesse um restaurante, uma barbearia, ou uma oficina de automóveis em modo de"economia paralela", enquanto todos viram nos últimos anos, em plena crise, conviver agradecidos e obrigados com estes homens que aparecem agora nos jornais como se tendo "esquecido" de declarar milhões de euros ao fisco ou estando à frente de instituições bancárias que emprestaram a amigos e familiares muitos milhões de que não se sabe o rasto, e tinham contabilidades paralelas.
É por tudo isto que não aceito a culpabilização sistemática dos mais pobres e mais fracos e da classe média, por terem vivido "acima das suas posses", ...
a Choldra !
De concessão PT ... e contribuinte paga ! a 26 de Junho de 2014 às 16:28
Bem feito
O eng. Bava é uma pessoa amável que tive o prazer de conhecer noutra encarnação. Até foi condecorado, a título de vivo, no último 10 de Junho.
Mas a "sua" PT sempre beneficiou da complacência geral do regime, independentemente do governo.
Agora o Estado - ou seja, os contribuintes - tem uma multa pesada para pagar em Bruxelas à conta desse porreirismo político-corporativol.
«A máxima instância judicial europeia condena Portugal a pagar um total de três milhões de euros e uma multa coerciva de 10.000 euros por dia do atraso por não ter executado uma sentença anterior, de 2010»,
ou seja, por ter escolhido «a Portugal Telecom (PT) para fornecedor de serviços universal sem respeitar o procedimento legal comunitário, ou seja, sem concurso.»
Bem feito.