Sexta-feira, 20 de Junho de 2014

Grupo Espírito Santo : "too big to fail" ou "too holy to jail ?"   (-por Ana Gomes, 17/6/2014)

  
Eu proponho voltarmos a 6 de Abril de 2011 e revisitarmos o filme do Primeiro Ministro José Sócrates, qual animal feroz encostado as tábuas, forçado a pedir o resgate financeiro.   Há um matador principal nesse filme da banca a tourear o poder político, a democracia, o Estado:  Ricardo Salgado, CEO do BES e do Grupo que o detém e controla, o GES - Grupo Espírito Santo.  O mesmo banqueiro que, em Maio de 2011, elogiava a vinda da Troika como oportunidade para reformar Portugal, mas recusava a necessidade de o seu Banco recorrer ao financiamento que a Troika destinava à salvação da banca portuguesa.
    A maioria dos comentaristas que se arvoram em especialistas económicos passou o tempo, desde então, a ajudar a propalar a mentira de que a banca portuguesa - ao contrário da de outros países - não tinha problemas, estava saudável (BPN e BPP eram apenas casos de polícia ou quando muito falha da regulação (do BdP, CMVM, do Estado), BCP era vítima de guerra intestina: enfim, excepções que confirmavam a regra!). Mas revelações recentes sobre o maior dos grupos bancários portugueses, o Grupo Espírito Santo, confirmam que fraude e criminalidade financeira não eram excepção: eram - e são - regra do sistema, da economia de casino em que continuamos a viver.
    Essas revelações confirmam também o que toda a gente sabia - que o banqueiro Salgado não queria financiamento do resgate para não ter que abrir as contas do Banco e do Grupo que o controla à supervisão pelo Estado - esse Estado na mão de governantes tão atreitos a recorrer ao GES/BES para contratos ruinosos contra o próprio Estado, das PPPs aos swaps, das herdades sem sobreiros a submarinos (, pandures, ...) e outros contratos de defesa corruptos, à subconcessao dos Estaleiros Navais de Viana do Castelo.   À conta de tudo isso e de mecenato eficiente para capturar políticos - por exemplo, a sabática em Washington paga ao Dr. Durão Barroso - Ricardo Salgado grangeou na banca o cognome do DDT, o Dono De Tudo isto, e conseguiu paralisar tentativas de investigação judicial - sobre os casos dos Submarinos, Furacão e Monte Branco, etc.. e até recorrer sistematicamente a amnistias fiscais oferecidas pelos governos para regularizar capitais que esquecera ter parqueado na Suíça, continuando tranquilamente CEO do BES, sem que Banco de Portugal e CMVM pestanejassem sequer...
     Mas a mudança de regras dos rácios bancários e da respectiva supervisão - determinados por pressão e co-decisão do Parlamento Europeu - obrigaram o Banco de Portugal a ter mesmo de ir preventivamente analisar as contas do BES/GES. A contragosto, claro, e com muito jeitinho - basta ver que, para o efeito, o Banco de Portugal, apesar de enxameado de crânios pagos a peso de ouro, foi contratar (cabe saber quanto mais pagamos nós, contribuintes) uma consultora de auditoria, a KPMG - por acaso, uma empresa farta de ser condenada e multada nos EUA, no Reino Unido e noutros países por violações dos deveres de auditoria e outros crimes financeiros e, por acaso, uma empresa contratada pelo próprio BES desde 2004 para lhe fazer auditoria...
    Mas a borrasca era tão grossa, que nem mesmo a KPMG podia dar-se ao luxo de encobrir:  primeiro vieram notícias da fraude monstruosa do GES/BES/ESCOM no BESA de Angola, o "BPN tropical", que o Governo angolano cobre e encobre porque os mais de 6 mil milhões de dólares desaparecidos estão certamente a rechear contas offshore de altos figurões e o povo angolano, esse, está habituado a pagar, calar e a ...não comer...    Aí,
Ricardo Salgado accionou a narrativa de que "o BES está de boa saúde e recomenda-se", no GES é que houve um descontrolo: um buracão de mais de mil e duzentos milhões, mas a culpa é... não, não é do mordomo: é do contabilista!
    Só que, como revelou o "Expresso" há dias, o contabilista explicou que as contas eram manipuladas pelo menos desde 2008, precisamente para evitar controles pela CMVM e pelo Banco de Portugal, com conhecimento e por ordens do banqueiro Salgado e de outros administradores do GES/BES. E a fraude, falsificação de documentos e outros crimes financeiros envolvidos já estão a ser investigados no Luxemburgo, onde a estrutura tipo boneca russa do GES sedia a "holding" e algumas das sociedades para melhor driblar o fisco em Portugal.
    Eu compreendo o esforço de tantos, incluindo os comentadores sabichões em economia, em tentar isolar e salvar deste lamaçal o BES, o maior e um dos mais antigos bancos privados portugueses, que emprega muita gente e que obviamente ninguém quer ver falir, nem nacionalizar.   Mas a verdade é que o GES está para o BES, como a SLN para o BPN:   o banco foi - e é - instrumento da actividade criminosa do Grupo.   E se o BES será, à nossa escala, "too big to fail" (demasiado grande para falir), ninguém, chame-se Salgado ou Espírito Santo, pode ser "too holy to jail" (demasiado santo para ir preso).
    Isto significa que nem os empregados do BES, nem as D. Inércias, nem os Cristianos Ronaldos se safam se o Banco de Portugal, a CMVM, a PGR e o Governo continuarem a meter a cabeça na areia, não agindo contra o banqueiro Ricardo Salgado e seus acólitos, continuando a garantir impunidade à grande criminalidade financeira - e não só - à solta no Grupo Espírito Santo.


Publicado por Xa2 às 19:47 | link do post | comentar

10 comentários:
De bangsters, oligarcas, burlões, corruptor a 24 de Junho de 2014 às 11:21
UM ESTADO DE CRIMINOSOS RICOS
2014/6/24

No meio do ruído dos futebóis e das querelas partidárias, na mansidão provocada pelo unidimensional comentário televisivo e pelo cinzentismo generalista que marcam as ideias veiculadas na imprensa, o artigo que José Pacheco Pereira publicou, no último sábado, no "Público", soa a um alarme contra a paz podre que hoje se vive na sociedade portuguesa. Num texto intitulado "Só com os criminosos pobres é que não se pode comer à mesa", o historiador explica como "algum moralismo salomónico que tem como objectivo legitimar a penalização punitiva de milhões para desculpar as dezenas", mostrando a realidade dicotómica e profundamente desigual, que marca o funcionamento das instituições face ao comum dos mortais e aos detentores de grandes grupos financeiros.
O texto de Pacheco Pereira vai à raiz dos problemas, não esquece "a completa promiscuidade com o poder político" sublinhando, até, a tipologia da movimentação destes senhores em relação ao poder político dominante: "Os Espírito Santo frequentavam os gabinetes de Sócrates, elogiaram-no até ao dia em que o derrubaram, quando os seus interesses estavam em causa pela ameaça de bancarrota. O dinheiro fluiu nos contratos swap, usados e abusados pela governação socialista, e as PPP contaram com considerável entusiasmo da banca nacional e internacional". Mas Pacheco Pereira não vê apenas a árvore - vê a floresta. E explica que "o actual governo mereceu também da banca todos os elogios e retribuiu em espécie, impedindo que qualquer legislação que deminuisse os lucros da banca passasse no Parlamento ou ficando como penhor de bancos que em condições normais iriam à falência, mesmo numa altura que já era difícil alegar crise sistémica". Toca, aliás, o historiador, num caso sintomático, de bradar aos céus, que é o da "transumância de lugares com a banca tanto mais reforçada quanto a sua relação como os "mercados" passava pela intermediação financeira quer em Portugal, quer fora, e a desertificação das chefias da função pública, atiradas para a rua pela demagogia do diminuir os "lugares de chefia", entregou áreas importantes do Estado a consultoras financeiras e à advocacia de negócios". E sobram no texto os exemplos dessas acções nefastas que são vírus letal no coração do Estado.
Mas o que ´ºe mais significativo no artigo de Pacheco Pereira é o retrato da completa impunidade com que actua o sector bancário, em Portugal. Vejam os leitores o que diz o historiador. A transcrição é um pouco longa, mas vale a pena ler:

"E é crime sem castigo, ou com leve castigo, porque não se percebe como banqueiros envolvidos em evasão fiscal e manipulação de contas (para usar o politicamente correcto, porque se não fosse assim seriam falsificações de contas, contabilidades paralelas, "esquecimentos" de declarar ao fisco milhões de euros,uso quotidiano de off-shores para esconder operações financeiras, etc...etc.) não são imediatamente impedidos de exercerem actividades na banca, acto que depende dos reguladores, mesmo antes da justiça se pronunciar sobre os eventuais crimes cometidos, se é que vai alguma vez pronunciar-se.
A completa desresponsabilização sobre a crise dos últimos anos, desencadeada pelo sistema financeiro, mas de que, no fim, este veio a beneficiar, marca moralmente como uma doença a sociedade da crise em que vivemos. O que choca as pessoas comuns e é uma fonte enorme de descrença da democracia e de sentimento de injustiça propício a todos os populismos, é que ninguém imagina que um ministro,primeiro-ministro ou Presidente se fosse sentar à mesa com alguém que tivesse desviado uns poucos milhares dos seus impostos ou tivesse um restaurante, uma barbearia, ou uma oficina de automóveis em modo de"economia paralela", enquanto todos viram nos últimos anos, em plena crise, conviver agradecidos e obrigados com estes homens que aparecem agora nos jornais como se tendo "esquecido" de declarar milhões de euros ao fisco ou estando à frente de instituições bancárias que emprestaram a amigos e familiares muitos milhões de que não se sabe o rasto, e tinham contabilidades paralelas.
É por tudo isto que não aceito a culpabilização sistemática dos mais pobres e mais fracos e da classe média, por terem vivido "acima das suas posses", ...
a Choldra !


De concessão PT ... e contribuinte paga ! a 26 de Junho de 2014 às 16:28
Bem feito
O eng. Bava é uma pessoa amável que tive o prazer de conhecer noutra encarnação. Até foi condecorado, a título de vivo, no último 10 de Junho.

Mas a "sua" PT sempre beneficiou da complacência geral do regime, independentemente do governo.

Agora o Estado - ou seja, os contribuintes - tem uma multa pesada para pagar em Bruxelas à conta desse porreirismo político-corporativol.

«A máxima instância judicial europeia condena Portugal a pagar um total de três milhões de euros e uma multa coerciva de 10.000 euros por dia do atraso por não ter executado uma sentença anterior, de 2010»,
ou seja, por ter escolhido «a Portugal Telecom (PT) para fornecedor de serviços universal sem respeitar o procedimento legal comunitário, ou seja, sem concurso.»
Bem feito.


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