“Carta aberta em que o nosso autor explica, por que é que recusou um convite para uma conversa à lareira em Berlim com Wolfgang Schäuble” (in: TAZ, Berlim, 19.02.2015)
Excelentíssimo Senhor dr. Schäuble,
por favor desculpe a minha ausência amanhã na Fundação Bertelsmann que me convidou para uma “conversa à lareira” em Berlim consigo e com a sua ministra das Finanças para Portugal.
Acabei, no último momento, por decidir não ir Berlim. Desejo que a “conversa à lareira”, ou “armchair discussion” como diz o convite da Fundação Bertelsmann, seja simpática e tranquila. Isso não aconteceria se eu estivesse presente.
Sabe, por causa da sua política, que a sua ministra das Finanças em Lisboa tem seguido à risca, tive de sair do meu país há 18 meses. Todos os dias sinto saudades da família dos amigos. Além de mim, mais 400 000 pessoas tiveram que sair de Portugal nos últimos quatro anos para fugir à pobreza e miséria.
A sua ministra das Finanças anunciou esta semana que vai reembolsar antecipadamente 14 mil milhões de euros da dívida pública portuguesa. Esse será um dos grandes temas do serão junto à lareira amanhã.
O senhor e a sua ministra irão mostrar-se orgulhosos. Terão assim mostrado aos gregos como é que se governa, como é que se governa contra a vontade e o bem estar das pessoas, só porque o entendimento que o senhor tem da economia assim o dita. Mesmo quando a decência e o intelecto lhe dizem, de todos os lados, que a verdade que defende é míope.
Nestas circunstâncias nada há, que eu lhe possa dizer, que o senhor não saiba já.
Nada sobre a pobreza a que o meu país foi condenado. Nada sobre idosos indefesos ou jovens sem futuro.
As suas manobras, senhor dr. Schäuble, são ilusões. O senhor sabe isso. Ilusões que todos os dias custam vidas de pessoas e pelas quais muitas crianças no meu país comem menos do que deviam. Em parte são ilusões, em parte manipulações estatísticas, como os números do desemprego ou das exportações.
Com esses 14 mil milhões de “pagamento antecipado” da dívida, anunciado pela sua melhor aluna, com essa riqueza espremida do país, Portugal poderia ter pago a todas as pessoas que tiveram de emigrar desde 2011 o ordenado mínimo nacional durante mais de seis anos.
Mas a sua ministra das Finanças seguiu as suas indicações e vendeu quase meio milhão de pessoas por um valor irrisório. Muitas dessas pessoas estão agora a trabalhar aqui, a enriquecer a Alemanha. No meu país morrem pessoas por causa da sua política. Não teria sido um serão agradável, senhor dr. Schäuble.
Com os melhores cumprimentos,
Miguel Szymanski Jornalista emigrado para a Alemanha em 2013