Segunda-feira, 3 de Novembro de 2014

Empobrecimento competitivo: a escravatura é o limite

 
      «Na Cidade do México, o ministro da Economia apareceu ensoberbecido por o ranking do Doing Business 2015 colocar Portugal em 25.º lugar.   A subida no ranking deve-se a dois factores: por um lado, à redução do IRC, o imposto sobre os lucros das empresas (p. 56); por outro lado, à flexibilização do mercado de trabalho, tendo sido levadas em conta as medidas que cortam as indemnizações por despedimento e o aumento da duração máxima dos contratos a termo (p. 57).    Em todos os outros itens considerados (desde a simplificação de procedimentos à protecção dos investidores minoritários), o país não revelou melhorias - ou até piorou. Neste contexto, o júbilo de Pires de Lima fica a dever-se exclusivamente à perda dos direitos laborais e à transferência de rendimentos do trabalho para o capital.
      Quando o ministro da Economia aparece tão excitado com o ranking - em que Portugal, repita-se, apenas subiu naqueles dois factores -, o que ele está a transmitir é o lema da sua governação: a escravatura é o limite. Assim sendo, não será um motivo de regozijo Portugal aparecer à frente de países como a Holanda, a França, a Espanha, a Itália ou o Japão. É tão-só querer competir no mercado global através de salários baixos.»    --- Miguel Abrantes, Um ministro excitado com o modelo de salários baixos

      «O que significa hoje a palavra competitividade e o que nos querem inculcar quando falam dela?   No ranking internacional de competitividade do Fórum Económico Mundial (o fórum de Davos), Portugal subiu 15 lugares. Logo apareceram governantes e alguns comentadores a valorizar o feito, mas para a generalidade das pessoas o paradoxo, por certo, não passou despercebido:
como é possível o país ter melhorado as suas condições de competitividade (...) se a economia está em estado comatoso, a dívida vai crescendo, falta emprego, a juventude e os trabalhadores qualificados emigram, os mais velhos são tratados como fardo e os seus saberes desperdiçados, é desvalorizada a investigação e a ciência, tudo é privatizado em saldo, a natalidade continua a cair, os direitos no trabalho e a contratação coletiva vão sendo aniquilados, as prestações sociais, as reformas e os salários são cada vez piores?  
As roças de café de São Tomé e Príncipe já foram muito "competitivas". O capitalismo nasceu e caminhou, muito tempo, em contextos em que o trabalho escravo ou quase era fator de competitividade.»  --- Manuel Carvalho da Silva, O empobrecimento competitivo

Adenda:    Contrariamente ao noticiado, e que motivou o júbilo do ministro da Economia, parece que afinal Portugal perdeu duas posições no Doing Business 2015, o referido ranking do Banco Mundial. Agradece-se pois a quem possa dar conhecimento deste facto a António Pires de Lima, aproveitando para lhe assinalar que o país obteve um resultado muito positivo (10º lugar) no indicador relativo às facilidades na criação de empresas, que se deve em grande parte ao serviço «Empresa na Hora», uma das heranças nefastas dos anteriores governos socialistas, os tais da famosa «década perdida».     (-
 
       "[a última vez que Portugal teve estratégia foi] Quando entrou na Europa. Foi uma estratégia, a muitos títulos, errada, viemos a perceber mais tarde. Mas havia um pensamento claro de afirmar Portugal como um país europeu. Hoje, a nossa estratégia tem que ser rever essa posição."   (porque a própria UE mudou o seu foco, valores e procedimentos).
    "Temos andado muitas décadas afastados de uma vocação, de um lugar. O nosso pensamento estratégico pode ser esse. E, para afirmar esse pensamento estratégico, temos que reforçar uma componente da nossa soberania."
      "Não podemos estar submetidos a lógicas em que não temos a capacidade de decidir sobre as nossas vidas. A soberania e o bem comum são elementos centrais para uma estratégia para Portugal." --- A.Sampaio da Nóvoa, em entrevista ao Jornal de Negócios 
 

                 Psicopatologia das organizações  

     (...) este evolucionismo parece vago, especulativo, e até suspeitamente conotado com um darwinismo social que temos boas razões para descartar. Mas o certo é que há tempos, quando li um pequeno artigo sobre psicopatas organizacionais (corporate) e o papel que podem ter desempenhado na criação de condições propícias para a crise financeira, foi de Veblen e do seu evolucionismo que me lembrei.

      (...) em organizações sujeitas a fortes pressões competitivas os mecanismos de seleção internos tendem a favorecer traços comportamentais característicos dos psicopatas ou sociopatas. O trabalho empírico dos psicólogos parece mostrar que é mais fácil encontrar um psicopata no topo de uma organização do que na sua base ou mesmo numa prisão de alta segurança.
      De resto, lembro-me de ter lido noutro artigo que já não consigo localizar, que os critérios de seleção de dirigentes de topo usados por algumas empresas que se dedicam ao recrutamento de pessoal se assemelham de perto aos critérios de diagnóstico da psicopatia. A ser verdade, isto significaria que os encantadores psicopatas não só vivem bem e prosperam nos infernos organizacionais em que se estão a converter muitos locais de trabalho, como são ativamente procurados para as posições de topo. (...) --- (J.M.Castro Caldas, Ladrões de B., 1/11/2014)



Publicado por Xa2 às 07:46 | link do post | comentar

3 comentários:
De Produtividade, competitiv... propaganda. a 7 de Novembro de 2014 às 09:56
A «RELIGIÃO» DA PRODUTIVIDADE !

O discurso da e sobre a produtividade tornou-se avassalador no pensamento dominante. Tão dominante, que as instâncias do próprio Estado reproduzem até ao fastio essa lenga – lenga!
Não há discurso sobre economia que não coloque o enfoque na competitividade e na produtividade. Mas, também ouvimos discursos sobre a educação e sobre a saúde a falarem da produtividade!

Prevenir o Stresse? Claro, para sermos mais produtivos!
Melhorar a escola? Claro, para fazermos homens mais produtivos!
Melhorar o transporte? Sim, para aumentar a produtividade do trabalho!
Enfim, uma autêntica ideologia, por vezes mesmo uma religião! A produtividade é assim uma espécie de deus a quem tudo se deve SACRIFICAR !

Nesta religião sacrificial também é desenvolvido em grande escala o sentimento de culpa.
Se, não existe suficiente produtividade quem é o culpado? O trabalhador!
Como castigo aumenta-se o horário de trabalho sem remuneração, cortam-se dias de férias e feriados, facilita-se o despedimento!
E vem depois todo o discurso FASCISTA de que «são preguiçosos», grevistas, querem emprego mas não querem trabalhar, e logo agora que não falta trabalho, é só querer!
Mas, porque será que no estrangeiro trabalham tanto?
Porque será que pouco se aposta na formação dos trabalhadores?
Porquê tanta resistência a aumentar o salário mínimo e a falarem em redução salarial em tantas empresas, em vez de aumentarem para motivarem quem trabalha?
Em Portugal ainda se pensa em aumentar a produtividade através do chicote!

Mas a questão principal nem é esta do aumento da produtividade! O discurso da produtividade tem como principal objetivo aumentar a EXPLORAÇÂO dos trabalhadores em benefício do capital!
Para o capitalismo o trabalhador é um instrumento de produção que, bem afinado, pode gerar mais riqueza, para ser na sua grande parte apropriada e não distribuída com justiça!
Bem afinado significa bem enquadrado, bem MANIPULADO no seu espírito, na sua alma!
É aqui que se aplica bem o ditado popular «não vendas a alma ao diabo»!
Não entendo é como existe tanta gente a reproduzir o discurso do diabo!
Alguns ganham bem com isso, mas outros….


(-por A.Brandão Guedes , 4/11/2014, http://bestrabalho.blogspot.pt/2014/11/a-religiao-da-produtividade.html )


De Desigualdade aberrante. a 7 de Novembro de 2014 às 14:44
Afinal há grandes salários em Portugal!
( 27/10/ 2014, pestanandre , 5Dias)

Nos locais de trabalhos onde os baixos salários e a precariedade proliferam
e até se limita ao mínimo dos mínimos a ida à casa de banho ou pausas/intervalos reparadores no trabalho,
pelos vistos há quem receba grandes salários… só é pena que não seja para a maioria:

http://www.noticiasaominuto.com/economia/296421/soares-dos-santos-ganha-108-vezes-mais-que-os-seus-trabalhadores


De DesGoverno, Troika, neoLiberalismo e OE. a 10 de Novembro de 2014 às 15:32
Farisaísmo orçamental
• João Galamba, Farisaísmo orçamental:

«Depois de toda a oposição, da Unidade Técnica de Apoio Orçamental (UTAO), do Conselho Económico e Social (CES) e do Conselho de Finanças Públicas (CFP) terem posto em causa a credibilidade do Orçamento do Estado para 2015 (OE2015), juntam-se ao coro a Comissão Europeia (CE) e o Fundo Monetário Internacional (FMI).

Já era um facto que este orçamento não cumpria o Tratado Orçamental (TO), agora passou a ser um facto que ninguém — tirando o Governo — acredita que este Orçamento consiga cumprir o seu principal objetivo:
respeitar o Pacto de Estabilidade e Crescimento (PEC).
Será o não cumprimento das regras um problema? Para um Governo que é um dos maiores e mais fanáticos defensores dessas mesmas regras, sim, tem de ser um problema.

CE e FMI não são instituições cujas previsões o Governo possa desvalorizar, como tentou fazer a ministra das Finanças.
Não porque a sua autoridade seja inquestionável, não porque acertem sempre, mas porque se trata de 'compagnons de route' deste Governo, que partilham a sua visão estratégica para o país, e, no caso específico da CE, porque se trata da instituição com quem o governo tem de lidar em matéria do cumprimento das regras orçamentais.
O Governo tem dito que o FMI e a CE já se enganaram. Tem toda a razão. Acontece que se enganaram sempre com o Governo, não contra ele.

Um primeiro-ministro que diz ser um ponto de honra sair do Procedimento por Défices Excessivos e que não se cansa de falar da absoluta necessidade de cumprir as regras europeias em matéria orçamental— sob pena de acontecerem coisas horríveis ao país e aos portugueses—
não pode assobiar para o lado quando a instituição a quem cabe tratar destas matérias diz que o OE2015 não é credível e que as regras não serão cumpridas.
Ou as regras existem e são para serem cumpridas,
ou as regras são erradas, não podem ser cumpridas, e têm de ser revistas.
O que não pode acontecer é as regras servirem apenas como instrumento de coerção política, impondo certas políticas e proibindo outras, mas desvalorizando os resultados orçamentais.
É suposto que uma política cumpra as regras, não que as regras existam como desculpa para a imposição de certas políticas.

Por esta razão, das duas, uma:
ou se mantém o discurso do cumprimento das regras orçamentais e o primeiro-ministro tem de explicar o que fará para atingir esse resultado, nomeadamente no que a medidas de austeridade adicionais diz respeito,
ou se reconhece que as regras não são passíveis de ser cumpridas e se procura ajustar a política orçamental à realidade, abrindo uma discussão séria (e necessária) sobre as nossas obrigações em matéria orçamental e sobre como podemos compatibilizar essas regras com o desenvolvimento económico e social do país.
O que não pode acontecer é este farisaísmo orçamental, em que as regras são, na verdade, uma farsa, um mero expediente para tentar ilegalizar a própria possibilidade de uma alternativa política.»

(- Miguel Abrantes, 10.11.14, CamaraCorporativa)


Comentar post

MARCADORES

administração pública

alternativas

ambiente

análise

austeridade

autarquias

banca

bancocracia

bancos

bangsters

capitalismo

cavaco silva

cidadania

classe média

comunicação social

corrupção

crime

crise

crise?

cultura

democracia

desemprego

desgoverno

desigualdade

direita

direitos

direitos humanos

ditadura

dívida

economia

educação

eleições

empresas

esquerda

estado

estado social

estado-capturado

euro

europa

exploração

fascismo

finança

fisco

globalização

governo

grécia

humor

impostos

interesses obscuros

internacional

jornalismo

justiça

legislação

legislativas

liberdade

lisboa

lobbies

manifestação

manipulação

medo

mercados

mfl

mídia

multinacionais

neoliberal

offshores

oligarquia

orçamento

parlamento

partido socialista

partidos

pobreza

poder

política

politica

políticos

portugal

precariedade

presidente da república

privados

privatização

privatizações

propaganda

ps

psd

público

saúde

segurança

sindicalismo

soberania

sociedade

sócrates

solidariedade

trabalhadores

trabalho

transnacionais

transparência

troika

união europeia

valores

todas as tags

ARQUIVO

Janeiro 2022

Novembro 2019

Junho 2017

Março 2017

Fevereiro 2017

Janeiro 2017

Dezembro 2016

Novembro 2016

Outubro 2016

Setembro 2016

Agosto 2016

Julho 2016

Junho 2016

Maio 2016

Abril 2016

Março 2016

Fevereiro 2016

Janeiro 2016

Dezembro 2015

Novembro 2015

Outubro 2015

Setembro 2015

Agosto 2015

Julho 2015

Junho 2015

Maio 2015

Abril 2015

Março 2015

Fevereiro 2015

Janeiro 2015

Dezembro 2014

Novembro 2014

Outubro 2014

Setembro 2014

Agosto 2014

Julho 2014

Junho 2014

Maio 2014

Abril 2014

Março 2014

Fevereiro 2014

Janeiro 2014

Dezembro 2013

Novembro 2013

Outubro 2013

Setembro 2013

Agosto 2013

Julho 2013

Junho 2013

Maio 2013

Abril 2013

Março 2013

Fevereiro 2013

Janeiro 2013

Dezembro 2012

Novembro 2012

Outubro 2012

Setembro 2012

Agosto 2012

Julho 2012

Junho 2012

Maio 2012

Abril 2012

Março 2012

Fevereiro 2012

Janeiro 2012

Dezembro 2011

Novembro 2011

Outubro 2011

Setembro 2011

Agosto 2011

Julho 2011

Junho 2011

Maio 2011

Abril 2011

Março 2011

Fevereiro 2011

Janeiro 2011

Dezembro 2010

Novembro 2010

Outubro 2010

Setembro 2010

Agosto 2010

Julho 2010

Junho 2010

Maio 2010

Abril 2010

Março 2010

Fevereiro 2010

Janeiro 2010

Dezembro 2009

Novembro 2009

Outubro 2009

Setembro 2009

Agosto 2009

Julho 2009

Junho 2009

Maio 2009

RSS