1. Atenção, atenção: não deixem de ler o artigo do Ricardo Paes Mamede no
Le Monde diplomatique - edição portuguesa deste mês –
Prioridades para um governo apoiado pelas esquerdas em Portugal. Na linha do seu livro, claro e distinto, este é um artigo
sobre economia e política económica nacionais que articula e desenvolve três reflexões que o Ricardo já fez neste blogue e que vale sempre a pena revisitar neste novo e empolgante contexto
: o triângulo das impossibilidades da política orçamental; a coligação de direita tem um projecto claro e coerente para o país; um terreno minado por todos os lados.2. Atenção, atenção:
o problema central, como sublinha
Pedro Lains, não é um problema de finanças públicas, mas sim um problema relacionado com o
constrangimento externo, da balança corrente ao endividamento externo brutal, um problema de
falta de instrumentos para fazer com que a dinamização necessária do mercado interno, do consumo ao investimento, não se traduza numa deterioração de um saldo externo entretanto
precariamente equilibrado à custa da degradação das capacidades produtivas nacionais e das condições de vida das classes populares.
3. Atenção, atenção: útil análise de
Francisco Louçã neste contexto – “Faltam ainda respostas estruturais para o investimento, para gerir a conta externa e para melhorar a balança de rendimentos, o que
só se fará com uma reestruturação da dívida. E, sem ela, não se vê como possa haver suficiente margem de manobra
para resistir a pressões externas e para relançar o emprego. É preciso investimento e criação de capacidade produtiva e o Estado tem que ter um papel estratégico na resposta à prolongada recessão que temos vivido.”
4. Atenção, atenção:
estamos sobretudo
dependentes do pós-democrático BCE, o soberano monetário, o condutor dos mercados de dívida, por muito que jornais económicos se esforcem por destacar as reacções dos especuladores e as “análises” dos seus representantes bancários face ao efeito de um governo apoiado pelas esquerdas, disfarçando mal as suas preferências ideológicas (vejam como noticiam as subidas nos juros no mercado secundário e como noticiam as descidas): como sublinhou, o Nuno Teles,
os vossos desejos não são notícia; isto não quer dizer que não possa existir algum efeito modesto; mal seria, aliás...
5. Atenção, atenção: está um
golpista e sabotador em
Belém. Neste momento, é a fonte primacial de
instabilidade política.
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O teste da "austeridade progressista" (-J.Bateira, 13/11/2015, Ladrões de B.) O governo da direita caiu. Evidentemente, não passava pela cabeça dos líderes da coligação PàF que, tendo ganho as eleições, não pudessem governar o país. Muito mais reveladora foi a reacção dos media, com destaque para os jornalistas das televisões, que mandaram às malvas o seu código deontológico sem qualquer pudor ou disfarce. A falta de pluralismo na televisão é um problema que se arrasta há muitos anos. Porém, a viragem à esquerda do PS suscitou uma histeria que ultrapassou tudo o que já tínhamos visto. Recuperar o pluralismo nos media exige uma reforma estrutural que o novo governo – esperando que o bom senso prevaleça em Belém – deve iniciar no imediato, a bem da higiene no espaço público e da saúde da nossa democracia.
A conclusão de um acordo de incidência parlamentar que permita ao PS governar com o apoio da esquerda iluminou o rosto de muitos portugueses. Na expectativa do desanuviamento que se avizinha, é manifesta a alegria que invadiu inúmeras famílias de baixos rendimentos, para não falar dos militantes de base dos partidos da nova maioria e dos cidadãos que sempre sonharam com a “unidade das esquerdas”. Em largos sectores da população, a sensação de beco sem saída que os anos de chumbo da austeridade produziram na sociedade portuguesa, uma verdadeira anomia, está a ser substituída por um sentimento de esperança em melhores dias. Há até sinais de alguma euforia que só não é mais evidente porque ainda não conhecemos a decisão que vai tomar o Presidente da República.
Admitindo que a Constituição da República Portuguesa será respeitada, teremos em breve um governo a braços com uma tarefa muitíssimo pesada: a de virar a página da austeridade através de uma política orçamental que respeite os limites impostos pelas regras da zona euro. Como disse Mário Centeno, o muito provável novo ministro das Finanças, trata-se de seguir a trajectória exigida por Bruxelas, embora a um ritmo mais lento. O modelo dos economistas do PS diz-nos que a nova versão do seu programa mantém o saldo orçamental abaixo dos 3%, uma condição essencial para não despertar a fúria da Comissão Europeia, do Eurogrupo e das agências de rating. Por outro lado, sabe-se que os partidos da nova maioria aceitam rever as suas escolhas orçamentais para acomodar os impactos da crise bancária que se avizinha ou de outros imprevistos. Não acredito que a curto prazo surjam tensões sérias entre os signatários do acordo.
A maior dificuldade que o novo governo terá de enfrentar reside na orientação que Bruxelas dará ao Orçamento português. Admitindo que na actual conjuntura será aceite um deslizamento nas metas do défice, não parece muito difícil alcançá-las se o governo puder executar uma redistribuição dos sacrifícios da austeridade que resulte num aumento do rendimento disponível das classes sociais com maior propensão ao consumo. Contudo, não é seguro que Bruxelas aceite facilmente esta mudança para uma “austeridade progressista”. Importa lembrar que o ordoliberalismo inscrito nos tratados, e na prática da CE e do Eurogrupo, não aceita esta política económica com o argumento de que um crescimento económico apoiado no consumo agrava o desequilíbrio externo através do aumento das importações. Claro que o novo ministro pode sempre contra-argumentar que esse aumento do consumo ocorrerá sobretudo nas classes de rendimentos mais baixos, onde o conteúdo em importações será mais modesto. Mas, dado o enviesamento político dos economistas do eixo Bruxelas-Berlim-Frankfurt, não se espera um acolhimento favorável ao primeiro Orçamento português. Bem pelo contrário.
Acresce o facto de, no âmbito da supervisão dos orçamentos nacionais, a CE estar agora mandatada para exigir a execução de reformas estruturais que, do seu ponto de vista neoliberal, seriam favoráveis ao potencial de crescimento da economia portuguesa. A CE assumiu um compasso de espera nas suas exigências de reformas para favorecer a eleição da PàF mas, surpreendida e desagradada com o volte-face no governo do país, irá certamente voltar à carga com exigências que a esquerda dificilmente poderá aceitar.
Assim, o rumo que o país tomará nos próximos anos vai depender crucialmente da forma como a nova maioria vier a enfrentar o “mau ambiente” em Bruxelas e das escolhas que o governo alemão, com Merkel em baixa e Schäuble em alta, vier a fazer no quadro de uma quebra das exportações alemãs para os chamados países emergentes. Pretenderá recuperar o mercado europeu? Haverá tolerância para uma “austeridade progressista” na periferia?