Sábado, 14 de Novembro de 2015

 -------    Atenção, atenção     (-por J.Rodrigues, 12/11/2015, Ladrões de B.)

1. Atenção, atenção: não deixem de ler o artigo do Ricardo Paes Mamede no Le Monde diplomatique - edição portuguesa deste mês – Prioridades para um governo apoiado pelas esquerdas em Portugal. Na linha do seu livro, claro e distinto, este é um artigo sobre economia e política económica nacionais que articula e desenvolve três reflexões que o Ricardo já fez neste blogue e que vale sempre a pena revisitar neste novo e empolgante contexto: o triângulo das impossibilidades da política orçamental; a coligação de direita tem um projecto claro e coerente para o país; um terreno minado por todos os lados.

2. Atenção, atenção: o problema central, como sublinha Pedro Lains, não é um problema de finanças públicas, mas sim um problema relacionado com o constrangimento externo, da balança corrente ao endividamento externo brutal, um problema de falta de instrumentos para fazer com que a dinamização necessária do mercado interno, do consumo ao investimento, não se traduza numa deterioração de um saldo externo entretanto precariamente equilibrado à custa da degradação das capacidades produtivas nacionais e das condições de vida das classes populares.

3. Atenção, atenção: útil análise de Francisco Louçã neste contexto – “Faltam ainda respostas estruturais para o investimento, para gerir a conta externa e para melhorar a balança de rendimentos, o que só se fará com uma reestruturação da dívida. E, sem ela, não se vê como possa haver suficiente margem de manobra para resistir a pressões externas e para relançar o emprego. É preciso investimento e criação de capacidade produtiva e o Estado tem que ter um papel estratégico na resposta à prolongada recessão que temos vivido.”

4. Atenção, atenção: estamos sobretudo dependentes do pós-democrático BCE, o soberano monetário, o condutor dos mercados de dívida, por muito que jornais económicos se esforcem por destacar as reacções dos especuladores e as “análises” dos seus representantes bancários face ao efeito de um governo apoiado pelas esquerdas, disfarçando mal as suas preferências ideológicas (vejam como noticiam as subidas nos juros no mercado secundário e como noticiam as descidas): como sublinhou, o Nuno Teles, os vossos desejos não são notícia; isto não quer dizer que não possa existir algum efeito modesto; mal seria, aliás...

5. Atenção, atenção: está um golpista e sabotador em Belém. Neste momento, é a fonte primacial de instabilidade política.
------- O teste da "austeridade progressista"    (-J.Bateira, 13/11/2015, Ladrões de B.)
 
    O governo da direita caiu. Evidentemente, não passava pela cabeça dos líderes da coligação PàF que, tendo ganho as eleições, não pudessem governar o país. Muito mais reveladora foi a reacção dos media, com destaque para os jornalistas das televisões, que mandaram às malvas o seu código deontológico sem qualquer pudor ou disfarce. A falta de pluralismo na televisão é um problema que se arrasta há muitos anos. Porém, a viragem à esquerda do PS suscitou uma histeria que ultrapassou tudo o que já tínhamos visto. Recuperar o pluralismo nos media exige uma reforma estrutural que o novo governo – esperando que o bom senso prevaleça em Belém – deve iniciar no imediato, a bem da higiene no espaço público e da saúde da nossa democracia.

A conclusão de um acordo de incidência parlamentar que permita ao PS governar com o apoio da esquerda iluminou o rosto de muitos portugueses. Na expectativa do desanuviamento que se avizinha, é manifesta a alegria que invadiu inúmeras famílias de baixos rendimentos, para não falar dos militantes de base dos partidos da nova maioria e dos cidadãos que sempre sonharam com a “unidade das esquerdas”. Em largos sectores da população, a sensação de beco sem saída que os anos de chumbo da austeridade produziram na sociedade portuguesa, uma verdadeira anomia, está a ser substituída por um sentimento de esperança em melhores dias. Há até sinais de alguma euforia que só não é mais evidente porque ainda não conhecemos a decisão que vai tomar o Presidente da República.

Admitindo que a Constituição da República Portuguesa será respeitada, teremos em breve um governo a braços com uma tarefa muitíssimo pesada: a de virar a página da austeridade através de uma política orçamental que respeite os limites impostos pelas regras da zona euro. Como disse Mário Centeno, o muito provável novo ministro das Finanças, trata-se de seguir a trajectória exigida por Bruxelas, embora a um ritmo mais lento. O modelo dos economistas do PS diz-nos que a nova versão do seu programa mantém o saldo orçamental abaixo dos 3%, uma condição essencial para não despertar a fúria da Comissão Europeia, do Eurogrupo e das agências de rating. Por outro lado, sabe-se que os partidos da nova maioria aceitam rever as suas escolhas orçamentais para acomodar os impactos da crise bancária que se avizinha ou de outros imprevistos. Não acredito que a curto prazo surjam tensões sérias entre os signatários do acordo.

A maior dificuldade que o novo governo terá de enfrentar reside na orientação que Bruxelas dará ao Orçamento português. Admitindo que na actual conjuntura será aceite um deslizamento nas metas do défice, não parece muito difícil alcançá-las se o governo puder executar uma redistribuição dos sacrifícios da austeridade que resulte num aumento do rendimento disponível das classes sociais com maior propensão ao consumo. Contudo, não é seguro que Bruxelas aceite facilmente esta mudança para uma “austeridade progressista”. Importa lembrar que o ordoliberalismo inscrito nos tratados, e na prática da CE e do Eurogrupo, não aceita esta política económica com o argumento de que um crescimento económico apoiado no consumo agrava o desequilíbrio externo através do aumento das importações. Claro que o novo ministro pode sempre contra-argumentar que esse aumento do consumo ocorrerá sobretudo nas classes de rendimentos mais baixos, onde o conteúdo em importações será mais modesto. Mas, dado o enviesamento político dos economistas do eixo Bruxelas-Berlim-Frankfurt, não se espera um acolhimento favorável ao primeiro Orçamento português. Bem pelo contrário.

Acresce o facto de, no âmbito da supervisão dos orçamentos nacionais, a CE estar agora mandatada para exigir a execução de reformas estruturais que, do seu ponto de vista neoliberal, seriam favoráveis ao potencial de crescimento da economia portuguesa. A CE assumiu um compasso de espera nas suas exigências de reformas para favorecer a eleição da PàF mas, surpreendida e desagradada com o volte-face no governo do país, irá certamente voltar à carga com exigências que a esquerda dificilmente poderá aceitar.

Assim, o rumo que o país tomará nos próximos anos vai depender crucialmente da forma como a nova maioria vier a enfrentar o “mau ambiente” em Bruxelas e das escolhas que o governo alemão, com Merkel em baixa e Schäuble em alta, vier a fazer no quadro de uma quebra das exportações alemãs para os chamados países emergentes. Pretenderá recuperar o mercado europeu? Haverá tolerância para uma “austeridade progressista” na periferia?


Publicado por Xa2 às 09:00 | link do post | comentar

2 comentários:
De Esquerda possível e desejável. a 15 de Novembro de 2015 às 12:18

Porque estamos em 2015

«Questionado porque escolheu tantas mulheres para o seu Governo, Justin Trudeau, recentemente eleito primeiro-ministro do Canadá, respondeu: porque estamos em 2015.

O mesmo se pode dizer do acordo à esquerda. O que durante muito tempo foi impensável hoje é não só possível como desejável. Fez-se. Porque estamos em 2015.

A direita não percebeu isto. Não percebeu a mudança sociológica que ela própria operou com a sua política brutal. Não percebeu que a sua política se tornou insuportável para uma maioria dos portugueses. (...)

Portugal mudou muito nestes últimos dias. A primeira consequência desta mudança é o regresso em força da política. Nos últimos anos fomos dominados pela tirania dos mercados. As pessoas, a sociedade no seu conjunto, a própria soberania do país, foram totalmente desvalorizadas. Interessava acima de tudo agradar aos mercados. Como se Portugal fosse uma espécie de apartado, um "offshore" deserto, sem gente. Com a esquerda recolocam-se as pessoas no centro da actividade política. As suas expectativas, os seus direitos, a ambição de vida melhor.

O regresso da política trouxe também consigo uma nova dignidade para o Parlamento. Desacreditado pela irrelevância que a maioria absoluta da direita lhe conferiu, volta agora a ser o centro do debate político e partidário. Os portugueses vão seguir com maior atenção o que se passa no Parlamento. Porque é das suas vidas que ali se trata. Vamos perceber o que está em causa, as dificuldades de se chegar a consensos, o que pode e não pode ser feito a cada momento.

Mais política significa menos espaço para os simplismos económicos, para os humores dos mercados, para a submissão a poderes não democráticos e alguns antidemocráticos, nomeadamente quando se trata de ingerência num país soberano.

Mais política anima a conversa no campo da esquerda precisamente porque é essa a sua natureza. Não será uma conversa fácil, algumas vezes tornar-se-á conflituosa, mas ao contrário do que por aí se diz também não será tão mau assim. Como é hábito, a direita, sem outros argumentos, acena com o medo. Os perigos do radicalismo à esquerda, a catástrofe económica que aí vem, mas acima de tudo a ideia de que o PS fica nas mãos do PC e do Bloco. É ridículo, nem sequer faz sentido. (...)

Insisto. A direita pode continuar com o choradinho da derrota e com os prenúncios da desgraça. Mas não lhe valerá de muito. A política da esquerda será incomparavelmente mais excitante.»

(por Leonel Moura, via Entre as brumas..., 15/11/2015)


De ONU: democracia e reestruturar a dívida. a 20 de Novembro de 2015 às 18:27

Nações Unidas recomendam reestruturação da dívida sem esquecer a democracia

(Visão, 21.09.2015, http://visao.sapo.pt/actualidade/economia/nacoes-unidas-recomendam-a-reestruturacao-da-divida-sem-esquecer-a-democracia=f831003 )

Contra a vontade de alguns dos maiores credores mundiais - Alemanha, Reino Unido e Estados Unidos - e da própria União Europeia, que se absteve,
a assembleia das Nações Unidas aprovou,
a 10/9/2015, um conjunto de nove princípios democráticos que devem sobrepor-se à voracidade dos credores sempre que um país tenha de reestruturar a dívida.
Em sua defesa, além dos 136 membros que votaram a favor, estiveram 19 conhecidos economistas, entre os quais Yanis Varoufakis, ex-ministro grego das Finanças, e Thomas Piketty, autor do livro-sensação O Capital no século XXI.

Para evitar novas Argentinas (ainda em litígio contra os fundos-abutre)
ou novas Grécias, as Nações Unidas recomendam que as partes negociadoras não se esqueçam de incluir, nas suas contas,
o respeito por princípios universais como a soberania, boa fé, transparência, imparcialidade, igualdade de tratamento,
imunidade soberana, legitimidade, sustentabilidade e que qualquer reestruturação de dívida deve ser sempre aprovada por maioria.

Assim, quem empresta deve cooperar com quem pede emprestado, reconhecendo a legitimidade de um país soberano orientar a sua política macroeconómica no sentido do crescimento, desde que os direitos dos credores não sejam postos em causa.
A despolitização do sistema financeiro e a ausência de alternativas às políticas de austeridade são também referidas no documento.

No manifesto assinado pelos 19 economistas, a situação recente da Grécia está bastante presente.
"A crise grega tornou claro que os países que agem isoladamente não conseguem negociar condições razoáveis para a reestruturação da sua dívida."
E terminavam apelando à União Europeia que votasse favoravelmente a resolução.

A Argentina, forçada pelos credores a aceitar uma dura renegociação da dívida em 2002, foi um dos países mais empenhados na aprovação da recomendação.
O ministro dos Estrangeiros, Héctor Timerman, declarou, perante a assembleia das Nações Unidas:
"Esta é uma resolução a favor da estabilidade económica e social, da paz e do desenvolvimento.
A dívida é hoje responsável pela violência, pela desigualdade e pelas situações em que os poderosos ficam em vantagem perante o países menos desenvolvidos que precisam de capital."

Os Estados Unidos, o Reino Unido e a União Europeia (enquanto bloco de países, incluindo a Grécia..., mas dominada pelo Eurogrupo e CE de neoliberais)
alegaram a vontade de preservar o papel de árbitro do Fundo Monetário Internacional (FMI), no que respeita aos planos de reestruturação de dívida soberana, para justificar as suas posições.


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