A combinação de elementos que caracterizou a social-democracia europeia nas últimas décadas deixou de ser possível. Só que os próprios sociais-democratas ainda não o perceberam.
A social-democracia europeia transformou-se profundamente nas últimas décadas. Durante a maior parte do século XX, os partidos denominados socialistas ou trabalhistas desempenharam um papel central na consolidação do Estado social e na adopção de um amplo conjunto de medidas que melhoraram a condição dos trabalhadores e classes populares. Da década de 1980 em diante, porém, a social-democracia europeia aderiu rapidamente aos princípios da liberalização, privatização e salvaguarda dos interesses do capital. Em suma, ao neoliberalismo.
Sociais-democratas... e neoliberais A origem do sucesso político do projecto neoliberal residiu na sua capacidade de resolver a crise estrutural que, na década de 1970, resultara dos desincentivos ao investimento originados pelo crescimento dos salários no pós-guerra. O sucesso político de figuras como Thatcher ou Reagan deveu-se à promessa, em grande medida cumprida, de reestabelecer o dinamismo económico através do ataque sistemático aos salários directos e indirectos, restaurando os lucros e o incentivo ao investimento. E esse sucesso político foi tão estrondoso que conseguiu cooptar a social-democracia. De então em diante, os sociais-democratas passaram a distinguir-se dos conservadores pela robustez das políticas sociais defendidas, pelas posições em matéria de costumes e direitos das minorias... mas não pelas medidas de política económica defendidas, virtualmente idênticas na sua adesão ao neoliberalismo.
O fim de uma era Só que o neoliberalismo, além de iníquo do ponto de vista da justiça social, revelar-se-ia também disfuncional do ponto de vista do crescimento económico: a prazo, era inevitável que a desigualdade crescente na distribuição do rendimento acabasse por comprometer a procura agregada e provocar, ela própria, estagnação. Durante algum tempo, o crescimento do endividamento permitiu ter sol na eira e chuva no nabal - elevada rendibilidade do capital a par de procura agregada dinâmica -, mas mais cedo ou mais tarde este teria de atingir os seus limites, o que sucedeu em meados da década de 2000. O neoliberalismo tornou-se então incompatível com o dinamismo económico.
A actual estagnação das economias avançadas é, por isso, a crise estrutural do neoliberalismo e sinaliza o fim da era em que foi possível conciliar políticas económicas neoliberais com políticas sociais relativamente robustas. Doravante, a restauração do dinamismo económico e a sustentabilidade do Estado social exigirão, necessariamente, uma ruptura profunda com o modelo neoliberal. O problema é que este encontra-se inscrito no ADN de inúmeras políticas e instituições nacionais e europeias, que os próprios sociais-democratas dedicaram as últimas três décadas a construir. De Hollande a Seguro, é precisamente essa a contradição com que se confrontam e confrontarão os sociais-democratas europeus. Infelizmente, ainda nem sequer o perceberam. (no Expresso online, por Alexandre Abreu, 22.5.14, Ladrões de B.)