O Grande Irmão quer o teu BI e o teu ADN
(-Ric.A., 2/1/2011, Esq.Republicana)
-------- [big brother is watching you]
Os EUA querem, o governo português reflecte, o pedido será satisfeito.
O FBI quer consultar os dados constantes dos bilhetes de identidade de todos os portugueses (do registo civil português, sublinhe-se). E para os condenados, quer o registo criminal e os dados biométricos. Tudo para fazer uma super-mega-hiper base de dados que permita combater (tremor de voz ao ler isto) «o terrorismo». (Que, não notaram?, está cada vez mais invisível. Tal como na Oceânia do outro.)
Está um acordo bilateral na Assembleia da República, prontinho para ratificar. Vou ficar muito atento a quem votar a favor e contra. E nem é tanto pela assimetria da relação (não sermos nós a consultar os dados dos americanos e sim o contrário), porque já entendi que querer levantar quem se habituou a estar de joelhos é, muitas vezes, como querer obrigar a velhinha a atravessar a rua. É mais pela questão de princípio. Porque há partilhas que não se fazem. Os dados que entregamos ao Estado português já são demais e demasiado centralizados (quando vamos acabar com a porcaria das impressões digitais nos BI´s?). Que os comecem a deslocalizar é insultuoso. É vender, literalmente, a nossa identidade. A nossa identidade que mais importa, a de cada indivíduo enquanto cidadão.
Pois é. A tragédia é as pessoas lerem o 1984 pensando que aquilo só acontece aos outros. Mas a «luta contra o terrorismo» tem primado pelos recuos em direitos humanos e pelas violações de privacidade. E tem tornado actuais os velhos lemas «guerra é paz», «liberdade é escravatura» e «ignorância é poder».
Acordem agora, ou apenas depois, quando um burocrata de Washington tiver nas mãos a vossa morada e as vossas impressões digitais. As vossas e as de mais dez milhões de portugueses.
30 de Abril de 2010
Agruras dum imigrante
Tendo sido "convidado" a ficar nos EUA pelos meus colegas portugueses (sempre com protestos de elevada estima e consideração), não tenho a menor hipótese de alguma vez voltar para a Europa, e em Setembro conto pedir cidadania americana. Sobretudo porque aqui me tratam muito bem.
Mas sempre que vou à Europa, mesmo que por poucos dias, passo por um período doloroso de readaptação ao Texas. Esta semana foi difícil, com o nosso governador idiota – um proponente da secessão chamado Rick Perry – a anunciar que matou um coiote durante o seu jogging matinal, com a arma que traz sempre consigo, e os republicanos anunciaram que vão ganhar as proximas eleições e desfazer o trabalho de Obama, sobretudo a reforma da saúde, antes que ela possa entrar em vigor e as pessoas percebam o que é bom para elas.
Há quase doze anos aqui, continua-me a custar suportar a estupidez e a ignorância das pessoas, e a propaganda das rádios. Não mudou nada depois da exposição pública das indignidades e dos crimes contra a Humanidade perpetrados pelo bando de mafiosos a quem Dick Cheney – e o carocho George Bush – abriu as portas da Casa Branca. As estatísticas demonstram que apenas 30% dos americanos se revêem nos ideias “liberais” e laicos. Os outros 70% não se chocam com a multidão de desdentados que se auto-denominou “the Teabaggers” e promove pelo país os ideais do Ku-Klux-Klan.
Nem o ridículo de terem descoberto que entre a comunidade homossexual tea-bagging é uma prática que envolve a cara de um parceiro e os testículos do outro deteve o entusiasmo racista e selvagem de quem acredita que é possível reinstituir o caos do século XIX e trazer de volta a idade de ouro americana, quando não havia governo e os avós destes delinquentes faziam o que lhes apetecia.
Não há um único jornalista que se atreva a comentar esta realidade: nos EUA, tudo o que é público é excelente (o Smithsonian, o Park Service, a NASA, a NOAA, a NPR, a PBS, o Postal Service, os serviços do governo funcionam lindamente, comparados com os europeus, o Marine Corps, etc.), e tudo o que é privado é feito na China e não presta para nada. A Verizon é uma organização criminosa que vende um serviço cada vez pior e cada vez mais caro (a internet nos EUA está 3% mais lenta que em 2007), a Microsoft é um coito de anormais que vivem com a mãe e mudam esta porcaria deste Windows todas as semanas, sem que nada melhore, a Apple é um culto em que os membros compram tudo o que tenha a letra “i” à frente do nome e estão sempre prontos para morrer pelo Steve Jobs, os computadores Dell não prestam, as companhias de aviação são uma porcaria, sobretudo quando comparadas com as europeias, a saúde custa sete vezes mais que na Europa, as internacionais da comida envenenam os cidadãos, o Ronald McDonald mata MUITO mais gente por ano do que o Al-Qeida, a Monsanto é uma Camorra, as empresas petrolíferas também, as seguradoras também, e a Blackwater é uma organização criminosa ainda mais perigosa que a Goldman Sachs.
Mas os media não deixam que realidade se meta no meio da ideologia: o que é público é mau; o que é privado é bom.
De Liberdade e Devassa de privacidade a 24 de Junho de 2014 às 16:06
Miguel Sousa Tavares: a sociedade da devassa
Miguel Sousa Tavares, Expresso, 11-12-2010. Posso não concordar com tudo, mas sem dúvida vale a pena ler. Certas partes deste texto mereceram uma resposta do Rui Tavares, que também vale a pena ler.
O WikiLeaks mexe com coisas mais sérias e é tudo menos inocente. O seu objectivo é claramente o de desarmar a única superpotência ocidental, num mundo tripolar, onde esse desarmamento unilateral não passará sem consequências. E eu, se me é permitida a escolha e enquanto for vivo, prefiro viver numa democracia ocidental do que numa chinesa, russa, norte-coreana ou iraniana. E também sei que, com todos os seus defeitos e imperfeições, todos os erros e vilanias, os Estados Unidos continuam ainda a ser o garante militar da sobrevivência da civilização ocidental. Ou, dito mais simplesmente, o garante da liberdade e da paz relativa em que vivemos. Se for preciso travar o desvario nuclear do Irão ou da Coreia do Norte, ou contamos com os Estados Unidos ou não contamos com ninguém.
Nada disto é inocente, excepto, curiosamente, o próprio conteúdo dos papéis diplomáticos roubados ao Departamento de Estado americano. Um ouvinte do 'Fórum da TSF' declarava há dias que, graças ao WikiLeaks, ficámos a conhecer toda a espécie de tropelias, abusos dos direitos humanos e outros crimes cometidos pela Administração americana. Não ficámos nada, foi exactamente o contrário. Ficámos a saber, sim, que é a Arábia Saudita que roga aos Estados Unidos que ataquem o Irão e os americanos que resistem ao pedido; ficámos a saber que os Estados Unidos acreditam e privilegiam uma solução pacífica para as provocações nucleares da Coreia dos Kim II e III; ou que, apesar de classificarem Berlusconi como um aliado íntimo, têm dele a mesma triste opinião que todos nós. Não vejo onde estejam os crimes e os abusos, vejo, sim, uma superpotência que luta praticamente sozinha contra o terrorismo da Al-Qaeda e que chama a si a responsabilidade - que todos lhe exigem - de acorrer a todos os focos de incêndio no planeta. E que, para tal, obviamente, precisa de ter informações militares, políticas e diplomáticas classificadas, como qualquer outro país do mundo, desde que o mundo é mundo. (...)
Desde quando é que constitui direito dos povos conhecer, em tempo real, o teor da correspondência diplomática entre os embaixadores de um país e o seu governo? Se assim fosse, para que serviriam os embaixadores? Para que serviria a diplomacia? E porque não conhecermos também o teor das conversas telefónicas e da correspondência trocada entre os dirigentes do Bloco de Esquerda? Também poderia ter o seu interesse...
Não há dúvida de que o mundo ficou mais seguro depois de o sr. Assange, violando correspondência alheia em nome da liberdade de informação, ter revelado aos russos que os Estados Unidos acham que Vladimir Putin é autoritário, vaidoso e com amizades não recomendáveis na máfia russa, ou que o sr. Erdogan, na Turquia, é suspeito de ter dinheiro escondido na Suíça e desviado do Estado. Isso vai ajudar imenso à aprovação do START III, o novo tratado de desarmamento entre a Rússia e os Estados Unidos e ajudar imenso à aproximação necessária entre a Europa, a NATO e os EUA, por um lado, e a Turquia, por outro...
As coisas devem ser levadas a sério. Ter Assange preso porque se lhe rompeu a camisinha quando estava na cama com uma sueca é ridículo. Ele deve estar preso e responder por violação de correspondência pública e privada (que, tanto quanto imagino, é crime até na Austrália), por quebra de segredos militares que pode pôr em risco a vida de pessoas e por aquilo que é, para todos os efeitos, um acto de guerra. Porque, não sei se sabem que, no Ocidente onde vivemos, estamos em guerra não declarada contra o terrorismo da Al-Qaeda, contra o fanatismo islâmico, contra a insanidade nuclear de ditaduras como as do Irão ou da Coreia do Norte. E, se não sabem, passarão a sabê-lo no dia em que tiverem o azar de ver alguém querido morrer num atentado terrorista tornado mais difícil de evitar graças às revelações desse inventado herói chamado Julian Assange.
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