Nota: Este cidadão prefere escrever com erros próprios do que oficializar erros alheios, pelo que não obedece ao execrável 'Acordo ortográfico' (e que todos os outros países lusófonos não aplicam).
" Despachar o português : o dever de recusa "
«Anda por aí à solta uma epidemia da obediência antecipada, um zelo narcísico em obedecer e uma pressa institucional em se fazer obedecer, a bem dos brandos costumes. Por toda a parte onde se escreva e não se questione: nas editoras, nas universidades, na escola, nos serviços públicos, nas entidades privadas "esclarecidas".
No gesto tão modernaço quanto burocraticamente hirto com que abusivamente se procura dar por "oficializado" esse disparate técnico e essa inépcia política designados "Acordo Ortográfico de 1990" (AO90), uns, mais papistas que o Papa, emitem despachos: e os subpapistas despacham-se a cumpri-los, pelo facto de serem despachos. Nessa concha fechada do institucionalismo, emitiriam e cumpririam também os despachos opostos, uns com a alegria maldosa do álibi hierárquico, os outros com o prazer perverso ligado ao acto simbólico do puro exercício formalista do poder. Ainda outros, entregues à tara provinciana de serem os primeiros; quando não é o caso de terem na mira uma oportunidade de negócio em letra impressa: "já" estarem do lado bom das vendas.
Essa admirável cultura da legalidade ignora viciosamente o vasto historial argumentativo da resistência científica e, por isso, cívica que desde 1986 torna tudo menos "evidente" (e "de vosselências mui atento e obrigado") o cumprimento de despachados despachos.
Ah, admirável superstição de amanuenses dóceis, que nos vêm recordar, caso estivéssemos esquecidos, que a Lei é a Lei, e que a tal ponto esta tautologia é majestosa e em si mesma, que, dizem, submete por igual soberanos e súbditos, enchendo-nos a todos de candura e paz! Talvez seja vício filosófico perguntá-lo, mas, na fórmula mágica "igualdade perante a Lei", perante que instância é que essa famosa "Lei" por sua vez responde?
Um caso a vários títulos eloquente, a este respeito, foi o de Vasco Graça Moura, à frente do Centro Cultural de Belém, posto onde demonstrou sossegadamente a absoluta irrelevância, quer da teologia da obediência, quer de algum esbracejante anarquismo da desobediência (que ele jamais reconheceria, porém, como ingénua "desobediência"): limitou-se com toda a tranquilidade a continuar a escrever recusando-se à aplicação, não da Lei ou de temerosos despachos, mas da rábula técnica e da mistificação diplomático-editorial que dá pelo nome de "Acordo Ortográfico".
Ah – e proclamando-o publicamente. Ponto importante, e pouco português, que nos acusa: moles!, lassos! E coragem exemplar que nos envergonha duplamente, não só por ele a ter tido, mas por nos ter assim mostrado a todos que essa imaginária vigilância kafkiana a que a inércia, mais que o temor, nos subordina, é um tigre de papel.
O que deve, em tais circunstâncias, fazer um agente institucional médio à frente de um serviço de Estado sob despacho? Pois, escrever tranquilamente o seu português e lamentar a quantidade de gralhas persistentes que os revisores de comboio forem, em seguida, capazes de descobrir todos lampeiros no sucinto trajecto entre Carcavelos e a gare de Oeiras.
Esses zelosos oficiais de pala bem podem então correr a levar ao senhor Chefe de Estação os escandalosos bilhetes apreendidos, e ele que os faça passar, se lhe aprouver, pelo olho de Lince do programa corretor, nosso patrono, restituindo a Ordem das coisas e do seu estado, e repondo a moral pública e o aprumo no sistema ferroviário nacional, expurgado de choques e atrasos. Desde que eu não os assine pelo meu punho na sua nova versão aguada e ignara. Pois só se deve assinar aquilo que se escreve.
Sem sermos aqui demasiado kierkegaardianos, o que Graça Moura fez foi escolher a escolha – e não a falsa alternativa entre obedecer e desobedecer. A liberdade que ele exerceu não se mede contra o constrangimento de uma regra, mas escolhendo o que liberta – a língua, que é do que se trata, e não a norma, cuja forma – o ser-norma – é por definição alheia à língua, à qual trata como seu objecto. Pode-se escolher como se vive: na língua – ou como funcionário.
Paradoxalmente, o zelota é aquele que defende com tanto arreganho a ortografia anterior, como qualquer uma que pretenda revogá-la: uma ortografia é correcta por obedecer à lei, não à língua, e eis que a Lei é o melhor argumento linguístico que há, senão o único: questão de regulamento interno por despacho de sua excelência.
Não é aqui o lugar para mergulhar numa filosofia da linguagem ou numa teoria da escrita. Limitemo-nos a apontar uma evidência que esvazia em cinco segundos toda e qualquer pertinência de uma proposta de "acordo ortográfico" baseada na alegação de que a unificação ortográfica produziria uma unificação linguística suficiente: para todos os efeitos práticos, um acordo ortográfico não serve absolutamente para nada, porque é falso que unifique o português escrito e o brasileiro escrito, nem sequer no plano ortográfico (onde se multiplicam casos de dupla grafia, o "AO" auto-sabotando assim o seu próprio princípio formal), quanto mais nos outros três dos quatro planos em jogo, insanavelmente divergentes e livremente criativos. Com efeito, no dia em que nos fóruns internacionais a lusofonia queira expressar-se a uma só voz (incluindo a Guiné Equatorial do 'simpático' falante Obiang) e num documento unificado, a versão que soar terá ainda que escolher se dirá "ônibus", "machimbombo" ou "autocarro" (são alternativas lexicais não unificáveis); se formulará "policial" ou "polícia" (são alternativas morfológicas não unificáveis); se articulará "me deixa te dizer" / "deixa-me dizer-te" (são alternativas sintácticas não unificáveis). A multiplicar por mil.
A extensão e a profundidade das diferenças lexicais, morfológicas e sintácticas sobrepassam esmagadoramente as divergências ortográficas, epidérmicas em relação àquelas – tornando o "acordo" impróprio para os embaciados fins político-diplomáticos que foi sugerido esperarem-se dele. Apelamos, pois, aqui, não à "desobediência civil", mas tão simplesmente a este português em que escrevemos.» - José Manuel Martins, no Público.
O dado
(http://portugaldospequeninos.blogs.sapo.pt/, 12/4/2015)
Os barulhos que tomaram conta da vida política na última semana impediram que se prestasse a devida atenção a coisas aparentemente mais duradouras pelas piores razões. Refiro-me à "proposta de resolução do governo que transpõe o Acordo relativo ao TRIBUNAL Unificado de PATENTES que cria "um sistema de patente europeia unitária" dominado exclusivamente pelas línguas francesa, inglesa e alemã. Os bufarinheiros da "lusofonia" desta vez não se interessaram e a proposta foi aprovada na sexta-feira pela maioria, com a abstenção do PS e os votos contrários dos restantes parlamentares e do deputado Ribeiro e Castro do CDS. Foram, claro, prestadas as costumeiras e piedosas declarações de voto. Mas a verdade é que, pouco a pouco, a tal língua que tem não sei quantos milhões de falantes no mundo inteiro, que suscita delíquios extremos em piqueniques literato-poéticos e em "cimeiras" de chefes de Estado e de Governo da grotesca CPLP e que, graças a um "acordo" absurdo e ilegal entre nós, escreve-se oficiosamente de maneira irreconhecível, começa logo por ser pouco respeitada "em casa". A ignorância e a complacência geral do regime não se poupam nos esforços. É triste mas é o dado.
tags: língua portuguesa, sociedade
João Gonçalves
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Um acto inaceitável
Fico satisfeito por ver que Henrique Neto - menos preocupado com capas de jornais ou em fazer de "emplastro" de outros e mais atento ao que deve realmente interessar ao país - reparou neste dislate aprovado praticamente à socapa, numa sexta-feira, pela maioria parlamentar com a abstenção do PS. «O candidato presidencial disse “lamentar a recente aprovação no Parlamento (do acordo sobre o Tribunal Unificado de Patentes) por colocar em causa a dignidade da língua portuguesa», considerando que «se está a desvalorizar o facto de “a língua portuguesa ser a 3ª língua global, a 3ª língua do Ocidente e a 4ª língua mais falada no mundo”. Trata-se “de um acto inaceitável, porque vem acentuar a periferização de Portugal, quando o momento exige justamente que se trabalhe com afinco no sentido contrário”. "Portugal não pode aceitar uma tal decisão”, salientou Henrique Neto, certo que se trata de algo “incompreensível”.» Finalmente «o Presidente da República deveria pronunciar-se com clareza sobre este acordo, exigindo a reconsideração das posições dos partidos políticos responsáveis pela sua aprovação.»
Fonte: Notícias ao Minuto
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. PCP, BE, PEV e
Deputado do CDS vota contra diploma do governo sobre patentes
. PS absteve-se
(por O.L. Oliveira e M.Marujo,10/4/2015,DN)
José Ribeiro e Castro critica "troika linguística" - alemão, inglês e francês - no registo de patentes a nível comunitário, que foi aprovado no Parlamento. PCP, BE e PEV também votaram contra.
O deputado do CDS José Ribeiro e Castro levantou-se esta sexta-feira contra uma proposta de resolução do governo que transpõe o Acordo relativo ao Tribunal Unificado de Patentes, que cria "um sistema de patente europeia unitária". Para o ex-líder centrista,
a votação a que se opôs constitui "um exemplo de escola de ato profundamente ilegítimo, mascarado de legalidade".
"Este é o segundo ato de um movimento falsamente europeu
e, a meu ver, gravemente lesivo de interesses fundamentais de Portugal", aponta Ribeiro e Castro na declaração de voto a que o DN teve acesso. E prossegue com as críticas:
"O caso reveste-se daquela obscuridade técnica que é propícia a manobras e artifícios diante da indiferença dos cidadãos e da opinião pública."
"Do que se trata é da instalação de um regime profundamente discriminatório entre europeus no quadro do mercado interno e do seu funcionamento, através da imposição, em matéria de patentes, de uma troika linguística: alemão, francês e inglês.
Estas línguas passam a ter privilégios exclusivos, discriminando-se e desqualificando-se todas as outras línguas europeias.
Passaria a ser assim no REGIME da PATENTES- foi o primeiro ato, consumado no final do governo Sócrates.
E passará a ser assim também em sede da JUSTIÇA específica respetiva - é o segundo ato, que hoje a Assembleia da República aprovou", acrescenta o parlamentar.
Vários deputados PSD apresent.declaração de voto, assim como a bancada do PS, que se absteve
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(des) acordo ortográfico português - resistência e objecção de consciência
« Este blog ainda não adoptou o acordo ortográfico. O autor prefere escrever com erros pessoais a fazê-lo com erros oficiais. » - LNT e ...
... as "vogais e consoantes politicamente incorrectas do acordo ortográfico" + um Plano de Acção que garante que (a "irreversibilidade" e) o impossível não é mais do que aquilo que ainda não foi possível realizar:
... ... ...
(-por Xa2, 28/5/2013, Luminária)
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Não ao "acordo" ortográfico e não à "gramática modernaça"
ACORDO ORTOGRÁFICO:
ACABAR JÁ COM ESTE ERRO ANTES QUE FIQUE MUITO CARO
... ... ...
(- por Xa2 , 19.02.14 , Luminaria)
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des Acordo Ortográfico
em 20.04.15
«O acordo [ortográfico] foi negociado em segredo, foi introduzido à socapa como facto consumado,
foi imposto à força, contra a contestação geral ou quase, e finalmente foi ratificado ilegalmente visto que o tratado que o fundou não permitia a alteração que se fez:
foi celebrado por sete países e estava previsto que cinco o ratificassem para entrar em vigor
e como não se conseguiam esses cinco fez-se uma alteração legal dizendo que bastavam quatro para o fazer.
A entrada em vigor do acordo é ilegal.
O acordo não só não resolveu nada que supostamente queria resolver como praticamente agravou todas.
Criou contradições e coisas anedóticas. Por exemplo:
dizia-se que era preciso aproximar a língua da oralidade e temos o exemplo do pára e do para, que é uma coisa absurda. (...)
Era preciso unir a ortografia porque havia duas. Mas neste momento há três:
a brasileira, a portuguesa de antes do 'acordo' que muitas pessoas continuam a utilizar, como eu, e a portuguesa depois do acordo.
Isto gerou tamanha confusão... nos documentos públicos, no ensino público e até na própria imprensa há partes do acordo que são facultativas e outras que não são.
Isto gerou uma cacofonia total e absoluta.
Dentro de uma geração os pais não vão perceber o que os filhos escrevem - e vice-versa. (...)
O brasileiro chega a Portugal e, em vez de encontrar a recepção do hotel, que é como eles dizem, encontra a 'receção' do hotel, o que é uma anedota.»
Miguel Sousa Tavares, no Jornal da Noite da SIC
DesAcordo Ortográfico
Era (e sê-lo-iam ainda) necessárias a ratificação e depósito de TODOS os intervenientes:
Artº 3º "O Acordo Ortográfico da Língua Portuguesa entrará em vigor em 1 de Janeiro de 1994, após depositados os instrumentos de ratificação de TODOS os Estados junto do Governo da República Portuguesa."
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Sim.
Mas o fundamental é que todos os opositores ao aborto ortográfico utilizem o espaço público de que dispõem, como ontem fez MST, para denunciarem esta aberração e promoverem a consulta popular.
Só aí, à boleia dessa consulta, poderá ser feito o debate que os decisores políticos nunca organizaram.
Esta é uma matéria típica em que o Estado (leia-se: o Governo) "nacionalizou" indevidamente um tema sem debate prévio na sociedade civil.
Ao contrário do que sucede noutros países, que nos deviam servir de modelo, em que as regras ortográficas são fixadas por quem sabe:
a comunidade científica, nomeadamente as academias.
Em Portugal sucedeu precisamente o inverso:
o Estado (leia-se: o Governo) legislou contra o parecer quase unânime das entidades com credenciais científicas para o efeito.
Passando-se a si próprio um verdadeiro atestado de incompetência.
A propósito
: ficarei atento aos programas dos candidatos presidenciais.
Para saber o que cada um pensa chamado "acordo ortográfico".
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Chamar segredo a algo que é citado todos os dias no jornal e que levou uma carrada de anos a ser implementado é capaz de ser um bocadinho exagerado.
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Você alguma vez viu o Governo, este o anterior, promover algum debate público, com carácter nacional, sobre a ortografia da língua portuguesa?
Ou algum debate sob o alto patrocínio da Presidência da República?
Eu não.
Vi - isso sim - uma petição popular assinada por mais de cem mil cidadãos contra o AO
"despachada" em dez minutos de desinteresse parlamentar, numa sexta-feira ao fim da manhã, na Assembleia da República com o plenário quase vazio.
Estou à venda, comprem-me!
Caros Políticos de Portugal,
Decidi que, pela minha língua-mãe, vale a pena prostituir-me e, como tal, o meu voto está à venda. Se querem o meu voto, corrijam a bela merda que fizeram ao instituir o Acordo Ortográfico de 1990 (AO90).
Pergunto-me porque razão não há vontade política para corrigir uma coisa que tão obviamente está errada e não funciona,
uma coisa que criou barreiras entre os povos que usam o português, uma coisa que introduziu incerteza e aumentou o ruído de se comunicar em português.
Recordam-se do ruído, certamente? Nós aprendemos acerca do ruído nas aulas de português, quando éramos pequeninos:
o ruído é tudo aquilo que impede que a mensagem seja compreendida.
Foi-nos ensinado que o ruído era uma coisa má para a língua.
Caros Políticos, o AO90 é ruído e é um ruído institucionalizado por vós. Há aqui uma grande contradição:
no ensino público ensinam-nos a minimizar o ruído, mas na legislação tolera-se e amplifica-se o ruído.
Expliquem-nos o vosso segredo para ver se nós compreendemos como é que a vossa cabeça funciona.
Como é que vocês, Políticos de Portugal, encontram vontade política para fazer maldades,
como aumentar impostos, portagens, insultar portugueses, espiar,
mas não encontram vontade política para fazer algo que agradaria à maioria dos portugueses?
Expliquem-nos a lógica da vossa loucura. Depois, arranjem coragem, e comprem o meu voto. Eu estou à venda e calha bem porque as eleições estão à porta.
Muito obrigada!
RIC ,
Viva língua
(-por Sérgio Lavos, 12/5/2015, http://365forte.blogs.sapo.pt/viva-lingua-352248#comentarios )
Quando Fernando Pessoa escreveu “a minha pátria é a língua portuguesa”,
já tinha havido uma tentativa séria de estabelecer uma norma linguística que visava sobretudo o controlo, pelo estado português, dessa norma.
Depois desta frase, muitas tentativas foram feitas para que essa norma existisse.
Em 1992, foi estabelecido o Acordo Ortográfico para os países de língua portuguesa.
Agora, enquanto escrevo este texto, desrespeito o acordo que entrou em vigor hoje.
Contudo, não desrespeito a língua.
Escrevo em português, e ao escrever produzo uma língua diferente da que falo.
Fernando Pessoa, quando pensou essa frase, que tão bem tem servido os interesses de uma pátria que quase nunca respeita a herança deixada pelos grandes escritores do passado,
não teria com certeza em mente esta irreprimível vontade de regular essa coisa volúvel (e como a palavra se aproxima de volúpia) que é a língua.
A pátria (Língua) de Fernando Pessoa foi o instrumento usado para deixar a sua marca no mundo.
Criar uma nova língua dentro da língua que antes havia.
E se outra prova não houvesse, bastaria o facto de esta, e outras frases, do poeta continuarem a ser repetidas mais de setenta anos depois da sua morte.
Duvido que os belos BASTARDOS da língua portuguesa se interessem minimamente pelo Acordo Ortográfico, com a sua regra e a sua excepção, com as supostas vantagens comerciais desta normalização forçada.
Não precisam, usam a língua portuguesa como pátria, e isso é suficiente.
Mia Couto, Luandino Vieira, Ondjaki, Rubem Fonseca;
tudo o que eles escrevem é prova dura a superar pelos académicos bafientos que querem impor regras gramaticais e ortográficas ao resto do mundo.
José Saramago e seu desengonçado flamenco prova que nada é tão rígido que não possa ser dobrado pelos anos de contacto com outra língua –
ninguém poderá recusar o enriquecimento estilístico que as derivações cervantinas dos últimos romances de Saramago trouxeram.
Escrever abraçando a música de outra língua abre o leque, balança o swing das mãos sobre as teclas.
Há quem ouça música de negros para escrever; talvez eu precise apenas de derrogar por momentos a autoridade do meu português num longínquo gingar brasileiro para que todo meu pensamento se mova e se contorça, perca a palidez da normalidade.
A questão é simples:
queremos uma língua pura ou uma língua mestiça?
A resposta é um pouco mais complexa do que poderia parecer.
O Acordo visa normalizar a mestiçagem da língua. E isso, parece-me bem claro, é um paradoxo.
Nenhuma norma poderá obrigar um português a escrever como um brasileiro ou um angolano, e vice-versa.
A mestiçagem é um fenómeno livre, o cruzamento de influências um fluxo libertário que não deverá ser constrangido.
Ao defender isto, não colocamos em causa a existência de uma gramática.
Ela existe, é verdade, e deverá existir, sobretudo para não ser respeitada.
A tradição literária contemporânea vive desta liberdade.
O uso de coloquialismos, calão, gíria de bandidos, é traço comum em muitos autores brasileiros actuais e começa a ser também em alguma literatura portuguesa.
A invenção passa por aqui; e mesmo que continuemos a admirar o divino português do Padre António Vieira, as duas coisas não são incompatíveis:
basta pensar nos diálogos nos filmes de João César Monteiro para se perceber isto.
A única posição esteticamente correcta nesta questão é esta:
promover uma gramática comum a todos os países de língua portuguesa,
na esperança de que esta seja continuamente desrespeitada por quem escreve e fala, contribuindo deste modo para que a língua portuguesa seja uma coisa viva, em permanente evolução, como qualquer língua deverá ser.
Se esta posição for a que vingar, não se duvide de que será o único modo de
combater o predomínio da língua inglesa no actual mundo globalizado.
(No dia em que oficialmente entra em vigor o Acordo Ortográfico deixo aqui um texto publicado há uns anos no Arrastão que continua a descrever bem o que penso sobre o tema.)
...
Relembro a posição de Feijó sobre o dito cujo e, dela, esta significativa passagem.
«Não há qualquer acordo ortográfico entre países de língua inglesa, nem poderá havê-lo.
A língua inglesa nem mesmo é língua oficial dos Estados Unidos, sendo as tentativas de legislá-la como tal sistematicamente recusadas pelo Congresso.
A inexistência de uma língua oficial implica que, em qualquer comunidade em que haja uma significativa comunidade de falantes de um idioma que não o inglês, os documentos oficiais devam escrever-se nesse idioma, bem como em inglês, enquanto idioma mais falado no país.
O critério é aqui pragmático e político, o do necessário reconhecimento democrático de uma realidade local.
Arrogar-se o Estado legislar sobre intangíveis como a língua, que na realidade o excedem, seria uma extensão abusiva das suas funções.
Numa altura em que, em Portugal, se procura definir com parcimónia quais as funções do Estado,
a sua extensão a um domínio como a língua é uma forma de cesarismo indesejável.»
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Desobedecer ao "acordês"
[ "If a law is UNJUST, a man is not only right to DISOBEY it, he is obligated to do so." - Thomas Jefferson, USA ]
Basta atentar em títulos de jornais, capas de livros, rodapés das televisões, no "Diário da República", em documentos e "sítios" oficiais, oficiosos e "institucionais" para se ter
uma dolorosa ideia do desastre a que conduziram as "facultatividades", as "cláusulas de excepção" e as duplas grafias do "acordo".
Os alunos, cuja dificuldade com o Português é conhecida e tragicamente demonstrável,
ficaram reféns de uma "novilíngua" imposta pelos manuais escolares pelo que corremos o risco de à "mais bem preparada geração"
seguir-se "a mais iletrada e analfabeta".
Os miúdos não sabem como escrever o que os afastará do gosto de ler.
Penalizá-los nos exames por não seguirem o "acordês" não reforça a disciplina mental indispensável à aprendizagem.
Apenas confunde e atemoriza.
Porque passa a ser considerado "erro ortográfico" escrever em português e não em "acordês",
esse aleijão a meio de lugar nenhum que Crato resolveu apascentar.
Por outro lado, insistir no argumentário vulgar da "lusofonia" para defender o "acordo" releva da má-fé política e da ignorância histórica.
Como sugeria Vasco Pulido Valente pouco tempo após o Governo do doutor Cavaco Silva, por interposto secretário de Estado Pedro Santana Lopes, ter subscrito o dito "acordo",
"nada em princípio impede Lisboa de se tornar o centro do estudo do português:
não só do português de Portugal, mas do português do Brasil e do português de África".
E acrescentava:
"Convém talvez lembrar que até ao século XVIII não havia outro senão o nosso e que mesmo a literatura brasileira permaneceu até muito tarde tributária dele.
O que impede, na prática, que isso aconteça é a política pacóvia de "afirmação cultural"",
agora, da patética "lusofonia" que, paradoxalmente, exibirá, findo em 2016 o período de transição brasileira, três tristes normas ortográficas.
Legislar sobre uma língua, na afirmação de Miguel Tamen, é uma tontice e outra maior ainda é "imaginar que leis sobre a língua possam ter efeitos".
Um, todavia, com certeza terá.
O da desobediência.
Jornal de Notícias
Urrar em vez de falar
«A vitalidade do nosso português está nos seus grandes escritores,
Miranda, Camões, Bernardes, Vieira, Herculano, Camilo, Eça, todos conhecedores do seu Virgílio, do seu Horácio, do seu Ovídio, mesmo do seu escolar Tácito, César ou Salústio.
Todos lidos, estimados e estudados no Brasil, que por eles faz muito mais do que nós alguma vez fizemos, por exemplo, com Machado de Assis.
E é também por isso, que a maioria dos escritores portugueses contemporâneos recusa o AO, como quase toda a gente que está na escrita e vive pela escrita e é independente da burocracia do estado.
Todos sabem que o português permite todas as rupturas criativas, dos simbolistas ao Sena dos Sonetos a Afrodite Anadiómena – “E, quando prolifarem as sangrárias,/ lambidonai tutílicos anárias,/ tão placitantos como o pedipeste”, – ao “U Omãi Qe Dava Pulus” de Nuno Bragança.
Criativamente a nossa língua vernácula suporta e bem tudo, menos que seja institucionalizada com uma ortografia pobre e alheia à sua história.
O futuro do português como língua já está há muito fora do nosso alcance, mas o português que se fala e escreve em Portugal, desse ainda podemos cuidar.
É que é em Portugal que o português está em risco, está na defensiva, e o AO é mais uma machadada nessa defesa de último baluarte.
É em Portugal que um Big Brother invisível, que se chama sistema educativo, retira todos os anos centenas de palavras do português falado, afastando das escolas os nossos escritores do passado e substituindo-os por textos jornalísticos.
É em Portugal que uma linguagem cada vez mais estereotipada domina os media, com a substituição dos argumentos pelos soundbites, matando qualquer forma mais racional e menos sensacional de conversação.
É em Portugal que formas guturais de escrita, nos SMS e nos 140 caracteres do Twitter, enviados às centenas todos os dias por tudo que é adolescente, ou seja também por muitos adultos, se associa à capacidade de escrever um texto, seja uma mera reclamação a uma descrição de viagem.
É neste Portugal que, em vez de se puxar para cima, em nome da cultura e da sua complexidade, em nome da língua e da sua criatividade, em nome da conversação entre nós todos que é a democracia,
se puxa para baixo não porque os povos o desejem, mas porque há umas elites que acham que a única pedagogia que existe é a facilidade.
E é neste Portugal que uma geração de apátridas da língua, todos muito destros em declamar que a “a nossa pátria é a língua portuguesa”, minimizam a nossa identidade e a nossa liberdade,
que vem dessa coisa fundamental que é falar e escrever com a fluidez sonora do português, mas também com a complexidade da sua construção ortográfica.
É como se estivéssemos condenados a escrever como se urrássemos em vez de falar.»
José Pacheco Pereira, Público
Adenda:
Miguel Sousa Tavares, um autor que recusa o "acordo ortográfico", sugere na sua crónica no Expresso que, por exemplo, um candidato presidencial que é "senhor professor doutor" (e autor de uma enternecedora tese intitulada Le temps des professeurs),
em vez de se preocupar em ser um "transportador de desassossego", deveria antes perorar contra isto.
Impossível, meu caro Miguel.
O "senhor professor doutor" apresenta-se, em letra de forma, em "acordês".
Já Henrique Neto, sem ser "professor doutor" ou dar manchetes, tem uma posição clara sobre o "acordo". Vá lá ver.
(-JG, 16/5/2015, http://portugaldospequeninos.blogs.sapo.pt/ )
O debate sobre o acordo ortográfico que obrigou a uma ata (e a uma acta) da CPLP com duas grafias
23.06.2015 Jose Carlos Carvalho
O acordo ortográfico tirou o “C” de “ata” e uma reunião oficial e de alto nível discutiu a eventualidade de se confundir a ata - o documento oficial - com o ato de atar pessoas. Portugal manifestou-se contra a existência de uma ata na grafia pré-acordo, Angola a favor: “Quando a forma ortográfica muda, as palavras não significam a mesma coisa”, defendeu um governante angolano
Lusa
Exigências de Angola e Moçambique sobre o Acordo Ortográfico (AO) obrigaram à alteração da ata final da XIV Conferência dos Ministros da Justiça da CPLP, em Díli, para incluir, ao longo de todo o texto, as duas grafias.
Esta foi a solução encontrada depois de um debate que incluiu referências múltiplas à "língua de Camões" e até a análise etimológica da palavra "ata", que o representante da Guiné-Bissau disse poder suscitar uma interpretação alternativa "de atar pessoas".
A solução, proposta pelo ministro da Justiça de Cabo Verde, foi necessária para evitar a alternativa defendida inicialmente pelos representantes de Angola e Moçambique: duas atas, uma na grafia do AO e outra na grafia pré-AO.
Essa posição foi rejeitada por Portugal, Cabo Verde, Brasil e São Tomé e Príncipe, que consideraram que essa alternativa não faria sentido numa comunidade que fala a mesma língua, sendo prejudicial porque daria 'armas' aos que contestam a CPLP.
O representante do secretariado executivo da CPLP recordou, por seu lado, que o critério usado até aqui nas cimeiras de Chefes de Estado e de Governo e nos encontros setoriais da comunidade tem sido de recorrer à grafia usada no país onde decorre a reunião.
Nesse caso, e a manter-se esse critério, a ata final da reunião de Díli seria feita com a grafia do AO, que já foi ratificado por Timor-Leste.
A polémica marcou a sessão de encerramento da XIV Conferência quando os representantes nacionais se preparavam para aprovar o texto das 17 páginas da ata final do encontro, que passou a incluir a grafia do AO como base e a grafia pré-AO entre parenteses.
O debate começou quando estava para ser lida a ata final, tendo o secretário de Estado dos Direitos Humanos angolano, António Bento Bembe, afirmado que Angola ainda não tinha ratificado o AO, questionando por isso o seu uso no texto.
"A questão aqui não é como falamos, mas como escrevemos. Quando a forma ortográfica muda, as palavras não significam a mesma coisa", disse António Bento Bembe.
"Uma vez que se chega a este acordo na base do consenso, não posso assinar este documento que não está escrito da forma que se fala em Angola. Camões não escreveu assim", disse.
A posição foi ecoada pelo ministro da Justiça de Moçambique, Abdurremane Lino de Almeida, e pelo representante da Guiné-Bissau, tendo o secretário de Estado da Justiça português, António Manuel da Costa Moura, afirmando que a decisão deveria caber a Timor-Leste, já que a ata foi escrita em Díli.
"Ter duas atas seria um prato de lentilhas para quem quisesse explorar divergências sobre a língua numa comunidade que fala português. Percebo a questão e tenho até uma opinião pessoal. Mas ter duas versões de uma mesma língua, de uma reunião, de uma comunidade, que fala uma língua não será muito boa ideia", disse Costa Moura.
Também o ministro da Justiça de Cabo Verde, José Carlos Lopes, e o de São Tomé e Príncipe, Roberto Pedro Raposo, questionaram a opção das duas atas, propondo um voto ou a definição, pela presidência, do critério a seguir.
"Independente do respeito que tenho pelas pessoas que ainda não ratificaram o AO, ter duas atas é contraditório. Falamos a mesma língua", disse Raposo, sugerindo que a ata incluísse uma nota a recordar os países que ainda não ratificaram o AO.
Guiné-Bissau, Angola e Moçambique manifestaram a sua oposição à versão com AO, insistindo que o documento "tem que ser apreciado superiormente", com o responsável moçambicano a referir casos, no passado, em que responsáveis governativos devolveram documentos "mal escritos" porque vinham na grafia do AO.
"Conhecendo esta realidade, não posso levar isto, este documento escrito assim. Se prevalece a assinatura da ata, que seja de acordo com a velha língua portuguesa - não temos como apresent.
O vice-presidente do Supremo Tribunal de Justiça Sebastião Póvoas considera que a aplicação da resolução do Conselho de Ministros que obrigou as escolas e todos os organismos do Estado a aplicar o novo acordo ortográfico é inconstitucional e não pode ser aplicada também nos tribunais.
“Independentemente de abordar a constitucionalidade e a legalidade desta resolução, é inquestionável que a mesma não se aplica aos tribunais mas, apenas, e eventualmente à Administração Pública”. Sebastião Póvoas denuncia que o Conselho de Ministros, com esta resolução que é “inconstitucional a título orgânico”, violou “os princípios da separação de poderes”, não respeitou a “equiordenação entre os órgãos de soberania” e a “independência dos tribunais“. Acusa também o Conselho de Ministros de “usurpação de poderes”.
A denúncia foi deixada pelo magistrado da mais alta instância judicial em Portugal numa declaração de voto de vencido a propósito da decisão do Supremo que recentemente confirmou a pena disciplinar ao juiz Rui Teixeira por este ter rejeitado receber documentos com o novo acordo ortográfico. “Nos tribunais, os factos não são fatos, as actas não são uma forma do verbo atar, os cágados continuam a ser animais e não algo malcheiroso e a Língua Portuguesa permanece inalterada até ordem em contrário”, escreveu então Rui Teixeira num despacho.
Sebastião Póvoas concorda e elogia aquele juiz, destacando que foi “rigoroso” por ter, afinal, tentado evitar “a aplicação de um tratado não vigente”.
E porquê é que o tratado não está afinal em vigor? “Se o Acordo/Tratado não foi ratificado por todos os Estados que o subscreveram (e não o foi, seguramente, por Angola e Moçambique) não está em vigor na ordem jurídica internacional”, esclarece Sebastião Póvoas.
O juiz avisa que o novo acordo ortográfico coloca em causa princípios e direitos consagrados na Constituição da República, como o “princípio da identidade nacional e cultural”, o “direito à Língua Portuguesa” e o “princípio da independência nacional devido às remissões para usos e costumes de outros países, para se apurar quais as normas resultantes de algumas disposições do acordo ortográfico, que remetem para o critério da pronúncia”.
Neste ponto, o Sebastião Póvoas sublinha que a Constituição “não pode ser alterada através de uma lei de revisão constitucional, mediante a consagração de vocábulos estranhos ao Português europeu, seguindo o acordo ortográfico, por atentar contra limites materiais de revisão”.
A resolução do Conselho de Ministros de 2011 determinou que, “a partir de 1 de Janeiro de 2012, o Governo e todos os serviços, organismos e entidades sujeitos aos poderes de direcção, superintendência e tutela do Governo aplicam” a nova grafia “em todos os actos, decisões, normas, orientações, documentos, edições, publicações, bens culturais ou quaisquer textos e comunicações”. Para o vice-presidente do Supremo, porém, esta resolução “consubstancia uma ordem” e um poder que o Governo “não tem em relação à administração indirecta e à administração autónoma”, onde se incluem os tribunais.
No caso concreto de Rui Teixeira, o Supremo considerou que o juiz violou o dever de obediência e de correcção. Estava em causa uma comunicação do Conselho Superior da Magistratura (CSM) datada de 2012. O CSM concluiu que não pode indicar aos juízes se deveriam ou não escrever conforme o novo acordo ortográfico ao mesmo tempo que os advertiu que não poderiam indicar aos “intervenientes processuais quais as normais ortográficas a aplicar”.
Sebastião Póvoas salienta que esta deliberação do CSM não foi comunicada aos juízes. O conselho “limitou-se a constar [publicar] a acta no sítio do CSM e não nos lugares próprios”, que neste caso, “seriam as janelas, avisos” ou “circulares que os juízes consultam”. Lembra ainda que os “tribunais são independentes e apenas estão sujeitos à lei” e não a “ordens e instruções”. O conselho, sendo um órgão de gestão e disciplina, não pode dar ordens aos juízes, conclui.
Muitos juízes e procuradores estão a favor e outros tantos contra a nova grafia pelo que a questão não é pacífica no meio judicial. ...
alegando que os tribunais não estão abrangidos pela resolução do Governo. Para o juiz, além da questão legal, estava em causa a interpretação jurídica dos textos qu
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