sem título, 12/6/2014 (-por f. câncio, Jugular)
é a segunda vez em cinco anos. da outra, estava na redacção no dia em que os escolhidos foram informados. desta, não. calhou estar de férias. calhou que a primeira informação que tive foi de um amigo de fora do jornal, por sms, quando ainda nem tinha olhado para as notícias.
não, não era uma surpresa. sabiamos há meses, após a entrada de novos accionistas, e sobretudo depois de o jornal ter reduzido o número de páginas, que era expectável um despedimento colectivo. cada um fez as suas contas de cabeça -- ou no site da autoridade das condições de trabalho (ACT) onde, sinal dos tempos, existe já até um simulador para indemnizações --, pensou nas hipóteses que tinha, nas despesas fixas, naquilo de que poderia prescindir, talvez até (pensamos essas coisas) que há males que podem vir por bem. e esperou. não há muito mais a fazer, pensámos (não haveria?).
uma das pessoas que foi hoje despedida esteve comigo na grande reportagem, o meu segundo emprego. conheço-a há 23 anos. não somos propriamente amigos, mas quando recebi a primeira nota de culpa da minha vida, ofereceu-se para testemunhar por mim. e eu, que posso fazer hoje por ela?
duas das outras pessoas que foram despedidas estiveram comigo na notícias magazine. há 17 anos. as outras conheço-as do dn. excepto uma. essa conheci-a em 1992, numa reportagem. conheci-a a fazer aquilo que faz: resistir. jornalismo, se for a sério, é sempre uma forma de resistência, mas no lugar onde ela está é preciso resistir só para manter a cabeça direita.
não vou pôr nomes aqui, porque não pedi autorização para isso e porque não faz sentido -- todas as pessoas a quem ontem comunicaram o despedimento têm um nome, uma história, uma vida, não apenas aquelas de quem gosto mais, que admiro mais, de quem me sinto mais próxima ou que fazem mais parte da minha narrativa pessoal.
não tenho a pretensão de perceber o que estão a sentir, o que estão a passar; não sei o que lhes dizer. eu, como todos os -- por enquanto -- poupados só posso saber o que sente quem sabe que ficou: uma espécie de traição, tanto mais traidora quando sabemos que, mesmo que eventualmente de nada servindo fazer alguma coisa, não há coisa alguma que nos ocorra fazer a não dizer porra, ou merda, ou outro palavrão qualquer, sabendo que do outro lado só se pode pensar 'pois, estás muito sentida e solidária e tal mas tens o teu emprego, não é? e porque é que tens o teu emprego e eu deixei de ter?'
e têm razão. porque é só isso que lhes oferecemos: um ombro, um abraço de adeus. e um não tão secreto suspiro: não foi ainda connosco. e a vertigem de saber que podia ser, que só por acaso não é, o quase desejo que fosse, para não sentir esta culpa, esta responsabilidade, este peso. talvez invejemos a liberdade -- é fácil invejar a liberdade com um ordenado ao fim do mês.
quando foi que nos habituámos a aceitar que somos impotentes? que as coisas são o que são? que as decisões dos conselhos de admnistração, como 'dos mercados', são tão inelutáveis como as forças da natureza? quando foi que ficámos tão cobardes?
que aconteceu às comissões de trabalhadores, às negociações entre trabalhadores e empresas, aos compromissos, aos acordos, à divisão de forças? que aconteceu à nossa voz? que aconteceu connosco?
colectivo, nisto, só o despedimento. é bom que pensemos nisso -- porque, na nossa hora, teremos por nós exactamente o que agora oferecemos.
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Calamos e ... não fazemos nada ?!! (TV e jogos...) « Divirtam-se ... » que a seguir ...
Lembrem-se do que dizia B.Brecht e Maiakovski: « Primeiro levaram ... depois ... »
Incrível é que, após mais de cem anos, ainda nos encontremos tão desamparados, egoístas, inertes e submetidos aos caprichos da ruína moral dos governantes e poderosos, que vampirizam o erário e o salário, aniquilam as famílias e instituições, e deixam aos cidadãos o Medo e o Silêncio …
Mas, talvez pior que a Escalada do mal, é o silêncio dos justos e a não-acção dos cidadãos: «O que me preocupa não é o grito dos maus. É o silêncio dos bons.»- Martin Luther King.
- Até quando ? …
Acordemos antes que nos tirem a Dignidade e a Vida.
Acordemos todos... Acordemo-nos uns aos outros... e tragam mais cinco…
NÓS DECIDIMOS AGIR ( Roosevelt 2012 )
«Nós desejamos contribuir para a formação de um poderoso movimento de cidadania, para uma insurreição de consciências que possa engendrar uma política à altura das exigências» - Stéphane Hessel, Edgar Morin - 'O caminho da esperança'
Notícias do pântano
A notícia, seca e fria, era assim:
“A Controlinveste Conteúdos, empresa detentora dos títulos DN, JN, TSF e O JOGO, entre outros,
anunciou hoje um processo de redução de efectivos no total de 160 postos de trabalho, soma de um despedimento coletivo de 140 colaboradores e de um conjunto de rescisões amigáveis que abrangem mais 20”.
Há muito que se falava desta possibilidade, há muito que se percebera que seriam os trabalhadores a pagar o preço de uma gestão laça, muitas vezes incompetente, na maioria dos casos apenas ignorante.
Quando falo de gestão falo também, sem medo, na direcção dos principais títulos do grupo.
A crise não justifica nem desculpa tudo.
Não desculpa, por exemplo, a descaracterização de um titulo como o Diário de Notícias, que deixou de ser jornal de referência para não ser nem isso nem o seu contrário.
Popular? Tabloíde? Conforme os dias. Falo com conhecimento de causa. O DN foi o jornal a que estive ligado mais anos consecutivos: fui colaborador-estagiário, colunista, director (do DNA, que criei de raiz), e cheguei a pertencer a uma direcção do jornal - ininterruptamente, ao longo de 20 anos, de 1986 (comecei por escrever sobre musica no suplemento de sábado) a 2006 (quando o DNA acabou), fui um leal colaborador daquelas páginas, e vibrei com a remodelação de 1996, que disparou as vendas do jornal para números acima dos 60000, e ambição para mais, como voltei a acreditar na mudança que tentámos fazer em 2005, na direcção de Miguel Coutinho e Raul Vaz, a que tive o privilégio de pertencer.
O DN sempre foi um jornal velho que se soube renovar - e esse foi também o segredo da sua longevidade -, e agora tornou-se um jornal velho que não se renovou nem soube continuar a envelhecer.
Perdeu-se algures entra a ilusão de agradar a todos e o desespero de vendas abaixo dos 15000 exemplares diários.
Uma coisa é a crise da imprensa e o fim anunciado dos jornais diários em papel - sobre isso, não tenho grandes duvidas.
Outra coisa é não olhar de frente o olho do furacão e tentar dar a volta, “errando cada vez melhor”
(como está a fazer o “Expresso” ou o “Público”, mesmo que sem o sucesso esperado, pelo menos imediato), reinventando o negócio, usando o papel na sua dimensão exclusiva
e o online como megafone de marcas e produtos, ou fazendo opções de fundo radicais e consistentes, mesmo que arriscadas, como sempre defendi.
O DN teve oportunidade, integrado num grupo de razoável dimensão, de voltar a renovar-se sem perder a idade - mas não soube fazê-lo.
Ou não quis. Ou pura e simplesmente desistiu. Os leitores sabem ler estes estados de alma - talvez por isso, desistiram também.
Este anuncio de despedimentos em massa tem uma mensagem implícita:
os títulos podem permanecer no mercado, mas tudo vai mudar- dos conteúdos ao negócio, da forma de produzir jornalismo aos objectivos a alcançar -,
e não se adivinha uma estratégia ou uma ideia que nos faça acreditar que a mudança melhorará o quadro geral.
Sem ideias, sem pessoas, só com máquinas de calcular, podem fazer-se sabonetes - mas não se fazem jornais e revistas e rádios e televisões.
Se falo apenas do DN é porque me toca no coração, porque vivi naquele jornal alguns dos momentos mais fortes da minha vida profissional (e até pessoal: falhei uma única vez a entrega de uma crónica, no dia em que o meu filho nasceu…), e porque me doeu a forma como perdeu identidade e personalidade nos últimos anos.
Como de costume nestes casos, os 160 despedidos são o clássico mexilhão que se lixa.
Aqueles que nestes anos contribuíram para delapidar o património material e imaterial do DN flutuam tranquilamente no pântano que criaram.
(-por PRDuarte,)
Novos meios de enformação
(- por Ricardo M Santos em 13/6/2014 , Manifesto74)
Quando, em 1999, a caminho dos 18 anos, entrei pela primeira vez na redacção de um jornal, apaixonei-me. ...
Não sou nem nunca me vi como jornalista mas passei por alguns jornais. Deles trouxe muitos e bons amigos, que guardo ainda hoje, e outros que que acumulam as características de serem uma merda como pessoas e como jornalistas. E outros que já se esqueceram do que passaram quando foram jornalistas.
Mas como é que viemos parar aqui?
Como é possível que o despedimento de 160 pessoas de uma mega-empresa de comunicação aconteça e os jornais continuem a sair no dia seguinte?
Apesar dos enormes tratados que vamos lendo sobre o futuro do jornalismo, em papel e online, quanto a mim, houve e há factores bem mais relevantes do que uma suposta guerra entre a informação online e em papel.
-- O problema começou na perda de consciência de classe dos profissionais.
Sim, eu sei que há quem já não leia esta frase porque fechou a janela quando leu "consciência de classe". Não faz mal. Eu escrevo porque gosto de escrever e não por gostar de ser lido - já o disse quando deixei o Aventar.
Os "camaradas" desapareceram das redacções, porque a palavra tem uma carga ideológica fora de moda para alguns ... . E poucos são os que nos seus locais de trabalho ... se assumem como verdadeiros camaradas. Porque sabem o que isso lhes pode vir a custar.
Esta perda de CONSCIÊNCIA de classe é também consequência do aumento da PRECARIEDADE ... e da suposta notoriedade que alguns jornalistas foram conseguindo, movendo-se em corredores que os deslumbraram e onde se perderam
- sem perceberem bem que um jornalista que cobre assuntos económicos não é um capitalista ou que quem cobre um determinado município não é vereador.
E, pois claro, lá para os lados da capital com mais intensidade, não falta quem ache que uma ORDEM resolveria todos os problemas da classe. Uma ordem é muito mais chique. É muito melhor falar na Ordem dos Jornalistas do que no SINDICATO dos Jornalistas enquanto se come um bife no Snob.
.... Como se pagarem a alguém pelo seu trabalho fosse um favor. Obviamente que recebi e ainda tive uma visita guiada às instalações pela mão do subdirector.
Pouco antes, numa altura em que esse mesmo jornal se preparava para despedir mais trabalhadores, fui questionado sobre a minha disponibilidade para trabalhar mais, fazer mais peças - normalmente, os "COLABORADORES" são pagos à PEÇA.
Perguntei se me estava a oferecer um CONTRATO de trabalho, uma vez que estavam a despedir gente. Claro que não. Claro que não aceitei.
Começou aí a perda da essência do jornalismo. Acentuou-se quando deixou de ser vocação e passou a ser uma saída profissional. E nunca o foi. ....
Quem vive nas redacções não pode escrever belos tratados cheios de emoção a perguntar "como é que chegamos a isto".
Pode mas não deve.
Fica mal e cai ainda pior para quem anda no meio. Quem vive nas redacções sabe a precariedade e a EXPLORAÇÃO a que está sujeita a pessoa que está ao lado.
Pode é não se lembrar disso, seja por conforto ou por ser mesmo um filho da puta.
Mas sabe. E sabe que há jornais em que só lá vão pousar o casaco e vão trabalhar para outros sítios. Nesses jornais "de referência", seja isso o que for.
... . E, sempre que der jeito, ouviremos o mesmo na TSF.
E o mesmo serve para outros GRUPOS que CONTROLAM os MEDIA. Não esquecendo a importante fatia que J.Oliveira tem na LUSA, dividida com o Balsemão.
E ficamos assim com uma visão cada vez mais afunilada do que acontece. A pluralidade dos órgãos de informação permitia-nos pensar as notícias, interpretá-las no JN, DN e Público, por exemplo, e pensar no que lemos e por que cada uma delas foi escrita com abordagens diferentes.
O que sucedeu com este despedimento - quantas vezes alguns destes 64 não terão chamado REESTRUTURAÇÃO a outros DESPEDIMENTOS ? - colectivo é mais um passo no caminho de transformar a informação em ENFORMAÇÂO.
Enformados, formatados e OBEDIENTES.
Ou então ACORDAMOS TODOS, seja qual for a profissão, e DAMOS a VOLTA a ISTO, custe o que custar.
Sábado há MANIF no Porto.
É sempre um bom dia para quem não o fez ainda começar a LUTAR.
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