De PIIGS versus FUKD : euro crise. a 16 de Junho de 2014 às 13:02

PIIGS versus FUKD: dilemas do pensamento económico provinciano

(-por João Pinto e Castro, economista e colaborador da edição portuguesa do "Le Monde diplomatique", morreu hoje, dia 14 de Junho de 2013.) Com a sua voz lúcida e o seu pensamento crítico, deu um contributo fundamental para o debate público. Em sua homenagem, e pela actualidade da sua reflexão, disponibilizamos aqui, na íntegra, um artigo que escreveu na edição de Março de 2010 e que incluímos no livro "Portugal e a Europa em Crise" (José Reis e João Rodrigues, orgs., Actual/Le Monde diplomatique - ed. pt., 2011). Sentidas condolências à sua família e amigos.)

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É a situação financeira portuguesa comparável à da Grécia? Mais do que responder-lhe directamente – não é –, importa compreender que ambas, e também as da Espanha, da Irlanda e da Itália, têm causas comuns. Nesse sentido, tendo em conta o peso conjunto dos países envolvidos, não estamos perante um problema português, estamos perante um problema europeu.

Nas origens da presente situação encontra se o desenho do sistema monetário europeu, cujas deficiências são hoje quase universalmente reconhecidas. Mas, se o consenso crítico é novo, não o são as objecções, expressas a tempo e horas por muitos e reputados economistas, com destaque para os norte americanos Robert Mundell e Paul Krugman e, entre nós, para João Ferreira do Amaral. Sustentavam eles, já então, que as disparidades entre os diversos países componentes da zona euro ameaçavam criar mais e não menos instabilidade monetária e financeira.

A essas críticas responderam na altura os políticos do velho continente e a Comissão Europeia com uma mão cheia de estudos argumentando que o euro traria substanciais ganhos de crescimento, comércio externo e emprego.

As dificuldades desde muito cedo experimentadas por Portugal deveriam ter funcionado como sinal de alerta. Em vez disso, recorreu se a justificações ad hoc de carácter predominantemente moralista, tendentes a culpar o comportamento supostamente irresponsável dos consumidores e do Estado.

Ora, o que se passou em Portugal era perfeitamente previsível à luz da mais elementar teoria económica: baixando rapidamente os juros, aumentou como consequência directa e imediata o endividamento dos particulares, das empresas e do Estado, ao mesmo tempo que baixava a poupança interna. Rareando a poupança interna, os bancos foram buscá la ao exterior, daí resultando o rápido crescimento do endividamento externo. Tudo muito simples e fácil de entender.

Como se isso não bastasse, um outro choque externo de grandes proporções afectou quase em simultâneo a economia portuguesa: a entrada em força das exportações chinesas na Europa, complementada pelo livre acesso ao mesmo mercado dos países do Leste. Sabe se que essa circunstância afectou de modo desigual os países da União Europeia – menos os mais desenvolvidos, mais os da periferia económica e geográfica.

Mercê de uma estrutura económica frágil e pouco qualificada, a indústria portuguesa viu se quase de um dia para o outro a competir com concorrentes chineses com custos laborais muito mais baixos e soçobrou. A Grécia sofreu menos de imediato, dado o grande peso que na sua economia têm os serviços ligados aos transportes marítimos e ao turismo e a sua fraca integração comercial na União Europeia. A Espanha, pelo seu lado, beneficiou transitoriamente de um brusco afluxo de capitais do Norte da Europa dirigidos ao imobiliário de vocação turística. Mas o problema de base estava lá, à espera de revelar se.

O caso português é também sintomático na medida em que confirmou a impossibilidade em que os países europeus vítimas de choques assimétricos se encontravam de reagirem adequadamente. A fraca competitividade nacional não tem uma solução simples, muito menos rápida. Trata se de qualificar as empresas e os trabalhadores de molde a habilitá los a competirem em condições muito vantajosas, um esforço que só em finais da primeira década do século começou a produzir resultados visíveis, mas insuficientes. Entretanto, o défice externo conduziu ao aumento da dívida do país ao estrangeiro.

Ora, a integração na zona euro privou Portugal de ...


De PIIGS vs FUKD : Euro crise e ... a 16 de Junho de 2014 às 13:05
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Ora, a integração na zona euro privou Portugal de instrumentos de política económica que o ajudassem a reagir às suas dificuldades. Não dispomos de política monetária própria, visto que não controlamos nem a quantidade de moeda em circulação nem a taxa de juro, nem a taxa de câmbio, e a própria política orçamental encontra se fortemente condicionada pelo impropriamente chamado Pacto de Estabilidade e Crescimento.

Tem se falado muito do ganho de competitividade que Portugal poderia obter desvalorizando a sua moeda (se acaso ainda tivesse uma), mas a verdade é que isso apenas lhe permitiria ganhar algum tempo enquanto completa o processo de modernização da sua estrutura económica. Mas parece evidente que a taxa de juro deveria ser mais alta para podermos estimular a poupança e dissuadir o consumo excessivo. Nestas circunstâncias, alguns economistas trocam a discussão racional da política económica por sermões moralistas, antecipadamente votados ao fracasso, a favor da moderação e dos bons costumes.

Esta experiência de impotência nacional causada pelo modo como o sistema monetário europeu foi concebido e implementado, que nós temos vivido ao longo da última década, é agora partilhada pelo conjunto dos países europeus depreciativamente designados por PIIGS, em inglês (Portugal, Irlanda, Itália, Grécia, Espanha). Mas é indispensável entender se que a crise mundial apenas agravou o problema, não o criou.

Vivemos desde a última metade do ano passado a segunda fase da crise económica mundial revelada no fatídico mês de Agosto de 2007. O pior parece ter sido evitado a partir do momento em que intervenções maciças dos governos permitiram deitar mão a sistemas bancários à beira do colapso e estimular a procura intervindo em sectores e empresas e lançando investimentos públicos de emergência.

Um a um, os países começam a sair da recessão técnica, mas o crescimento permanece anémico e o desemprego não interrompeu a sua marcha ascendente. Em resumo, a situação permanece crítica e o paciente não está em condições de sair dos cuidados intensivos.

Eis, porém, que por todo o mundo se ergue um coro de protestos contra o rápido crescimento do endividamento dos Estados e uma exigência de medidas urgentes para controlar a situação. Em resposta, Obama anunciou um programa de drástica redução da despesa pública nos Estados Unidos até ao final do seu mandato, ao mesmo tempo que a Comissão Europeia impôs aos membros da zona euro uma rápida contracção dos défices registados em 2009.

O centro das atenções deslocou se, assim, para o problema das dívidas de países (também chamadas dívidas soberanas). As primeiras vítimas foram pequenos países euro¬peus exteriores à zona euro, a começar pela Islândia, vítima de um verdadeiro acto de pirataria moderna. Seguiram se lhe a Lituânia e a Hungria, onde a União Europeia e o Banco Central Europeu orquestraram intervenções discretas e rápidas a instâncias dos bancos credores.

Com a Grécia, porém, o drama deslocou se para o interior da zona euro. Ignora se ao certo qual foi o défice das contas públicas gregas em 2009 e nos anos anteriores, mas ninguém duvida que foi enorme e que está descontrolado. A União Europeia quer a todo o custo que desça para os 3 por cento no prazo de quatro anos, uma tarefa decerto impossível. Declarações de políticos europeus irresponsáveis e de especuladores interessados na subida do juro da dívida grega lançaram de novo o pânico nos mercados financeiros internacionais, com reflexos imediatos nas bolsas de todo o mundo.

Se a Grécia tivesse uma moeda própria, recorreria sem dúvida à política cambial e ao ajustamento da taxa de juro directora para começar a corrigir a situação. Como está amarrada ao euro, exige se lhe que ponha ordem na casa ao mesmo tempo que se lhe proíbe que o faça. Acresce não estarem previstas nem no Tratado de Maastricht nem nos estatutos do Banco Central Europeu (BCE) eventuais medidas de socorro a países-membros em situações excepcionais.

Surge uma nova versão da teoria do dominó. A eventual bancarrota da Grécia aumentará a pressão sobre Espanha, Portugal e Itália e, em seguida, sobre outros países a braços com grandes desequilíbrios, tais como o Reino Unido e os Estados Unidos. Renascerão as dúvidas sobre a solvabilidade ...


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