«Uma bola de neve com uma bomba-relógio acoplada» (-via Câmara corporativa)
• H. Mendes, Salvar para destruir
«1. Ao contrário da contribuição extraordinária de solidariedade, que é uma forma de fazer os pensionistas participarem num esforço no atual contexto de emergência, uma contribuição de sustentabilidade deveria responder a um problema de, precisamente, "sustentabilidade". Apesar de todos os dias ouvirmos que o sistema de pensões é "insustentável", não há, ao fim de 3 anos de governo, nenhum estudo que materialize esta ideia. Pelo contrário,as projeções disponíveis da Comissão Europeia mostram que o sistema português é, no universo da UE, um dos mais sustentáveis até 2060;
e o FMI, no estudo de 2013 sobre despesa pública, não disputa a conclusão, afirmando que o problema reside no financiamento no curto prazo, mas não no longo, onde a questão da sustentabilidade se coloca. Naturalmente, as condições (desemprego, emigração, natalidade) degradaram-se desde 2010, quando as projeções foram feitas; mas é por esse motivo que nenhuma reforma do sistema pode avançar sem a atualização daquelas e o debate público que se exige.
2. Segundo o DEO 2014-18, a contribuição de sustentabilidade valerá, em 2015, 370 milhões de euros (afinal, menos do que o encargo anual assumido por este governo com a integração das pensões da banca em 2011, superior a 500 milhões de euros). Mas se estão em causa 0,2% do PIB, era preferível deixar a economia respirar e o emprego recuperar: a receita em contribuições sociais estimada para 2014 está 1000 milhões de euros abaixo do obtido em 2008, e a despesa com subsídio de desemprego 1300 milhões de euros acima. Este governo devia seguir o conselho de Keynes: "Tome conta do desemprego, que o orçamento toma conta de si próprio".
3. Por muito que o governo diga que a introdução da contribuição de sustentabilidade aumentará o rendimento dos pensionistas em 2015, não há forma de os enganar: ela configura um corte definitivo de pensões já atribuídas. Para além do imbróglio constitucional em que se mete, o governo quer "salvar" o sistema de pensões à custa da destruição de um dos seus mais preciosos ativos: a confiança dos atuais trabalhadores que o sistema respeita os seus direitos enquanto futuros pensionistas. A banca e as seguradoras agradecem este "incentivo.»
De PIIGS vs FUKD : Euro crise e ... a 16 de Junho de 2014 às 13:05
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Ora, a integração na zona euro privou Portugal de instrumentos de política económica que o ajudassem a reagir às suas dificuldades. Não dispomos de política monetária própria, visto que não controlamos nem a quantidade de moeda em circulação nem a taxa de juro, nem a taxa de câmbio, e a própria política orçamental encontra se fortemente condicionada pelo impropriamente chamado Pacto de Estabilidade e Crescimento.
Tem se falado muito do ganho de competitividade que Portugal poderia obter desvalorizando a sua moeda (se acaso ainda tivesse uma), mas a verdade é que isso apenas lhe permitiria ganhar algum tempo enquanto completa o processo de modernização da sua estrutura económica. Mas parece evidente que a taxa de juro deveria ser mais alta para podermos estimular a poupança e dissuadir o consumo excessivo. Nestas circunstâncias, alguns economistas trocam a discussão racional da política económica por sermões moralistas, antecipadamente votados ao fracasso, a favor da moderação e dos bons costumes.
Esta experiência de impotência nacional causada pelo modo como o sistema monetário europeu foi concebido e implementado, que nós temos vivido ao longo da última década, é agora partilhada pelo conjunto dos países europeus depreciativamente designados por PIIGS, em inglês (Portugal, Irlanda, Itália, Grécia, Espanha). Mas é indispensável entender se que a crise mundial apenas agravou o problema, não o criou.
Vivemos desde a última metade do ano passado a segunda fase da crise económica mundial revelada no fatídico mês de Agosto de 2007. O pior parece ter sido evitado a partir do momento em que intervenções maciças dos governos permitiram deitar mão a sistemas bancários à beira do colapso e estimular a procura intervindo em sectores e empresas e lançando investimentos públicos de emergência.
Um a um, os países começam a sair da recessão técnica, mas o crescimento permanece anémico e o desemprego não interrompeu a sua marcha ascendente. Em resumo, a situação permanece crítica e o paciente não está em condições de sair dos cuidados intensivos.
Eis, porém, que por todo o mundo se ergue um coro de protestos contra o rápido crescimento do endividamento dos Estados e uma exigência de medidas urgentes para controlar a situação. Em resposta, Obama anunciou um programa de drástica redução da despesa pública nos Estados Unidos até ao final do seu mandato, ao mesmo tempo que a Comissão Europeia impôs aos membros da zona euro uma rápida contracção dos défices registados em 2009.
O centro das atenções deslocou se, assim, para o problema das dívidas de países (também chamadas dívidas soberanas). As primeiras vítimas foram pequenos países euro¬peus exteriores à zona euro, a começar pela Islândia, vítima de um verdadeiro acto de pirataria moderna. Seguiram se lhe a Lituânia e a Hungria, onde a União Europeia e o Banco Central Europeu orquestraram intervenções discretas e rápidas a instâncias dos bancos credores.
Com a Grécia, porém, o drama deslocou se para o interior da zona euro. Ignora se ao certo qual foi o défice das contas públicas gregas em 2009 e nos anos anteriores, mas ninguém duvida que foi enorme e que está descontrolado. A União Europeia quer a todo o custo que desça para os 3 por cento no prazo de quatro anos, uma tarefa decerto impossível. Declarações de políticos europeus irresponsáveis e de especuladores interessados na subida do juro da dívida grega lançaram de novo o pânico nos mercados financeiros internacionais, com reflexos imediatos nas bolsas de todo o mundo.
Se a Grécia tivesse uma moeda própria, recorreria sem dúvida à política cambial e ao ajustamento da taxa de juro directora para começar a corrigir a situação. Como está amarrada ao euro, exige se lhe que ponha ordem na casa ao mesmo tempo que se lhe proíbe que o faça. Acresce não estarem previstas nem no Tratado de Maastricht nem nos estatutos do Banco Central Europeu (BCE) eventuais medidas de socorro a países-membros em situações excepcionais.
Surge uma nova versão da teoria do dominó. A eventual bancarrota da Grécia aumentará a pressão sobre Espanha, Portugal e Itália e, em seguida, sobre outros países a braços com grandes desequilíbrios, tais como o Reino Unido e os Estados Unidos. Renascerão as dúvidas sobre a solvabilidade ...
De PIIGS vs FUKD : euro crise a 16 de Junho de 2014 às 13:07
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Renascerão as dúvidas sobre a solvabilidade de grandes bancos, a começar pelos principais credores dos países em dificuldades.
A solução, pretendem os políticos conservadores de mão dada com os economistas ortodoxos, é inverter rapidamente a deterioração das contas públicas e regressar aos sãos princípios do equilíbrio orçamental. Quanto ao resto, argumentam, a retoma deverá basear se na expansão do sector privado, não no investimento público.
Há aqui um perigoso paralelo com o que sucedeu na Grande Depressão dos anos 30, quando, aos primeiros sinais de estabilização, a retirada prematura dos apoios públicos à actividade económica provocou um novo e prolongado agravamento da situação. Travar bruscamente as ajudas governamentais quando tudo indica não estarem reunidas as condições para a retoma do consumo e do investimento privados é correr o risco de provocar o caos económico e político à escala mundial.
A dívida não é tudo
É necessário começar por afirmar com toda a clareza que, embora importante, a dívida não é tudo. Em primeiro lugar, o aumento do endividamento não é a causa dos problemas, mas um mero sintoma. Em segundo lugar, se o que conta é o nível da dívida em proporção do produto, uma quebra acentuada do produto pode contribuir para agravar ainda mais a situação ao contrair os recursos que permitiriam pagá la. Em terceiro lugar, se às persistentes quebras do consumo e do investimento privado sem fim à vista somarmos a da despesa pública, o mundo pode entrar em colapso.
Todavia, não se pode negar que o endividamento, embora necessário de imediato, hipoteca as hipóteses de crescimento a longo prazo. Segundo Ken Rogoff, o crescimento de um país é seriamente afectado quando a sua dívida pública ultrapassa o patamar dos 90 por cento do produto. Mais endividamento agora implica necessariamente mais impostos no futuro, a menos que ela não seja paga ou que a inflação a desvalorize.
Não podemos sobreviver sem crescimento da dívida a curto prazo, mas tampouco pode¬mos ter esperança num futuro risonho sem a diminuir a médio prazo. Navegando entre Cila e Caríbdis, temos que negociar habilmente a saída dos trabalhos em que nos encontramos metidos.
Grécia, Irlanda, Portugal, Espanha e Hungria, entre outros – tal como, de resto, os Estados Unidos e o Reino Unido – apostam tudo no crescimento das suas exportações para saírem da crise. Fazem bem, porque as baixas taxas de poupança e os desequilíbrios comerciais que os afligem não lhes deixam outra via para escapar à estagnação. O problema é que os principais países que exibem superavites persistentes e excessivos, como a China, o Japão e a Alemanha, também pensam salvar se exportando cada vez mais. Estamos perante uma impossibilidade lógica: se alguém exporta é porque alguém importa; ao nível global é, portanto, impossível todos crescerem por essa via.
Renasce a ilusão que em 1931 alimentou o proteccionismo: desvalorizar a moeda, fechar os mercados na medida do possível à concorrência estrangeira, congelar ou baixar salários, facilitar despedimentos, reduzir a todo o custo a despesa pública, baixar impostos são outras tantas políticas que ameaçam contrair o comércio internacional e fazer a economia mundial mergulhar de novo no abismo da recessão. Se todos seguirem a receita, não haverá forma de o evitar.
Há poucas semanas, quando a crise grega atingiu o seu paroxismo e os mercados financeiros abanaram, os observadores mais ingénuos ou cegos redescobriram uma das leis fundamentais da economia, cujas origens remontam a Quesnay: a cada receita corresponde uma despesa, a cada dívida um empréstimo. Não é possível imaginar se que a desgraça da Grécia possa deixar de afectar os seus parceiros económicos. Se a Grécia tem problemas para pagar, quem lhe emprestou terá problemas para receber. Se o poder de compra dos gregos se esboroar, isso prejudicará as empresas e os países que satisfaziam a sua procura.
Os problemas dos PIIGS têm como reverso da medalha as aflições dos FUKD (em inglês; França, o Reino Unido, Alemanha). É de crer que, mais dia menos dia, até Angela Merkel compreenda que não é possível exportar Mercedes se não houver importadores de Mercedes. No fim, todos seremos em maior ou menor grau FUKD, seja qual for o país onde vivemos.
Repito:
De PIIGS vs FUKD: euro crise ... a 16 de Junho de 2014 às 13:09
PIIGS versus FUKD: dilemas do pensamento económico provinciano
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Repito:
não há uma crise portuguesa, nem irlandesa, nem espanhola, nem grega, tampouco americana ou inglesa – mas uma crise europeia dentro de uma crise mundial. Acreditar no contrário pode servir para alimentar a politiquice interna, mas nada mais. Como Martin Wolf há semanas escreveu: «Enquanto o BCE tolerar uma procura fraca na eurozona no seu todo e enquanto os países nucleares, antes de mais a Alemanha, continuarem a manter vastos excedentes comerciais, será impossível que os membros mais fracos escapem à armadilha da insolvência. O problema deles não pode resolver se pela mera austeridade fiscal. Precisam de uma acentuada melhoria na procura externa do seu produto.»
O provincianismo, entendido como aquela peculiar forma de miopia que consiste em ignorar o carácter global da presente crise, é, por conseguinte, o principal problema com que nos defrontamos. Decerto, Portugal necessita de conter e reduzir o seu défice público, mas com prudência e sem precipitações. Nas actuais circunstâncias, o essencial é que não sejamos ou não pareçamos demasiado mal comportados.
Todavia, não só isso não basta como nem sequer toca no essencial. A necessidade de reformar o sistema monetário europeu deve ser decididamente assumida e colocada em cima da mesa. Isso implica, desde logo, questionar os objectivos do BCE, que agora escandalosamente secundarizam o crescimento e o emprego; exigir maior transparência no seu funcionamento; e impor lhe a obrigação de prestar contas. Em nenhum país importante possui o banco central um tal grau de independência em relação ao poder político e nenhum outro faz tão pouco caso de objectivos não especificamente monetários.
O euro não cumpriu boa parte das promessas que fez aos europeus. Não contribuiu para melhorar o crescimento económico em comparação com outros países, tal como não reduziu o desemprego. Mais surpreendentemente ainda, como faz notar Paul de Grouwe, a sua introdução não reforçou notoriamente a sincronização entre os ciclos económicos dos países membros.
Sabe se há muito tempo que as dificuldades que as assimetrias entre países ou regiões podem criar a uma união monetária podem ser superadas através do reforço da união política.
Não faz sentido submeter os países-membros a uma rígida disciplina financeira sem, em contrapartida, instituir mecanismos europeus de apoio àqueles que enfrentem dificuldades particulares. Mas é claro que a atribuição ao centro de uma tal função redistributiva implica que a União seja dotada de um orçamento capaz de fazer face a essas situações, muito acima dos parcos recursos que hoje lhe são atribuídos e eventualmente financiado pela emissão de euro obrigações.
Essa centralização orçamental deveria por sua vez ser acompanhada de um reforço dos poderes do Parlamento Europeu para assegurar o controlo democrático do processo político. O primado da economia será substituído pelo da política, como é de boa regra numa democracia bem formada.
As consequências destas reformas serão complexas, difíceis e profundas. Por isso mesmo, defrontar se ão com uma grande oposição, mas a resposta à presente crise da Europa não poderá vir senão da política europeia.
JOÃO PINTO E CASTRO *
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