Euclid Tsakalotos, ministro das Finanças grego, em entrevista ao jornal espanhol
El Mundo, declarou o seguinte: «
aplico políticas neoliberais das quais não gosto». Esta
declaração de impotência democrática pode ser transposta para outros contextos de
soberania limitada no quadro da periferia da Zona Euro. De facto, ainda que sem usar o termo neoliberal, um dia antes, em declarações na Assembleia da República, o ministro das Finanças português, Mário Centeno, tinha dito, a propósito da decisão sobre o Banco Internacional do Funchal (
Banif), que «o Governo preferia outra solução», nomeadamente a recapitalização do banco e a sua integração na Caixa Geral de Depósitos, mas que
não havia agora luz verde de Bruxelas para tal, ainda para mais tendo em conta
o arrastar da situação pelo anterior governo durante mais de dois anos. Uma vez mais,
as constrangedoras regras neoliberais europeias, neste caso sobre os limites às chamadas «ajudas de Estado», no quadro das regras de concorrência, não são apreciadas por um governante nacional, mas são aceites.
Excerto do artigo -
Não gostar, mas aplicar: o caso Banif - que eu e o Nuno Teles escrevemos para o número de
Janeiro do
Le Monde diplomatique - edição portuguesa. Um número que conta, na sua componente portuguesa, entre outros, com um contributo de Ricardo Cabral sobre
a política económica possível no actual contexto bem constrangedor.
Ainda sobre o contexto económico-político europeu, podem ler um artigo de Frédéric Lemaire e Dominique Plihon sobre a forma como
Bruxelas está a alimentar a próxima crise financeira, através de um conjunto de iniciativas de desregulação nesta área. A Comissão Europeia (CE) está a promover com afinco a
titularização de créditos e outras práticas financeiras mais do que duvidosas, como se viu nesta crise. Na realidade,
desregulação é o outro nome da criação de regras favoráveis aos interesses dos grandes colossos financeiros que exercem o seu poder político na escala supranacional. Não é defeito, é mesmo feitio: em Bruxelas não sabem fazer outra coisa. Como sempre acontece, quem quiser controlar a finança deve pensar em primeiro lugar na escala nacional e na
desobediência ao consenso de Bruxelas.
(-por João Rodrigues , 12.1.16 , Ladrões de B.)
1º) Mais uma vez constatamos que
há muita gente que tem muito poder - que pode impor elevados custos sociais e financeiros ao conjunto da sociedade - sem nunca poder ser
responsabilizada por isso. Incluem-se aqui:
• os
reguladores, pelo que
permitem que os bancos façam sob a protecção dos Estados;
• os
banqueiros, pelas suas (
más) práticas de gestão;
• o
Banco de Portugal, pelas suas
falhas de supervisão;
• os
governantes, pelas suas
decisões (de acção ou inacção);
• a
Comissão Europeia, pela
forma parcial (e neoliberal) como faz a regulação;
• a
comunicação social (neste caso, a TVI), pela capacidade de
gerar pânico infundado entre depositantes (
e manipular/desinformar a opinião pública).
2º) Fica clara mais uma dimensão do
falhanço do "programa de ajustamento" a que Portugal foi sujeito entre 2011 e 2014. Já tínhamos a noção de que o programa tinha sido
errado no pilar da sustentabilidade das finanças públicas (como, mais uma vez,
o FMI assumiu há poucos dias). E que o seu alcance foi, na melhor das hipóteses, modesto no pilar das chamadas "reformas estruturais". Agora temos a confirmação de que no pilar da
estabilidade do sistema financeiro ficou quase tudo por resolver.
3º) Este processo mostra também a
arbitrariedade na aplicação das regras orçamentais europeias: não há limites à utilização de dinheiros públicos quando se trata de
salvar bancos; mas se for para
salvaguardar postos de trabalho em empresas estratégicas, ou para relançar a economia através do investimento público, aí a inflexibilidade é total.
Há, de facto, muitas reformas estruturais que é preciso implementar, mas não são bem aquelas que nos querem impor. (
por R. Paes Mamede , 22.12.15 )