Por onde quer que nos viremos, acabamos sempre num tema -
desigualdades. Tem passado sem muito alarde na comunicação social, a denúncia feita pelo anterior director-geral da Autoridade Tributária, Azevedo Pereira, de que
há uma meia dúzia de famílias de muito ricos que não pagam os impostos devidos : pagam 0,5% do IRS cobrado quando deviam pagar 25% (
aqui). E isso acontece porque
têm "acesso aos decisores políticos que fazem as leis", que influenciam a sua feitura e que criam alçapões que permitem a fuga aos impostos destas famílias.
Essa fuga não é novidade: as estatísticas têm demonstrado ao longo de duas décadas que
o IRS é pago significativamente por pensionistas e assalariados (actualmente vai em 90%), o que não é crível que seja essa a distribuição do rendimento em Portugal. E nada tem acontecido, apesar de reformas fiscais parciais e parcelares. Fazem-se notícias,
crónicas, mas nunca é um escândalo na comunicação social. Tudo passa sossegadamente, como uma pedra no lago.
Houve já diversas propostas que tentaram
quebrar este ciclo de injustiça, mas que nunca tiveram força política - e partidária - para ser sequer discutidas. Relembro as propostas de
Miguel Cadilhe e de
Octávio Teixeira,
no sentido de tributar o património financeiro. Alguém se lembra disto? Não, apenas se fala de
património imobiliário porque, na sua maioria (o que não está registado em empresas 'offshore' ou "de investimento" isentado),
é pago pelos mesmos (classe média, trabalhadores por conta de outrém, pensionistas) e em
que os mais ricos escapam a essa tributação em IMI. Não é uma questão ideológica: é apenas dinheiro. Esta realidade parece ser fruto de um único pensamento: "Como é que nos safamos de pagar impostos e continuarmos ricos na mesma?" Só depois é que vêm as justificações: "No fundo, os ricos são
quem cria valor na sociedade; sem eles não haveria empresas nem empregos". E só finalmente vêm as consequências omitidas deste raciocínio: "Devemos é colocar aqueles que são os beneficiários do Estado" - ou seja, da redistribuição da riqueza - "a pagar para o bolo que vai ser redistribuído entre eles". Este é o verdadeiro sentido da austeridade, da política de austeridade.
Durante 4, 5 anos, vivemos a
pesada terapia do "não há alternativa"('
tina'), vinda do centro da Europa como forma de nos redimir dos pecados de povos do sul. De nada valia
insistir que não há défices externos sem superávites, e que não há superávites sem necessidade de financiamento dos défices e que não há crescentes défices sem crescentes dívidas e que não há crescentes dívidas sem abalos na moeda única e que não há abalos na moeda única sem uma desigual distribuição de custos. Tudo foi em vão.
Agora, voltamos a sentir na nuca o velho bafo de leão. A direita exalta de ansiedade para que a esfrangalhada Europa encoste à parede a "esquerda radical" no poder. E faça regressar os velhos temas que a fizeram perder as eleições. A análise da proposta do OE pela comunicação social vai ser escrutinada com base na questão: onde está a austeridade que o PS disse que não iria aplicar?
Mas o exercício nunca é outro:
como é que se poderá cumprir um Tratado Orçamental sem agravar as desigualdades. É legítimo que não o seja? É possível?
Pode fazer-se tudo para conseguir esse objectivo. Nomeadamente
pôr meia dúzia de famílias (e empresas, muito ricas) a pagar o que devem à sociedade. Mas e se, apesar disso, não for possível cumprir o Tratado sem mais desigualdades? Qual é a opção?