Observador (pseudo-)Constituinte (-por Tiago Antunes, via Shyznogud,16.04.15, Jugular)
O Observador revela, finalmente, ao que veio: (tentar) implodir a Constituição vigente, abrindo caminho para um novo modelo de sociedade, à la Compromisso Portugal, em que o Estado Social será uma longínqua miragem.
Para o efeito, pretendem lançar um “debate constitucional”. E o atrevimento chega mesmo ao ponto de se arvorarem em Assembleia Constituinte, prometendo a elaboração de uma nova Constituição, feita pelo próprio Observador. Sim, é isso mesmo, leu bem: há um jornal online que pretende elaborar uma nova Constituição para Portugal.
E que Constituição será essa? A aferir pelo tom absolutamente tendencioso, enviesado e ideologicamente carregado com que atacam e questionam o atual texto constitucional, podemos esperar o pior.
Para já, como que para preparar terreno, o Observador foi buscar cinco jovens constitucionalistas e encomendou-lhes um projeto de revisão constitucional. Só que – oh azar dos Távoras – os cinco jovens convidados a fazer o frete constitucional acham que «NÃO, a Constituição não precisa de ser revista».
Nada que detenha a agenda constitucional do Observador, claro está. Por ora, segue o projeto de revisão constitucional (que não é necessário, mas sempre abre caminho ao verdadeiro objetivo). Depois – oh, sim, depois – virá a nova Constituição, certamente assinada pelo reputado constitucionalista José Manuel Fernandes.
Enquanto não nos chega essa bela peça jurídica, centremo-nos nalgumas das 13 grandes alterações para já propostas:
1- Redução do elenco de direitos sociais e desconstitucionalização do respetivo financiamento, exceto no caso da educação.
Aqui, não se engana ninguém. O objetivo é mesmo estraçalhar o Estado Social, designadamente secando-lhe as fontes de financiamento e eliminando assumidamente da Constituição a tendencial ou progressiva gratuitidade dos sistemas de saúde e de educação (para lá do ensino obrigatório).
Ah, e de caminho altera-se radicalmente o equilíbrio de forças entre empregadores e trabalhadores, uma vez que se procede ao «emagrecimento do capítulo relativo aos direitos, liberdades e garantias nas relações laborais, reduzido ao seu núcleo duro: os direitos de negociação e de ação coletivas». O direito à segurança no emprego (aquele que proíbe o despedimento sem justa causa), por exemplo, desapareceria pura e simplesmente da Constituição. Ou seja: bar aberto de despedimentos, malta!
2- Eliminação da constituição económica nos moldes atuais e sua substituição por um paradigma neutro.
Paradigma neutro??? Oh, sim, pois. Vejamos, então, qual é o dito “paradigma neutro”: «um paradigma neutro [...] cingido à salvaguarda dos direitos, liberdades e garantias dos cidadãos – particularmente, à sua iniciativa económica privada, propriedade privada e legalidade e não retroatividade dos impostos cobrados pelo Estado». “Paradigma neutro” é, portanto, o que estes senhores chamam aos fundamentos basilares do (neo)liberalismo económico.
8- Redução do número de Deputados para 200 e criação de um serviço de apoio profissionalizado e especializado para os Deputados.
O que se pretende é uma «reforma da Assembleia da República que utilize os recursos financeiros e humanos libertados pela diminuição dos custos com os deputados na criação de um corpo de funcionários altamente especializados sem qualquer ligação política». Portanto, é suposto trocarmos representantes políticos eleitos e representativos da população por um corpo de tecnocratas, é isso? Os Deputados são, supostamente, a mais e custam muito dinheiro (by the way, nada disto é verdade: o nosso ratio eleito/eleitor é dos mais baixos da Europa), mas se forem substituídos por mais técnicos cinzentões, politicamente assépticos, que ninguém conhece nem elege e que não prestam contas, tudo bem. Que sentido faz isto?
Acresce que o verdadeiro efeito desta alteração seria uma redução da proporcionalidade e, portanto, o afastar da Assembleia da República de alguns pequenos e incómodos partidos, reforçando o centrão.(de interesses e ...)
11- Redução dos órgãos com legitimidade para pedir fiscalização da constitucionalidade abstrata.
Na verdade, o que se pretende é acabar, pura e simplesmente, com a fiscalização preventiva da constitucionalidade (sim, acabar com a possibilidade de fiscalização preventiva, por iniciativa do Presidente da República) e limitar enormemente a fiscalização abstrata sucessiva da constitucionalidade das leis, que passaria a poder ser desencadeada unicamente pelo Provedor de Justiça. É o "faroeste", portanto: um sistema em que praticamente não há fiscalização do cumprimento da lei (e não é uma lei qualquer, é a lei fundamental do Estado!), tendo o legislador (governo centrão) tem carta branca (ou quase) para ignorar a Constituição.
13- Redução da hiper-rigidez da Constituição, flexibilizando as normas sobre a revisão constitucional.
Primeiro, restringem-se gravemente as vias de fiscalização e repressão das violações à Constituição. Depois, abre-se o campo para a própria mudança do texto constitucional. Em suma, retira-se força jurídica e vinculatividade à Lei Fundamental, que passa a estar sujeita a ímpetos e orientações conjunturais. À luz da realidade recente, podemos bem temer o aconteceria à Constituição... (o partido Nazi mostrou como fazer...)
PS: para finalizar, não resisto a destacar apenas dois pequenos momentos de absoluto delírio constitucional por parte do Observador:
«Temos assim várias questões: por exemplo, saber se o atual texto constitucional é compatível com a expressão democrática da vontade dos portugueses, visto que estes regularmente elegem maiorias e governos supostamente “inconstitucionais”» (!!)
«A transição tanto pode dizer respeito aos valores constitucionais ― por exemplo, a substituição do Estado de direito democrático por um Estado autoritário ou totalitário ― como à forma, estrutura ou existência do Estado ― por exemplo, a integração de Portugal numa «União Federal dos Povos Europeus» ou a desagregação do Estado português numa constelação de entidades políticas menores (tais como a anexação da região sul pelo Estado islâmico, a formação de uma «República Popular da Madeira» ou a criação nas regiões centro e norte de um «ReinoNeovisigótico»)» (!!!)
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Ver também o 'post' de R. Namorado: «A crise da Democracia» ("...Ora, atualmente, a deriva autoritária, trazida no seu bojo pelo neoliberalismo, tem vindo a enfraquecer a democracia política, pela subalternização dos órgãos eleitos, em benefício dos poderes de facto do capital financeiro e seus acólitos. E, em perversa conjugação com essa anemia política crescente, tem bloqueado e contrariado tudo o que de democrático impregnava o social e tem procurado esconjurar, como pecado mortal, qualquer impregnação democrática da economia. ... ... É, isso sim, o fruto da não extensão da democracia aos aspetos sociais, económicos e culturais da vida em sociedade; e, em conjugação com isso, é também o fruto da corrosão da democracia política pelo agravar da deriva neoliberal sob a batuta do capital financeiro. ...").
Direita «observadora» e Constituição
(16/4/2015, por Ivo Rafael Silva, M74 )
Não é novidade para mim – já o tinha escrito algures – que a próxima grande batalha da direita portuguesa – que não resume aos partidos mas também e sobretudo aos interesses e corporativismos dominantes – consistirá, invariavelmente, na tentativa de derrube da Constituição da República Portuguesa.
Como sabemos, para «suavizar» as pancadas, a direita especializou-se em atribuir designações falaciosas aos seus intentos mais macabros.
Da mesma forma que, entre muitas outras coisas, o «ajustamento» nunca foi ajustamento nenhum, nesta questão em concreto também não é de «revisão» do texto constitucional que estamos aqui a falar.
É mesmo de derrube, de DESTRUIÇÃO, de subversão, de completa capitulação de o que resta da DEMOCRACIA e da vontade do povo às leis «modernas» da finança, do economicismo e da ditadura do capital.
E este “grande desígnio” é aliás uma questão de elementar lógica:
se a Constituição foi, de forma muito particular nos últimos meses e anos, a grande salvaguarda e o último bastião da defesa daqueles que menos têm e menos podem – dos trabalhadores, dos reformados, dos pensionistas –,
importa portanto eliminar essa «pedra no sapato» daqueles que, hoje como ontem, exploram, usam e abusam daqueles que, no fundo, à custa dessa exploração – cada vez maior e mais acentuada - lhes deram e dão o pão a ganhar.
Supunha eu, confesso, com alguma e ingénua benevolência, que a direita hoje fosse capaz de produzir e trilhar estratégias e planos com o mínimo de inteligência. Mas não.
Mesmo que já nos tenhamos todos rido à gargalhada com as letras capitulares e a espaçamento 3,0 desse vexatório e ridículo guião da «reforma do Estado» da autoria do «reformador» Paulo Portas.
De facto, a direita que nos calha em azar, em tudo distinta (para pior) da de 1976, não passa da direita dos boys e jotas de passado obscuro, de carreiristas sem mérito nem trabalho, de economistas formatados e acríticos, de politiqueiros da cunha e dos «esquecimentos» legais, das manobras subaquáticas ou de eliminação de montados, de comentadores vendidos e propagandistas,
de gente com mais dinheiro que estudo, com mais manha que ciência, com mais oportunismo que responsabilidade ou sentido de Estado.
Ora, vem tudo isto a propósito da inusitada «mobilização» editorial do jornal «Observador» para a causa do ataque à Constituição,
que mais não é que uma emanação pura e dura da direita que temos hoje, perfeitamente à sua imagem e semelhança.
Mas atente-se nesta espantosa afirmação:
A Constituição da República Portuguesa é um problema? Quase todos os protagonistas da nossa vida pública dão a entender que sim.
Uns, quando reclamam que a Constituição está a ser atacada e violada sistematicamente por governos e maiorias parlamentares.
Outros, quando se queixam de que a Constituição está a ser usada por aqueles que querem resistir à adaptação do Estado e da economia portuguesa a um mundo mais aberto e competitivo.
Portanto, “aqueles” que dizem que a Constituição está a ser atacada e violada sistematicamente por governos e maiorias parlamentares no fundo no fundo não estão a pedir a sua salvaguarda, nem a clamar pelo respeito às suas determinações, nem a zelar pelo cumprimento dos seus preceitos fundamentais, mas estão antes, afinal, a pedir a sua «revisão»!
Estão a criticá-la, ou a negá-la! Espantoso! Formidável conclusão!
A total inquinação do «debate» é ainda mais evidente nesta passagem:
Entre o Verão de 1975 e a Primavera de 1976, a maioria dos deputados, integrando os grupos parlamentares do PS, do PSD e do CDS, afirmaram o Estado de Direito e a democracia representativa pluralista e resistiram às tentativas de fações do MFA próximas do PCP e da extrema-esquerda para limitar a liberdade e a democracia em Portugal.
Por mais defeitos que tivesse na sua versão original e por mais insuficiências que lhe possamos encontrar ainda hoje, a Constituição começou por ser uma afirmação de democracia contra o revolucionarismo totalitário.
Ou seja, para o «Observador», num atentatório e grave revisionismo histórico e político, ou tão simplesmente numa ignorância confrangedora, a Constituição que foi na verdade a afirmação de democracia contra o fascismo ...
Direita «observadora» e Constituição
...
...a Constituição que foi na verdade a afirmação de democracia contra o fascismo e contra a ditadura fascista que a precedeu, foi afinal uma «afirmação» contra os revolucionários do PCP e de outros partidos. Espantoso! Formidável conclusão!
O parágrafo que se segue não é menos elucidativo:
A nossa democracia, devido aos condicionamentos iniciais, não pôde ser desenvolvida de uma vez.
A Constituição de 1976 afirmava os direitos, as liberdades e as garantias, mas sujeitava os governos a um órgão militar não-eleito (o Conselho da Revolução) e limitava drasticamente a liberdade de iniciativa e de empreendimento dos cidadãos.
Mesmo hoje em dia, é possível argumentar que mantém uma natureza programática que condiciona negativamente opções legítimas de governo.
Face a isto pergunta-se:
mas qual é a Constituição no mundo que deixa os seus governos governarem a capricho?
Que Constituição no mundo é que não impõe limites à acção governativa?
Mas para que serve uma Constituição?
O que é hoje “não ter natureza programática”?
É aceitar a “natureza programática” do sistema dominante por mais podre e falido que esteja?
Que querem afinal? Querem definitivamente um governo de ditadura?
Um regime despótico dominado pelo «ter de ser» financeiro?
Um conjunto frio, calculista, desumano de tabelas e números a decidir a vida das pessoas?
É esse o contributo “positivo” que uma Constituição pode dar a um governo?
Se é este «debate» que querem, se é esta a «discussão» que almejam, façam-no à vontade porque esta «velha» Constituição vo-lo permite.
Mas não lhe chamem «discussão», nem «debate».
Porque um debate é uma coisa séria.
Porque a democracia é uma coisa séria.
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---- Um excelente post.
Tão excelente que nem a pieguice evidenciada pelo jose consegue sequer conspurcar.
O ódio à CRP faz-se agora passar por "gerações"
Como se o fascismo admirado por este tipo não tivesse dado cabo de gerações inteiras. Como se Abril não tivesse momentaneamente tirado do poleiro a corja que dominava o país e colocado à distância os pides que este mesmo tipo elogiava. Como se os destinos das gerações seguintes não tivessem sido saqueadas pela governança que se instalou em Portugal e que se traduziu no enfeudamento à UE e na liquidação da indústria e das pescas e da agricultura nacionais. Os obscenos discursos sobre as zonas de conforto e sobre o convite forçado para a emigração. foram apenas alguns dos mais óbvios sinais do sacrifício geracional. Como se a delapidação dos salários e das pensões não tivesse como contrapartida o enriquecimento dos privados negócios de canalhas que usam os seus "negócios " como pretexto para o saque e o assalto. E fazem gala disso ,quais proxenetas sem escrúpulos e sem vergonha
Repetir o argumentário mais sórdido da direita-extrema é uma forma pueril de se tentar esconder quem de facto se apropriava da riqueza sob o fascismo e quem se continua a apropriar da imensa riqueza dos que trabalham já nos anos dos governos de direita
Dizer que a riqueza é inexistente é uma atoarda. Que contradiz a realidade e os números. Os factos demonstram que os ricos estão cada vez mais ricos e que as PPP e os BPN e os juros da dívida e os swaps e as rendas e os negócios esconsos têm prosperado e têm desviado a riqueza para outra mãos.
De
---- A desonestidade boçal logo no começo:
"Temos um acordo "
Temos? Quem tem? Mas que acordo é este?
Eis como num passe de mágica se escamoteia quem produz a riqueza e quem se apropria dela.
Dívida? Distribuiu-se dívida? Mas quem contraiu a dívida, como se contraiu a dita dívida? O que esteve e está por detrás da divida?
E quem andou a falar na dívida e no dever canino de obedecer à troika e aos troikistas não foi precisamente quem se governou e governa com a dita dívida e com os processos conducentes ao seu pagamento?
Mas quem paga a dívida não somos nós? Os que trabalham e vêem os seus ordenados saqueados e as suas pensões assaltadas? E então os Swaps da ministra Albuquerque, e os BPNs do governo de cavaco e as PPP do eixo PSD/PP/PS e as enormes maquias que foram distribuídas por quem?
Mas a pulhice não fica por aqui.
A dita dívida teve um crescimento quando? Coincide com a entrada para o euro e a partir de 2008. ...
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