Terça-feira, 12 de Maio de 2015

A Mocidade Empreendedora, ou o Professor Karamba vai à escola

(-J. Soeiro, 8/5/2015, Expresso)

     A história não começou agora, mas motivou esta semana protestos dos pais e uma carta aberta. Acontece em centenas de escolas por todo o país e envolve milhares de estudantes. De que é que falo? Das sessões para “desenvolver nas crianças e jovens o gosto pelo empreendedorismo” dinamizadas pela Junior Achievement, “a maior e mais antiga organização mundial educativa”. As razões dos protestos? O facto de, em mais de 400 escolas públicas, as crianças e jovens, a partir dos 7 anos, estarem a ser obrigadas a assistir a estas sessões, em sala de aula, com a presença do professor titular, sem que ninguém lhes tenha perguntado nada e sem que os pais e encarregados de educação tenham sido sequer consultados.

   Se fosse outra coisa, já teríamos ouvido os comentadores do costume indignados com a violação da “liberdade das famílias” e a “doutrinação das criancinhas”. Mas é o empreendedorismo e Portugal precisa de “acreditar”.

    A Junior Achievement Portugal (JAP), responsável pelas sessões, é uma iniciativa da responsabilidade da Sonae e do grupo Mello, com mais de uma dezena de outros grandes grupos económicos (Millenium, PT, Barclays, Citibank ou a Jerónimo Martins...) A missão é “guiar os jovens para o empreendedorismo”. Diz a JAP no seu site que o “grande objectivo para Portugal é podermos um dia afirmar que todas as crianças e jovens tiveram uma experiência Junior Achievement”. Para este verdadeiro desígnio nacional, nada melhor que atacar nas escolas, sem autorização dos pais mas com a permissão e o incentivo das autarquias (como Lisboa) e do Ministério da Educação.

     Uma organização privada, da iniciativa de grandes empresas, ocupa uma parte do currículo da escola pública e obriga as crianças a frequentar sessões de doutrinação sobre a beleza do mercado, a importância da competição, a magia da criação de valor e a necessidade de disposições empreendedoras. Os programas são ministrados por voluntários e destinam-se a crianças desde os seis anos de idade. Há projetos nacionais e europeus. E há concursos. O mais popular é a competição nacional “A Empresa”. Durante um ano letivo, os alunos simulam que conduzem uma empresa, elaboram o seu “plano de negócios” e são avaliados “de acordo com os resultados obtidos na participação na Mini-Empresa”.

     A religião do empreendedorismo já tinha tido momentos altos com o pastor Miguel Gonçalves a mandar os jovens “bater punho” ou com as formações em “empreendedorismo para bebés”, realizadas por um instituto lisboeta e destinadas a crianças entre os 4 e os 18 meses, com o objetivo de “desenvolver, em conjunto com os pais, comportamentos e atitudes chave que ajudarão o bebé, no futuro, a ser um empreendedor”. Agora, chegou em força à escola. De pequenino se torce o pepino e Portugal terá um dia pelo menos uma empresa por habitante. É a “urgência do empreendedorismo”.

     Um estudo da OCDE de 2009 fazia um levantamento comparativo sobre os países onde havia mais empreendedorismo. Na Noruega, 7% da população era empreendedora, nos EUA 8% e em França 9%. Já no Gana, 66,9% da população está auto-empregada, no Bangladesh 75,4% são empreendedores individuais. Ou seja, é nos países mais pobres, onde o Estado é débil e onde o tecido económico tem pouca capacidade de concentração de recursos e de massa crítica, que se batem recordes de “empreendedorismo”. Desse ponto de vista, Portugal está no bom caminho. É só acreditar.



Publicado por Xa2 às 12:07 | link do post | comentar

3 comentários:
De Falácias do BdP e desGoverno NeoLiberal a 12 de Maio de 2015 às 13:00
Das falácias do Sr. Governador

(7 de maio de 2015, por Ivo Rafael Silva, M74, http://manifesto74.blogspot.pt/2015/05/das-falacias-do-sr-governador.html#more )

Carlos Costa, o homem-estátua do Banco de Portugal, o governador que ficará na história por nunca ter tido a coragem nem competência
para afrontar, denunciar ou retirar a idoneidade aos grandes obreiros do desastre financeiro do BES
apareceu agora, muito ufano e cheio de moral, para mostrar
o quão forte e corajoso afinal sabe ser para com os trabalhadores e os desempregados.

Em declarações a vários órgãos de comunicação social, no momento em que ainda se sente no ar o odor fétido de anos de inabilidade e inépcia do organismo que continua a dirigir (sem que se saiba ainda muito bem porquê),
Carlos Costa pede uma “reforma laboral” que mais não é que um apelo à radicalização da austeridade e à diminuição dos já escassos apoios sociais.

Já que Carlos Costa tanto gosta de comparações cegas com o “que se paga lá fora”, por que não refere, por exemplo,
que o governador do Banco de Portugal ganha mais 32% que o Presidente da Reserva Federal Americana?.
Atirando aos quatro ventos, por um lado, a falaciosa cartada de que o subsídio de desemprego em Portugal tem uma duração superior “à média europeia”,
esconde por outro, com esperteza saloia, que o valor que é pago aos desempregados em Portugal é muito inferior – tal como a pauta salarial média –
à esmagadora maioria dos países europeus, só sendo aliás superior aos montantes pagos na Bulgária, na Eslovénia ou em Malta.

A isto acresce ainda a constatação óbvia, mas evidentemente escondida, de que ficar em situação de desemprego em Portugal
não é, nem de perto nem de longe, o mesmo que ficar desempregado noutros países da União Europeia.
Carlos Costa bem sabe, mas omite do seu argumentário financeirista e cego,
os demais apoios concedidos pelos vários estados em áreas como a saúde ou a educação,
já para não falar na proporcionalmente menor carga de impostos,
na ausência de taxas e taxinhas, que a pretexto de tudo e mais alguma coisa arrastam o cidadão
desempregado para a privação de meios e de condições dignas de subsistência.

Por outro lado, e já que Carlos Costa tanto gosta de comparações cegas com o “que se paga lá fora”, por que não refere, por exemplo,
que o governador do Banco de Portugal ganha mais 32% que o Presidente da Reserva Federal Americana?
Por que não diz Carlos Costa que, no seu próprio ordenado mensal (mais de 15 mil euros), cabem 30,16 salários mínimos nacionais, 29,6 subsídios de desemprego (considerado o valor médio mensal) ou 165,8 prestações mensais médias do RSI?

Perceberá ele a latitude das suas palavras e da ofensa que constitui pedir aos sacrificados que se sacrifiquem ainda mais?
Perceberá ele a ignomínia das suas palavras proferidas do alto de toda a sua inabilidade enquanto governador e dessa sua faustosa remuneração? Não, não percebe.
Certamente que não percebe. A menos que um dia este país lho faça perceber.


De Saquear/ Vampirizar o Estado. a 13 de Maio de 2015 às 16:47
--- Grupos económicos e barões/oligarcas Vivem à custa de privilégios e rendas do Estado (= Saquear e Vampirizar com ajuda de desgovernos neoliberais)
-----
«Num país sem tradição capitalista,
em que
os grupos económicos estão habituados a viver à custa de privilégios e rendas do Estado,
o processo não passa de uma transferência de propriedade pública para mãos estrangeiras de joias da coroa,
com intermediários nacionais a fazerem fortuna pelo caminho, enquanto milhares de trabalhadores são despedidos.
Foi assim na Banca, nos seguros, na energia, na Cimpor, na PT.
Em alguns casos, houve mesmo crimes de lesa-pátria.
O dinheiro dessas vendas não resolveu nenhum problema.
E o País ficou mais pobre.»


http://derterrorist.blogs.sapo.pt/quando-ate-o-correio-da-manha-consegue-2983381
-----------------------------
Lições de História

(- por josé simões, derTerrorist, 12/5/2015)
http://derterrorist.blogs.sapo.pt/


Lições de História precisam-se. Da história do século XX, o século dos totalitarismos.
Mas a História não serve para nada e até há quem defenda que deve ser erradicada dos programas escolares, substituída de imediato por disciplinas práticas, tipo o economês, que é o que está a dar.

Os fins justificaram os meios. Os fins continuam a justificar os meios.
70 anos depois do fim da II Guerra Mundial, 26 anos depois da implosão do Muro de Berlim, 39 anos depois da morte de Mao, 40 anos depois da morte de Franco, 17 anos depois da morte de Pol Pot, 9 anos depois da morte de Pinochet, 62 anos depois da morte de Estaline, 41 anos depois do 25 de Abril.

"O objectivo que temos é o de vencer a doença, não é o de perguntar se as pessoas durante esse processo têm febre ou têm dor ou se gostam do sabor do xarope ou se o medicamento que tomam lhes faz um bocado mal ao estômago ou qualquer outra coisa, quer dizer, se os efeitos secundários de todo o processo por que se passa valem ou não valem a cura"

Lições de História precisam-se.
Não para o predicador mas para quem ouve a prédica.
E é por isso que a História ensinada não presta para nada e o economês é que é.
---------
---------
Quando até o Correio da Manha consegue perceber

«Num país sem tradição capitalista,
em que
os grupos económicos estão habituados a viver à custa de privilégios e rendas do Estado,
o processo não passa de uma transferência de propriedade pública para mãos estrangeiras de joias da coroa,
com intermediários nacionais a fazerem fortuna pelo caminho, enquanto milhares de trabalhadores são despedidos.
Foi assim na Banca, nos seguros, na energia, na Cimpor, na PT.
Em alguns casos, houve mesmo crimes de lesa-pátria.
O dinheiro dessas vendas não resolveu nenhum problema.
E o País ficou mais pobre.»


«Uma triste história
A privatização da TAP é mais um triste capítulo de uma história de alienação de soberania nacional.»
----------


De DesGoverno e Tempos Dificeis. a 13 de Maio de 2015 às 17:09
Pequenos grandes livros («Tempos Difíceis»)

(http://entreasbrumasdamemoria.blogspot.pt/ 12/5/2015)

Crónica de Diana Andringa, hoje na Antena 1:

Há muito, muitos anos, li um dos livros que gostaria de ter escrito – creio que todos nós temos livros assim – mas que logo compreendi não ter, infelizmente, qualidade para escrever. Chamava-se Let Us Now Praise Famous Men, que entendi à letra como Louvemos Agora Grandes Homens, mas que a editora brasileira «Companhia das Letras» titulou Elogiemos os Homens Ilustres.

O livro resulta de uma grande reportagem feita em 1936 pelo jornalista James Agee e o fotógrafo Walter Evans, retratando os efeitos da Grande Depressão na população rural do sul dos Estados Unidos.

Recusada pela revista «Fortune», que a encomendara, a reportagem viria a sair em livro em 1941. Acompanhado pelas fotografias a preto e branco de Walter Evans,
o texto de Agee, simultaneamente preciso e poético, dá-nos não apenas a dor e o desespero,
mas também a dignidade daqueles que retrata, tornando-se uma referência para estudantes de Jornalismo e de Antropologia.

Lembrei-me de Agee ao ler um pequeno livro – um conjunto de cadernos atados com fio vermelho – editado pela «Cooperativa Outro Modo» e a edição portuguesa de «Le Monde Diplomatique».
Nele não há fotografias, apenas – e neste apenas não há qualquer menorização – vozes de pessoas, recolhidas e enquadradas por sociólogos e antropólogos, vozes que falam sobre a sua vida e o seu trabalho, como diz o pós-título.

Chama-se Tempos Difíceis, estes tempos em que um homem vê o mundo a fugir-lhe pelas mãos e fica cada vez mais desgastado,
como o senhor I , ou uma trabalhadora de um call center desata a chorar no meio de uma chamada porque, vivendo sozinha com a filha, acaba de ser despedida,
ou uma «manipuladora de aves», pomposo nome para quem anda de joelhos no estrume a apanhar animais para o matadouro, ao fim da noite já não consegue andar em posição nenhuma, as costas a não aguentar tanto tempo dobradas, os joelhos marcados por um calo de estrume,
mas também tempos em que se recorda o sonho de um Portugal mais solidário, mais feliz,
onde toda a gente tivesse pão para comer, direito à habitação, à instrução e à cultura,
toda a gente tivesse direito ao trabalho e onde as desigualdades sociais não fossem tão abismais.

Um livro que nos mostra as pessoas que existem para além do Excel, que mais do que viver acima das suas possibilidades querem ter a possibilidade de viver,
a quem os cofres do estado cheios não garantem comida no frigorífico nem salário ao fim do mês.

Um pequeno grande livro, a ler, porque, mesmo que nada nele nos pareça desconhecido, é outra a forma de mostrar a realidade.

Um pequeno livro que talvez pudéssemos depôr nas entradas de S. Bento ou da Gomes Teixeira, na esperança de que algum ministro, algum Secretário de Estado, algum assessor, pudesse passar-lhe os olhos
antes de vir asseverar, com a voz bem colocada, que o país está, visivelmente, a melhorar.


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