Das
seis condições enumeradas por Cavaco para indigitar Costa como primeiro-ministro, há quatro que não são novidade (
estabilidade política, viabilização dos Orçamentos de Estado, compromissos europeus e NATO) e servem apenas para o ainda inquilino de Belém
fingir que não está a perder a face.
Há outras duas condições que não haviam sido antes explicitadas:
concertação social e estabilidade financeira. Ambas parecem ir ao encontro das preocupações que foram transmitidas ao PR pelas pessoas que quis ouvir nas audiências da semana passada:
patrões e banqueiros.
No que respeita à concertação social, eu consigo perceber o que está em causa: os patrões querem ter uma palavra a dizer sobre a subida do salário mínimo, alterações às leis do trabalho, etc. - e Cavaco quis dar-lhes voz. Quanto à sexta condição - a estabilidade do sistema financeiro - não é para mim tão claro o seu propósito.
Sem dúvida que fica bem a Cavaco preocupar-se com a estabilidade do sistema bancário português, tanto mais tendo em conta o seu envolvimento pessoal com
o BPN (cujo colapso custou milhares de milhões de euros aos portugueses) e as garantias que deu sobre
o BES pouco tempo antes de também este
colapsar (não sendo ainda claro quantos milhares de milhões de euros + custará aos portugueses). Na verdade todos temos razões para nos preocupar com a estabilidade do sistema financeiro português, a julgar pelo conteúdo do
Relatório de Estabilidade Financeira publicado pelo Banco de Portugal na semana passada. Esse relatório dá conta da
situação frágil em que se encontram os bancos portugueses (apesar das melhorias recentes na sua rendibilidade), bem como dos vários riscos que enfrentarão nos próximos tempos. A lista de riscos é longa:
fracas perspectivas macroeconómicas, continuação das baixas taxas de juro, elevado endividamento de empresas e famílias, possibilidade de fuga dos investidores para paragens que garantam maiores retornos, peso excessivamente elevado de empréstimos imobiliários e de títulos de dívida soberana, exposição elevada a países como Angola, Brasil e China, etc.
Menos claro é o motivo específico pelo qual o PR considera que um governo do PS dá, a este nível, garantias inferiores às que seriam dadas por um governo PSD/CDS - a quem Cavaco não hesitou em dar posse, sem quaisquer condições. Note-se que os acordos entre PS e os partidos à sua esquerda
não incluem quaisquer medidas relevantes neste domínio, o que é sinal de que os socialistas estão
pouco dispostos a considerar penalizações fiscais específicas sobre a banca (como várias vezes foi defendido pelos partidos à sua esquerda). Note-se também que, embora o sistema bancário português esteja a
precisar de uma limpeza semelhante à que aparentemente
anda a ser pensada em Itália (o que
implicaria perdas para os donos dos bancos), nada indica que o PS estivesse disponível para a fazer em Portugal. Por fim, o desafogo que os acordos entre os partidos de esquerda criam junto da classe média só pode ser boa notícia para uma
banca que está afogada em crédito mal-parado, devido ao
prolongamento da crise económica em Portugal.
Talvez os banqueiros tenham receio que
o Estado português queira ter uma palavra a dizer sobre a gestão dos bancos cada vez que usar dinheiro dos contribuintes para lhes dar ou emprestar. É normal. Já não é tão normal que o Presidente da República Portuguesa pense da mesma forma que os banqueiros a este respeito.
Enfim, se calhar o problema é só meu. Provavelmente, continuar à procura de racionalidade nas acções de Cavaco é uma pura perda de tempo.
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M.Mendes arrasa governo PSD/CDS-PP (-J.Mendes, 23/11/2015, Aventar) Sobre o embuste da “devolução” da sobretaxa, Marques Mendes não poupou nas palavras no seu espaço de opinião da noite de ontem na SIC Notícias e arrasou o governo Passos/Portas. Para o comentador, as manobras pré-eleitorais da coligação PSD/CDS-PP são “uma pouca vergonha” e uma “manipulação eleitoral“. O atraso no reembolso do IVA foi uma tentativa de “sacar votos“, “mentir aos eleitores” e “aldrabar os cidadãos“. E criticou ainda o facto de “até agora, o Ministério das Finanças, seja o secretário de Estado ou a ministra, não ter dado uma explicação. Este silêncio já é de mais. É um silêncio comprometedor“. Podia tudo isto ser dito por um qualquer radical de esquerda da frente golpista? Podia, mas não era a mesma coisa.