1. Esta
notícia confirma o que toda a gente sabe: que Portugal está a transformar-se num imenso eucaliptal, ainda por cima em regime de exploração extensiva por planícies, montes e vales, incluindo parques naturais.
Portugal ostenta o comprometedor título mundial de país com mais eucaliptos (relativamente ao território), batendo a Austrália! Se a Toscana fosse em Portugal, já estava coberta de eucaliptos!
A "lei da liberalização" de 2013 acelerou a eucaliptização. O atual Governo prometeu revogar essa lei, mas essa virtuosa reversão ficou claramente na gaveta (ao contrário de outras...). Em vez disso, o Governo já
premiou a indústria de celulose com 125 milhões de subsídios públicos, mais umas
dezenas de milhões de ajuda à produtividade do eucalipto.
Não imaginava vir a caber a um Governo de esquerda
coroar o eucalipto como improvável "rei da floresta nacional" (como titula a notícia acima).
2. É óbvio que tudo isto só é possível pelo
enorme poder de lobby da fileira agro-industrial
da celulose, que foi ao ponto de
ameaçar o Governo com o cancelamento de planos de investimento, se ele não
cedesse aos seus interesses. Pelos vistos, levou a melhor, com o prémio adicional de
obter do Estado o financiamento desses investimentos. Não imaginava os
meus impostos a alimentarem a eucaliptização geral do País!
Mais uma vez, os nossos partidos pseudo-verdes, que costumam prestar
lip service ao controlo dos eucaliptos, não tugiram nem mugiram perante este
maciço subsídio público direto e indireto a uma das atividades económicas mais prejudiciais ao ambiente entre nós. Pelos vistos,
não é somente o Estado que os novos "donos disto tudo" põem em sentido...
Disgusting! A Portucel foi fundada em 1976 após a nacionalização da pequena indústria da
celulose. Em 1995 dá-se a primeira fase da sua
privatização (em 1994 a Semapa já se tinha começado a posicionar para
dominar uma série de monopólios, como a Secil) e em 2004 a Semapa consolida o seu controlo, adquirindo 67,1 % da Portucel. Nesses 30 anos, a área de eucaliptal plantado no país aumentou ininterruptamente. Em 2005 Pedro Queiroz Pereira
ameaçou que levaria a fábrica de pasta de papel para o Brasil ou para a Alemanha, tendo sido demovido por José Sócrates. Na altura, Queiroz Pereira terá dito a Sócrates: "
Se o sr. primeiro-ministro sentir coragem para
dobrar as forças vivas, eu farei aqui a fábrica". No ano passado, em entrevista, o
multimilionário dizia que "Sócrates não cumpriu os pontos todos, mas o que me motivou foi ver a grande vontade em que a fábrica ficasse cá e em
resolver os obstáculos. Subsídios? Recebia em qualquer um dos lados!".
Foi apenas na semana passada que se soube que o presidente da Semapa (e da Portucel-Soporcel e da Secil), Pedro Queiroz Pereira, era o administrador do PSI-20 com a mais elevada remuneração oficial (1.770.000 euros por ano, excluindo obviamente dividendos e participações financeiras, auferindo portanto 260 salários mínimos por mês !!). Os restantes oito administradores da Portucel-Soporcel recebem em média 1.205.000 euros por ano. A Portucel-Soporcel teve em 2013 um volume de negócios de 1,53 mil milhões de euros e distribuiu 37,5 milhões de euros em dividendos aos seus accionistas.
Apesar dos chorudos lucros, continua a ser do favor do Estado que vive a iniciativa privada. Perante um país cujo espaço florestal é devastado pelo desordenamento paisagístico e territorial, com consequências catastróficas (além da desertificação física e humana, os incêndios e a regressão ambiental dos ecossistemas), a exigência de mais matéria-prima feita pela indústria da celulose nos últimos anos, associada à exigência de mais área para a expansão do eucaliptal à custa dos espaços agrícolas e dos baldios de gestão comunitária mereceu vários diplomas feitos à medida, como sejam o Regime Jurídico de Acções de Arborização e Rearborização em 2013 ou a nova Lei dos Baldios este ano.
Que desenvolvimento trazem actividades destas? Emprego? Para a área monumental ocupada por eucaliptal no país (oficialmente 812 mil hectares), a Portucel emprega 2259 "colaboradores", enquanto as outras empresas da celulose (organizadas na CELPA) empregam mais 856 pessoas. E este número vem em queda constante pelo menos desde 2003, pelo que não está a criar emprego, apesar da produção estar sempre a aumentar. E se o volume de vendas é monumental (1,2 mil milhões de euros em exportações), em que é que isso beneficia o país? Certo, entra para as contas da balança, mas estamos a exportar exactamente o quê? A madeira sai para deixar o território em escombros, enquanto aceleram os ciclos de mobilização de solos, gastos com água, rotação rápida, esgotamento e abandono (como um ou dois ciclos de incêndio pelo meio). Mas são sempre boas (!!) notícias se há investimento privado, dizem os guardadores do governo. Especialmente se for estrangeiro! E se estivermos em crise. Mas se nós damos mais dinheiro aos investidores do que aquele que os investidores nos dão a nós, não estamos a aumentar o buraco das contas públicas? E se pelo caminho destruirmos o país para agradar aos potenciais investidores, então o ciclo da distopia suicida fica fechado.