Deixemos a Constituição em paz (-por Vital Moreira, 13/2/2016, Causa nossa)
Tal como sucedeu com a despenalização do aborto e com o casamento das pessoas do mesmo sexo, também agora há quem terce armas constitucionais sobre a chamada eutanásia (morte assistida de quem queira pôr fim à vida por padecer de doença terminal e estar em grande sofrimento).
Uns são pela sua inconstitucionalidade, em nome do direito à vida; outros, pelo contrário, entendem que há um direito à eutanásia, em nome do direito a não viver naquelas condições.
Tal como nos dois casos referidos também agora penso que a Constituição não fornece uma reposta a esta questão, a qual, portanto, permanece dentro da margem de livre decisão do legislador democrático.
Por um lado, não me parece que a Constituição proíba a eutanásia (nas condições acima descritas), porque o direito à vida obriga os outros (proibição de homicídio e da pena de morte) e não o próprio e não implica uma "obrigação de viver"; há muito tempo que a tentativa de suicídio deixou de ser crime.
Por outro lado, mesmo que se possa argumentar a favor de um "direito ao suicídio", já não me parece que se possa retirar diretamente da Constituição um direito à assistência de terceiros para terminar a própria vida.
Por conseguinte proponho que retiremos a Constituição do debate sobre a eutanásia. A Constituição não tem de ter resposta para todos os problemas políticos ou sociais, sobretudo quando eles implicam juízos religiosos ou morais. Deixemos o espaço público debater serenamente a questão e o legislador decidir livremente, quando chegar o momento.
Um pouco mais de rigor, sff (-Vital Moreira , 10/2/2016) Há quem defenda que o Presidente Marcelo Rebelo de Sousa pode vir a "forçar" a sujeição da eutanásia a referendo. Mas, mesmo que quisesse, não pode fazê-lo.
Um eventual referendo nessa matéria só poderia ter lugar sob proposta da própria Assembleia da República, antes da votação da lei, não por iniciativa de Belém. O PR pode obviamente sugerir, pedir, recomendar, instar a realização do referendo. Porém, depois de eventualmente aprovada uma lei nesse sentido, só resta ao PR, além da possibilidade de suscitar a fiscalização preventiva da sua constitucionalidade, optar entre promulgá-la ou vetá-la, sujeitando-se neste caso a ter de a promulgar se ela for depois confirmada na AR.
--------- Notas:
1. Atente-se também na legislação sobre "testamento vital", "doação de órgãos", ...
2. Eu valorizo a VIDA, mas vida com dignidade, decência, como Pessoa Humana ... e não como um 'vegetal' ou com sofrimento atroz, sem-esperança em recuperar a saúde com um mínimo de qualidade de vida, ... quem sentiu ou viu de muito perto essa dolorosa situação em pessoas queridas ... sabe qual a opção que elas gostariam de ter. (+ Descanse em Paz +)
Para: Ex.mo Senhor Presidente da Assembleia da República, deputado Eduardo Ferro Rodrigues Somos cidadãs e cidadãos de Portugal, unidos na valorização privilegiada do direito à Liberdade. Defendemos, por isso, a despenalização e regulamentação da Morte Assistida como uma expressão concreta dos direitos individuais à autonomia, à liberdade religiosa e à liberdade de convicção e consciência, direitos inscritos na Constituição.
A Morte Assistida consiste no acto de, em resposta a um pedido do próprio – informado, consciente e reiterado – antecipar ou abreviar a morte de doentes em grande sofrimento e sem esperança de cura.
A Morte Assistida é um direito do doente que sofre e a quem não resta outra alternativa, por ele tida como aceitável ou digna, para pôr termo ao seu sofrimento. É um último recurso, uma última liberdade, um último pedido que não se pode recusar a quem se sabe estar condenado. Nestas circunstâncias, a Morte Assistida é um acto compassivo e de beneficência.
A Morte Assistida, nas suas duas modalidades – ser o próprio doente a auto-administrar o fármaco letal (suicídio medicamente assistido) ou ser este administrado por outrem (eutanásia) é sempre efectuada por médico ou sob a sua orientação e supervisão.
A Morte Assistida não entra em conflito nem exclui o acesso aos cuidados paliativos e a sua despenalização não significa menor investimento nesse tipo de cuidados. Porém, é uma evidência indesmentível que os cuidados paliativos não eliminam por completo o sofrimento em todos os doentes nem impedem por inteiro a degradação física e psicológica.
Em Portugal, os direitos individuais no domínio da autodeterminação da pessoa doente têm vindo a ser progressivamente reconhecidos e salvaguardados: o consentimento informado, o direito de aceitação ou recusa de tratamento, a condenação da obstinação terapêutica e as Directivas Antecipadas de Vontade (Testamento Vital). É, no entanto, necessário, à semelhança de vários países, avançar mais um passo, desta vez em direcção à despenalização e regulamentação da Morte Assistida.
Um Estado laico deve libertar a lei de normas alicerçadas em fundamentos confessionais. Em contrapartida, deve promover direitos que não obrigam ninguém, mas permitem escolhas pessoais razoáveis. A despenalização da Morte Assistida não a torna obrigatória para ninguém, apenas a disponibiliza como uma escolha legítima.
A Constituição da República Portuguesa define a vida como direito inviolável, mas não como dever irrenunciável. A criminalização da morte assistida no Código Penal fere os direitos fundamentais relativos às liberdades.
O direito à vida faz parte do património ético da Humanidade e, como tal, está consagrado nas leis da República Portuguesa. O direito a morrer em paz e de acordo com os critérios de dignidade que cada um construiu ao longo da sua vida, também tem de o ser.
É imperioso acabar com o sofrimento inútil e sem sentido, imposto em nome de convicções alheias. É urgente despenalizar e regulamentar a Morte Assistida.
Os signatários dirigem-se à Assembleia da República, órgão legislativo por excelência, ao abrigo da Constituição e da legislação aplicável, exortando os deputados e os grupos parlamentares a discutir e a promover as iniciativas legislativas necessárias à despenalização da Morte Assistida.
----- Eutanásia: de farisaicos está o país cheio
Ordem dos Médicos ou Santo Ofício?
A Ordem dos Médicos, em comunicado assinado pelo seu bastonário, insurge-se contra as declarações públicas da bastonária da Ordem do Enfermeiros, nas quais afirmava,
sobre casos de eutanásia, “vivi situações pessoalmente, não preciso de ir buscar outros exemplos”, concluindo que “quem trabalha no Serviço Nacional de Saúde sabe que estas coisas acontecem por debaixo do pano, por isso vamos falar abertamente”.
A enfermeira Ana Rita Cavaco não disse nada que alguém não soubesse, constatou uma evidência e confirmou factos conhecidos, até por anteriores declarações de vários médicos, feitas em diversos contextos e circunstâncias.
Diz a Ordem dos Médicos que “deconhece qualquer caso de eutanásia explícita ou encapotada nos hospitais do SNS”, afirmação que só não surpreende porque a Ordem dos Médicos desconhece muita coisa que se passa nos hospitais.
O que surpreende é a iniciativa, anunciada no mesmo comunicado da Ordem dos Médicos, de participar ao Ministério Público das declarações da bastonária dos enfermeiros.
As declarações são públicas, a queixa não faz qualquer sentido e nada acrescenta.
Só serve mesmo para satisfazer os impulsos corporativos e exibir a costela inquisitorial do senhor bastonário.
João Semedo no Facebook
---Victor Nogueira disse:
Sendo uma questão polémica, seria contudo interessante e útil que a Ordem dos Médicos mostrasse o mesmo zelo em denunciar
a política "neo-liberal" que leva ao corte de salários e pensões de reforma e os baixos níveis dos mesmos rendimentos,
bem como à degradação do Serviço Nacional de Saúde e do Sistema Publico de Segurança Social
a favor do negócio da Medicina Privada, das IPSS e das Seguradoras.
tudo conduzindo à degradação das condições de vida e de saúde, a morte em vida ou a vegetabilidade.
---- CDS, cuidados paliativos e morte assistida
(14/3/2016, http://entreasbrumasdamemoria.blogspot.pt/ )
João Semedo no Público de hoje:
«Sobre cuidados paliativos, defendi no Parlamento dois projetos apresentados pelo Bloco de Esquerda, o primeiro em 2012 e o outro em 2014, ambos recomendando ao governo a instalação de uma unidade de cuidados paliativos para crianças e adolescentes na cidade do Porto. (…)
A ideia foi recusada, os votos do PSD e do CDS/PP chumbaram-na duas vezes. Em 2012, votaram contra, pura e simplesmente. Mas, em 2014, não querendo repetir a triste figura que fizeram dois anos antes, apresentaram um projeto em que recomendavam ao governo – ao seu governo – “que reforce o estudo e devidas respostas no âmbito dos Cuidados Paliativos Pediátricos e que implemente as medidas necessárias à disponibilização efectiva desses cuidados no nosso país”.
O projeto acabou por ser aprovado por unanimidade, confirmando que a defesa de cuidados paliativos não é um exclusivo da direita e, muito menos, do CDS. Apesar disso, nada foi feito, mas, enfim, a ideia também não era essa. De facto a direita não pretendia que o governo fizesse fosse o que fosse, era mesmo só para fingir alguma preocupação e apagar a iniciativa da oposição.
É por isso extraordinário o que se passou agora no congresso do CDS/PP com a apresentação, por iniciativa, entre outros, de Isabel Galriça Neto, Pedro Mota Soares e Teresa Caeiro, de uma moção reclamando o alargamento da rede nacional de cuidados paliativos. O descaramento não tem limite: saíram do governo há pouco mais de três meses, no Parlamento votaram contra a criação de novas unidades e já estão a reclamar do novo governo o que eles não fizeram durante quatro anos. “Bem prega frei Tomás, faz o que ele diz e não o que ele faz”...(…)
A moção não traz nada de novo, é mais do mesmo: os cuidados paliativos eliminam a dor e o sofrimento, são o garante de uma morte digna e, portanto, não é necessário despenalizar a morte assistida, basta alargar a rede e tudo fica resolvido.
Como sabemos, nada disto é certo, bem pelo contrário, está entre a crença e a publicidade enganosa. Os cuidados paliativos não são 100% eficazes, não se aplicam em muitas situações de fim de vida, sofrimento ou dependência, arrastam o doente para um estado vegetativo e, imagine-se o sacrilégio, a sedação paliativa acaba por antecipar a morte do doente, como têm vindo a reconhecer todos os profissionais que a praticam.
Defendo o crescimento da rede de cuidados paliativos e a despenalização e regulamentação da morte assistida. Não são respostas que se excluam ou que sejam alternativas. São respostas diferentes e legítimas, ambas necessárias para os difíceis momentos do fim de vida.»
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