Os galões da globalização (-por J.R. Almeida, 6/9/2016, Ladrões de B.)
António Vitorino (AV) aproveitou a sua ida à universidade de verão do CDS para atacar as esquerdas radicais, a "esquerda internacionalista". E mal o disse, exaltou-se, avivou-se-lhe a voz, parecia que tudo vinha do fundo de si. E arrancou uma entusiasmada salva de palmas aos jovens de direita.
Conseguiu-o criticando essas "esquerdas" que estão
contra a globalização e apenas querem o proteccionismo, quando apenas a globalização - que é imparável - retira as populações da pobreza. E que a esquerda, em vez de zangada com isso, deveria ficar contente. Ora, Vitorino sabe muito bem que o argumento nem é esse. Trata-se apenas de:
1) um problema de desenvolvimento económico e de depradação, porque dificilmente um país cria a sua base económica sem protecção;
2) um
problema de repartição dos ganhos da globalização. No fundo, essas "esquerdas" querem
impedir que o planeta se torne numa imensa zona comercial em que é possível pagar custos de produção ao preço das zonas mais pobres, para depois cobrar pelas mercadorias preços ao nível das zonas mais ricas (que entretanto perderam essas actividades e empregos), sendo os lucros assim conseguidos remetidos - via preços de transferência - para uma conta bancária em zona fiscalmente "privilegiada". (*) Nem de propósito,
o José Vitor Malheiros fala hoje sobre isso com o exemplo do Pingo Doce.
Estas ideias fazem-me lembrar o que ando a ler nos transportes. Uma cronologia que o meu pai fez nos anos 80: "Portugal e a escravatura em África". Trata-se de uma compilação de informações, retiradas de uma ainda mais vasta colecção de informações compiladas como "Cronologia do Colonialismo Português em África", extraídas de uma vasta bibliografia de quase cem páginas. Vou transcrever apenas três para se ver como
a globalização sempre foi "vendida" como algo de bom para todos os povos, quando o que está
por detrás é uma simples aritmética de lucros à custa de uns sacrificados. E que pelo caminho
fica apenas a devastação de um inteiro continente. (...)
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Carlos Sério : Que outra coisa seria de esperar do (multi-avençado) Vitorino?
Rent-seeking é, “a
obtenção de rendimentos não como recompensa por se ter criado riqueza mas
por açambarcamento de uma fatia excessiva de riqueza que não se produziu”. Assim o classifica o prémio Nobel Josef E.
Stiglitz e diz mais, “sem rodeios, existem duas formas de
enriquecer: criando riqueza ou retirando-a dos outros. A segunda tem a característica de
subtrair à sociedade, uma vez que no processo de tomar riqueza, há uma parte dela que é destruída. Um
monopolista que cobra demais pelo seu produto está a tirar dinheiro a quem está a comprá-lo e, ao mesmo tempo, a destruir valor”.
E ainda, “Um grande grupo de
“exploradores” de rendimentos é o dos advogados (fiscalistas e...) de primeira categoria, que
enriquecem ajudando outros (minoria) a obter rendimentos através de práticas que
contornam a lei (
a justiça). Ajudam a redigir as leis onde se
introduzem lacunas jurídicas, de modo a permitir que os seus clientes
fujam aos impostos, e depois criam os acordos complexos para tirar vantagem destes vazios na lei. Estes advogados são desmesuradamente recompensados por toda esta ajuda prestada no sentido de
fazer os mercados funcionarem não como deveriam, mas sim
como instrumentos que beneficiam apenas uma elite”.
---: Joseph Stiglitz,alguém insuspeito de ser marxista, escrevia no seu The price of Inequality que a "chamada globalização tem sido outro factor para as crescentes desigualdades. Conduzida por e para o 1% dos mais ricos, proporciona o mecanismo que facilita a evasão fiscal e impõe pressões que dão a esse 1% vantagem quer nas negociações com os trabalhadores quer na política, pela perda de controlo dos países devedores sobre o seu próprio destino, que fica nas mãos dos credores.(pag 116)
---: ... a globalização dos péssimos salários, péssimas condições de trabalho, de tudo estar dependente do mercado, de serem as multinacionais a mandar e não os governos devidamente eleitos. não confunda isso com trocas justas de comércio, trocas onde todos os intervenientes são respeitados. ...
--- J.S: O processo de globalização capitalista deixa indiscutivelmente um rasto de vítimas atrás de si. ...
---: É a isto (*) que chamam globalização, quem defende esta lógica comercial (de exploração) não está preocupado com o bem estar ou com a vida de ninguém (a não ser com o seu próprio).
--- JRA: ... nunca o comércio entre nações com diferentes níveis económicos pôde ser benéfica - da mesma forma! - para ambos os lados. É necessário criar barreiras à entrada para evitar a devastação. Todos os países o fizeram, sobretudo os mais ricos. ...
--- DV: Apenas 10 transnacionais controlam quase todos as grandes marcas de alimentos e bebidas do mundo. Empresas como a Nestlé, PepsiCo, Coca-Cola, Unilever, Danone, General Mills, Kellogg’s, Mars, Associated British Foods e Mondelez, empregam milhares de pessoas e têm receitas que ascendem aos vários milhões de euros por ano. Num esforço para empurrar estas empresas a fazerem mudanças positivas e para que os clientes percebam quem controla as marcas que estão a comprar, a Oxfam criou uma infografia que mostra como as marcas que consumimos estão interligadas entre si. (idem para os oligopólios da finança, das químico-farmacêuticas, do armamento, dos automoveis, ... ver tag: poder)
---: ... Aquilo (desgoverno) que se passa em África (...) é consequência também directa do processo dito de globalização (/colonização). Tal como o saque no médio-oriente, a aniquilação do Iraque, da Líbia, a guerra da Siria são frutos directos da globalização. Tal como o que se passa em Portugal com as condicionantes (dos neoliberais do eurogrupo, troika, ...mercados) enfrentadas pelos diversos governos...
---: ...A globalização certamente piorou as condições dos trabalhadores nos países metropolitanos (do '1ºmundo'), um fato recentemente destacado pelo economista Joseph Stiglitz. Quase 90 por cento dos americanos, o que significa quase toda a população trabalhadora daquele país, hoje tem rendimentos reais que estão muito pouco acima do que eram há um terço de século atrás. Hoje os salários mínimos dos trabalhadores americanos estão, em termos reais, pouco acima do que eram há 60 anos atrás. Uma vez que houve algumas melhorias nestas magnitudes na primeira parte destes anos, o que isto significa é que houve uma deterioração no período mais recente, o que coincide com o auge da globalização.
Estatísticas ainda mais impressionantes descrevem o declínio drástico da expectativa de vida entre homens americanos brancos nos anos recentes, um declínio que recorda a queda drástica da expectativa de vida que se verificou na Rússia após o colapso da União Soviética. Um declínio da expectativa de vida, quando não há qualquer epidemia óbvia, é um assunto muito grave. E descobrir um tal declínio no mais avançado país capitalista do mundo testemunha o assalto aos meios de vida do povo trabalhador que a globalização provocou.
Uma história muito semelhante pode ser contada acerca de outros países capitalistas avançados. Sustenta-se habitualmente que os EUA são uma das economias com mais êxito, a primeira sede dos booms dos anos 90 e da primeira década do século actual, originadas respectivamente pelas bolhas "dotcom" e "habitacional", e também a economia que aparentemente está a ver um ressuscitar após o colapso da bolha habitacional. Considerando isto, o facto de que a população trabalhadora naquele país esteja a enfrentar tais dificuldades é extremamente significativo. No Reino Unido, nestes últimos anos houve uma queda drástica nos salários reais dos trabalhadores. Não é de admirar portanto que o descontentamento com a globalização seja generalizado entre os trabalhadores das economias metropolitanas, os quais estão a ser explorados pela direita. Fenómenos como a FN, a votação do "Brexit" e a emergência de Donald Trump são explicáveis a esta luz".