Dez teses para um debate imprescindível
O contributo de José Castro Caldas enquadra bem o debate entre as esquerdas, suscitando breves apontamentos sob a forma de dez teses:
1. A história da integração europeia é sobretudo a história da transferência de poderes democráticos dos Estados para instituições supranacionais esvaziadas de democracia, ou seja, a história da integração europeia é parte da história da inscrição institucional do neoliberalismo no continente.
2. A escala europeia é a escala política ideal para muitas operações do capital dominante e as suas instituições estão calibradas para consolidar o poder disciplinar dos mercados sobre as classes populares, promovendo a consolidação de regras que transferem recursos de baixo para cima – dos mais pobres para os mais ricos – e de dentro para fora – dos países devedores mais frágeis para os países credores mais fortes.
3. As conquistas socioeconómicas dos de baixo dependeram da intensificação da democracia, associada à construção de Estados capazes e de comunidades políticas com vínculos densos, com possibilidade de institucionalizar a primeira pessoa do plural, mas estes processos estão vedados à escala europeia pela dependência em relação ao caminho percorrido, pela natureza dos arranjos institucionais europeus, pelas fracturas políticas criadas, pela inexistência de um sujeito político progressista real a operar nessa escala e pelo viés neoliberal dos processos políticos supranacionais.
4. Sem instrumentos de política económica – orçamental, monetária cambial, de controlo dos fluxos financeiros ou industrial – a soberania democrática inscrita na Constituição não tem base material sobre a qual assentar, sendo o país na prática governado a partir de fora, com a cumplicidade de elites políticas que agem como se não fossem de cá.
5. A violência socioeconómica deste arranjo é espacialmente desigual, atingindo sobretudo os países periféricos, precisamente os que mais necessitam de mobilizar instrumentos de política económica de desenvolvimento, sendo este último uma miragem no quadro de uma moeda estruturalmente forte e de arranjos feitos para consolidar a distância e a dependência em relação ao centro.
6. Uma dívida externa recorde, uma taxa de desemprego que é o dobro do máximo histórico antes do euro e uma economia cada vez mais atrofiada são outras tantas expressões de uma estrutura que não serve os interesses da maioria dos que aqui vivem.
7. Não é por acaso que um fundado eurocepticismo tem crescido muito nas áreas periféricas e, dentro destas, sobretudo entre as classes populares, estando esta tendência para ficar e para beneficiar quem lhe queira dar tradução política.
8. Se a esquerda quiser reconquistar a hegemonia terá de compreender que a questão nacional, a da reconquista de poder para a escala onde ainda está a democracia, e a questão social, a das possibilidades da maioria, estão hoje imbricadas; se a esquerda não o quiser, essa imbricação ficará entregue às manipulações de certas direitas, como tem acontecido em muitos países onde a esquerda continua enredada em fantasias federalistas sem sujeito social e sem alavancas políticas.
9. O momento da construção de uma vontade nacional e popular pela esquerda não remete para a autarcia, mas para uma renegociação da integração e para uma diminuição do seu alcance, permitindo heresias razoáveis como a política cambial que promova exportações e substitua importações, a socialização do sistema financeiro ou uma política económica de pleno emprego.
10. A reestruturação da dívida externa é o instrumento primacial para um país na nossa situação e a sua invocação será mobilizadora se inserida num projecto mais vasto, cuja estratégia tem de ser claramente enunciada, ainda que os seus tempos não sejam à partida claros, já que a rebeldia democrática requererá muita astúcia negocial guiada pelo interesse nacional, ou seja, pelo interesse de uma imensa maioria social.
Comentário para o debate de um dos temas (a dívida, a união europeia e a soberania) da conferência Governar à Esquerda que o Congresso Democrático das Alternativas vai organizar no dia 4 de Outubro, entre as 10h e as 17h30m, no Liceu Camões. --- http://www.congressoalternativas.org/
(- por João Rodrigues, 29.9.14, Ladrões B
A última ilusão?
António Costa será o novo líder do PS porque tem melhores resultados nas sondagens, e portanto está em melhores condições para derrotar Passos Coelho.
Com estas eleições, a sociedade portuguesa aprofundou a personalização do debate político. No entanto, há quem faça perguntas pertinentes:
"E que papel restará aos militantes, sem influência real e equiparados a simpatizantes,
senão calarem o que pensam para reforçarem o vício do carreirismo?
Que lhes sobra senão catarem o vento para ficarem do lado favorável ao sopro da última brisa eleitoralista?" (Pedro Tadeu, DN - 30 Set.).
Sabemos que há outras vias para promover a qualidade da democracia portuguesa, mas é para este lado que agora sopra o vento no PS.
A tendência para o aprofundamento da política-espectáculo é inevitável,
pelo menos enquanto permanecer a actual desregulação neoliberal dos media e o desinvestimento no serviço público de comunicação social.
Berlusconi ascendeu ao poder político através da televisão liberalizada e o actual primeiro-ministro italiano fez carreira política, ganhou as directas no Partido Democrático e derrubou o seu primeiro-ministro, em grande medida graças a excepcionais competências mediáticas.
A Itália atravessa uma gravíssima crise e boa parte do eleitorado italiano confiou em Matteo Renzi para se ver livre dela.
Infelizmente, o máximo que os italianos vão conseguir é alguma tolerância no cumprimento das metas do Tratado Orçamental, tendo em conta a deflação que se instala na zona euro.
O que a habilidade mediática não poderá comprar é uma política keynesiana de relançamento da economia
italiana porque esta foi proibida pela Alemanha como condição para abdicar da sua moeda.
Um dia destes, muitos eleitores de Renzi perceberão o logro e, face à dramática falta de comparência de uma esquerda eurocrítica,
lançar-se-ão nos braços de um qualquer salvador, mesmo que seja um palhaço.
A mediatização da política tornou-se causa e consequência da degradação da democracia:
a escolha das políticas há muito que não depende do voto dos cidadãos,
mas as televisões e os jornais escondem essa realidade
e criam a ilusão de que tudo se joga no dinamismo da liderança política.
Os sinais de que uma nova bolha financeira pode estar a atingir uma dimensão explosiva são abertamente discutidos nas colunas da opinião especializada (ver FT - 21 Set., "The glaringly obvious guide to the next crash"),
mas em Portugal isso não é relevado.
Além do futebol, a prioridade dos media foi o grande salto em frente na democracia portuguesa: as primárias do PS.
É pena que tenhamos ficado sem saber como pensavam os candidatos reindustrializar o país com o novo Quadro Comunitário de Apoio, conhecendo-se bem o que aconteceu ao peso da indústria com os anteriores.
O vencedor, como era de esperar, escondeu num discurso de piedosas generalidades a sua impotência para enfrentar a depressão em que estamos metidos.
Contando com o apoio da França, também ela necessitada da tolerância da Alemanha, António Costa e seus assessores esperam
uma coligação das periferias para torcer o braço ao eixo Bruxelas-Frankfurt-Berlim
e finalmente obter uma renegociação honrada da dívida externa,
uma leitura flexível do Tratado Orçamental e, quem sabe,
algumas derrogações que viabilizem uma política industrial.
Pela minha parte, admito que, para além dos interesses próprios,
"as diferenças na história, língua e cultura dos vários estados impediram e continuarão a
impedir os líderes de celebrarem os compromissos nas políticas orçamentais e de regulação necessários à viabilidade de uma zona monetária." (FT, 22 Set., "The fatal flaw that could doom the European project").
A rápida ascensão eleitoral do partido anti-euro, Alternativa para a Alemanha (AfD),
reduzindo a margem negocial de Merkel, empurrará Renzi e Costa para o mesmo destino de Hollande,
a queda em desgraça.
Será esta a última ilusão a perder
para, finalmente, Portugal enfrentar a realidade do fracasso do euro?
(O meu artigo no jornal i), por Jorge Bateira às 2.10.14 , Ladrões de B.) http://ladroesdebicicletas.blogspot.pt/2014/10/a-ultima-ilusao.html
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--- (partido) Livre e Ana Drago vão juntos a eleições
O I congresso deixa claro que o partido concorrerá às próximas legislativas "em parceria" com o movimento Fórum Manifesto, de Ana Drago e Daniel Oliveira.
Mas está, também, aberto a "todas as hipóteses de convergência", pré ou pós-eleitorais com os outros partidos de esquerda.
Ler mais: http://expresso.sapo.pt/livre-e-ana-drago-vao-juntos-a-eleicoes=f892321#ixzz3FMhmB9lz
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BE: isolamento não é o caminho.
O coordenador do Bloco de Esquerda (BE) João Semedo acusou hoje Luís Fazenda e Pedro Filipe Soares, ambos da tendência criada pela UDP, de quererem quebrar a história de "direção partilhada" do BE, introduzindo uma "direção dominada".
João Semedo e Catarina Martins, que se recandidatam em conjunto à coordenação do BE, apresentaram hoje a sua moção à IX Convenção deste partido, numa sala cheia - ao seu lado no palco estiveram, entre outros, Marisa Matias, Mário Tomé, João Teixeira Lopes, José Manuel Pureza, Mariana Mortágua, Cecília Honório - em defesa da "harmonização de posições" e contra a "lógica de grupo" apontada à candidatura de Pedro Filipe Soares.
Questionado pela comunicação social se considera que essa candidatura desrespeita a história do partido que juntou UDP, PSR e Política XXI, João Semedo lembrou que, "durante quinze anos, a direção do BE foi partilhada com muita intimidade política" pelos seus fundadores.
Já Catarina Martins defendeu que que o BE deve ser um partido interveniente e ativo, sublinhando que o "isolamento não é o caminho".
Ler mais: http://expresso.sapo.pt/be-isolamento-nao-e-o-caminho=f892282#ixzz3FMjLG6AH
Leituras obrigatórias
(- por Vital Moreira , Causa Nossa, 1/10/2014)
Na perspetiva neoliberal, hoje dominante à direita, a única exigência em matéria de igualdade é garantir a igualdade perante a lei (igualdade de direitos e deveres).
As desigualdades de rendimento e de riqueza são o resultado natural da diferença individual de capacidades, de habilitações e de oportunidades, que não só não são um problema em si mesmas, por maiores que sejam, como são uma fonte de competição e de progresso económico e social.
Neste artigo,
[ Why inequality is such a drag on economies ]
Martin Wolf mostra porém que, além de ser um problema político e moral (como sempre se defendeu à esquerda), o excesso de desigualdade também é um problema económico.
------http://www.ft.com/intl/cms/s/
Contra a promiscuidade entre política e negócios
(-Por Ana Gomes, 2/10/2014, http://aba-da-causa.blogspot.be/2014/10/contra-promiscuidade-entre-politica-e.html)
No domingo à noite, António José Seguro felicitou António Costa e, com grande dignidade, apresentou a demissão, dizendo: "O PS escolheu o seu candidato a primeiro ministro. Está escolhido. Ponto final".
Foi o que decidiram por larga maioria os militantes e simpatizantes socialistas nas primárias, que acabaram por mobilizar milhares e milhares de portugueses, mostrando que a regeneração da política e da cidadania é possível - o que PS e o país ficam a dever a Seguro.
António Costa assume assim a liderança do PS indiscutivelmente, com reforçada legitimidade, e consequentemente reforçada responsabilidade.
Desde logo na aplicação da sua Agenda para a Década já nas próximas 10 semanas e nos meses que tardarão até as eleições em que o PS vai derrubar a coligação de direita que vem destruindo o país.
Ora, na agenda do PS, seja para a década ou para as próximas 10 semanas, há outro tema incontornável que Seguro fez inscrever, por muito que alguns o recusem ou pensem poder arredar:
falo do combate à promiscuidade entre política e negócios,
que hoje gangrena a confiança dos cidadãos nos governantes e nos políticos, em Portugal e noutros países da UE.
É um tema que está na agenda nacional e europeia e não decorre de qualquer atavismo ético:
é crucial e urgente, quando defrontamos novas e crescentes ameaças à governação económica e política e à segurança e liberdade dos cidadãos nas sociedade democráticas em que vivemos.
Num seminário sobre a Estratégia de Segurança Interna da UE que ontem reuniu em Bruxelas peritos e instâncias policiais, judiciais e políticas,
a urgência do combate contra a promiscuidade entre política e negócios foi flagrante:
do jihadismo terrorista, às mafias e outras redes de criminalidade organizada,
que tanto gerem mercados ilegais como cada vez mais controlam mercados legais no espaço europeu,
todos recorrem à corrupção e a infiltração nos poderes político e administrativo para capturar governantes, legisladores e decisores e realizar os seus desígnios criminosos.
Vêmo-lo e sentimo-lo em Portugal, inclusive a pretexto da crise económica
que serve para justificar cortes orçamentais e redução de recursos indispensáveis
ao eficaz desempenho das forças armadas, de segurança e ao aparelho da justiça.
Desarticula-se e tolhe-se a acção desses corpos do Estado e prossegue a impunidade dos responsáveis por casos de corrupção, tráfico de influências, suborno, prevaricação, lavagem de dinheiro, esquemas de fraude e de evasão fiscal,
sem que se apure que maiores esquemas de criminalidade organizada possam integrar e servir.
Os casos são mato na vida nacional:
nos últimos dias discute-se a Tecnoforma/CPPC - que,segundo o jornal Expresso, era financiada a partir de Angola e através de offshores
- e vemos adensarem-sequestões sobre um PM que se recusa a revelar quanto recebeu em "despesas de representação".
Mas há ruinosos contratos de SWAPS e PPPs, de aquisição de submarinos e outros equipamentos de defesa,
além dos processos BPN, BPP e o colossal colapso BES/GES,
passando pelos Faces Ocultas e esquemas de corrupção reportados na imprensa da Madeira a Gaia.
Neste último caso, apesar de tudo o que já foi publicado, não é sintomático que nem AR, nem PR, nem PSD esbocem incomodidade para demitir, ou pelo menos suspender, o envolvido Dr. Luis Filipe Menezes, do cargo de conselheiro de Estado?
Já nem a dignidade do Conselho de Estado se deve preservar?
António Costa tem longa experiência política, parlamentar e de governo e especial conhecimento e sensibilidade para as áreas da justiça, liberdades cívicas e assuntos internos, em que foi Ministro:
espero que não tarde a fazer uso da sua inteligência, sabedoria, experiência e da legitimidade reforçada de que dispõe para liderar o PS,
para tirar o país do "estado de Citius" em q o colocou este Governo de "homens da Tecnoforma", de "Donos Disto Tudo "e de sucateiros de face oculta.
(Transcrição da minha ultima crónica no Conselho Superior, Antena 1, dia 30.9. 2014)
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Novo ou velho, o PS mantém a sua vocação abstencionista?
Aprovado pedido do PCP de esclarecimentos de Passos Coelho sobre registo de interesses, com abstenção da maioria e... do PS !
---- Como se aprende a gerir um país
? ? ?
Excerto de um texto de Nicolau Santos, publicado hoje no Expresso diário:
[ http://entreasbrumasdamemoria.blogspot.pt/2014/10/como-se-aprende-gerir-um-pais.html#links ]
e
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Tecnoforma – com humor
«Depois das explicações do PM sobre o caso Tecnoforma, receber dinheiro por trabalhar quase passou a ser falta de educação e egoísmo.
Uma pessoa até se sente mal por, ao fim do mês, ir receber o ordenado. (...)
Quanto mais dizem que o caso está resolvido, mais parece que ele aumenta de tamanho - fazia falta um strip, mas o PM não quer mostrar as ceroulas.
Depois das respostas do PM, apareceu o advogado da Tecnoforma a dar uma conferência de imprensa, onde avisou que ia processar um membro do Governo.
A minha dúvida é se este advogado da Tecnoforma fez aquela conferência gratuitamente. Se assim foi, temos aqui um padrão, que importa destacar.
A seguir à conferência de imprensa, que se seguiu aos esclarecimentos de Passos, vieram as declarações de Cavaco que, tal como no BES, veio garantir que as respostas do PM eram sólidas.
Claro que começou por dizer que lhe tinham dito.
Cavaco já não arrisca um comentário sem ter primeiro um bode expiatório. Vai acabar a fazer os roteiros recorrendo ao "ouvi no elevador", "disseram-me no cabeleireiro" e "vi na rádio".
Mas ainda não tinha acabado.
Depois do PM ter dito que apenas recebeu dinheiro de trabalhos jornalísticos nos anos de 97, 98, 99, e ter escrito que parte desse dinheiro vinha de trabalhos para o Público,
a direcção do Público veio dizer que, nesse anos, Passos não fez nada no jornal.
Portanto,
Passos não recebe dinheiro dos sítios onde trabalha
e recebe dinheiro dos sítios onde não trabalhou.
É formidável.
Começo a desconfiar que não há um documento, deste senhor, que esteja em condições. Se calhar, nem o BI é verdadeiro.
Chama-se Heinz Passos e nasceu em Berlim em 62.
A esta hora, o ouro do Banco de Portugal são tijolos com tinta para dourar santas que o Relvas arranjou.
O Relvas anda muito sossegado, é melhor ir lá ver.»
João Quadros
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mas
--- Novo ou velho, o PS mantém a sua vocação abstencionista?
Aprovado pedido do PCP de esclarecimentos de Passos Coelho sobre registo de interesses,
com abstenção da maioria e... do PS !
!?!!
3.10.2014 - (JPP)
Tecnoforma, PPC e desgoverno:
SEMPRE A ATIRAR PARA O LADO A VER SE A GENTE SE DISTRAI
O problema do “caso Tecnoforma” para o Primeiro-ministro não resulta de se ter “explicado tarde”. Resulta do “caso Tecnoforma”, em primeiro, segundo, décimo, milionésimo lugar. E resulta das suas "explicações" que não explicam nada, bem pelo contrário. Quem está a desviar o mal-estar à volta de Passos Coelho apenas para o atraso das suas explicações, está a ver se cola um erro instrumental, naquilo que pode ser uma enorme complicação substancial.Já escrevi várias vezes e em devido tempo, muito antes destes eventos, sobre empresas como a Tecnoforma e a sua “peculiar” relação com o poder político. Por que razão nascem ou contratam políticos, muitas vezes sem qualquer qualificação, e como proliferam e ganham dinheiro encostadas a decisões políticas e a informação privilegiada. Do lado de cá está uma “empresa”, do lado de lá está sempre um amigo no sítio certo. Pelo meio, estão os homens que “abrem todas as portas”.
Sabe-se agora, sem surpresa, que a Tecnoforma criou e financiou com verbas consideráveis (que é o que significa “ser o único mecenas”) uma ONG chamada Centro Português para a Cooperação na qual Passos Coelho “trabalhava” de graça. É suposto que uma ONG tenha como objectivo qualquer coisa de bom e nobre e útil para quem precisa, neste caso os PALOPs. É por isso que tem um regime de favor no plano fiscal, na contabilidade, no governance, com muito poucas regras e sem o controlo que teria uma empresa. Mas o Centro Português para a Cooperação, obra do “mecenato” da Tecnoforma, tinha um objectivo peculiar: arranjar projectos para financiar a Tecnoforma, acedendo a fundos e recursos indisponíveis para uma empresa, mas disponíveis para uma ONG. Ou seja, era uma falsa ONG.
Pode ser que até tenha sido tudo legal (duvido), mas tudo isto é uma fraude e um abuso. E a natureza deste tipo de empresas e deste tipo de actividades só é acessível a quem conhece os meandros do poder político e quem sabe onde ir buscar os fundos desviando-os do seu objectivo filantrópico ou útil para a nação. Assim, foram úteis mas foi para outra coisa.
Quem se mete ou é parte activa neste tipo de actividades, fica sempre manchado, até porque sabe muito bem o que fez e com quem fez. Não me admira por isso que a memória emperre.
JPP, http://abrupto.blogspot.pt/2014/10/sempre-atirar-para-o-lado-ver-se-gente.html
O PS e a esquerda (I)
(-Manuel Loff, 6/12/2014, Público)
Eu sou dos que estou convencido que o PS não governará à esquerda depois de 2015.
Não porque seja Costa o candidato. Simplesmente porque nunca governou à esquerda.
“Não é possível ser alternativa às atuais políticas [e] querer prosseguir as atuais políticas”. Pode parecer, mas não:
a frase não aparece num comunicado do PCP ou do Bloco, ela foi mesmo dita por António Costa no Congresso do PS.
Significa isto que o PS vai mesmo virar à esquerda? É agora?
Na ausência muito provável de uma maioria absoluta, veremos Costa, que gosta tanto de coligações,
que avisa já que “não podemos viver numa situação de instabilidade ou paralisada por divergências” dentro delas,
a propor negociações ao PCP e ao BE, os tais que vivem “na posição cómoda do protesto e não trabalham para a solução” (PÚBLICO, 30.11.2014)?
Ou de tudo isto sairá apenas um convite a Rui Tavares para uma secretaria de Estado, ou um Ministério da Justiça oferecido a um ulceroso Marinho e Pinto?
Fora do PS (e do Livre) ninguém acredita na primeira hipótese:
a direita finge-se chocada com a “radicalização” à esquerda do PS, mas até Teresa Leal Coelho (PSD) percebeu que a viragem do PS à esquerda é um “taticismo” de António Costa que durará pouco (Sol, 5.12.2014).
Comunistas e bloquistas continuam a mostrar-se céticos.
Um observador insuspeito como Paulo Guinote recomenda “a todos aqueles que auguram um PS virado a alianças à esquerda pela primeira vez na sua história” que “[esperem] sentados e [tomem] desde já um antidepressivo dos fortes, tamanho vai ser o rebound” (blogue A educação do meu umbigo, 4.12.2014).
Um socialista, pelo menos, quis levar a sério o discurso de António Costa. Francisco Assis, que “advoga a vantagem de um entendimento político de fundo com formações de centro-direita”, queixou-se nas páginas do PÚBLICO de lhe terem “[imputado] arbitrariamente uma pérfida intenção, [deturpado] deliberadamente os [meus] propósitos e [promovido] um juízo definitivo visando a [minha] absoluta desqualificação moral e política”.
Assis conhece bem de mais os seus camaradas socialistas para saber que exagerou.
Eu, pelo menos, que o conheci há quase 30 anos nos nossos tempos de faculdade – ele em Filosofia, eu em História; eu no movimento estudantil que defrontava o cavaquismo arrogante dos anos 80, ele, já então, longe de tudo isso, discretíssimo numa JS que, fora de Coimbra, nem se percebia existir –, permito-me duvidar que ele não saiba que
não há ninguém na nova direção do PS interessado em acabar com 40 anos de pragmatismo político, de “socialismo” e de “Estado social” metido na gaveta e de navegação à vista,
e assumir uma aproximação ao que ele chama a “esquerda proclamatória”.
Eu sou dos que percebeu há muito – e digo-o, honestamente, sem nenhuma ironia – que Assis não foge a “pureza” alguma da esquerda onde ele acha estar quando diz terem sido “raras as ocasiões em que a esquerda democrática e liberal” (é assim que ele se define)
“esteve mais próxima da extrema-esquerda [de inspiração bolivariana]” (é isto que ele acha ser o PCP e o BE, não sei se o próprio Livre) “do que de uma certa direita liberal e republicana” (que suponho ser o que ele vê no PSD).
Há muito que manifesta uma repulsa genuína pelo que chama os “neocomunistas”, designação que, no discurso de Assis, abarca muito mais do que os militantes dos PC's deste mundo, e inclui todos os que encontrem no marxismo instrumentos de análise da realidade.
Também aqui ele não se diferencia do que foi a atitude histórica do PS desde 1974,
que à sua esquerda viu permanentemente sindicatos e partidos “antidemocráticos”, que tantas vezes garantiu estarem ao serviço de “potências estrangeiras”, com os quais era impossível (pelo menos até Sampaio-Lisboa-1989) chegar sequer a acordos pontuais.
É por isso que toda esta conversa da “esquerda inútil” e que “não trabalha para a solução” – e que me desculpe o meu colega André Freire – é uma boutade dos últimos 20 anos:
até então, o PS disse sempre que quase tudo à sua esquerda era gente infrequentável.
Nos anos 90, com Guterres, o PS passou a agregar quase 80% dos votos da esquerda, e roçou sempre a maioria absoluta (ver tabela).
À sua esquerda, reuniam-se apenas ....
O PS e a esquerda (I)
(-Manuel Loff, 6/12/2014, Público; http://www.publico.pt/politica/noticia/o-ps-e-a-esquerda-i-1678588 )
...
...
...À sua esquerda, reuniam-se apenas 10% dos eleitores – metade dos que houvera até 1987.
Desde 2005, contudo, que entre 800 mil e um milhão de portugueses votam sempre à esquerda do PS, numa proporção de um para dois.
E têm fortes motivos para o fazer.
E é isso que preocupa António Costa. Ao contrário do que se pretende fazer crer, esse bloco social à esquerda tendeu a recuperar neste século um peso que já fora seu nos anos 70.
Por outras palavras, nos anos de Sócrates (querem líder socialista mais incompatível com viragens à esquerda?), o PS governou à direita e desiludiu à esquerda.
Já nos anos 80, o Bloco Central de Soares fizera o mesmo – e abriu caminho ao PRD e à candidatura de Zenha à Presidência, com o apoio do PCP, o que retirou ao PS a maioria dos eleitores da esquerda.
Eu sou dos que estou convencido que o PS não governará à esquerda depois de 2015.
Não porque seja Costa o candidato. Simplesmente porque nunca governou à esquerda.
A única forma de conseguir por via eleitoral um governo à esquerda passa por inverter a correlação de forças entre o PS e os partidos à sua esquerda –
isto é, que o conjunto de votos da CDU e do BE supere claramente os do PS
e o obrigue, como sucedeu na Grécia e brevemente sucederá em Espanha, a escolher assumidamente entre uma coligação
com a direita (como fez o PASOK – e foi o fim de qualquer ilusão)
ou uma coligação a sério (e não uma simples cooptaçãozinha de pesca à linha) com quem, na esquerda a sério, coloca as opções difíceis mas fundamentais
entre austeridade e democracia social,
entre Tratado Orçamental e soberania dos portugueses,
entre submissão cega a uma dívida ilegítima e cheia de juros usurários e a recuperação de uma vida com um mínimo de dignidade.
Como tentarei demonstrar na minha próxima crónica, a história de 16 anos de governos socialistas mostram que o PS no poder fez quase sempre as escolhas contrárias aos interesses da maioria de quem nele votou,
descrevendo-as, contudo, como inevitáveis – para depois, quando passou à oposição, procurar voltar a dar esperança a muitos eleitores.
Até à desilusão seguinte.
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