Domingo, 31 de Agosto de 2014
PORQUE É QUE  NÃO  VALE  MUITO  A  PENA  TER  ESPERANÇA …   (-JPP, Abrupto, 29/8/2014)
... como no Inferno quando se entra pela porta maldita e se deixa a dita esperança à entrada. Agosto é um bom mês para percebermos tudo.   Milhares e milhares de jovens que não lêem um livro, passam o mês em festivais no meio do lixo, do pó, da cerveja e dos charros.    Milhares e milhares de adultos vão meter o corpo na água e na areia, sem verdadeira alegria nem descanso.   Outros muitos milhares de jovens e adultos nem isto podem fazer porque não tem dinheiro.   No interior, já que não há correios, nem centros médicos, nem tribunais, proliferam as capitais, da chanfana, do caracol, do marisco, do bacalhau, dos enchidos, da açorda, as "feiras medievais" de chave na mão, as feiras de tudo e mais alguma coisa desde que não sejam muito sofisticadas. Não é uma Feira da Ciência, nem Silicon Valley.
     As televisões, RTP, SIC e TVI “descentralizam-se” e fazem arraiais com umas estrelas pimba aos saltos no palco, mais umas “bailarinas”, nem sequer para um grande público. Incêndios este ano há pouco, pelo que não há imagens fortes, ficamos pelo balde de água. Crimes violentos “aterrorizam” umas aldeias de nomes entre o ridículo e o muito antigo, que os jornalistas que apresentam telejornais com tudo isto gostam de repetir mil vezes. Felizmente que já começa outra vez a haver futebol, cada vez mais cedo. O governo, com excepção das finanças e dos cortes contra os do costume, não governa, mas isso é o habitual.
     A fina película do nosso progresso, cada vez mais fina com a crise das classes ascendentes, revela à transparência todo o nosso ancestral atraso, ignorância, brutalidade, boçalidade, mistura de manha e inveja social. No tempo de Salazar falava-se do embrutecimento dos três f: futebol, Fátima e fado. Se houvesse Internet acrescentar-se-ia o Facebook como o quarto f. Agora não se pode falar disso porque parece elitismo. Áreas decisivas do nosso quotidiano hoje não são sujeitas à crítica, porque se convencionou que em democracia não se critica o "povo".
     Agosto é um grande revelador e um balde de água fria em cima da cabeça para aparecer na televisão ou no You Tube. Participar num rebanho, mesmo que por uma boa causa, podia pelo menos despertar alguma coisa. Nem isso, passará a moda  e esquecer-se-á a doença. Pode ser que para o ano a moda  seja meter a cabeça numa fossa séptica, a favor da cura do Ebola.
     Assim não vamos a lado nenhum. Como muito bem sabem os que não querem que vamos a qualquer lado.
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CARTAS  PORTUGUESAS A LUDWIG PAN, GEÓLOGO E AGRIMENSOR NA AUSTRÁLIA       
 (-JPP, Abrupto, 17/8/2014)
(As duas primeiras cartas  aqui, a terceira aqui, a quarta aqui, a quinta aqui.)
    Caro Pan, portador do maior nome que conheço, onde cabe tudo
Foste mordido pelas formigas dos antípodas porque lhes perturbaste um carreiro? Deixa lá, aqui estamos cheios de formigueiros e de formigas, só que tem outro nome. Mas que mordem, mordem.
     O meu país está doente e, como me custa dizer-te isto, meu bom Ludwig, que procuras boas novas como o ouro que te escapa nesses rios secos de Queensland. Quem é que vai para uma terra chamada de Sturt Stony Desert? Eu conheço a resposta clássica: cães malucos e ingleses, mad dogs and englishmen. Mas tu és alemão, gostas da prussiana ordem durante meia semana e de nevoeiro místico levantando-se das florestas na outra metade. Não foste fadado para esses desertos, não ser pelo “trabalho”, pela “obrigação”, pela “disciplina”. Deixa lá mesmo assim, derretendo no deserto a revirar pedras, estás melhor do que eu.
     O meu país está doente. O que se fez no meu país foi uma guerra moral aos de baixo, aos mais fracos e que não tem defesa, aos que são velhos e não tem mais saída, aos que tinham pouco e aos que ainda tinham alguma coisa, tratando-os de ricos, e essa guerra moral passou por lhes incutir uma culpa que não tinham e assim impedi-los de responder ao ataque que lhes foi feito.   Esta guerra moral teve sucesso (porque o poder - aliado ao dinheiro, aos mídia, à 'inteligentsia'...- dividiu, atacou, dividiu, propandeou, dividiu, amedrontou, ... e), até porque as pessoas nesta era de psicologismo, absorvem culpa como uma esponja.   São culpados pelos desmandos dos filhos, são culpados por não terem emprego, são culpados por serem velhos, são culpados por terem casado com “aquela” pessoa, são culpados por se terem divorciado, são culpados porque tem pouco dinheiro e, num país de “sucesso”, isso é uma fraqueza, são culpados por “viverem acima das suas posses”.
     Atiram-lhes culpa misturada com o cola-tudo da crise, e ao mesmo tempo dão-lhes uma gigantesca martelada na vida para ficarem meio tontos, sem perceberem o que lhes aconteceu.   Mudam-lhes a vida para muito pior, de um mês para o outro, de repente, sem aviso, recebiam 1000 e passam a receber 700, recebiam 700 passam a receber 650, tinham um apoio para comprar óculos, para estudar, para viver, para comprar medicamentos, para descansarem na velhice, e tudo acaba. Confiança, não dizem eles. A confiança acabou com a crise.
     Os cínicos que nos governam, amorais até á sua essência, que aprendem nas carreiras partidárias uma espécie de realpolitik de bar da moda, acham que dizer isto é miserabilismo. Têm uma aptidão natural, e uma ainda maior desfaçatez, em encontrar nos outros, os bodes expiatórios que justifiquem a sua peculiar mistura de ignorância do país, incompetência e ideologia colada a cuspo, ressentimento e subserviência com os poderosos, capacidade de engolirem tudo, aquilo a que os portugueses chamam falta de vergonha.
     Meu bom germano Ludwig, já foi o tempo em que nós mediterrâneos de proximidade, tínhamos como nossa a dicotomia da honra e da vergonha. Vergonha? O que é isso. Já para não falar da honra.
     A ironia disto tudo é que sobrepor a moral à hierarquia social deu muito torto. Para acusar os de baixo de se portarem mal com o seu “consumismo” de plasmas e sofás, era suposto os de cima, os modelos da livre “economia”, darem o exemplo. Ora, os ricos não deram o exemplo (ou dão mau exemplo!!), os convidados de honra dos seminários pagos a peso de ouro da imprensa económica, os modelos intangíveis de muitos blogues que passam por ser liberais e que se babavam com as virtudes do “velho dinheiro”, aqueles que defenderam com unhas e dentes a senhora que “brincava aos pobrezinhos” na Comporta, esses vêem agora a “reputada” família Espírito Santo, modelo do empreendorismo, do “velho dinheiro”, que andava de braço dado com o Dr. Salazar e os reis caídos de Cascais, tratada como criminosa. E também vão lá deitar a sua pedra, porque é de sua natureza bater nos que estão caídos.
     No outro dia, um jornalista dizia na televisão que a prisão de Ricardo Salgado por um dia mostrava como o país estava a “mudar”. A palavrinha “mudar” é mágica, tanto mais que acaba por deixar sempre uma impressão positiva. Ele queria dizer que o “antigo regime”, o Portugal de antes de 2011, o “regime”, o “sistema”, o “poder corporativo”, estava a desaparecer por uma qualquer destruição criadora. É uma linguagem muito comum nos blogues, no Twitter e no Facebook pró-governamental. É um linguagem de que o poder gosta, porque legitima a “crise”, traz virtudes á “crise”, torna-a num instrumento daquela mesma guerra moral que tão importante foi para tornar impotente o protesto.
     Engano.   Não mudamos nada.   Estamos é mais pobres, e por isso, num sentido perverso mais iguais, mesmo quando mais desiguais. Estamos cada vez mais iguais no sentido em que os de cima já não tem o pedestal da reputação, do “velho dinheiro”, do bom nome “familiar”, e os que estão a subir para o mesmo lugar hierárquico já não querem saber disso para nada até porque nesses bens simbólicos não podem competir. Estamos no reino dos middle men. A mediocridade dos que nos mandam, mais do que nos governam, é tal que tende a igualizar. Por baixo, claro. Quem anda como peixe na água são os facilitadores, os intermediários, os confiáveis, os que abrem todas as portas. São como um fluido, passam por todas as frestas. Como as formigas que te apoquentam.
     Estás ver no que isto deu? Estas cartas parecem o Muro das Lamentações. Mas não é queixa, é fúria. Custa viver no meio disto tudo, no meio desta doença social, desta, - e uso a palavra complicada, a palavra gasta, a palavra que se diz sempre, a palavra lugar-comum, - decadência. Abstieg, Niedergang, não sei qual a melhor palavra na tua excelente língua para estas coisas catastróficas.
  Um abraço do teu amigo


Publicado por Xa2 às 08:30 | link do post | comentar

3 comentários:
De Submissão acrítica e Legalices ruinosas a 1 de Setembro de 2014 às 10:07
(JPP) Abrupto,


ÍNDICE DO SITUACIONISMO:
COMO É QUE A NOVILÍNGUA SE ESTABELECE

A questão do situacionismo não é de conspiração, é de respiração. E, nalguns casos, de respiração assistida.


Diz o Primeiro-ministro:
"Parece-me que a meta que tínhamos definido de 4% para este ano é alcançável, precisa de alguns ajustamentos dentro do nosso orçamento na medida em que há algumas rubricas que têm um peso maior do que tínhamos previsto em consequência de decisões que não fomos nós que tomamos. "
Repare-se no sublinhado “em consequência de decisões que não fomos nós que tomamos ", a frase em língua orwelliana.
Quer o Primeiro-ministro dizer, e, quase toda a comunicação social que o segue na conjugação do sujeito com o verbo, decisões que (“nós”, o governo) não tomou, mas sim o Tribunal Constitucional.
Não, meus amigos é exactamente o contrário:
“em consequência de decisões que nós tomamos”, porque as opções por medidas de duvidosa constitucionalidade, para dizer o menos, ou inconstitucionais, foram tomadas pelo governo e por mais ninguém.
Nos últimos três anos, o sujeito primeiro das medidas chumbadas pelo Tribunal Constitucional foi sempre o governo, o autor do chumbo foi o Tribunal.
Quando chega o chumbo, ergue-se um clamor a dizer que a culpa é sempre do Tribunal, e nunca de quem tem vindo nos últimos anos a somar medidas sobre medidas ilegais à luz da Constituição.
E não é por falta de aviso prévio.

Esta substituição do sujeito da “culpa”, com que a comunicação social colabora sem pensar, é de novo mais um dos casos de situacionismo, de submissão acrítica à linguagem do poder.
--------------

AVENTUREIRISMO LEGAL

O caso do BES e do GES é um maná para os advogados especializados neste tipo de litigância, aliás
os MESMOS que são especialistas na blindagem de contratos,
os mesmos que fizeram as contrapartidas,
os mesmos que negociaram do lado da banca e do lado do governo.

Para meia dúzia deles
(sociedades de advogados com 'valiosa rede de contactos' no governo, parlamento e grandes empresas nacionais e estrangeiras, defensores e intermediários de grandes negociatas,-- privatizações, concessões, PPPs, 'resgates', dívidas, ...-- multinacionais, banqueiros, lobies, ...),
porque é um círculo muito fechado, o caso BES/GES vai ser um presente/ mina de ouro.

Há muito aventureirismo legal (melhor ilegal) em todo o processo e tantas zonas vermelhas e cinzentas,
tanta coisa feita em cima do joelho, e muita mais de legalidade mais que duvidosa, que todos, pequenos e grandes, do lado “bom” e do lado “mau”, têm vantagem em ir a tribunal, mesmo com uma justiça lenta como a nossa.
E é evidente que a expectativa de litígios sobre litígios vai embaratecer ainda mais o lado “bom”,
visto que ninguém se arrisca a comprar sem ter a certeza de que não fica com um bem enrodilhado por dezenas de anos em processos judiciais.
A não ser que o governo se atravesse com garantias e dinheiro, o que já está a fazer e ainda vai fazer muito mais.
É só esperar um pouco.
-------
... e o contribuinte PAGA todos esse aventureirismo, gestão dolosa, incompetência, ... .


De Desgoverno napalm e nepotismo a 1 de Setembro de 2014 às 14:58

A destruição foi socializada








«O Governo, educado pela troika e por alguns génios nacionais, acreditou que a "destruição criativa" de Schumpeter era a boa nova que deveria partilhar com os portugueses. Três anos depois o resultado está à vista, espelhado por este Orçamento Rectificativo.




A gloriosa "destruição criativa", cantada ao som do hino da União Europeia, transformou-se na "destruição destruidora". O PREC lançado pelo Governo e pela troika teve o efeito de "napalm": destruiu empresas, asfixiou o poder de compra dos portugueses com impostos e cortes de salários, aumentou brutalmente o desemprego e promoveu a emigração.




O modelo era um paraíso nas margens do Bangladesh: um país exportador com salários miseráveis. (...) Tudo correu ao contrário; nem a nossa economia se tornou um "tigre atlântico" baseada na exportação, nem o consumo interno deixou de animar os cofres do Estado. (...)




O Governo não é liberal: é estatista. Há mais Estado e mais amigos a comer da receita dos impostos dos portugueses. A destruição foi socializada. Os rendimentos foram entregues num condomínio privado. Já se sabia: a política portuguesa é a do mata-borrão. Quando a caneta rebenta, tenta-se remediar o que é possível. E o resto que seja o destino a definir.»

Fernando Sobral, via http://entreasbrumasdamemoria.blogspot.pt/ 1/9/2014


De Amorfos, acéfalos univ.verão... a 9 de Setembro de 2014 às 10:34
Magical Mystery Tour


Por josé simões, http://derterrorist.blogs.sapo.pt/ 7/9/2014


A credibilidade de Portugal, por interposta pessoa o Governo do PSD, por interposta pessoa Vítor Gaspar, por interposta pessoa Maria Luís Albuquerque, «tem permitido a descida dos juros». Em Portugal. Em Espanha. Em Itália. Na Irlanda. E também na Grécia. Holy shit!

Baixar impostos às empresas não tem por objectivo descapitalizar a Segurança Social nem aumentar a mais-valia aos patrões e accionistas. Baixar impostos às empresas é «estimular o emprego e a criação de emprego», com o Estado, ou seja nós, ou seja o dinheiro do contribuinte, ou seja o dinheiro dos nossos impostos, ou seja o dinheiro que deixamos de receber no final do mês, a subsidiar cerca de 60% dos novos empregos criados em Portugal. Holy shit! Holy shit! [duas vezes].


No final da prelação os amorfos e acéfalos universitários, de mãos dadas com a ilustre-mestre-ilustre e com grinaldas de flores, saíram pelas ruas da vila a entoar Strawberry Fields Forever. Holy shit! Holy shit! Holy shit! [três vezes].


[O título do post foi fanado ao Sérgio e a imagem é daqui]


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