Domingo, 6 de Março de 2016

----- «À mulher de César não basta ser honesta, tem de parecê-lo» e v-v. ----

------ O mero aproveitamento político-partidário     (por D.Crisóstomo, 3/3/2016, 365forte)

      O Regime Jurídico de Incompatibilidades e Impedimentos dos Titulares de Cargos Políticos e Altos Cargos Públicos tem um artigo, o 5º, que se dedica ao "Regime aplicável após cessação de funções". E, na lei que está em vigor, esse artigo tem a seguinte redacção: Artigo 5º

1. Os titulares de órgãos de soberania e titulares de cargos políticos não podem exercer, pelo período de três anos contado da data da cessação das respectivas funções, cargos em empresas privadas que prossigam actividades no sector por eles directamente tutelado, desde que, no período do respectivo mandato, tenham sido objecto de operações de privatização ou tenham beneficiado de incentivos financeiros ou de sistemas de incentivos e benefícios fiscais de natureza contratual.   2. Exceptua-se do disposto no número anterior o regresso à empresa ou actividade exercida à data da investidura no cargo.

    Cito-o, porque entrou na ordem do dia. Entrou no dia de hoje, quando a imprensa revelou que a deputada do PSD, Maria Luís Albuquerque, membro do XIX Governo Constitucional e do XX Governo Constitucional, tinha sido nomeada e que a partir de 7 de Março passará a exercer funções como diretora não-executiva, integrando o comité de risco e auditoria, do grupo Arrow Global, uma gestora de divida que em Portugal tem clientes como o Banif, o Millennium BCP ou o Montepio. Em comunicado, a deputada esclarece ainda que não renunciará ao seu mandato parlamentar, acumulando-o com a sua nova função empresarial. Nesse mesmo comunicado, esclarece ainda que "a função de administradora não executiva não tem nenhuma incompatibilidade ou impedimento legal pelo facto de ter sido ministra de Estado e das Finanças e de ser deputada. Qualquer outra leitura que possa ser feita desta nomeação só pode ser entendida como mero aproveitamento político-partidário". 

     Ora bem, antes de mais, o campo da legalidade: compreendo as dúvidas manifestadas pelos parlamentares do PCP, do PS e do BE, pois apesar de não ser do conhecimento público nenhuma situação em que a Arrow tenha "beneficiado de incentivos financeiros ou de sistemas de incentivos e benefícios fiscais de natureza contratual", tal não significa a sua inexistência e o assunto merece ser devidamente investigado e verificado. Caso se confirme a versão de Maria Luís Albuquerque e não estejamos perante nenhuma situação de possível ilegalidade, a questão legal fica arrumada. 

      Voltemos-nos agora para o outro campo, o "político-partidário", que a deputada do PSD refere. E aqui, temos clareza. Maria Luís Albuquerque despacha as criticas que lhe estão a ser dirigidas como "mero aproveitamento" político da coisa, acha isso mal e que isso não devia ser feito. Pois bem, permitam-me a simplicidade: alguém faça o favor de relembrar à doutora Maria Luís Albuquerque que ela é uma parlamentar eleita da República Portuguesa, é deputada à Assembleia da República, é membro da Comissão Parlamentar de Assuntos Europeus, era nº1 numa lista de candidatos a deputados no quarto maior círculo eleitoral do país, foi Secretária de Estado do Tesouro e era até há 98 dias Ministra de Estado e das Finanças. Lamentamos imenso o incómodo causado, mas sim, eventuais ilegalidades ou faltas de espinha dorsal e vergonha na cara serão alvo de tratamento político. Sim, pedimos desculpa pela chatice, mas quando uma deputada e ex-ministra decide, 4 meses após ter deixado o gabinete ministerial, que já pode ir alegremente tomar posse na direção duma empresa que esteve envolvida em operações financeiras com o sector que tutelou e com as empresas que, estando sob a alçada do Estado, eram da sua responsabilidade, os representantes eleitos têm tendência a questionar, se a ex-ministra não se importar. Têm têndencia a querer ver esclarecidas eventuais dúvidas e questões dos cidadãos na sub-comissão de ética da Assembleia da República. "O mero aproveitamento politico-partidário", essa nojice, é o escrutínio público a que todos os parlamentares e governantes estão sujeitos. A partir do momento em que Maria Luís Albuquerque assumiu o mandato de gerir as finanças da República e desde que assumiu o mandato de representar os cidadãos portugueses na câmara parlamentar nacional, sua vida profissional é, e deve ser, escrutinada. Por alguma razão vai ter que declará-la ao Tribunal Constitucional, atualizando o seu "Registo de Interesses". Deixar de Ministra de Estado e das Finanças e, passado uma estação do ano, acumular o mandato de deputada com o de "membro do comité de risco e auditoria" duma gestora de divida com actuação no mercado financeiro português é algo que deve ser politico-partidariamente analisado, por mais que isso a chateie, por mais que o escrutínio a aborreça.

     Até porque o domínio "politico-partidário" tem outras vertentes, nomeadamente aquela em que produz a legislação que a todos nos rege. Ou que impede a criação ou actualização de legislação. Que procede à aprovação ou à rejeição de projectos de lei. Legislação como o Regime Jurídico de Incompatibilidades e Impedimentos dos Titulares de Cargos Políticos e Altos Cargos Públicos. Actualização como aquela proposta pelos deputados do Bloco de Esquerda, que desejavam alterar o articulado do n.º1 do artigo 5.º para "os titulares de órgãos de soberania e titulares de cargos políticos não podem exercer, pelo período de seis anos, contado da data da cessação das respectivas 4 funções, cargos em empresas privadas que prossigam actividades no sector por eles directamente tutelado"; ou como propuseram os deputados do PS, quando quiseram alterar o n.º1 do artigo 5.º para "os titulares de órgãos de soberania e titulares de cargos políticos não podem exercer, pelo período de três anos contado da data da cessação das respectivas funções, cargos em empresas privadas que prossigam actividades no sector por eles directamente tutelado". Rejeição como aquela protagonizada pelos deputados do PSD e CDS-PP em 2012, quando chumbaram na especialidade as duas propostas de alteração do Regime Jurídico de Incompatibilidades e Impedimentos dos Titulares de Cargos Políticos e Altos Cargos Públicos que impediriam ex-ministros das finanças de, quatro meses depois de serem abandonarem o cargo, irem exercer funções de direção no sector que tutelaram. Esta é uma "qualquer outra leitura que possa ser feita". Há quem a faça.

-----   Uma posta de pescada sobre o assunto do dia   

marialu-56fe.jpg Muitos já têm falado sobre os aspectos éticos e legais da decisão da agora deputada Maria Luís Albuquerque em se tornar vogal não-executiva de uma empresa “que esteve envolvida em operações financeiras com o sector que tutelou e com as empresas que, estando sob a alçada do Estado, eram da sua responsabilidade.”

----- Esta é mesmo uma má semana para a "Miss Swaps"    (por D.Moreira, 4/3/2016,365forte) 

                               ----- Temos de  falar      (J.Rodrigues, 4/3/2016, Ladrões de B.)
Temos de falar, mas não é sobre conflitos de interesses, antes sendo sobre a sua ausência no pensamento e na acção de tanta gente com responsabilidades (mas nunca responsabilizada), dado que até parece que o seu único interesse é o dinheiro (e os tachos).
    Temos de falar sobre a política de austeridade, de desvalorização interna, e sobre um dos seus efeitos: a fragilidade financeira crescente desta periferia, traduzida na desvalorização de activos, no aumento do crédito malparado. Temos de falar sobre multinacionais financeiras que, quais abutres, procuram lucrar de múltiplas formas com esta situação. Temos de falar sobre controlo estrangeiro do sistema financeiro, sobre as fontes do poder da finança, sobre swaps e sobre tribunais estrangeiros (e arbitrais, acima dos Estados 'soberanos' e TTIP). Temos de falar sobre financeirização. Temos de falar sobre o Euro.
     Temos de falar sobre política/os vende-pátrias e sobre as suas recompensas posteriores: notícias laudatórias na imprensa internacional e na subserviente nacional, cargos bem remunerados, sobretudo no estrangeiro, ou indo para fora cá dentro, seja nas tais multinacionais financeiras que aqui operam, seja nas instituições internacionais que lhes dão outra força política por cá, da Comissão Europeia ao FMI, passando pelo BCE.
     Temos de falar sobre esta elite totalmente desprovida de lealdades, de compromissos, com a imensa maioria dos que aqui vivem. Temos de falar sobre as estruturas pós-democráticas com múltiplas escalas que asseguram a sua reprodução.
      E, sim, temos mesmo de falar sobre a ex-ministra Maria Luís Albuquerque.


Publicado por Xa2 às 12:51 | link do post | comentar

2 comentários:
De Acumulação de actividades/ incompatibil. a 7 de Março de 2016 às 14:42
----- Acumulação (de actividades/ cargos políticos e profissionais)
(-por Vital Moreira, 7/3/2016, CausaNossa)


O problema nem é tanto a possibilidade de os deputados puderem ter outras atividades (e rendimentos) profissionais em acumulação com o exercício do mandato parlamentar
(embora eu defenda o mandato exclusivo e sempre tenha atuado de acordo com essa regra nas várias vezes em que fui deputado).
Há, porém, dois outros problemas:

- a penalização da remuneração dos deputados em acumulação em relação à dos que estão em dedicação exclusiva é ridícula (10%), sendo um convite à acumulação de funções;

- a maior parte dos deputados que acumulam são advogados, numa associação promíscua entre o poder legislativo e o poder judicial
(o mandato forense está expressamente previsto na Constituição como parte da função judicial).

--Adenda1
A acumulação de funções dos deputados ao Parlamento Europeu é ainda mais escandalosa, pois prejudica mais a função parlamentar (dada a distância) e nem sequer importa nenhuma redução da remuneração.
O inicial regime legal de dedicação exclusiva foi depois furtivamente revogado sem qualquer justificação.

--Adenda 2
Ainda não ouvi de nenhum grupo parlamentar, como se impõe, uma proposta de aumento da diferença da remuneração dos deputados em acumulação de funções em relação à dos que se encontram em dedicação exclusiva.
----------
--- Deontologia política
Vital Moreira

Uma coisa sãos as incompatibilidades legais, que não podem ser excessivas nem podem prever todas as situações, e outra coisa são os impedimentos deontológicos, que deveriam ser definidos num código deontológico e feitos valer por um conselho deontológico de alto gabarito moral e cívico.
De resto, há muito defendo que os partidos de governo deveriam adotar um código deontológico de conduta política para os seus membros no exercício de cargos públicos. Estou seguro de que as tentações seriam muito menores...

------------
---Forçar os limites
por Vital Moreira

É evidente que que a ética política não permite aos ex-governantes fazer tudo o que a lei não proíbe.

A "porta giratória" entre a política e os negócios nunca gozou de beneplácito.
Mudar do conselho de ministros para um conselho de administração ou lugar afim não pode ser feito sem um adequado "período de nojo".

Embora entre nós a ética republicana seja frequentemente desrespeitada, o caso da clamor generalizado contra a ex-ministra Maria Luís Albuquerque mostra que não se pode abusar da complacência lusitana nessa matéria.
Apesar de tudo, há limites.
Ainda bem!


De Deputados ...ao serviço privado. a 11 de Março de 2016 às 18:09

As crianças birrentas da direita

(Deputados de Direita não fazem propostas de alteração do OE2016... porque não trabalham como deputados mas ... estão ao serviço de bancos, construtoras, advogados, ...)

(11/03/2016 por João Mendes, Aventar)


As crianças voltaram a amuar. A mamã e o papá não deram a maioria absoluta aos meninos?
Os meninos recusam-se a comer a sopa e cruzam os bracinhos com aquele ar indignado e fofo que só as crianças são capazes de fazer.
E o OE16 é um documento mau. Tautau nele!

PSD e CDS-PP ainda não conseguiram seguir em frente. E agora que o tetravô se foi embora, o sentimento de abandono agudiza-se.
Agarrados a um conceito de ilegitimidade artificial que já não cola, e que apenas serve para mostrar ao país o desprezo que estes indivíduos nutrem pela democracia representativa
(algo que explica, em parte, a sua vassalagem absoluta ao poder sectário de Bruxelas),
a geringonça desconchavada em que se transformou a ala direita do hemiciclo é uma barata sem cabeça que choca violentamente contra tudo aquilo com que se cruza.
No início tinha alguma piada, depois veio o sentimento de pena, agora só vergonha alheia.

Vem isto a propósito das propostas que PSD e CDS-PP não apresentaram para alterar o OE16 na especialidade.
As direcções dos dois partidos, que decidem pelos seus deputados, entendem tratar-se de um mau documento e, por esse motivo, recusam-se a apresentar qualquer proposta de alteração.
E isto é duplamente parvo:
por um lado pela incoerência de criticarem o OE16 por ser um mau documento e nada fazerem para o tentar alterar, por outro porque o fazem por birra.
Deve ser destes tipos que se fala quando ouvimos dizer que os funcionários públicos não querem trabalhar.

A intervenção do deputado Leitão Amaro é triste de tão patética que é. “É o vosso orçamento”, repetiu à exaustão. Não é nada, senhor deputado.
É o orçamento do nosso país, concorde ou não, goste ou não goste dele.
E, se não concorda (ou se o partido não o deixa concordar), talvez fosse boa ideia fazer o trabalho para que é pago e representar os seus eleitores com propostas de alteração que vão de encontro às suas expectativas.
Serão chumbadas? É provável.
Mas isso nunca impediu PCP e BE de, ano após ano, apresentar inúmeras propostas de alteração dos vários orçamentos de Estado.

Será que os deputados da direita estão com excesso de trabalho nos escritórios de advogados, bancos, construtoras e restantes empresas para quem realmente trabalham?

É que isto de estar no Parlamento não pode ser só arranjar uns negócios para os patrões e legislar em causa própria.
Convém trabalhar.


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