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De OGE2015: mistificadores, burlões,... a 24 de Outubro de 2014 às 16:37
Orçamento de Estado para 2015: Crato glosa Bocage

(23/10/2014 por Santana Castilho*, Aventar)

Todo o dinheiro que a austeridade da troika e deste governo retirou ao funcionamento da economia, à saúde, à educação e ao bolso dos portugueses, 28.000 milhões de euros, foi,
quase na íntegra, para pagar o serviço da dívida, numa evidência gritante de que a austeridade nada resolveu do problema que queria resolver.

Dados do Boletim Estatístico do Banco de Portugal mostram que, entre 2010 e 2014, a dívida conjunta, pública mais privada, cresceu 46,1 pontos percentuais por referência ao PIB, cifrando-se agora na assustadora expressão de 767.226 milhões de euros.
A dependência de Portugal relativamente ao estrangeiro aumentou drasticamente pela mão da troika e de Passos, o mercador dos nossos anéis.
Entre o que Portugal já vendeu ou vai vender a preços de saldo, recordo:
Espírito Santo Saúde, HPP Saúde da CGD, Tranquilidade, Fidelidade, BPN, Banco Espírito Santo, agora Novo Banco, Cimpor, EDP, REN, ANA, CTT, TAP e PT.

Com este pano de fundo, o orçamento é marcado, mais uma vez, pelo aumento da carga fiscal. É socialmente injusto:
limita de novo as prestações sociais e mantém a sobretaxa de IRS (dita extraordinária mas de facto perene) enquanto diminui o IRC, por forma a beneficiar apenas as grandes empresas.
A solução encontrada (projectar para 2016 uma hipotéctica redução da sobretaxa, desde que a cobrança do IVA e do IRS cresçam acima de 6%),
para além de ilegal (as disposições orçamentais têm efeito exclusivo para o ano a que respeitam
) é um expediente reles com que se tenta manipular a opinião pública.
O aliviar de sacrifícios (reformados e funcionários públicos) impõe que não se esqueça o óbvio:
o mesmo Governo que fez ponto de honra da necessidade de cumprir os compromissos e as dívidas para com estrangeiros,
desonrou os compromissos que tinha para com os portugueses, deixando de lhes pagar o que com eles havia contratado.
E se agora corrige parcialmente a imoralidade da sua política (ainda assim com o rancor que transparece do que escreveu nos documentos que cito) é porque a tal foi obrigado pelo Tribunal Constitucional.
O orçamento está aferrolhado para apoiar as pequenas e médias empresas mas escancarado para engolir os prejuízos do BES.
O orçamento é deliberadamente mentiroso:
ao mesmo tempo que o motor da economia europeia, a Alemanha, corrige a previsão de crescimento para 2015 de 2,0% para 1,3%,
o Governo tem a lata de construir as suas contas a partir do pressuposto de crescermos 1,5%.

Mas há lata maior.
A “esclarificação” com que Crato nos brindou sobre o orçamento de Estado para 2015 reconduziu-me ao Bocage boémio:
o corte que aquela senhora deu, não foi ela, fui eu!
É preciso topete para querer transformar 704,4 milhões de euros de corte orçamental na Educação (-11,3%) nos 200 milhões saídos da lógica anedótica do ministro.
À brincadeira de Nuno Crato opõem-se 578 páginas de realidade: 278 de orçamento e 300 da proposta de lei que o aprova.
Algumas pérolas aí escritas evidenciam a mistificação que envergonharia pessoas decentes. Mas não o Governo, muito menos Nuno Crato.
Na página 172, quando explanam as políticas que o orçamento serve, os mistificadores voltam com a lengalenga de ser “a melhoria dos índices de qualificação da população factor determinante para o progresso, desenvolvimento e crescimento económico do país”.
Eles, que reduziram os complementos educativos no ensino não superior em 47,6 %.
Eles, que cortaram 68,8% aos serviços de apoio ao ensino superior.
Na mesma página, escrevem estar firmemente empenhados “em melhorar os níveis de educação e formação de adultos”.
Eles, que cortaram 38,6% do financiamento ao sector.
Na página seguinte apontam como objectivo estratégico “garantir o acesso à educação especial, adequando a intervenção educativa e a resposta terapêutica às necessidades dos alunos e das suas famílias”.
Eles, que cortaram o financiamento deste sector, onde se incluem deficientes profundos, em 15,3%, removendo sistematicamente, serviço após serviço, as respostas especializadas antes existentes.

Tragam estes mistificadores um só ...


De OGE 2015: desgoverno. a 24 de Outubro de 2014 às 16:43
Orçamento de Estado para 2015: Crato glosa Bocage
...
...
... Tragam estes mistificadores um só pai, uma só mãe destas crianças com necessidades educativas especiais, um só professor da área, a desmentir o que afirmo e a concordarem com o Governo.

E o despudor atinge o clímax quando destacam como medidas justificativas do orçamento a “consolidação da implementação das metas curriculares”, esse expoente superior do refinado “eduquês” inferior.

Para o leitor menos familiarizado com o tema, adianto que, apenas no que toca ao 1º ciclo do ensino básico, e se nos ficarmos pelas duas áreas mais badaladas do currículo, Português e Matemática, estamos a falar de 177 objectivos desdobrados em 703 descritores.

Qual cereja em cima da imbecilidade, deixo-vos duas dessas metas:
– Reunir numa sílaba os primeiros fonemas de duas palavras (por exemplo “cachorro irritado”) cometendo poucos erros.
– Ler correctamente, por minuto, no mínimo 40 palavras de uma lista de palavras de um texto apresentadas quase aleatoriamente.
Sim, leram bem! Está lá quase aleatoriamente.

* Professor do ensino superior (s.castilho@netcabo.pt)


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