Quinta-feira, 26 de Novembro de 2015

O novo lema (neoliberal) : “Não podemos distribuir o que não temos”   (JRAlmeida, 25/11/2015, Ladrões de B.)

Ouvir a Helena Garrido (HG) na Antena 1, esta manhã, fez-me perceber o mote dos próximos tempos para o combate ideológico da direita. Citando de memória, disse ela sobre o futuro Governo Costa:
    1) Vai ser extremamente interessante ver como vai o Governo Costa quadrar a distribuição de mais rendimento com a redução do défice orçamental e do défice externo;
    2) Que o que importa é que o emprego cresça e que as desigualdades diminuam;
    3) Todos nós gostamos de ter mais rendimento, mas a economia tem destas coisas: tem consequências. E não podemos distribuir o rendimento que não temos;
   4) "Esperemos que tudo corra bem porque é importante manter o PS no espaço político português".
    A primeira frase é interessante porque a HG foi das directores de jornais económicos e opinion makers económicos que, de 2010 a 2014, abraçou literalmente a vinda da troika e defendeu uma estratégia recessiva ("A recessão de que precisávamos vem aí. Falta chegar a governação que oriente o país para o regresso da prosperidade", 14/5/2010); pugnou por um corte dos apoios sociais como única forma de equilibrar as contas orçamentais ("o congelamento dos apoios sociais, como o Rendimento Social de Inserção, reclama de todos nós o regresso a atitudes mais solidárias e menos dependentes do Estado no combate à pobreza", 22/3/2010); sustentou com veemência uma redução da dimensão do Estado, criticou o Governo quando este titubeou na reforma do Estado ("Sabia-se há muito, há mais de uma década, que a correcção das contas públicas era impossível sem reduzir salários, pensões e apoios sociais.    A troika chegada com a ajuda externa parecia ser a salvação para o bloqueio em que se encontrava o regime político. Foi essa a esperança de nós. Vã esperança", 26/11/2013); defendeu até em 2014 a redução salarial (mesmo dos rendimentos brutos) para aumentar a competitividade externa ("Os salários e as pensões terão inevitavelmente de ser reduzidos.   É uma ilusão pensar que se consegue resolver o problema de outra forma.   Não existe nenhuma despesa pública com dimensão suficiente para controlar a dinâmica da dívida pública", 19/6/2014; "Com inflação baixa, impedir que os preços e salários diminuam é condenar o país ao desemprego, é colocar Portugal a produzir menos do que aquilo que consegue", 17/12/2013;  "Proibir o despedimento, congelar rendimentos ou regras de aumentos salariais quando a empresa vende menos ou o Estado recebe menos impostos, ou tem de gastar mais para apoiar quem mais precisa, é reivindicar o direito a ter sol todos os dias", 7/3/2014).     E defendeu a austeridade como forma de clarificação ("Nós não estamos a empobrecer.  A questão é que nunca enriquecemos. Estamos basicamente a regressar à dura realidade do rendimento que tínhamos antes de entrarmos para a moeda única", 21/2/2014).   Uma austeridade que deveria prosseguir mesmo sem troika ("É da capacidade em disciplinar as contas do Estado que depende agora o nosso futuro e o sentido total dos sacrifícios que fizemos durante os últimos três anos", 1/1/2014).
       No âmbito desta luta ideológica, é interessante ver que, apesar dos falhanços económicos da estratégia (neoliberal) seguida pelo Governo (PSD-CDS) – fraca redução do défice orçamental e subida da dívida pública, aumento brutal do desemprego, subida da emigração, ampliação do fosso das desigualdades - e que apenas teve melhores resultados quando se atenuou a austeridade, ainda se pensa como dantes. Menos austeridade implica mais défice orçamental.
    Na verdade, nada parece ter mudado na cabeça da HG, apesar da sua responsabilidade sobre o que se passou em Portugal. Sim, responsabilidade. A comunicação social é um fortíssimo meio de condicionamento social. E a comunicação social não deve afastar de si as responsabilidades que igualmente teve neste país. Portugal aplicou das mais brutais "receitas" de austeridade de que há memória na nossa História, destruiu vidas profissionais e de famílias, empurrou – e ainda empurra - milhares de pessoas para a emigração. Tudo sob o lema "não há alternativa", um lema falso e - pior que tudo - ineficaz.
    E apesar disso, tudo aponta para que a comunicação social, não só não tenha aprendido com esse seu fardo social, como ainda por cima mantém de pé todo o edifício de crenças, de modelos económicos. Quando as dificuldades surgirem, não se tenha ilusões, todo o argumentário voltará intacto.
     O jornalismo é assim: em geral, não há tempo para pensar, quanto mais para estudar. Mas não podemos ser inocentados por isso. Temos culpas no cartório.
     Veja-se a frase   "Não podemos distribuir o rendimento que não temos".    O que está pressuposto é que o Governo vai lançar pela janela rendimento e, como não produzimos bem, será um rendimento artificial que vai encarecer o preço das mercadorias nacionais e dificultar a sua venda, provocando menos exportações, mais importações e mais desemprego.    Na verdade, este raciocínio em nada tem em conta a estrutura de custos das empresas, nem os impactos das medidas adoptadas, nem de uma nova redistribuição do rendimento.   Pressupõe apenas um primado das empresas, porque são elas que criam emprego, quando na verdade, as coisas são bem mais complexas.   Não há sociedades saudáveis com empresas em que os trabalhadores não tenham vidas saudáveis. O mal não está na simplificação da realidade, mas no pensamento distorcido sob a forma de lição para o povo.
      Mas a HG tem razão num ponto:   o desequilíbrio externo.  Vai ser um berbicacho.  E terá de ser resolvido.  Aliás, gostaria de ver este XXI Governo adoptar aquilo que nenhum outro o fez:   uma estratégia nacional de defesa da produção portuguesa, não apenas para exportação, mas de substituição de importações.     [Não é pôr barreiras físicas, 'técnicas' ou legais às entradas - proibidas pela UE e tratados comerciais-, mas sim melhorar/alargar valores, práticas e modelos. Os japoneses fazem-no há muitas décadas,  sendo na sua cultura considerado 'de mau gosto', 'quase traidores' os que adquirem arroz e outros produtos e serviços estrangeiros havendo nacionais (e também o fazem os alemães, os americanos, ...)].    Mas durante décadas, o pensamento económico de direita – adoptado igualmente pelo PS – desvalorizou essa questão, apoiando-se no facilitismo de que mais comércio era igual a mais rendimento para todos. E na verdade perdemos empresas, empregos, rendimento criado que passou a ser exportado.
      Interessante é o remate sobre o PS.   Pressupõe que, por detrás da ideia "queremos que isto corra bem" está a de que há uma elevada probabilidade de correr mal e que, nesse caso, o PS se vai desfazer, dilacerado entre a esquerda e a direita.   Mais uma vez, está subjacente aquilo que a HG sempre defendeu e que não vê como o fim real do PS:   um pacto PS/PSD/CDS (“Como saímos desta embrulhada? Basta que PS e PSD tenham a coragem de tomar as medidas que são necessárias", 23/9/2010;  "Nenhum político deseja para o seu povo uma austeridade contínua e feita de permanente instabilidade, em que não se sabe quanto se vai ganhar amanhã.  E todos os políticos dos partidos do arco da governação querem que Portugal se mantenha no euro (...).  Eis uma base bastante sólida para um entendimento", 13/3/2014).
      Eis o que vai ser defendido diariamente na Antena 1. (e na maioria dos outros media, academias, 'think tanks', consultoras, manifestações, associações patronais, ...)


Publicado por Xa2 às 07:54 | link do post | comentar

2 comentários:
De .XXI Governo em via estreita... a 26 de Novembro de 2015 às 17:50

---Carta de António Costa a Cavaco Silva

Ricardo Araújo Pereira na Visão de hoje:

«Quero sossegar V. Exa. acerca das medidas que o meu governo vai tomar no sentido de garantir a estabilidade do sistema financeiro. São elas: impedir que qualquer amigo de V. Exa. funde ou administre bancos; propor um aditamento à Constituição, que impeça V. Exa. de fazer considerações acerca dos bancos nos quais os portugueses podem ou não confiar.»

Na íntegra AQUI

---------

-----Entre a guerra e a paz

«António Costa sabe, como Sun Tzu, que: "O verdadeiro objectivo da guerra é a paz."
E o da política é a conquista e a manutenção no poder.
Por isso o seu Governo é de guerra, tentando que a paz futura seja possível.

Mestre da negociação, Costa criou um Governo ninja. Político, mas também técnico e táctico. Porque tem de tentar conciliar aquilo que pode parecer inconciliável:
a dívida, a pressão de Bruxelas (e do PPE, cérebro do PSD e do CDS),
a tentação distributiva do BE e do PCP,
a defesa da economia de mercado e o reforço do poder do Estado,
a relação institucional com Cavaco e com Carlos Costa e a fractura política que estes meses alimentaram.

O excel vai continuar a existir, mas vai ser equilibrado com mais política e sensibilidade. É uma sopa de pedra com ingredientes que parecem não combinar.
Só que esta procura da paz faz-se à sombra da guerra. Porque esta vai ser de guerrilha constante.

O PS perdeu a hegemonia cultural (e mediática) da sociedade portuguesa, hoje controlada pela teia que os cérebros que estão na sombra por detrás do PSD e do CDS teceram.
Será uma batalha desgastante que terá sempre uma guilhotina presente: o controlo orçamental.

Este é um Governo contra a ideologia da austeridade como princípio, meio e fim. Por isso terá de, como dizia Einstein sobre Deus, "jogar aos dados com o Universo".
É um jogo que também é de sorte e azar, porque terá de convencer a maioria parlamentar e a outra, os portugueses, que estão a assistir.

O novo Governo terá também de dar novas energias ao Estado, alvo de uma implosão estrutural por parte da anterior maioria.
António Costa terá de apelar ao realismo e ao bom senso.
Para resolver a equação terrível de governar entre as fronteiras do que julga desejável e o que é financeiramente aceitável, entre as tradições sociais do PS e o frio clima que a crise da dívida legou a Portugal.
É um caminho estreito. E minado.»

Fernando Sobral


De austeridade !!!!!!!! a 2 de Dezembro de 2015 às 18:46
Sobre a emigração por falta de emprego (não de trabalho) em Portugal, o autor do artigo, que à semelhança da generalidade dos críticos sobre a emigração, não criou nenhum posto de trabalho, mas entende que não tem qualquer responsabilidade sobre essa tão criticada questão, porque a responsabilidade há-de ser de terceiros ou então do governo, que seguramente arca com as maiores culpas. Mas não quer um país comunista, onde os empregos são todos estatais. Para ele, esses emigrantes podiam ser absorvidos na Administração Pública, ainda que em funções redundantes, AP suportada com grande esforço financeiro por alguns portugueses para alimentar um razoável conjunto de parasitas.
Estou seguro, mesmo sem o conhecer, que o autor do artigo não está disponível para parte dos seus rendimentos a quem não lhe dê garantias de devolvê-los. Bem mais isso é a sua “bicicleta” como na história do Moçambicano. Agora quem tem 2 autos, pode perfeitamente dispensar um e preferencialmente a ele, que não tem nenhum. Mas com a dívida entre países a história é completamente diferente; porque se “sentem” na obrigação de continuar a emprestar. A fé é a blá blá blá.
Austeridade? Qual austeridade? A solução está no consumo: venha ele e os problemas ficam resolvidos: Mas consumir o quê? Alimentação? Bem, a balança agrícola ainda é deficitária. Eletrodomésticos? È quase tudo importado. Energia? Mesmo com a implosão de eólicas, continuamos deficitários. Setor auto? Alimentamos a economia de alguns países europeus e asiáticos. Ah… temos o calçado e o vestuário. Ora aí está: mudança de calçado diária e o mesmo para os pijamas e camisas. Três anos com estas medidas e a Dinamarca que se ponha a pau com a sua posição no que respeita ao índice de qualidade vida.
Não há dúvida que somos um país de poetas


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