De Dux de capa será burro ou criminoso ? a 27 de Janeiro de 2014 às 11:25
----- Dux
Se um desses imbecis que andam armados em "dux" (semelhanças com o fascista 'il duce' Mussolini !) pusesse um filho meu a rastejar com pedras amarradas às pernas cortava-lhe os tomates!
Com ou sem intenção, com ou sem dolo, voluntário ou involuntário aquilo que sucedeu na Praia do Meco
foi um homicídio colectivo e começa a ser cada vez mais evidente a responsabilidade do tal "dux" que agora sofre de amnésia selectiva, só se recordando do que lhe interessa.
---- Quem tem capa sempre escapa
«No dia seguinte à tragédia do Meco, escrevi aqui sobre a irresponsabilidade dos comentários (de facto, bitaites) que não respeitavam a obrigação do silêncio quando nada se podia ainda saber sobre um acontecimento tão doloroso. Era tempo de silêncio.
Agora, quase mês e meio depois, o que choca é o prolongamento do silêncio.
Começaram a pingar indícios de que as mortes estão relacionadas com praxes académicas.
As praxes conduzem demasiadas vezes a um tipo de relacionamento doentio entre quem manda e quem obedece - esse é um facto público, até pelo despudor com que os seus protagonistas o trazem para as ruas e fazem com ele cortejos.
Numa tragédia em que seis subalternos morrem e o único sobrevivente é o chefe ("dux", na terminologia do grupo), há fortes razões para tirar a limpo se o que ocasionou a tragédia foi acidente ou foi ter-se colocado as vítimas em perigo, deliberadamente, em nome das famigeradas praxes.
Não sei como os códigos legais vão classificar essa ação - se é crime ou não -, o inquérito policial irá dizê-lo.
Mas a comprovar-se que foram as praxes que levaram os seis para o mar ou perigosamente para junto ao mar, a sentença social só pode ser uma:
há que extirpar as imbecis praxes de um lugar, a universidade, feito para cultivar a inteligência.
Que me desculpe o direito à tanga da "amnésia seletiva" que o "dux" pode ter, mas o tempo, agora, não é de silêncio.
Nenhum código de seita vale seis mortos.»
[DN] Ferreira Fernandes.
De Arguir/CRIME toda comissão Praxe a 30 de Janeiro de 2014 às 09:17
As praxes são “imbecilidades pró-nazis”
Quando questionado, no seu habitual comentário no Jornal da Noite da SIC, sobre a situação em que se encontram as praxes académicas depois do acidente no Meco, Miguel Sousa Tavares afirmou que as praxes são “imbecilidades pró-nazis” e que, no seu tempo, “era uma vergonha ter 30 anos e ainda estar a estudar”.
(era vergonha ter 30 anos e andar em praxes académicas; não era vergonha ter essa idade e andar a estudar MESMO, porque era trabalhador-estudante ou porque interrompeu os estudos ou entrou mais tarde no ensino superior)
Miguel Sousa Tavares, comentador habitual da SIC, afirmou esta segunda-feira, que é “lamentável olhar para a comissão de praxe e ver alunos com 30 anos ainda a estudar e a gastar o dinheiro dos contribuintes”.
“No meu tempo era uma vergonha. [Estes alunos] são uns mandriões”, sublinhou.
Para o comentador, as praxes são “imbecilidades pró-nazis que integram valores de DEGRADAÇÃO humana e ABUSO sexual, (assédio e bullying - que são CRIMES) que não são os valores que queremos para o País”.
Na opinião do escritor, “é lastimável uma pessoa ir para a faculdade e ter que passar por isso e é ainda mais lastimável que ainda não se tenha ouvido uma palavra da parte das autoridades académicas”.
“Claro que os estudantes dizem que ‘não é de proibir’ mas, havendo crime, e quer se identifiquem os autores ou não, a comissão de praxe devia ser toda arguida”, afirmou o comentador.
Miguel Sousa Tavares concluiu com a ideia de que, “se esta é a vocação destes alunos, as universidades podem muito bem dispensá-los”.
Há abusos nas praxes? As praxes são o abuso.
D.Oliveira:
... numa síntese que não dispensa a leitura integral, um excerto do texto em causa:
"Naqueles rituais violentos e humilhantes, [os caloiros] conhecem pessoas e sentem-se integrados num grupo. Eles são, naquele momento, rebaixados da mesma forma.
Não há discriminações. São todos "paneleiros", "putas", "vermes". Na sua passividade e obediência, não se distinguem. Até, quando deixarem de ser caloiros, terem direito à mesma "dignidade" de que gozam os que bondosamente os maltrataram.
Aceitam. Porque, como escrevia Jean-Paul Sartre, "é sempre fácil obedecer quando se sonha comandar".
Sim, a praxe integra. A questão é saber em que é que ela integra.
Porque a integração não é obrigatoriamente positiva. Se ela nivela todos por baixo deve ser EVITADA a todo o custo.
Perante o que é DEGRADANTE os espíritos críticos distinguem-se e resistem. Não se querem integrar.
(...) A praxe é a iniciação de uma longa carreira de COBARDIA.
Na escola, perante as verdades indiscutíveis dos "mestres".
Na rua, perante o poder político.
Na empresa, perante o patrão.
A praxe não é apenas a praxe.
É o processo de iniciação na INDIGNIDADE quotidiana."
O argumento, perante a sucessão de acontecimentos resultantes duma suposta tradição académica (não falarei do caso concreto, ainda muito pouco claro), é que estamos perante ABUSOS que ultrapassam em muito o que é a "verdadeira praxe".
Exceções. Claro que nos resultados mais dramáticos estamos perante exceções. Mas as consequências mais radicais não resultam de um abuso execional de quem passa os limites.
Até porque ninguém consegue traçar a linha onde acaba o tolerável e começa o abuso, quando a base fundamental desta tradição é a própria banalização do abuso.
Um ABUSO não deixa de ser abuso por ter regras.
Se tem graça eu insultar e enxovalhar em público, por piada, os meus colegas, onde acaba exatamente o processo de humilhação consentida?
Ainda mais quando essa humilhação é coletiva e entre pessoas que desconhecem as fraquezas, fragilidades e vulnerabilidades umas das outras.
Qual é o momento em que a HUMILHAÇÂO perde a piada e passa a ser difícil de digerir?
Conhece o grau de tolerância de cada um quem humilha desconhecidos?
Pode ser que haja uma praxe simpática, onde as pessoas não são, mesmo que duma forma simbólica e ligeira, humilhadas. A existir uma praxe baseada no respeito pelo outro
(que não existia na praxe inicial de Coimbra, nem nas praxes militares ou outras, todas elas com uma boa dose de violência, simbólica ou real), será essa, e não a do abuso, a exceção.
A regra é pelo menos a BOÇALIDADE que vimos no documentário que a RTP transmitiu no sábado.
Em regra, a praxe é um ABUSO na VULGARIDADE que PROMOVE.
É um abuso por reduzir seres pensantes a BESTAS alarves.
Mas, antes de tudo, é um ABUSO por ensinar CIDADÃOS livres e indivíduos PENSANTES a, para se integrarem, se assemelharem ao mais idiota dos seres humanos que estiver perto de si.
E por criar um espírito de MATILHA, que alimenta e se alimenta da IMPUNIDADE, da falta de sentido crítico e da COBARDIA individual.
Todos os rituais têm um propósito. E aqueles que são de passagem dizem-nos qualquer coisa sobre o que é esperado de nós a partir daquele momento. Por isso mesmo são "de passagem".
E as praxes dizem-nos que, no futuro e na vida, espera-se que sejamos sempre obedientes perante o coletivo, dispostos a anularmos a nossa identidade para sermos aceites por ele.
E que o abuso é legitimo se for consentido e deve ser consentido se tiver como recompensa a possibilidade de, mais tarde, abusar dos outros.
Complico? Claro que sim. Mas ... Começando pelo próprio significado da palavra "praxe". Que tem origem, como nos recorda o documentário de Bruno Moraes Cabral, em "praxis" e que comummente é usada para definir o que é habitual fazer-se.
Ou seja, o que esta suposta tradição académica pretende é integrar-nos, para na sociedade fazermos "o que é da praxe". E é da praxe,
enquanto tivermos um estatuto inferior (como têm os caloiros), OBEDECERmos CEGAMENTE, por mais absurda que seja uma ordem.
E sermos pequenos DÉSPOTAS quando esse poder nos é oferecido ...
Praxe, polémica e violência, uma história com séculos
Andreia Sanches ,25/01/2014, Público
...
...
... Por meados do século XIX, o termo “praxe” substitui “investidas”, “caçoadas” e “troças”. “Desde essa data, a Praxe Académica reúne numa mesma unidade semântica os comportamentos característicos, e até dispersos, do universo académico”, diz Aníbal Frias, num artigo publicado na Revista Crítica de Ciências Sociais, em 2003. E “emerge devido a um aumento da concorrência entre a velha Universidade de Coimbra e outros estabelecimentos de ensino superior, técnico-científicos, então criados em Lisboa e no Porto. Uma competição que se acentua (...) com a criação das universidades de Lisboa e do Porto em 1911, e, sobretudo, depois do 25 de Abril de 1974, com a multiplicação das universidades novas e dos institutos politécnicos, em busca de uma legitimidade e de uma ‘alma’.”
--- Moca, colher e tesoura
No início do século XX, há histórias célebres de tentativas de suavizar as praxes, como a do jovem Aristides de Sousa Mendes, futuro cônsul, e do seu irmão gémeo César, que promoveram as “Festas de recepção aos novatos” na Universidade de Coimbra, onde estudavam Direito em 1905. Com José d’Arruella e outros “rapazes cheios de intenções generosas”, o grupo recebeu os caloiros
com poesia, música e teatro, numa tentativa de pôr fim à “velha usança das troças” que, por vezes, se tornavam “sumamente agressivas”, conta Lina Alves Madeira, na revista Rua Larga, da UC. Na altura,
a iniciativa foi saudada por Guerra Junqueiro, Gomes Leal e Bernardino Machado.
Com a proclamação da República, a praxe quase desaparece.
Mas, em 1916, “uma representação assinada por 825 estudantes” reclama-a. E estala o debate, de novo.
“Abaixo as praxes ridículas e inoportunas!”, lê-se num artigo de 14 de Dezembro desse ano, publicado no bissemanário A Resistência.
A primeira tentativa de codificação da praxe de Coimbra no século XX é também de 1916, segundo Maria Eduarda Cruzeiro. Chama-se Leis Extravagantes da Academia de Coimbra ou Código das Muitas Partidas e tem na capa “a triologia simbólica da perseguição aos caloiros” – a moca, a colher e a tesoura, símbolos que resistem até hoje – “e ainda uma figura de veterano aplicando com uma colher a sanção de unhas a um caloiro”.
A colher, por exemplo, é, segundo Frias, um símbolo dos castigos escolares – remete para a palmatória dos professores, que “aponta as letras do alfabeto no quadro, que apruma os corpos e os espíritos, que marca o ritmo dos exercícios”.
Em 1957, o Código da Praxe Académica de Coimbra, então aprovado, define praxe como “o conjunto de usos e costumes tradicionalmente existentes entre os estudantes de Coimbra e os que forem decretados pelo Conselho de Veteranos”, definição que permaneceu até hoje.
O debate pró e contra a praxe volta às páginas dos jornais. O Diário de Lisboa publica durante dias a fio cartas e artigos em tom inflamado.
“Se há caloiros que tudo suportam, há os que não sofrem sem raiva no coração as humilhações impostas por indivíduos tantas vezes intelectualmente coxos”, lê-se num deles.
Responde outro: “O que se pretende com as inofensivas brincadeiras a que os caloiros são submetidos é ver como estes reagem a elas e, se for caso disso, tentar demonstrar-lhes que a excessiva arrogância e o amor-próprio em demasia ser-lhes-ão prejudiciais na sua vida futura.”
No jornal República, a associação académica faz saber que a praxe é um “assunto da exclusiva competência dos estudantes de Coimbra [...] e só a eles cabe (se o entenderem!) actualizá-la”.
Esta visão da praxe como algo que escapa ao controlo do exterior é recorrente.
Miguel Cardina, num número da Revista Crítica de Ciências Sociais, de 2008, diz que a praxe é “uma reminiscência” do tempo em que existia em Coimbra um “foro académico” – ou seja, uma jurisdição universitária (com tribunal, prisão e polícia próprios).
Ainda na década de 1960, com a crise académica, a praxe é abolida.
E uma reportagem de 1973, no República, descreve uma Coimbra sem capa nem batina, onde os estudantes haviam perdido o seu “estatuto especial”. Mas havia saudosos da praxe.
“Entre 1978 e 1980, alguns elementos da Praxe Académica foram reactivados” na cidade,...
“Entre 1978 e 1980, alguns elementos da Praxe Académica foram reactivados” na cidade, conta Frias. Esta “restauração” desenvolveu-se em várias etapas:
--em 1978, assistiu-se “à ressurreição do fado”, o qual “havia sido parcialmente destronado” pelo canto de intervenção;
--em 1979, com o apoio da direcção social-democrata da Associação Académica de Coimbra, organiza-se uma “Queima das Fitas disfarçada”;
--em 1980, regressam a Queima das Fitas, a capa e a batina... e as praxes.
Esfregada com esterco
-- A década de 1980 e 1990 marca a explosão do ensino superior em todo o país. Nascem novas instituições, públicas e privadas, para dar resposta à crescente procura de formação por parte de jovens de diversas origens.
-- Nos anos 1990, os rituais vulgarizam-se. e “praxes híbridas”, “onde os empréstimos do modelo coimbrão se associam a traços locais”. Um inquérito aos estudantes de Coimbra ... entre 1999 e 2000 revela que só 3,3% pensam que a praxe deve ser abolida por a acharem violenta.
Depois de 2000, vários ministros da Educação mostram-se preocupados com alguns relatos. O caso de Ana Santos é dos mais mediáticos.
“Obrigaram-me a colocar na posição de ‘Elefante Pensador’ (joelhos, cabeça no chão e mãos debaixo dos joelhos com as palmas viradas para cima).
Fui insultada por tempo que não consigo quantificar (...).
Fui esfregada com esterco – camada sobre camada, cara, pescoço, peito, costas, barriga, cabelo”, tendo sido obrigada a ficar “em pé a secar ao sol” – era este o teor da carta da aluna da Escola Superior Agrária de Santarém ao então ministro Pedro Lynce. Estávamos em 2002.
A aluna contou que a dois caloiros, como ela, foi ordenado que lhe mergulhassem a cabeça num bacio com excrementos.
Tudo começou quando atendeu um telefonema da mãe. Os caloiros estavam proibidos de falar ao telefone.
--- Em 2007, o regime jurídico das instituições de ensino superior passou a prever sanções para quem, nas praxes, passasse das marcas. Mas os casos sucederam-se.
“A relativa desvalorização social dos títulos académicos (que deriva da própria massificação da certificação escolar) e
a necessidade de legitimação de novas instituições foram um poderoso factor do renascimento das praxes enquanto retórica de tradicionalismo”,
lê-se num relatório do Parlamento, em 2008, cuja relatora foi a deputada Ana Drago.
Nesse ano, o caso de Ana Santos chegou ao tribunal. Durante o julgamento, um ex-professor declarou que era “preciso desmistificar as fezes” e o director da escola fez saber que também tinha “recebido bosta no corpo”.
Mas seis jovens que praxaram a aluna acabaram condenados por ofensa à integridade física qualificada e um sétimo pelo crime de coacção. Tiveram de pagar multas.
--No mesmo ano 2008, o Instituto Piaget de Macedo de Cavaleiros foi condenado a pagar 40 mil euros a uma estudante vítima de actos “degradantes e humilhantes”.
-- E, em 2009, foi dado como provado que o aluno Diogo Macedo tinha morrido, oito anos antes, por causa de uma pancada na nuca, na Universidade Lusíada de Vila Nova de Famalicão, onde estava a participar num ensaio da tuna.
Apesar de já estar no 4.º ano, Diogo nunca passara de “tuninho” (o grau mais baixo na hierarquia) e era frequentemente submetido a praxes. O caso chegou a ser arquivado pelo Ministério Público, em 2004, por falta de provas, mas a mãe do aluno exigiu uma indemnização, na esperança que mais dados surgissem sobre o que se passara.
Já em 2013, o Supremo Tribunal de Justiça confirmou a condenação da Lusíada: cerca de 91 mil euros por danos morais.
Auscultados responsáveis de universidades e politécnicos, o relatório de 2008 do Parlamento concluiu que imperava “o entendimento de que as praxes académicas são um universo autónomo e, em certa medida, exterior às próprias instituições”, que “os órgãos de gestão se devem abster de intervir” e que cabe “aos organismos da praxe e aos próprios alunos” prevenir e sancionar as situações de abuso.
Mas também houve reitores, como Mário Moutinho, da Universidade Lusófona de Lisboa, a defender uma proibição que viesse de cima:
“Julgamos que orientações superiores facilitando a sua proibição em muito ajudariam esta universidade a rejeitar liminarmente a realização de praxes académicas.” com Sérgio B. Gomes
Fontes: Aníbal Frias, Praxe
concordo inteiramente com o seu post. As praxes como estão feitas são de abuso de poder e de subjugação. Isso não tem nada de académico.
O Holocausto (ou Shoah ) – um crime singular comparável (por Irene.Pimentel, em 27.01.14, Jugular)
outro exemplo:
não se nasce torturador ou carrasco, mas alguém pode transformar-se em torturador ou carrasco, ou este pode ser "fabricado".
Primo Levi, sobrevivente do Holocausto, e Christopher Browning, citado no meu post mostraram que os criminosos nazis eram "feitos" do mesmo tecido (humano) dos outros homens e mulheres
que os seus actos foram fruto de uma educação e de circunstâncias particulares.
Situação particular essa, em que se operou uma passagem, do normal para o patológico, no seio de um sistema em que os fins justificam os meios.
Françoise Sironi considera, assim, que, para um homem ou uma mulher se tornar torcionário,
é necessária uma prévia aculturação e afastamento do grupo original, familiar, geracional e escolar,
à qual se segue uma interiorização de uma nova cultura do grupo de pertença (dos torcionários) (Bourreaux et Victimes. Psychologie de la Torture, Editions Odile Jacob, 1999, p. 129, 134-45).
Esta psicóloga social segue o percurso dessa transformação deliberada da identidade de um indivíduo em torcionário:
-- em primeiro lugar, uma fase preliminar, de enaltecimento dos atributos de virilidade, da dureza, do orgulho e da obediência;
-- em seguida, uma fase de desconstrução da identidade inicial, através de humilhações e arbitrariedades
-- e, finalmente, um período de afiliação a um novo grupo de pertença, através da criação de um «homem novo».
Does it ring a bell?
"Casual arrogant"
Há dias, aqui em Lisboa, fui experimentar um restaurante que já tem mais de um ano, mas que não conhecia e nem sequer é "topo de gama". Começo pelo fim: não se comeu mal mas não me ficou na memória o que comi, o que não é o melhor sinal.
Mas esta nota é mais sobre o "estilo". Logo à chegada, quando nos preparávamos para sentar, com uma nota de "autoridade", o patrão lançou do fundo: "Os meninos (sic) venham aqui ver os peixinhos", orientando-nos para umas montras dos peixes e carnes. (Eu admito esta dos "meninos" no Queiróz, de Avelãs do Caminho, e a velhas senhoras em tascas de província, não a um matulão que tinha idade para ser meu filho!). Preços, nem vê-los! Uma lousa a giz (anda aí agora na moda copiar as "ardoises" dos "bistrots" franceses) elencava alguns outros pratos, igualmente sem indicação dos cifrões. Sempre num estilo demasiado à vontade e um ar "rough finaço", com camisa aberta até ao quarto botão, o visível dono falava como se nos conhecesse "de toda a vida" e, volta e meia, dizia graças alto para outras mesas, anunciado "Xandinha, a menina tenha paciência, já aí vou, tá bem?"
Ao pedir a lista, notei uma certa resistência. Foram-nos debitados oralmente, com uma certa displicência, alguns outros pratos, "recomendados pelo chefe". Aí, olhei o rapazola e disse-lhe: "Já provou que tem boa memória. Agora traga-me a lista". Não me pareceu ter apreciado o dito. É que os preços continuavam a não ser vistos em parte alguma. Por fim, lá acabou por chegar o cardápio (um só, para duas pessoas).
Como imaginava, no tocante aos peixes, lá vinha com o espertalhote "p.v.", que é uma maneira de "meterem a unha" olhando a cara do freguês. O empregado (ou devia dizer "colaborador"?) andava por ali com ar de sobrinho disposto a ajudar um tio em dia de folgas do pessoal. Falava como se tivesse um MBA ou vontade de que o tomassem por isso.
No final, surpresa das surpresas, quando pedi fatura, e ao me preparar para dar o NIF, foi-me dito para o dizer alto, através da sala, para o patrão atrás do balcão. A sala ficou a sabê-lo. (Belo método, para desestimular o pedido)
Anda aí numa certa moda, ao gosto de alguns masoquistas seduzidos pelo estilo, esta forma "casual arrogant" de dirigir restaurantes e de lidar com clientes, às vezes assumindo ares graves, como se estivessem a providenciar "haute cuisine" no Noma, no El Bulli ou no Ducasse, outras a dar-se fumos de meninos da sociedade e a permitirem-se ligeirezas com quem não os conhece de parte alguma. Para não me aborrecer, travo-me sempre de lhes dizer aquela frase que um velho amigo meu diz aos proprietários, quando sai insatisfeito de um restaurante: "Vim cá três vezes: a primeira, a única e a última". Foi este o caso.
(-por Francisco Seixas da Costa,12/10/2015,http://duas-ou-tres.blogspot.pt/
---------
Claro que não revelo o nome do restaurante. Nos vários locais (blogue "Ponto Come", revistas "Evasões" e "Epicur") onde regularmente escrevo sobre alguns restaurantes que visito, só anoto pontos globalmente positivos.
Quando não aprecio um local, não falo dele ou trato-o de forma não identificável.
Não considero ter o direito de, por uma simples e impressionista análise de cariz muito pessoal, poder colocar em causa investimentos e postos de trabalho.
--- ...
Comentar post