Quarta-feira, 14 de Maio de 2014

    O novo fascismo       (07.05.2014 - António Guerreiro, ipsilon.público.pt)

        Assistimos hoje a uma Pasolini-renaissance, que reconhece uma enorme actualidade às reflexões críticas do poeta, cineasta e ensaísta sobre o seu tempo.   Quase 40 anos após a sua morte, as análises e intervenções políticas de Pasolini parecem ter chegado ao momento da sua legibilidade, o que mostra que estamos perante um “homem póstumo”, um intempestivo, no sentido nietzschiano.    Pasoliniana é a ideia, que começou a irromper nalguns círculos de reflexão política virados para uma ontologia da actualidade, de que está disseminado um “novo fascismo” na nossa existência quotidiana

       Quando hoje, em Portugal, comemoramos os 40 anos da conquista da liberdade e da democracia, todo o regozijo surge atenuado por uma ideia difusa, uma intuição para a qual a grande maioria das pessoas ainda não encontrou nome:   a de que a liberdade e a democracia contemporâneas, que celebramos, convivem com este novo fascismo quotidiano, muito diferente do antigo, mas que, deste, mantém um conjunto de funções sociais que se combinam em estruturas diferentes.    Ou seja, este novo fascismo, que do ponto de vista de um historiador parecerá um equívoco, revela-se uma categoria pertinente de um ponto de vista genealógico e estruturalista.   O novo fascismo só se revela à luz de uma análise molecular, micropolítica, não é inerente a estruturas como o Estado, os partidos, os sindicatos, nem necessita da supremacia de um líder, de um Führerprinzip.    O seu uso encontrou, em primeiro lugar, um princípio de justificação na ideia de que vivemos numa “sociedade de controle” (securitário e de auto-controle e de auto-censura).   Tornou-se evidente que a sociedade de controle (que todos nós sabemos hoje muito bem o que é, mesmo sem a ajuda de mediações teórico-filosóficas) desenvolveu a produção de bens e serviços imateriais e um modelo ético baseado na competição e no sucesso que deu origem a um fascismo empresarial.   

        Na relação das empresas com os seus “colaboradores” (este novo nome para os trabalhadores vale com uma sintoma), o clima é friendly, o chefe não é um patrão, mas um líder, e a “cultura” empresarial que se constrói é sempre de colaboração e a-conflitual, orientada para uma “missão” e determinada por uma “visão”.    Por trás, sustentando esta “cultura”, está o medo, não o grande medo inculcado pelo fascismo tradicional, mas os pequenos medos que o novo fascismo gere e multiplica.   A experiência do medo é o factor primeiro deste novo fascismo e está hoje generalizado, em todos os ambientes de trabalho, até nas empresas mais liberais.    O novo fascismo, organizando estrategicamente as pequenas inseguranças que alimentam medos (antes de mais, o medo de ser despedido), apresenta-se como um pacto para a segurança, para a gestão de uma paz angustiante, fazendo de todos nós – e muito particularmente todos os colegas de trabalho – microfascistas.

        E há, depois, o novo fascismo cultural, a lógica da uniformização.   Não através da anulação das diferenças entre os indivíduos, como o velho fascismo, mas produzindo uma homologação a partir da produção de diferenças (tudo é diferente, exactamente para que tudo seja igual).   Este novo fascismo cultural tem como instrumento principal o editorialismo, que é o contrário do pensamento crítico.   Este editorialismo generalizado está bem patente, no espaço público mediático, na proliferação do comentário político e opinativo que corrompe e intoxica a linguagem.        Podemos então verificar que o novo fascismo tanto pode ser de esquerda como de direita, tanto habita a página ímpar do jornal como a página par, tanto se senta à direita como à esquerda do jornalista que apresenta o telejornal.



Publicado por Xa2 às 07:53 | link do post | comentar

3 comentários:
De Economia neoLiberal e Fascismo a 16 de Maio de 2014 às 13:02
A economia dispensa a história

12/05/2014 por Carla Romualdo ,http://aventar.eu/2014/05/12/a-economia-dispensa-a-historia/#more-1215189 )


Já dizia o pequeno comentador do economiquês nacional que os professores de história em nada contribuem para o crescimento e o certo é que vamos confirmando que, nesta nova Europa utilitarista, as humanidades são entretenimento para inúteis.
Os resultados nem estão a demorar muito a aparecer.
Desmemoriada e cega pelos números, a Europa condena-se a repetir os seus horrores.

Leia-se esta reportagem de Maria João Guimarães, em Marselha, acerca do clima de rejeição aos estrangeiros, sobretudo em zonas multiculturais, e de como os partidos nacionalistas estão a capitalizar o descontentamento face à situação económica e a desconfiança em relação à diferença. Quem tem memória de um passado não tão longínquo, como o reformado Auguste Olive com quem a repórter falou, não pode evitar as comparações:

"Quando eu tinha dez anos, era isso que se ouvia dizer dos judeus. Mais de 60 anos depois ouço a mesma coisa. É como se houvesse uma trama que se repete”.

Há dias, soube-se que o presidente da câmara de Verona, eleito pela Liga do Norte, impôs uma multa de 25 a 500 euros a quem desse de comer aos sem-abrigo nos espaços públicos da cidade.
É uma medida higiénica, claro, porque o presidente entende que quem vive na rua é uma “ameaça à saúde pública”.
A Liga do Norte já recorreu, aliás, a uma medida prática nas cidades cuja câmara controla: retirar os bancos de jardim, onde os sem-abrigo costumam sentar-se e deitar-se.
Curiosamente, a primeira medida dos nazis quando ocuparam Viena foi proibir os judeus de se sentarem nos bancos de jardim.
Conta-o Stefan Zweig nas suas memórias, já por aqui o evoquei. É que a história repete-se até nos detalhes, por falta de imaginação, ou devoção ao que o passado teve de mais tenebroso. Esquecê-lo far-nos-á pagar um preço demasiado alto.

Foto: Placa no campo de concentração de Auschwitz, com a famosa citação de George Santayana:

“Aquellos que no recuerdan el pasado están condenados a repetirlo”.


De NeoLiberais ou novos salazaristas/fascis a 21 de Maio de 2014 às 10:02
----- Nunca esquecer (nem deixar adulterar a História) a subida ao poder e os crimes dos Nazi-Fascistas. Votem por uma Europa livre de Nazis e Fascistas.

----- Ariel 88 lava mais branco
(POR JOSÉ SIMÕES, DerTerrorist, 20/5/2014)

"Poderia, em liberdade, começar uma limpeza no grupo e expulsar estes criminosos travestidos de nacionalistas", porque há uma diferença entre espancar um emigrante na rua, até o deixar em estado de coma, vai lá para a tua terra; graffitar ou vandalizar uma mesquita, porque o Deus deles não é o mesmo Deus de Abraão; ou até matar um preto ou um cigano, porque um é mais escuro, o outro mais encardido e porque sim e o "tráfico de droga, roubo e extorsão", isso não que são atentados graves à propriedade privada, à integridade da pessoa humana e à estrutura da família.

A direita neoliberal e crente no Deus mercado maquilha os seus pit bulls de caniches, sempre ali à mão para o trabalho sujo nas ruas e pela calada da noite. É assim desde 1921, com a direita do Partido Popular Nacional Alemão a fechar os olhos ao terror das SA nas ruas de Munique. Depois tratamos deles, diziam. Problemático e criminoso para a direita neoliberal são os anarkas-okupas e anti-globalização que não respeitam hierarquias e se recusam obedecer à autoridade do poder político capturado pelo poder económico, crime lesa-mercados, logo lesa-Deus e, ainda por cima não casam, nem sequer pelo registo e dormem homens com homens, mulheres com mulheres, pretos com brancas e brancos com pretas, uma promiscuidade. O amor é uma coisa linda, pelo menos desde Eva e Adolfo.


De Censura, intoxicação e 'enformação'. a 23 de Junho de 2014 às 10:54

A censura que não temos e a que nasceu entretanto

(- http://entreasbrumasdamemoria.blogspot.pt/ 22/6/2014)

Faz hoje 88 anos que foi instituída a censura prévia à imprensa em Portugal, pela ditadura militar saída do golpe de 28 de Maio. Como é sabido, iria durar 48 anos.

Vivemos agora com LIBERDADE de EXPRESSÃO e dispomos de uma diversidade de meios de acesso à informação com que nem sequer podíamos sonhar nos tempos que se seguiram ao 25 de Abril. E, no entanto...

Num texto que escrevi para a edição portuguesa de Le Monde Diplomatique, e que reproduzi mais tarde neste blogue, chamei a atenção para um interessante conceito definido por Ignacio Ramonet em
A TIRANIA da COMUNICAÇÃO (1).
Segundo o autor, existe actualmente uma «CENSURA DEMOCRÁTICA» que se introduz subrepticiamente nos países livres onde se respeita o direito de expressão e de opinião.
Não se concretiza em cortes ou proibições, mas sim «na acumulação, na SATURAÇÃO, no excesso e na superabundância de INFORMAÇÕES»,
que permitem artifícios, mentiras e silêncios, que toldam a TRANSPARÊNCIA do que é transmitido.
A informação é tanta que pode ser DISSIMULADA ou TRUNCADA, sem que se chegue a perceber o que FALTA, e torna-se mesmo naturalmente INCONTROLÁVEL.
Voluntária ou involuntariamente, acaba por ser MANIPULADA.

A pressa e a leveza com que quase tudo é abordado, e muitas vezes reduzido a puros SOUNDBITES,
acabam por influenciar muitíssimo a opinião pública, aquela que está para além das elites, sempre minoritárias, que são capazes de filtrar o que lêem, o que vêem e o que ouvem.
É assim que estamos. É útil não esquecer.

(1) Ignacio Ramonet, A Tirania da Comunicação, http://pt.scribd.com/doc/2230907/IGNACIO-RAMONET-tirania-da-comunicacao, p.13.


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