Por Nicolau Santos
Diretor-Adjunto de Expresso
Bom dia. Este é o seu Expresso Curto, cada vez mais de olhos em bico, seja por causa de um banco, de umas eleições, de umas revelações, das pensões ou do diabo, que não arreda pé da política nacional.
O país amanhece hoje com mais um banco controlado por capitais chineses. O grupo privado Fosun passa a deter 16.7% do capital do BCP, tornando-se o maior acionista individual, através de uma operação de aumento de capital, pelo qual paga 175 milhões de euros. Fica aberto o caminho para chegar aos 30% e conta já com a luz verde do BCE para esse efeito. Também os direitos de voto vão subir do atual limite de 20% para 30%. A entrada dos chineses mereceu o acordo dos outros principais investidores, nomeadamente os angolanos da Sonangol e os espanhóis do Sabadell. A Fosun já controla a companhia de seguros Fidelidade e a Luz Saúde. Mas a entrada no BCP far-se-à através de uma entidade chamada Chiado.
O negócio é excelente para o banco, que precisava de estabilidade acionista e de aumentar capital, até porque ainda deve 700 milhões ao Estado da ajuda que recebeu durante o período da troika. Mas… o BCP é o maior banco privado português. A EDP é a maior empresa elétrica do país. A REN – Redes Elétricas Nacionais gere as principais infraestruturas de transporte de eletricidade e de gás natural. A ANA controla todos os aeroportos nacionais. A TAP é fundamental na captação de turistas para o país. Todos foram vendidos ou estão concessionados a investidores estrangeiros, assim como o porto de Sines (detido pela PSA de Singapura) e todos os outros (Lisboa, Setúbal, Leixões, Aveiro e Figueira da Foz, controlados pela empresa turca Yilport).
Ora um país que não controla os seus portos, os seus aeroportos, a sua energia (quer a produção quer a distribuição) nem o seu sistema financeiro na quase totalidade (escapa a CGD) é seguramente um país que terá no futuro cada vez mais dificuldades em definir uma estratégia nacional de desenvolvimento.
Provas? A TAP quer comprar oito aeronaves para fazer face à procura crescente resultante das rotas que abriu para os Estados Unidos mas a ANA responde-lhe que não tem espaço para o seu estacionamento no aeroporto Humberto Delgado. Na verdade, os franceses da Vinci, que controlam a ANA, deveriam ter já arrancado com a construção de um novo aeroporto porque o número de passageiros na Portela está muito próximo do limite definido no acordo para que esse passo seja desencadeado. Mas preferem a solução Portela mais Montijo, que lhes sai mais barata e que só deverá estar pronta dentro de três anos, a construir um novo aeroporto, uma decisão obviamente de importância estratégica para o país.
Mais provas? Como se disse, o porto de Sines foi concessionado à PSA de Singapura. Ora, os chineses estão interessados em Sines, onde se propõem aumentar os cais e as plataformas de apoio, mais uma plataforma industrial para montarem os produtos cá e obterem o “made in Portugal”, podendo assim entrar sem problemas no mercado europeu. Só que a PSA de Singapura opõe-se e faz valer a sua opinião por ser dona da concessão. E as autoridades portuguesas pouco podem fazer porque infraestruturas deste tipo são únicas: não se podem construir outras ao lado.
É este o Estado que temos: sem poder para mandar naquilo que é verdadeiramente essencial para definir uma estratégia de desenvolvimento. E o que é espantoso é que quase tudo tenha acontecido em tão pouco tempo (entre 2011 e 2015, pouco mais de quatro anos) e que estivéssemos tão anestesiados que o não conseguíssemos evitar.
De .Liquidaram o nosso país. a 24 de Novembro de 2016 às 09:21
“A Vida e a Morte dos Nossos Bancos, Como os banqueiros usaram o nosso dinheiro e ele desapareceu”
é o título do livro que a Helena Garrido, uma grande senhora do jornalismo económico português, lançou na semana passada. Ainda não li, mas sabendo da competência da Helena e da precisão e cuidado com que faz o seu trabalho não tenho dúvidas que é um documento que traz seguramente mais alguma luz a muitos aspetos sombrios da derrocada da banca nacional. A Helena tem uma longa e brilhante carreira profissional, que a levou a passar por pelo menos duas direções editoriais (Diário de Notícias e Jornal de Negócios) e várias redações. Sempre dispôs de uma invejável carteira de contactos no mundo económico. Foi a ela que em 2011 o então ministro das Finanças, Fernando Teixeira dos Santos, entendeu dar a informação de que Portugal tinha pedido ajuda internacional. Por tudo isso, este livro é de leitura obrigatória.
Hoje, às 18.30, na Bucholz em Lisboa, é lançado um livro de duas outras fantásticas jornalistas. Anabela Campos e Isabel Vicente, minhas camaradas de redação no Expresso, assinam “Negócios da China”,
que tive o privilégio de ler ainda no prelo porque me pediram para fazer o prefácio, uma distinção que seguramente não mereço. A Anabela e a Isabel são duas das mais corajosas jornalistas que conheço.
Os cidadãos comuns podem não ter essa ideia, mas o mundo económico pode ser muito violento para os jornalistas.
É preciso ter coragem para insistir nas perguntas, para querer saber a verdade, para não recuar perante as dificuldades, para manter a persistência quando seria mais fácil desistir.
A Anabela e a Isabel são isso tudo e muito mais. Nunca quiseram transformar a profissão de jornalista numa carreira burocrática. Vão para a frente dos touros, olham-nos nos olhos e pegam-nos de caras. Em “Negócios da China” estão muitas das investigações que as duas conduziram nos últimos anos ao serviço do Expresso, mas também factos novos relacionados com
a economia chinesa e a estratégia dos seus dirigentes para Portugal.
O ajustamento entre 2011 e 2015 conduziu à venda de quase todas as grandes empresas portuguesas e ao controlo da banca nacional por capitais estrangeiros.
O investimento chinês foi quem levou a parte de leão nestas vendas a saldo que foram as privatizações durante aquele período.
Mas também há espaço para os pormenores indecorosos que levaram ao desmantelamento do BES, da PT e da Cimpor, bem como ao caso BPN.
Ou seja, este é outro livro imperdível para quem se interessa por temas económicos – ou por quem quer perceber como chegámos ao ponto onde nos encontramos, e cada vez mais de olhos em bico.
Um país que secou
(24/11/2016 por j. manuel cordeiro, Aventar)
A propósito dos chineses que passaram a controlar o BCP, Nicolau Santos faz uma análise daquilo em que se tornou o país em meros 5 anos. É um retrato desolador, de uma nação que deixou de ter controlo sobre os seus mais sensíveis e estruturais elementos. Ilustra, ainda, como estavam profundamente errados aqueles que defenderam (e defendem) um Estado minimizado, vendido ao sector privado.
reucaliptização
A reeucaliptização da banca
O cronista do Expresso aponta o mandato de Passos Coelho e Paulo Portas como a causa do problema. Foram anos de completa reviravolta, é verdade, mas não chega para explicar onde chegámos. Apesar do fanatismo ideológico que atingiu o expoente máximo com o anterior governo, a loucura já vem de trás. É anterior a Sócrates, o mal do mundo, veja-se só.
Podemos sempre recuar mais, mas há um marco, a adesão à CEE, que divide dois momentos. Um antes de pobreza e um depois de abundância. Foi nesse tempo de vacas gordas que o país cresceu sem par, mas também foi então que as grandes clientelas se encostaram ao Estado. Viveram durante muito tempo dos fundos comunitários, com Cavaco Silva como primeiro-ministro. Findos estes, era preciso continuar com a sua rica vidinha a que estavam habituados. A duplicação do Estado (lembram-se das Empresas Municipais, por exemplo?) e as PPP, foram o o meio de o conseguir, com Guterres como chefe do governo. Foi também este quem iniciou a onda de privatizações, continuada por Sócrates, a qual foi mais uma forma de alimentar os negócios. Chegados a Sócrates e a Passos Coelho, já não havia dinheiro para obras e a maior parte das empresas do Estado tinham sido privatizadas. Como continuar, então, a alimentar a multidão que vive dos negócios trazidos pelos partidos? Sobravam os sectores estratégicos e os sectores centrais do Estado, como a Educação, a Saúde e a Segurança Social. Foi nestes que o ataque se deu e ainda vai ser nestes que vai continuar até que haja um corte radical com a forma como se ganham eleições em Portugal.
divida
Fundos comunitários, Saldo Orçamental e Dívida Pública
Mesmo assim, o maior dos ataques ao país veio do sector financeiro. Desde 2008 que tem sido uma torneira aberta a enterrar dinheiro na banca e nos juros da dívida. Repare-se que o dinheiro não se evapora. Ele tem que ir para algum lado e as centenas de milhares de milhões de euros que nos saíram do bolso estão, neste momento, na posse de alguém. A concentração de poder e riqueza atingiram valores em que há pessoas com mais poder do que um país inteiro.
Portugal perdeu quase tudo sem dar por isso, tal foi a cacetada que levámos. Mas tivemos a raposa no meio das galinhas durante décadas, fazendo de conta que ela não estava lá. Mas estava.
------ Alt says:
24/11/2016
Minha cara, o problema não é do Estado, são das pessoas eleitas por todos nós para tomar decisões políticas,
as quais tomam decisões quase sempre em função de interesses de uma pequena parte dos cidadãos(por sinal todos eles a comer à mesa do orçamento directa ou indirectamente ).
Aliás, esta escumalha floresceu exactamente por incutirem em anónimos como a minha cara, a ideia que o Estado é mau e o que interessa é que se fosse privado era melhor para todos.
O privado só é melhor quando está em ambiente de competição e em bens transaccionáveis.
De resto, por esse mundo fora, não faltam maus e bons exemplos, mas são muito maiores os maus do que os bons.
--------EMVR:
...
... É, de facto, surpreendente a cegueira do votante. Ou será inconsciência … ignorância … incultura? (iliteracia, alienação, ...)
Seja por que razão seja, é isto que explica porque chegamos onde chegamos: “Iniciador” e “continuadores”, goste-se ou não da política seguida.
Há, quer se queira ou não, de facto, um terrível “Arco da Governação” (PSD/CDS +PS) que nos tolhe, pois é um opositor ao contraditório e um contínuo agente lixiviador.
De
[FV] a 24 de Novembro de 2016 às 17:20
Este blog tem, desde o seu início, sido um espaço de opinião livre e de denúncia das políticas que os seus postantes consideram relevante na vida nacional e internacional, isto independentemente de nem sempre terem razão (mas quase sempre) e muitas vezes por antecipação a factos que se vêm, infelizmente, mais tarde confirmados.
Nem sempre as opiniões dos diversos intervenientes são alinhadas, o que a meu ver, é bom sinal, pois mostra a liberdade de pensamento e de expressão de cada um. É essa diferença que nos separa e nos une simultaneamente. Mas o que ainda me espanta é a apatia com que a grande maioria dos cidadãos do meu país se alheia da vida política nacional dos diversos (des)governos e a indiferença perante a perda de soberania nacional, seja ela para a "mão dos "alemães" ou para a China, Angola ou outros. Dizem que cada um tem o que merece e se calhar com razão, mas quando toca a todos (ao portugueses e a Portugal) custa-me muito.
Mas como diria o meu pai: Cá se fazem, cá paga. E o que não se pagou cá, leva-se lá! Espero que seja verdade e ele tivesse razão.
Contudo não deixa de ser muito triste e preocupante esta fase que o país atravessa: mediocridade política, social e sobretudo, intelectual.
De « 'isto' está tudo ligado !!» a 28 de Novembro de 2016 às 10:40
FV tem razão ...
mas não é só em Portugal, é global ... «isto está tudo ligado!»:
neoliberalismo, transnacionais, tratados TTIP/CETA/... UMonetária/Euro, finança/banca offshores, ... media (mídia: TVs, jornais, jornalistas atemorizados ou comprados, ...), academia / 'thinktanks', partidos políticos do centrão de interesses, ... iliteracia, novilíngua, marketing, ...
Parabéns pela vossa persistência em continuar este blog de política (mesmo/ também desalinhada) !!.
Zé T.
De .a teia dos media, q. saca e manipula... a 24 de Novembro de 2016 às 09:28
---- GRUPO COFINA : A TEIA de cumplicidades, que vive à custa do contribuinte !...
Ora, aqui está a reacção, nunca mais vinha ao de cima…
Se estavam à espera de ler isto no Correio da manha, orgão do PPD/PSD, também conhecido por "Correio das Mentiras", (desenganem-se.
GRUPO COFINA
Até ao fecho desta notícia, a Autoridade Tributária (AT) ainda não esclareceu o que pretende fazer para garantir que a Cofina pague a parte dos 20 Milhões de Euros que deve ao Estado desde 2013.
E por ironia do destino, foi uma iniciativa do Governo Passos Coelho que perdoou 5 Milhões de Euros ao Grupo detentor do Correio da Manhã.
Em 2013, a Cofina somava 20 Milhões de Euros em fugas ao fisco e à Segurança Social.
Através da Ministra Maria Luís Albuquerque, ao abrigo do Regime de Regularização de Dividas Fiscais e à Segurança Social (RERD ’13),
o grupo Correio da Manhã pagou 2,5 Milhões, sendo-lhe imediatamente perdoados 5 Milhões de Euros.
No entanto, “ainda” falta pagar 12,5 Milhões aos cofres dos contribuintes.
O grupo Cofina não esclarece nada sobre este grande negócio que, essencialmente, significa que é o ERÁRIO PÚBLICO que patrocina toda a panóplia de jornais (CM, Record e Jornal de Negócios),
revistas (Sábado, TV Guia, Flash!, Máxima, Vogue e Semana Informática) e uma televisão.
A tal que, de acordo com o seu diretor, chega em meia hora a qualquer parte do território nacional, tais são os recursos humanos e técnicos disponíveis. Pudera…
A falta de esclarecimento por parte das entidades oficiais e dos responsáveis deste negócio da China representa um verdadeiro muro de silêncio, uma teia de cumplicidades que não se sabe onde começa e acaba.
É que, apesar de já existir uma penhora ao grupo empresarial, nada afecta a luxuosa vida dos seus acionistas, como é o caso do responsável número um, Paulo Fernandes, que contínua a habitar tranquilamente na Quinta da Marinha, à grande e à francesa.
Tudo à custa do contribuinte e com a colaboração do desleixe das entidades, que perseguem os cidadãos por dívidas de valor residual, mas não conseguem cobrar anos e anos desta mega-fraude.
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