Por:Daniel Oliveira, no Expresso de 26/12/2014
Pensar-se imortal e imune à crítica foi a primeira das 15 doenças que o Papa Francisco enumerou num discurso que ficará seguramente na história da Igreja Católica. O excesso de atividade sem reflexão, outra. A petrificação moral e emocional, que transforma os homens em meros burocratas que tudo planificam para se sentirem confortáveis longe dos riscos da liberdade. A descoordenação e a separação entre "capelinhas". Aquilo a que chamou de "Alzheimer espiritual" de quem perde progressivamente as suas capacidades e fica cada vez mais dependente das suas próprias paixões, caprichos e circunstâncias. A vã-glória, tão evidente na opulência que se vivia naquela sala ou nos jogos de poder do Vaticano. A hipocrisia que permite uma esquizofrenia existencial. A má-língua e os boatos a que se dedicam os conspiradores, o endeusamento do chefe a que se dedicam os carreiristas. A indiferença perante o sofrimento dos outros. Ou a falsa severidade, tão castigadora e presente na Igreja Católica, que não compreende a generosidade do otimismo e do humor. O egoísmo e a vontade de acumular bens materiais, títulos, honrarias. A tendência para viver em círculos fechados. O exibicionismo, sempre associado ao exercício do poder.
Nada do que o Papa disse à Cúria é característica especialmente presente na Igreja Católica. As 15 doenças que apontou são 15 doenças do poder. A megalomania, a insensibilidade, o funcionalismo, a vaidade, o carreirismo, a pequenez, a falsidade, o egoísmo... Nada disto são "pecados" especialmente presentes nos ministros de fé que estavam à sua frente. Na realidade, para ser honesto, não são defeitos do poder. São algumas das coisas que definem a natureza humana.
O que teve então de tão importante o discurso do Papa Francisco perante os burocratas do Vaticano, que se agarram às honrarias do seu poder, tão transitório como as suas vidas? Ele disse-o falando daquelas pessoas e dele próprio. Na realidade, não disse mais do que dizem diariamente todos os padres, bispos, cardeais e homens de fé: que eles próprios são pecadores. Só que desta vez, falando de pecados concretos bem visíveis na Cúria, estava a falar a sério. Não se tratava apenas de um burocrático pedido de perdão sem sentido. E é curioso como a verdade do que disse, que cada um daqueles cardeais há de ter repetido vezes sem conta, maquinalmente, já sem querer dizer nada, por ter querido dizer qualquer coisa causou tão evidente incómodo.
O que o Papa Francisco tem de extraordinário não é o seu talento mediático. É a forma sofisticada como usa, no espaço público, as verdades mais simples.
Como já lhes incomodara ver, há uns dias, o Papa pedir a bênção ao excomungado patriarca ortodoxo. Como os incomodou a sua tolerância para com todos os excluídos, sejam divorciados ou homossexuais. Mais excluídos da igreja do que de muitas sociedades que parecem compreender melhor a compaixão do que os padres que a apregoam. Como os deixa desconcertado o seu sentido de humor, que o torna banal e o faz descer do trono. Coisa reservada a quem pode ir buscar autoridade ao seu exemplo.
O Papa Francisco, modelo moral e político para um ateu como eu, não disse nada sobre os homens da Cúria que não pudesse ser dito sobre quaisquer outros homens em qualquer outro lugar. O incómodo constrangido da plateia e o animado espanto do mundo apenas nos mostram como, na sua igreja, há tantos que não percebem os sermões que maquinalmente repetem. E como, apesar de tudo o que dizem, acreditam viver acima do bem e do mal.
O que o Papa Francisco tem de extraordinário não é o seu talento mediático. Essa era a arma de João Paulo II. Não é a sua sofisticação intelectual. Essa era a arma de Bento XVI. É a forma sofisticada como usa, no espaço público, as verdades mais simples. É a forma como está a despir a Igreja que dirige, sem no entanto se socorrer do ódio ou do rancor destruidores. Reduzindo cada um daqueles velhos à sua (à nossa, à dele) insignificância mortalidade. Retirando a pompa a tudo o que diz. Este Papa propõe uma bondosa derrota ao conservadorismo religioso. Não é por causa dos "costumes" ou até por alguns gestos a bem do ecumenismo. Nem sequer é por causa das coisas que diz sobre o mundo e o papel que tem para construir soluções. Quer os católicos mais concentrados na coerência da sua fé do que nas exibições de poder do Vaticano. Parece óbvio mas é absolutamente revolucionário.
Nota:
- Coloco hoje este texto que li no final do ano passado a propósito de uma «romaria» que os habitantes da Covilhã decidiram fazer a Évora...
Não serão todos certamente, mas a notícia deixa-me socialmente preocupado. Espero que um «conhecido» meu que anda à anos a afirmar que "pior que os nossos governantes é o nosso povo", não tenha razão. São este os meus sinceros votos para 2015.
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