No dia 4 de Abril de 2011, pelas 10.30 da manhã, Carlos Costa, que fora chefe de gabinete de João de Deus Pinheiro, em Bruxelas, e director do Millenium BCP, aconselha os banqueiros: ‘Vocês não podem continuar a financiar [as emissões de dívida pública portuguesa]. O risco é afundarem-se os bancos, parte sã, e a República, que é parte que criou o problema.’ Excerto do livro de Paulo Pena sobre
a “bancocracia”, regime político dominado pelo sistema financeiro, onde o poder do crédito privatizado tudo subverte: o problema é a República e os bancos são a parte sã, reparem. A função de um jornalista é dizer a verdade e
denunciar esta e outras mentiras do poder. Paulo Pena faz isso e por isso deve ser saudado. Fá-lo num relato jornalístico detalhado, competente e, mais extraordinário de tudo, dado que é de finanças que estamos a falar, envolvente e empolgante.
Aviso-vos, no entanto: a verdade que Pena expõe sobre estes anos de chumbo não é para estômagos frágeis. Afinal de contas, estamos a falar de
Doutores Honoris Causa como Ricardo Salgado, Eduardo Catroga ou António Mexia e de outra gente, também muito respeitável e a quem muito devemos, como João Rendeiro, Duarte Lima, Oliveira e Costa, Paulo Teixeira Pinto, Jardim Gonçalves ou Cavaco Silva. A parte sã, no fundo. A verdade não é para estômagos frágeis porque estamos também falar de “
refúgios fiscais” (a boa tradução para
haven/ter/poder, e não
heaven/paraíso, como assinala Pena), de uma
opacidade metodicamente cultivada pela finança cuja trela foi solta pelos
governos, os que organizaram a sua, a nossa, submissão à banca, os que tornaram o Estado num agente sem soberania monetária. Pena mostra bem
o que é o mercado e a inovação na finança: especulação financeira e fundiária, sopas de letras para
gerar lucros à custa da dissimulação e do engano, destruição de um bem público como o crédito em crises financeiras sem fim.
Não julguem, no entanto, que Pena cai no moralismo que reduz a bancocracia ao carácter mais ou menos cúpido dos personagens. Pena deixa bem claro que
o problema está na imoralidade das estruturas: “a crise foi e é motivada por
uma cultura, uma visão política e um modelo económico que permanecem inalterados”. No caso nacional, isto foi preparada pelo cavaquismo,
pela liberalização financeira e pela privatização dos bancos, sobredeterminadas externamente, como temos insistido, pela integração
europeia de cunho neoliberal. O caso nacional não está isolado. Da Islândia à Hungria, Pena indica-nos como uma crise financeira
pode ter diferentes saídas políticas. As estruturas não são destino.
Os valores de Abril passados quarenta anos
exigem conhecer a fundo a finança, diz-nos implicitamente um jornalista comprometido com esse conhecimento. Não sendo essa a conclusão de Pena, devo dizer que saí deste livro a pensar, com mais razões, que
se queremos democracia, desenvolvimento e descolonização, esta última agora entendida como a
efectiva libertação nacional da tutela externa por via financeira e monetária, então temos mesmo de apostar no
controlo público do sector financeiro, recuperando o espírito de um decreto-lei (estão a ver, sempre a autoridade política...) que ainda hoje deve fazer suar os banqueiros deste país: estou a falar de um
decreto-lei de Março de 1975.
Em suma, um bom livro para ler em Abril ou em Maio.