Quarta-feira, 26 de Novembro de 2014

Populismos, confrontações e regimes

   Um dos facilitadoresde uma das alas do bloco central, António Vitorino, acompanhado por um dos “facilitadores” da outra ala, Marques Mendes, abrilhantou o congresso da associação portuguesa para o desenvolvimento das comunicações, um grupo de interesse capitalista reunido na semana passada. Só refiro este evento banal porque retive uma formulação, lida no Negócios, que Vitorino aí usou: “[A] linha entre populismo e cosmopolitismo é a grande confrontação na Europa. E chegará a Portugal inevitavelmente”. O que tem de ser tem de ter muita força.
    Calma, não se enervem, aceitemos estes termos e vejamos por que é que convenientemente reinterpretado Vitorino está sem querer a dar um bom conselho às esquerdas facilitadoras da vida do povo e dificultadoras da vida dos que vivem em cima das possibilidades da maioria (ai, a opção populista…).
     Em primeiro lugar, Vitorino sabe o que as regras e dispositivos da integração económica e monetária impõem: austeridade permanente.    Vitorino também deve saber para que serve isto:   desvalorização interna por via da residualização do Estado social, da fragilização da posição do trabalho organizado, com entradas dos negócios nas esferas não-transaccionáveis associadas ao Estado social (os incentivos perversos são um detalhe a que não se liga).   Aposto que Vitorino sabe bem que este processo socioeconómico politicamente requer, dada a crise de hegemonia, uma consolidação de toda a força do bloco central.   É evidente que a designação “cosmopolita” ofusca tanto quanto revela, não deixando, no entanto, de chamar a nossa atenção para um facto decisivo:   a força que tem evitado crises terminais de hegemonia está hoje sobretudo lá fora, entre Bruxelas e Frankfurt, e pressupõe o esvaziamento continuado da soberania, uma rendição a um processo de globalização que aumenta a nossa dependência.
     Em segundo lugar, o populismo que desassossega Vitorino, que se serve desta expressão com as costas demasiado largas, pode ter em Portugal, como de resto já tem noutras periferias, traduções bem progressistas e bem necessárias no presente contexto, como Nuno Ramos de Almeida tem argumentado:    trata-se de criar uma alternativa que construa uma identidade popular, com vocação hegemónica, a partir da fusão da questão nacional com a questão social. Uma identidade que, como todas as identidades políticas, se construa contra algo e a favor de algo.
      Contra algo. Contra as duas lógicas em curso, a da neoliberalização e a da neocolonização, e contra o que delas resulta:   a transferência de recursos de baixo para cima da pirâmide social e de dentro para fora de um “país” com instituições públicas cada vez mais deslegitimadas. A podridão tem de ser interpretada como colonização das instituições políticas pelo poder do dinheiro, passando este a definir as prioridades. É fácil, dada multiplicação de exemplos, concretizar esta abstracção.
     A favor de algo. A favor de todas as instituições e práticas políticas, as ainda existentes e as que estão por (re)criar, que permitam inverter este processo, tirando as aspas ao país, ou seja, mobilizando os instrumentos que estão na nossa mão – a “sensata” reestruturação da dívida de que falava Munchau no Financial Times de segunda-feira, lamentando-se que seja a esquerda radical a mobilizá-la – como meio para recuperar outros instrumentos de política, incluindo a moeda, insensatamente perdidos.
     Trata-se neste processo de dar uma resposta correcta à pergunta correcta:   qual é o regime que está podre? O regime de economia política em vigor.   Este regime contradiz os princípios do Estado social e democrático de direito, fórmula constitucional com notável poder emancipatório, nacional e social, e que tem de ser defendida:   a soberania nacional reside no povo.  Trata-se então de recuperar o espírito do povo unido.
      Como se passa do espírito à matéria política? Aproveitando a oportunidade que se oferece às esquerdas neste país:  construir uma vontade nacional-popular com programa, impedindo qualquer extrema-direita de manipular estes termos, canalizando o ressentimento e o protesto para os alvos correctos – uma elite do poder que nos colocou neste colete-de-forças, ao mesmo tempo que beneficiou disso, com cada vez menos preocupações redistributivas – e mobilizando a esperança numa política de desenvolvimento.
     As esquerdas que não desistem, que nunca desistiram, que acham que o país não aguenta mais uma década disto, mesmo com agenda, têm de perceber a necessidade imperiosa de se unirem, apresentando uma proposta política e eleitoral conjunta ao país, uma aliança povo unido, falando para um país que vai para lá das fronteiras destas esquerdas e que não quer viver numa região dependente e sem instituições decentes. Creio que isto é hoje, dadas as condições objectivas, mais fácil do que nunca, mas também creio que esta oportunidade não durará para sempre. Se não agora, quando?  
    (-


Publicado por Xa2 às 07:41 | link do post | comentar

3 comentários:
De União d'esquerda, com ou sem PS. a 28 de Novembro de 2014 às 12:49

Uma dor de cabeça para a Ana Drago, Daniel Oliveira e o Tavares.

Numa altura em que toda a gente começa a perceber que o problema está nos partidos do sistema que fazem o sistema dos partidos,
as últimas semanas tem sido muito pouco animadoras para todos aqueles que por idiotice, desespero ou por arrogancia acham que se pode fazer algo com o ps.

Há pouco, pouco tempo, diziam que jamais, jamais, haveria uma solução à esquerda sem o ps.
Verão rapidamente que se meteram num buraco muito negro.

Mas haverá sempre a hipótese de ressuscitar com um novo 3D, ou um 4F ou 5E.
Ou mesmo um Congresso Alternadeiro versão 5.0.

Ao fim e ao cabo o complexo de Henrique de Sousa manter-se-á:
nada fazer e empecilhar qualquer verdadeira alternativa.


Uma merda pois.
(-Publicado em POKE , 27/11/2014 http://spectrumzx.wordpress.com/ )


De Zona Autónoma de Indignados. a 28 de Novembro de 2014 às 13:14
«Tempo de viragem» (política, partidária, cívica, ... e económica)

Plenamente de acordo.
E agora o que fazemos?
Uma nova revolução/golpe de estado (dos "guarda-chuva-HK", "primavera lusa", "cravos", "patuleia",...?)?
Criamos um partido novo (+1)?, radical? ou aderimos ao "Podemos+Syriza+..." Português e Europeu?
Pressionamos para uma coligação (de partidos de esquerda, ou de centro esquerda? com ou sem PS ?)?
Fazemos uma revolução interna em cada partido, assaltando o poder/direcção e mudando as práticas e políticas e os militantes com "telhados de vidro"?
Fazemos uma grande marcha, ocupação e manifestação (na rua/praça, na internet, ...)?
Despoletamos a "guerra civil" (e internacionalizamos o conflito, pedindo o apoio de forças similares dos países periféricos da U.E.)?
...
Ressalva: sou contra "intrusões de/fora da U.E." ou apropriações religiosas de partidos e políticas.
Zé T.

-------
(27 /11/2014, em «Tempo de viragem», J.Bateira, Ladrões de B.,
https://www.blogger.com/comment.g?blogID=4018985866499281301&postID=4228350963279437568 )
-----------

ou criamos uma « ZONA AUTÓNOMA de INDIGNADOS », formada por REDE de cidadãos e círculos 'on-shore/offshore', com jurisdição e instituições próprias, ...


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