No seu
programa de governo, a direita agora minoritária no parlamento volta a insistir na ideia de que o «inverno demográfico» se instalou no nosso país «
há mais de três décadas», sugerindo acrescidamente que
a recente sangria migratória nada tem que
ver com austeridade nem com
o «ajustamento», constituindo apenas uma espécie de prolongamento natural da dinâmica demográfica registada «
ao longo da última década».
Procurámos já demonstrar (por exemplo
aqui e
aqui) que
as políticas de austeridade agravaram de forma muito significativa o problema demográfico português, que passou a acumular - a partir de 2011 - saldos naturais e migratórios negativos. A
queda a pique do saldo demográfico, responsável pela diminuição da população residente em 1,5% na passada legislatura, apenas seria invertida em 2014, sobretudo graças ao
travão colocado pelo Tribunal Constitucional ao desejo do governo em proceder a mais cortes e sacrifícios e assim aprofundar a austeridade «além da troika», «custe o que custar». Não se iludam porém quanto às
reais motivações do ainda governo para inscrever, entre os cinco pontos essenciais do seu programa, o «
combate ao "inverno demográfico"». A receita não é nova e destina-se apenas,
sob o manto de propaganda em torno de uma súbita sensibilidade social, a prosseguir a agenda neoliberal de transformação da economia e da sociedade portuguesa. Do iníquo quociente familiar em sede de IRS (dirigido às famílias numerosas,
sem ter em conta o seu nível de rendimento), ao aumento da cobertura na rede de creches «
nomeadamente através da rede social e solidária», passando pela
flexibilização de horários, pelo reforço do «
voluntariado intergeracional» e até (pasme-se) pela reabilitação do programa
VEM, está lá tudo, nas linhas e nas entrelinhas.
A ideia é convencer as pessoas de que basta fazer umas cócegas ao dito «inverno demográfico» para ele se ir embora. Sem enveredar por loucuras próprias
da social-democracia ou até da democracia cristã como a subida do salário mínimo, o combate à pobreza e à exclusão, a redução das desigualdades nos rendimentos ou a generalização do horário de trabalho de 35 horas semanais. E, de caminho, continuar a
estiolar o mercado de trabalho, transferir recursos para as IPSS (principalmente de privados, igreja e misericórdias) e fingir que se está a promover o regresso ao país daqueles que
foram forçados a partir nos últimos quatro anos.
Foi isto que foi chumbado ontem. Foi este caminho que foi negado. BASTA !