Domingo foi dia de eleições, o povo foi chamado a escolher quem quer à frente dos destinos do país no final de um mandato de quatro anos de austeridade. Era de supor uma derrota da coligação no poder, assim ditavam os conhecedores da vontade popular. Erraram.
Erraram, logo à partida, porque a maioria definida (aquela que os eleitores sabiam que iria governar em conjunto) escolheu manter o rumo que foi assumido em 2011. Erraram porque pensam que conhecem o que o povo quer, erraram porque acreditaram que a chegada de António Costa à liderança do PS (um dos partidos que está habituado a alternar a governação com o PSD, coligado ou não com o CDS) seria uma espécie de regresso à terra prometida sob o comando do messias. Erraram.
A coligação perdeu o absolutismo mas ganhou a maioria. Em democracia, isso deve valer alguma coisa. Mas, na verdade, a maioria da Assembleia da República é composta pelas minorias de esquerda. Por isso, ainda os votos estavam a ser contados e já havia discursos de instabilidade anunciada. Se as vontades das minorias se unirem, o Governo democraticamente eleito irá cair. Dificilmente irá conseguir aprovar medidas, obrigando a uma demissão e convocatória de novo ato eleitoral.
Uma maioria absoluta é algo muito próximo de um regime totalitário. Lutar contra o resultado das eleições de ontem é defender uma governação totalitarista.
Mas a esquerda, já o disse antes, tem na esquerda o seu próprio inimigo. Durante a campanha, os diversos partidos opostos à coligação, trocaram acusações, afastaram-se, lutaram e defenderam cada um as suas ideologias. Fizeram o que tinha de ser feito, lutaram por mais votos, mais poder. Não lutaram pelo bem do país, não se uniram na campanha para combater a governação de austeridade que criticaram durante quantro anos.
Não defendem as mesmas coisas. CDU defende a saída do euro, o fim da União Europeia. O Bloco, que teve um crescimento brutal, ultrapassando a CDU como terceira maior força partidária, já mostrou a intransigência em ceder no que quer que fosse. O PS, ainda não se percebeu bem o que vai fazer. Costa continua hermético, fala com frases com dupla interpretação, deixa todas as portas abertas, ao mesmo tempo que as fecha.
Isto demonstra bem as alterações que precisam ser feitas ao nível da governação e formato da Assembleia da República. O país elegeu, democraticamente, um governo. Pequenas franjas defendem outro caminho. Mas será justo aplicar aqui a soma das franjas, com formatos e tonalidades tão diferentes para criar instabilidade governativa? Ou será que não perceberam que aquilo que os portugueses querem é uma Assembleia da República que trabalhe a sério pelo bem do país?
Em parte, está nas mãos da coligação eleita, se for chamada a formar Governo, criar as condições necessárias para apresentar soluções que "agradem" aos partidos da esquerda. Mas será que essas são as melhores medidas para o país ou apenas vamos ver governar durante quatro anos ao sabor da maré para conseguir aguentar o barco até ao fim da legislatura?
De todas as análises feitas, com o atual cenário político, uma certeza, senão a única coisa certa, é que ainda este ano, com um possível chumbo do Orçamento do Estado, ou dentro de um ou dois anos, quando o PS sentir que já está com força para voltar a disputar outras eleições (o mais provável, já com novo líder no partido), vai fazer tudo para derrubar o Governo democraticamente eleito. A isto, chama-se instabilidade.
No fundo, uma junção da esquerda tem em comum a queda do Governo. Pois cada partido defende caminhos diferentes nas mais diversas matérias. Sim, no discurso algumas coisas podem parecer idênticas. Mas não são!
Governar devia ser mais do que lutar pelo poder. Devia ser mais do que a teimosia política. Governar, não me canso de dizer, devia estar assente em Pactos de Regime nas matérias mais relevantes para o país: Educação, Segurança Social, Saúde... Se a Assembleia da República se entendesse com isto, o resto correria sem ruídos.
Porque se só é possível governar com uma maioria absoluta, permitam-me o reparo, onde está a diferença para um regime totalitário?
Por: Paulo M. Guerrinha
De
[FV] a 9 de Outubro de 2015 às 10:14
De acordo que o país elegeu deputados para um parlamento, mas a realidade (prática) é outra pois o que se viu em campanha foram quase sempre os «candidatos» a PM. E a iliteracia política dos portugueses é enorme, o que ainda agrava mais as escolhas nas eleições. E ainda, como no parlamento as forças políticas partidárias fazem useiramente o frete de votar o que o líder manda não tendo em vista que depois das eleições deveriam estar para votar para o bem de todos os portugueses... continuando a usar o parlamento e a legislatura como se propagando partidária se continuasse a tratar. Isto para não mencionar ou questionar se estamos em verdadeira democracia, como muito bem o autor do artigo refere no seu último parágrafo.
De Governos e Democracia vs Totalitarismo. a 9 de Outubro de 2015 às 11:11
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-- «Porque se só é possível governar com uma maioria absoluta, permitam-me o reparo, onde está a diferença para um regime totalitário? »
- isto é FALÁCIA com tentativa de manipulação de leitores/ cidadãos menos atentos ...
Mesmo (!) em Portugal já tivemos vários governos sem maioria absoluta ... e nada (constitucionalmente) impede que tal volte a acontecer...
- «... a diferença para um regime totalitário» - também já cá tivemos e com maiorias absolutas (e foi o que se viu e sentiu !);
e governos minoritários e em coligação ou com acordos/ apoios parlamentares existem em outros países Democratas
(ex: Dinamarca, e para os interessados na Política, recomendo a séria de TV "Borgen", actual e interessantíssima) -
mas, admito, que geralmente esses países têm grau de literacia e participação cívica bem superior ao da maioria da nossa população.
- a abordagem talvez pudesse ser feita na perspectiva de que quem tem de facto governado este país (e outros) não são os partidos políticos da 'casa' mas o totalitarismo neoliberal e global da grande finança e empresas transnacionais, que manipulam cidadãos, partidos, campanhas, mídia, políticos (europeus e portuguesas) como fantoches e capatazes dos seus novos servos/ escravos !! ...
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Zé T.
A formação do Governo: todos ralham mas quem tem razão?
(09/10/2015 por Paulo Vieira da Silva)
Nos últimos dias a sociedade tem discutido a legitimidade da formação de um novo governo que não seja um governo liderado pela coligação PSD / CDS.
Todos nós teremos as nossas preferências. Eu pessoalmente defendo um governo liderado por Pedro Passos Coelho.
Na Europa 14 governos são constituídos por coligações pós-eleitorais sendo que, por exemplo, na Bélgica o governo é composto por uma coligação de 6 partidos que tem como primeiro-ministro o líder do quinto partido mais votado.
Por isso os mais diversos argumentos que tenho ouvido e lido nos últimos dias apenas prova que, passados mais de 40 anos sobre a revolução de Abril, ainda não vivemos numa Democracia plena e madura.
Termino deixando um conselho aos futuros governos e grupos parlamentares que propõem e aprovam as nossas leis na Assembleia da República para que passem aprovar leis explícitas e claras o que nao acontece neste caso da formação do Governo. Por exemplo nas autarquias a lei é explícita quando diz que o presidente de câmara é o primeiro elemento que integra a lista mais votada. Terminem-se com as ambiguidades!
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Não é preciso ir à Dinamarca
(-por Vital Moreira , 9/10/2015, CausaNossa)
1. A direita e os seus megafones na imprensa arrepelam os cabelos contra a hipótese de vir a ser primeiro-ministro "quem não ganhou as eleições", gritando "ilegitimidade", "fraude", "golpe de Estado", etc. Deveriam pensar um pouquinho antes de falarem ou escreverem disparates.
2. Numa democracia parlamentar, em que o Governo depende da confiança parlamentar, um executivo que não detenha maioria parlamentar absoluta corre o risco de não passar no Parlamento ou de vir a ser derrubado por uma maioria contrária. Por exemplo, onde os governos precisam de investidura parlamentar expressa, como na Espanha, quem tiver ganho as eleições sem maioria absoluta tem de negociar à partida o apoio parlamentar em falta ou nem sequer chega a formar governo. Por isso, os chefes de governo podem não ser do partido vencedor das eleições. Não é preciso ir à Dinamarca.
3. Em Portugal, os governos são primeiro nomeados e empossados pelo Presidente da República e só depois é que vão ao parlamento. Sempre tem sido nomeado primeiro-ministro o líder do partido vencedor das eleições (que é o que tem mais deputados), mesmo sem maioria absoluta, e assim deve continuar a ser. É uma regra que não decorre obrigatoriamente da Constituição, mas é uma "convenção constitucional" que assegura certeza e previsibilidade e previne "golpadas" presidenciais. Admira-me, porém, vê-la agora defendida como dogma religioso por quem antes das eleições, quando se previa que o PS poderia ser o partido vencedor, a descartava em nome de uma alegada discricionariedade presidencial para nomear o primeiro-ministro. Assim se apanham os hipócritas!
4. Obviamente, se se constituir um governo sem maioria absoluta, ele corre o risco de soçobrar na sua apresentação na AR, sendo portanto demitido sem chegar a governar. Isso é legítimo, constitucional e conforme às regras da democracia parlamentar.
Se a maioria que derruba o Governo se entender para formar um novo executivo, o Presidente da República não é constitucionalmente obrigado a nomeá-lo, podendo tentar outra alternativa de governo eventualmente disponível ou preferir convocar novas eleições, se o puder fazer (o que no caso português só poder ser feito passados seis meses sobre as anteriores eleições parlamentares). O que não pode é manter indefinidamente em funções o governo demitido.
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