1 – A CRÍTICA
É sabido como o peso da Indústria no PIB decresceu nas últimas décadas. Em 1985 representava 27,9% do PIB, em 2012, 13,8%. O mais espantoso é que isto era apresentado como um êxito pelos farsantes do costume, era a sociedade do conhecimento e das "novas tecnologias". Agricultura e indústria, atividades tradicionais a serem em geral abandonadas. A grande farra da especulação, do endividamento, das privatizações e da flexibilidade laboral, que trariam crescimento e emprego, fundamentava as ideias propaladas pela gente que levou o país ao descalabro.
Pois bem, perante a crise surgida, reinventa-se o reindustrializar – mais
adequado seria "desenvolvimento industrial", mas disto nos ocuparemos noutro texto. Ministros, e seu coro de exegetas abordam o tema, periódicos procuram trata-lo e no seu número de setembro-outubro, a
Ingenium , revista da Ordem dos Engenheiros, inseriu extensa lista de opiniões de destacadas personagens. Em 20 títulos contam-se: sete presidentes de instituições ou equivalente, nove administradores, diretores ou equivalente, professores universitários, além do ministro Poiares Maduro.
Dizia Paul Craig Roberts
[1] que à
repetição de ecos (ecolália) chama-se, nos tempos que vão correndo,
debate. Os textos que encontramos acerca do tema, salvo raras exceções, não se afastam disto. São a repetição monocórdica do que é dito há dezenas de anos, com os resultados que são conhecidos.
Fala-se em
exportar mais e criar condições para o investimento estrangeiro. São opções que
desprezam o mercado interno e se baseiam na redução de salários e direitos laborais para ter competitividade.
De tanto se repetir o "exportar mais" já era tempo de se
dizer o quê, quanto e como para a resolução dos problemas nacionais, porém parece que não
se faz ideia – ou se prefere esconder – os problemas, as dificuldades, os investimentos necessários à exportação, os constrangimentos, a reduzida margem de lucro obtida.
O mesmo se aplica à
necessidade de "internacionalização das empresas". Até agora tem quase exclusivamente representado
a descapitalização do país, o sediar de mono e oligopólios em paraísos fiscais ou, internamente, a compra de ativos nacionais em monopólios ou em empresas que
mais tarde são deslocalizadas apesar dos "incentivos" fiscais e outros recebidos.
O
erro da miopia neoliberal está em que exportação e mercado interno não são opções, são um processo único:
o desenvolvimento económico não alienado do social. Repete-se a litania de
atrair investimento. O termo é curioso: não se trata de negociar, mas de "atrair", vamos lá pela sedução oferecendo
mão-de-obra precária, com contratação coletiva
destroçada por legislação iníqua e um exército de reserva de
desempregados sem subsídio, em situação de desespero.
É sintomático que se adote uma linguagem que nada tem que ver com macroeconomia e muito menos com engenharia. É o caso dos
"desafios" e das "apostas". São as "apostas" nos bens e serviços
não transacionáveis; no saber; na eficiência operacional" (?); na criação de valor; nos "programas desafiantes" (!); nos fatores dinâmicos de competitividade (quais?); nas oportunidades de crescimento. (!)
As
apostas são contratos em que quem perde paga, sendo normalmente um jogo em que o jogador não participa. Trata-se duma fraseologia que só por seguidismo ou deformação do "pensamento único" pode ser adotada: um engenheiro
calcula, avalia, especifica, propõe ou decide, realiza.
É recorrentemente proclamada
a "inovação" e a "elevada incorporação tecnológica", mas que pensar quando se
omite a ignominiosa situação a que o atual governo, agravando a
precariedade instituída por anteriores, condena os chamados
bolseiros, na realidade, investigadores seniores e doutorados, tratados como alunos,
com salários de miséria e total insegurança na vida pessoal e profissional. Quando se ignora a situação de jovens
licenciados, o seu desemprego, os salários de miséria oferecidos, inferiores aos que eram praticados há 10 ou 15 anos, conduzindo a essa criminosa
hemorragia de inteligência pela emigração.
Insiste-se na inovação e no conhecimento, em potenciar o sistema científico, mas ignora-se o drama e a decadência a que as instituições universitárias estão a ser submetidas, a redução de efetivos (alunos, docentes e não docentes) e sua desmotivação.
Esquece-se que as empresas em Portugal estão em concorrência com o estrangeiro quanto a trabalhadores qualificados. E não se
diga que não há meios, pois
a dignidade de um trabalhador pouco ou muito qualificado não é uma questão de preço. Aliás, repetidamente se reclamam "incentivos", "alívio fiscal" e "condições atrativas de captação de investimento".
Entretanto parece que é necessário "potenciar a qualificação das pessoas, assim como a sua flexibilidade e versatilidade". Seria interessante
esclarecer-se em que consiste essa flexibilidade.
Os
"clusters" são como que uma palavra mágica, repete-se há décadas, mas das mãos
dos aprendizes de feiticeiro nada sai. Ora, em vez de se importarem palavras ou conceitos mal assimilados, devia-se falar
em integração vertical da estrutura produtiva e no adensamento das ligações inter-industriais. "Clusters", termo permitido na
linguística neoliberal, obscurece as noções de estrutura produtiva (
palavra proibida no neoliberalismo) e de planeamento macroeconómico (
noção odiada pelo neoliberalismo).
Quanto aos
bens não transacionáveis, esclareça-se que nunca se tratou de nenhuma aposta,
são o resultado das privatizações e das concessões (como as PPP) de empresas e serviços públicos, estabelecendo em consequência um
enorme fator de ineficiência macroeconómica: uma
economia dominada pela finança e por monopólios. Há propostas que não deixam de ser
curiosas, com algo de risível: "programas de empreendedores e ter um guiché bem montado para analisar e apoiar propostas desafiantes". Apreciamos o "guiché bem montado"!
Fala-se em "
incentivos positivos aos altamente qualificados como os doutorados", (!),"aposta na utilização eficiente dos recursos disponíveis"; "indústria em novos moldes com uma nova visão" (?), "encontrar e construir um novo papel para a indústria"; "articulação inteligente e sustentada"; "eficiência coletiva". Pretende-se
um "Estado facilitador da iniciativa privada" e "espera-se dos decisores políticos medidas que permitam às empresas investirem, criar empregos e assegurar-lhes estabilidade e previsibilidade". Faz-nos lembrar o discurso dos chamados industrialistas nos anos 30 do século passado, nas suas
invocações e laudatório ao "Estado Novo".
Estes textos representam os pontos de vista da
camada dirigente do nosso país. É como tal que os analisamos. Trata-se de um
discurso feito de lugares comuns, ideias estereotipadas, repetidas há décadas, disfarçando a realidade com eufemismos, escamoteando as consequências de uma sociedade em que
apenas o lucro pessoal conta como medida de eficiência. São a repetição de frases feitas, próprias de sessões de formação para iniciados, mesmo abaixo do exigível para licenciados.
L. Mira Amaral, F. van Zeller e José Bancaleiro, apresentam algumas ideias positivas. Mira Amaral, insiste na necessidade de "
reindustrializar o país" num conceito mais vasto
de bens e serviços que consigamos não só exportar mas reduzir em mercado aberto as importações. Defende um novo programa de apoio á indústria focado no transacionável, apresentando um conjunto de medidas concretas de uma maneira geral válidas, como por exemplo a
revitalização dos laboratórios do Estado. O problema
é o como, com que políticas? Sabendo-se que as atuais estão
em total contradição com o que é enunciado. Afirma contudo que "os jovens não querem a proteção "falsa" (sic) da legislação, querem oportunidades para mostrar o que valem". É um exemplo típico do
discurso distorcido e fascizante da direita, jogando de forma capciosa com falsos dilemas.
F. van Zeller, chama a atenção para algumas das principais fragilidades do sistema produtivo nacional. Não deixa de ser pertinente lembrar que no que toca às
exportações o que interessa é o valor acrescentado nacional. Não sai no entanto do quadro ideológico existente, referindo a legislação laboral como um fator inibidor do investimento. Escapa-lhe que desde há uma
década os direitos laborais têm sido sucessivamente reduzidos em nome do "crescimento e do emprego". Veja-se onde chegámos. Com as atuais políticas pouco faltará para o
Estatuto Nacional do Trabalho fascista. Será este o objetivo?
Para José Bancaleiro, as pessoas são sem dúvida um investimento: "os países com maiores índices de riqueza, desenvolvimento e felicidade são os que tiveram capacidade de criar uma sociedade justa que valoriza, aproveita e desenvolve a energia e criatividade das pessoas". De acordo, porém o que adianta sobre
critérios de gestão, está nos antípodas das atuais políticas antilaborais, para as quais não exprime qualquer crítica.
Quase sem exceções, os
textos são pois confrangedoramente pobres, desligados da realidade atual e seus condicionamentos. Perpassa uma ideia central:
não chamar as coisas pelos nomes, não incomodar o poder governante e muito menos o económico-financeiro.
2 - AS CAUSAS
Uma das regras das
sociedades decadentes, tal como nos reveses militares, é que
quanto pior as coisas estão menos se deve falar nisso. Porquê a desindustrialização? A resposta revela o posicionamento que cada um assume na sociedade.
As
causas nada têm a ver com os sofismas dos "custos laborais" ou "legislação laboral", elas
radicam no domínio da coligação financeira monopolista suportada pelos partidos da troika interna.
O
domínio dos monopólios (os oligopólios são uma forma mitigada de monopólio)
é o resultado da privatização de empresas e serviços públicos. A
financeirização resulta da incapacidade do capitalismo atual na sua fase senil criar valor com taxas "atrativas" na esfera produtiva.
Paul Samuelsen foi um intransigente defensor do mercado e da economia liberal, figura central da chamada
síntese neoclássica. Vejamos algumas das suas posições que se aplicam ao
pensamento único vigente. Escrevia então:
"o laissez-faire não conduz automaticamente à concorrência perfeita, A fim de reduzir as imperfeições da concorrência deve uma
nação lutar perpetuamente e manter uma vigilância incessante" – sobre os monopólios, como detalhadamente especifica. (Uma introdução á Economia, vol. II, Ed. Gulbenkian, p 196)
Acerca do investimento: "
as fusões visam não a eficiência produtiva mas antes o controlo monopolístico dos preços". (idem, p.189) O que, por maioria de razão, se aplica às privatizações.
Acerca do
investimento público: "o facto do governo poder mobilizar capitais mais volumosos e
mais baratos que a iniciativa privada (…) torna qualquer simples comparação entre operações privadas e públicas difícil senão impossível". (idem,191). Podem dizer que isto era noutros tempos, pois, mas
nesse tempo as indústrias desenvolviam-se, o desemprego era reduzido, os direitos dos trabalhadores ainda eram reconhecidos.
"A intervenção dos poderes públicos pode
reduzir as imperfeições monopolísticas; melhorar o conhecimento imperfeito.
Aproximar mais os benefícios e custos sociais totais dos benefícios e custos privados, nesta medida
desempenhará o Estado um papel económico criador". (idem, p.340)
"A
pobreza não tem causa real, mas tão só de uma sociedade monetária intrincadamente mal atuante." (366) Que pensar então da crescente pobreza
na UE e da política do BCE?
Quando tanto se fala em eficiência é estranho que estes aspetos sejam ignorados. Samuelsen pelas suas transigências como o mercado, escapou às perseguições do senador McCarthy, mas não ao
totalitarismo neoliberal, acusando-o de simpatias comunistas (!) e
exercendo pressões nas universidades para que a sua Economics não fosse adotada. A financeirização da economia foi o outro fator crucial da desindustrialização. A visão que
sicofantas promovidos a gurus da gestão difundiram como fator de sucesso empresarial, foi
substituir a visão a longo prazo, própria da indústria, pelo ganhar o máximo possível no mais curto espaço de tempo. Os
lucros assim obtidos entraram no
circuito da especulação financeira, mesmo quando se tratasse da compra de ativos existentes. Com estes critérios foi recorrente
o fecho de empresas com encomendas e resultados positivos, pela simples razão que a taxa de lucro seria superior noutras paragens.
[2] Aos
dramas sociais daqui resultantes os governos e a trupe propagandística responsabilizaram os direitos dos trabalhadores, assumidos como privilégios.
Em Portugal, como na generalidade dos países da
UE, as estratégias do euro e da concorrência "livre e não falseada", contribuíram decisivamente para a
desindustrialização e endividamento.
[3] Na realidade,
só pode haver competição de forma consistente entre economias equivalentes, caso contrário revisite-se a fábula da panela de barro e da panela de ferro.
[4] Os
exemplos de países com moedas indexadas a países com produtividades muito maiores, são conhecidos, sendo casos típicos a Argentina e o México.
Tirar os
instrumentos de gestão do Estado para equilibrar as finanças públicas, impor critérios que conduzem à recessão ou estagnação económica,
crescente percentagem do PIB para pagar juros, deixando como margem de manobra
reduzir salários e prestações sociais, passou a considerar-se modelo de virtude orçamental.
O
capitalismo rentista tomou o lugar do investimento produtivo, aniquila a procura agregada, esmaga as MPME. Quanto mais medidas de
incentivos à "iniciativa privada" e privatizações houve, mais o investimento se reduziu e o endividamento cresceu.
A
finança bloqueia o desenvolvimento, os capitais
refugiam-se na especulação ou em paraísos fiscais, o
BCE de forma inqualificável protege tudo isto como a sua prioridade.
O
memorando da troika deve ser lido como "manual para a destruição de um país".
[5] Isto mesmo é confirmado pelo chefe da delegação da troika, que
desmente liminarmente as tiradas panglossianas do governo e da sua propaganda, ao exigir que, qualquer que seja o governo, a austeridade (isto é, os "
cortes") deve prosseguir por mais 10 ou 15 anos. Se os deixarem, claro… Um plano de
desenvolvimento económico e social implica o fim das orientações neoliberais e da financeirização da economia, adotando-se uma política antimonopolista, que representa o retorno ao que mais original havia no projeto do 25 de ABRIL de 1974.
É de facto uma questão de tomar partido:
pelo país e pelo seu povo ou pelos interesses da oligarquia monopolista e financeira.