22 comentários:
De Esquerda e novo encontro com a história. a 4 de Novembro de 2015 às 11:42
A esquerda e um novo encontro com a história constitucional

04/11/2015 por Santana Castilho*

As afirmações que se seguem são correctas no essencial, ainda que uma análise mais longa pudesse melhorá-las, com detalhes:

1.Nos 41 anos da nossa democracia, o PS suportou demasiadas vezes políticas de direita, corroendo, assim, a sua matriz ideológica.

2.Porque o PS, finalmente, resolveu fazer diferente e negociar com o PCP, PEV e BE, logo soaram as trombetas do alarme social e financeiro, sopradas pelos monopolistas do “arco da governação”.

3.A tradição de desentendimento político entre a esquerda e a acusação sistemática de que PC, PEV e BE preferiam o protesto à responsabilidade de governar, agora que parecem em vias de reversão, viraram virtude para os arautos da inevitabilidade. Assumiram-nas como garantidas e aterroriza-os a hipótese de se ter fechado esse ciclo.

Não lhe conhecemos nem a forma nem a fórmula, são muitos que não o querem, mas acredito que a esquerda portuguesa se prepara para um novo encontro com a nossa história constitucional. O que daí resultará tem risco alto e as fragilidades à partida são evidentes, como é próprio das mudanças relevantes em política. Porém, se desse encontro sair um governo de legislatura, teremos, definitivamente e sem retorno, uma outra forma de fazer política em Portugal. Ao contrário, se falhar, contemos com uma longa hegemonia da direita, reforçada pela provável maioria que conquistará em eleições antecipadas, que governará com o absolutismo que lhe conhecemos e a que juntará boa dose de previsível vingança. Antecipa-o o discurso de Cavaco Silva e a linguagem dos avençados do “ajustamento” e da doutrina do “não há alternativa”, agora em perda, mas bem patente nas televisões e na imprensa.

A evolução problemática (e pouco falada) das finanças públicas de alguns países do norte da Europa, Alemanha inclusa, poderá abrir novas janelas negociais à rigidez do Tratado Orçamental, quem sabe mesmo se à desejável discussão sobre a sustentabilidade das dívidas soberanas.
Com efeito, ao invés da relevância dada ao acordo transatlântico, (que sem sequer ter sido, ainda, assinado, já foi, pelo Presidente da República, surpreendentemente, incluído na lista das obrigações de Portugal)
pouco ou nada se disse na comunicação social sobre a 107ª sessão plenária da ONU, que “decidiu elaborar e aprovar, mediante um processo de negociações intergovernamentais, um instrumento jurídico multilateral para os processos de reestruturação das dívidas soberanas”.
Porém, enquanto essas janelas não forem abertas, é essencial cumprir o Tratado Orçamental, ainda que com políticas diferentes daquelas que, recentemente, sonegaram direitos e aumentaram as desigualdades sociais,
sendo vital que PCP, PEV e BE o aceitem e aceitem que é bem melhor ser o PS a fazê-lo que qualquer direita enraivecida.

Posto isto, recordemos o óbvio e alguns factos:
... mais do que Cavaco Silva, é António Costa quem tem, agora, o poder de decidir sobre o futuro Governo do país;
que se saiba, nenhum partido impôs ao PS, para que um Governo de esquerda seja constituído com estabilidade e apoio parlamentar, a violação de qualquer dos tratados internacionais que Portugal subscreveu, ainda que algum deles lhes não mereça concordância.

Tudo visto, o acordo que unirá a esquerda implica um equilíbrio difícil entre programas políticos diferentes e uma realidade pautada pela força dos mercados e pelo poder financeiro da ganância e da especulação.
A esquerda tem que saber suportar as influências das ondas de rumores postos a circular sobre eventuais avanços e recuos.
Tem que enfrentar um tempo mediático, dissonante do tempo necessário a negociações complexas e sérias.
Tem que resistir a discutir na praça pública aquilo que só sob reserva negocial pode terminar em compromisso entre quatro organizações políticas que, tendo propósitos comuns, têm muitas divergências sobre a forma de os conseguir.

Termos em que só a virtude da prudência se pode opor, com sucesso, ao desassossego das falanges de direita, compreensível e irremediavelmente feridas pela síndrome de Hubris (perda de contacto com a realidade, própria de governantes excessivos, que se julgam detentores da verdade única).


De Acordo mínimo contra desgoverno neoliber a 5 de Novembro de 2015 às 11:11

Expectativas

(--por Diogo Moreira, 3/11/2015, 365forte)

Estamos a assistir a um momento histórico na política portuguesa: o primeiro governo que terá o apoio de todos os partidos de esquerda, algo com que tantos sonharam e que quase foi sempre considerado impossível de se concretizar. É obra.

Mas no meio de tanta euforia merecida, convém não nos deixarmos ser apanhados pelas armadilhas da direita, que quer tanto que esta nobre iniciativa falhe. Uma dessas armadilhas é a das expectativas que estão a ser descarregadas em cima de todos os partidos de esquerda, mas que não têm razão de ser. Falamos da ideia de que o PCP ou o Bloco iriam integrar o governo, ou que o acordo tem de ter a solidez para uma legislatura inteira. Ambas essas expectativas são erradas e contra-producentes.

Se a hipótese 'Governo de Esquerda' não tivesse surgido, o mais natural era termos um governo a prazo da direita, que o PS viabilizaria a contra-gosto. Este governo seria muito instável, e o expectável era que houvesse novas eleições em 2016, ou 2017. Ninguém esperaria que esta legislatura durasse quatro anos, e tal deve-se ao resultado das eleições de Outubro, a coligação mais votada não possui apoio maioritário no Parlamento. Esta situação não se alterou com a existência de uma maioria de esquerda, que está disposta a viabilizar um governo alternativo à direita, para impedir a continuação da desgraça social e económica do nosso país.

O 'Governo de Esquerda' é um governo de necessidade, um governo que visa reverter o mal que nos foi feito nos últimos quatro anos, e repor o nosso país na senda do desenvolvimento económico e social. E para este imperativo nacional, o PS, o Bloco e o PCP quebraram as barreiras que os separaram em tantos assuntos. Mas não nos deixemos cair da armadilha da direita, isto não é uma coligação de governo. Nunca o foi. Isto é, nas sábias palavras de Pacheco Pereira um "acordo minímo", que visa impedir a direita de continuar a destruir o nosso país. Um objectivo glorioso, que é de saudar.

Neste contexto, é natural que o Bloco e o PCP não tenham presença governativa, porque o programa de governo não será o fundir de três perspectivas tão diversas. Será antes uma versão do programa do PS expurgado do que os outros dois partidos consideram inaceitável. E isto faz toda a diferença. Este tipo de apoio tenderá a ser instável, como a do PS à direita já seria, e será normal que este governo não aguente a legislatura inteira, como o da direita já não aguentaria.

Em 2016 ou 2017 poderemos vir a ter novas eleições. É expectável que assim sim seja.


Comentar post