Os trabalhadores que paguem a si próprios (-por J. Gusmão, 24.9.14, Ladrões de B.)
Parece que a CIP já "admite" (sic) uma subida do salário mínimo para os 505 euros, mas sublinha que estes acréscimos têm de ser "compensados". Os representantes dos patrões querem uma descida da TSU para "compensar" o aumento "principesco".
Na mesma notícia recorda-se que, já em 2010, o aumento do salário mínimo foi "compensado" com uma redução de um ponto percentual na TSU (taxa social única, para a segurança social). A linguagem e raciocínio das nossas elites são todo um programa, que merece ser escrutinado:
1. Em primeiro lugar, aquilo a que se chama o "aumento do salário mínimo" é, na realidade, menos do que uma actualização. Mesmo que o comparemos a anos de referência mais recentes (2007 ou 2011), os valores em debate não chegam a repor o poder de compra perdido;
2. Nesse sentido, não se percebe porque é que os patrões hão-de ser compensados pela actualização do salário mínimo, ou mesmo, por um aumento real que acompanhasse o aumento da produtividade, como tanto têm pregado os economistas liberais.
3. A "compensação" que exige a CIP para "admitir" a menos-do-que-actualização do salário mínimo consiste na mobilização de recursos da segurança social, ou seja, da reforma, para pagar o salário actual. O trabalhador paga com a sua reforma a actualização do seu salário. Paga a si próprio. O saldo de tudo isto é uma redução real do salário mínimo associada a uma redução nominal da reforma futura.
4. Esta operação serve ainda dois propósitos políticos: (a) antecipa rendimento da reforma futura para o salário actual, (minora a miséria actual aumentando a miséria futura) e puxa ligeiramente pela procura actual à custa do Sistema de Segurança Social e (b) dá mais um contributo activo (com tantos outros) para a descapitalização da segurança social que continuará, claro, a ser atribuída a "factores demográficos".
Isto sem entrar noutros dossiers como a contratação colectiva ou as horas extra, que governo e patronato já prometeram por em cima da mesa como moeda de troca, sempre no espírito da "compensação": se os trabalhadores não quiserem continuar a perder (tanto) salário terão de perder direitos. Se for esta a proposta final, só espero que tenhamos unidade sindical na sua rejeição. A ver vamos...
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Anónimos:
-- Vemos, não sem surpresas, alguns vociferarem contra o salário mínimo. Estes avanços civilizacionais são uma chatice. Sobretudo se são exactamente os mesmos que justificavam a fuga aos impostos do soares dos santos e a gestão de topo dos banqueiros e coisas afins. Ora vamos lá a colocar os pontos nos is.
-- Alguém fala em "produtividade" da forma superficial (e com manha?) a que nos habituou a imprensa fidelizada que repete as atoardas governamentais (que por sua vez replicam os desejos do grande patronato). É bom lembrar um post de Ricardo Paes Mamede (que devia ser repetido até à exaustão): http://ladroesdebicicletas.blogspot.pt/2013/02/pela-n-esima-vez-produtividade-do.html
-- Quanto às "apressadas" tiradas sobre a segurança social e o véu nebuloso que cobre as negociatas do neoliberalismo em curso. Ou o silêncio (provavelmente da falta de memória que agora acomete os desbragados troikistas) das transferências dos fundos de pensões e outras jogadas próprias de telenovelas de baixo-nível: http://www.eugeniorosa.com/Sites/eugeniorosa.com/Documentos/2012/STI-Viseu.pdf
SALÁRIO MÍNIMO, A HUMILHAÇÃO DE QUEM TRABALHA NO DURO
– por Mário de Oliveira, a viagem dos argonautas,
By carlosloures / 25/9/ 2014
Dos míseros 485 euro brutos/mês em que se manteve alguns anos, o salário mínimo de quem trabalha no duro, 40 horas por semana ou mais, sobe em Outubro próximo para os míseros 505 euro brutos/mês.
A decisão foi tomada por este governo PP/PSD, com o acordo entusiasta de uma central sindical zeladora dos interesses do grande capital explorador.
Precisamente, no mesmo dia em que o novo seleccionador de futebol de Portugal, o senhor eng.º Fernando Santos, foi apresentado ao país, com honras de abertura nos telejornais nacionais, com um salário mínimo de 100 mil euro/mês,
de acordo com notícia de um matutino de Lisboa, que não foi desmentida pela respectiva Federação.
Façam as contas e vejam quantos anos têm de trabalhar no duro, 40 horas por semana ou mais, os trabalhadores, elas e eles, por conta de outrém,
para apurarem o equivalente ao salário mínimo de um mês do seleccionador nacional de futebol.
Bastaria isto para vermos quanto o aplaudido regime democrático é bem o pior de todos os regimes.
Só não se percebe porque há-de acrescentar-se a esta definição, aquela frase, “à excepção de todos os outros”. Quais?!
Os países da Europa e do Ocidente bem podem orgulhar-se, mas para sua vergonha, de serem países civilizados e de raízes cristãs!
E depois digam que a escravatura foi extinta e que Portugal foi um dos primeiros a fazê-lo.
Somos cínicos incorrigíveis e ainda nos orgulhamos.
Mas por que razão há-de um profissional de futebol, jogador ou treinador, ter um salário mínimo que lhe garante num ano, o que os trabalhadores no duro das empresas não auferem em toda a sua vida laboral?
Onde está a igualdade entre seres humanos?
Onde a dignidade do trabalhador por conta de outrém?
Pode falar-se de dignidade do trabalho, quando este está na continuidade do “tripallium”, o instrumento de tortura dos antigos escravos?
Evoluímos, ou regredimos?
O que nos distingue dos antepassados da idade da pedra?
As tecnologias com as quais nos manipulam e oprimem?
Podemos dizer-nos humanos, enquanto o nosso ser-viver colectivo não for organizado ao modo dos vasos comunicantes?
Haja pudor.
Tanta e tão grande degradação humana social não se extingue, só porque somos escravos com telemóvel!
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Hoje a relação empresário /operário, funcionário, quadro ou trabalhador, não tem dignidade alguma.
A teoria apresentada no texto vai na direcção da exploração, que Garrett falou vai para 300 anos, dizendo estar contra essa forma de se chegar a rico, o que lamento por continuar.
Vejamos, na última ocncertação social Governo decretou aumento da carga horária e diminuição do saláro.
Resultou daqui que Economistas, empresários, antigos Ministros exultaram.
Ora eu chamo a isto desumanidades …
.JBS
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Cada pessoa deve ser capaz de poder viver do trabalho de suas mãos, é o principal argumento: qualquer outra coisa seria violar a dignidade humana.
Mais e mais pessoas são incapazes de viver do seu trabalho
... (através de subsídios estatais, "bancos alimentares" e caridade) ... o contribuinte está a subsidiar o “DUMPING SALARIAL” das empresas. ... tendo os trabalhadores de baixos salários e por conta de outrem de procurar aumentar o pouco dinheiro que ganham, através de trabalhos extra ou do trabalho ilegal.
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Meios para parar a concorrência indesejada
Os maiores candidatos são as agências de trabalho temporário, serviços de cuidados de saúde de longa duração e serviços de segurança . Os seguranças de instalações ganham entre 4 e 12 euros por hora, dependendo do seu nível de formação e em que parte da Alemanha é que estão a trabalhar. Em particular, as empresas têm medo da abertura do mercado alemão aos empregados dos novos estados membros da UE depois de 2009: trata-se de pessoas que irão trabalhar por tão pouco como € 1,50 por hora. Assim, os salários mínimos são também uma forma de manter ou colocar a concorrência desleal fora do mercado. E cerca de 10 euros por hora para os carteiros ocidentais alemães, homens e mulheres: este requisito obrigou os novos rivais de Deutsche Post, a perder.
Colaboradora é a tua tia!
Quando explodiu a crise, a palavra “colaborador” já andava na boca de muito empreendedor, mas com a aceleração da degradação do trabalho, deu-se o “boom”
(-João Camargo • 26/09/2014 -p3.publico.pt)
O plano é evidente:
desmantelar o campo do trabalho organizado, da organização dentro dos locais do trabalho,
desenraizar as pessoas do trabalho que fazem, individualizá-las,
desestruturar a sua vida pessoal, obrigá-las a estar sempre disponíveis para trabalhar, pagar-lhes (se não se puder evitá-lo) quando calha e à peça, tudo o que for preciso para que o salário vá para o fundo, para que o bico fique calado,
para que o medo, o ódio e a chantagem sejam as principais relações num trabalho.
E para que o plano ocorra com o mínimo de percalços possível, que coisa melhor do que um pouco de psicologia inversa?
Se querem mudar o trabalho, a primeira coisa a fazer é mudar o nome do principal agente no trabalho que é, como o próprio nome sugere, o trabalhador.
Para a coisa parecer benéfica, o trabalhador passa a ser colaborador.
Parece bem. Estamos a trabalhar para outrem, dando-lhe a ganhar lucro por uma fatia reduzida desse mesmo lucro, a que chamamos salário.
Mas se em vez de dizer que estamos a trabalhar, dissermos que estamos a colaborar, parece que estamos a outro nível, que estamos mais alto, em parceria, distribuindo tarefas para um mesmo objectivo final.
Quase que nos podiam chamar “sócios”. É esperar algum tempo.
Claro que não é de esperar um aumento de salário com a transição de trabalhador para colaborador. Às vezes até é bem ao contrário.
Somos promovidos no nome e despromovidos na remuneração.
O caso dos colaboradores prestadores de serviço mostra como a distância linguística entre a aparente independência laboral e a dependência económica não poderia ser mais evidente.
Começa nas faculdades, principalmente de Economia e Gestão.
A primeira transição mercantilizou linguisticamente os trabalhadores, renomeando-os de “recursos humanos”.
Recurso é para explorar, sempre. Mais claro não podia ser.
Mas dos recursos humanos para os colaboradores, adoça-se a boca e até parece uma promoção.
Só que enquanto o nome promovia o trabalhador, as condições de trabalho degradavam-se através da precarização que, tão chique, se chamava de flexi (tão sexy) e segurança.
Enquanto aumentava o investimento em melhoria dos estudos em Economia, Gestão de Empresas, “Recursos” “Humanos”, os recém-formados gurus da organização daqueles antigos trabalhadores, transformavam as pessoas cada vez mais em recursos, e cada vez menos em humanos.
Já eram até "capital humano".
Quando explodiu a crise, a palavra “colaborador” já andava na boca de muito empreendedor, mas com a aceleração da degradação do trabalho, deu-se o “boom”.
É que quanto piores são as condições de vida das pessoas, maiores têm de ser as mentiras para mantê-las silenciosas.
E é por isso que hoje nos é solicitado, em vez de trabalharmos, que colaboremos.
Parece muito menos coercivo e exploratório e até podemos de vez em quando enganar-nos quando vamos trabalhar, achando que temos uma posição que não é aquela da pessoa que faz mais e recebe menos.
Como o Orwell ilustrou tão bem no “1984”, as palavras importam.
E tal como pedir desculpa não é demitir-se, colaborador não é trabalhador. É pior.
É nem reconhecer por inteiro o nosso trabalho que faz as coisas funcionar.
Por isso, da próxima vez que o teu patrão, que te paga 500 ou 600 euros por mês para trabalhar numa empresa que dá lucro, se dirigir a si falando da “nossa colaboradora”, diz, nem que seja para ti própria:
“Colaboradora é a tua tia!” — vais ver que te sentes logo menos colaboracionista.
http://p3.publico.pt/actualidade/economia/13867/colaboradora-e-tua-tia
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