Sábado, 06.09.14

A Economia Política do Ébola       (-por L. Phillips, 2/9/2014, trad. de A. Bento para esquerda.net)

O ébola é um problema que não vai ser resolvido porque não é lucrativo fazê-lo. Precisamos de uma campanha para destruir as doenças não lucrativas, defende o autor.

A nossa rápida explicação é que se as pessoas infectadas com ébola fossem brancas o problema seria resolvido. Mas o papel do mercado - quer na recusa das empresas farmacêuticas em investir na investigação, quer nas condições no terreno criadas por políticas neoliberais que exacerbam e até encorajam estes surtos – não é referido.

  O racismo é certamente um factor. Jeremy Farrar, um especialista em doenças infecciosas e director da Wellcome Trust, uma das maiores organizações benevolentes de investigação médica, disse à Toronto Star: “Imaginem uma região do Canadá, da América ou da Europa em que ocorresse a morte de 450 pessoas em consequência de uma febre hemorrágica viral. Seria simplesmente inaceitável – e é inaceitável na África Ociedental.”

   Ele mencionou o caso de uma vacina do ébola desenvolvida pelo Canadá que foi fornecida numa situação de utilização de emergência a um investigador alemão em 2009 após um acidente no laboratório. “Moveram-se os céus e a terra para apoiar um técnico de laboratório alemão. Por que é que aqui diferente? Porque se trata da África Ocidental?”  Mas o ébola é um problema que não está a ser resolvido porque quase não se arranja dinheiro para tal. É uma doença não lucrativa.

   Morreram cerca de 2400 pessoas desde que o ébola foi identificado pela primeira vez em 1976. As principais empresas farmacêuticas sabem que o mercado para lutar contra o ébola é diminuto enquanto que os custos para desenvolver o tratamento são significativos. Numa base meramente quantitativa, alguns poderiam alertar (talvez com razão) contra o direccionar em demasia para esta doença que mata muito menos gente do que, por exemplo, a malária (morreram 300 mil desde o começo da epidemia do ébola) ou a tuberculose (600 mil).

   No entanto, as restrições económicas que atrasam os progressos no desenvolvimento do tratamento do ébola também explicam por que as empresas farmacêuticas resistem em desenvolver o tratamento dessas doenças assim como de muitas outras.

    Na última década viu-se um enorme avanço na investigação das terapias para o ébola, geralmente no sector público ou em pequenas empresas biotecnológicas com significativo financiamento público, com uma variedade de opções de tratamento em cima da mesa incluíndo produtos com base em ácidos nucleicos, terapias de anticorpos e uma série de vacinas candidatas – cinco das quais protegeram com sucesso primatas não humanos contra o ébola.

    Anthony Fauci, o director do National Institute of Allergy and Infectious Diseases, tem dito nos últimos dias na imprensa a todos os que o quiserem ouvir, que uma vacina do ébola estaria muito próxima – se não fossem os gananciosos interesses corporativos.  “Temos estado a trabalhar na nossa própria vacina do ébola, mas nunca conseguiríamos nenhuma aquisição por parte das empresas,” disse à USA Today.  “Temos uma candidata, colocamo-la em macacos e parece boa, mas o incentivo por parte das empresas farmacêuticas para desenvolver uma vacina que trata pequenas epidemias de trinta em trinta ou de quarenta em quarenta anos… bem, não é lá grande incentivo!”, disse à Scientific American.

   Quase todos os que estão familiarizados com a questão dizem que o know-how existe. Só que as epidemias são tão raras e afectam tão poucas pessoas para que valha a pena, isto é, que seja lucrativo, para as empresas farmacêuticas desenvolvê-la.

   “Estas epidemias afectam as comunidades mais pobres do planeta. Embora criem uma incrível agitação, são acontecimentos relativamente raros,” disse à Vox Daniel Bausch, o director do emergente departamento de infeccções da Naval Medical Research Unit Six (NAMRU-6), um laboraório de investigação biomédica em Lima, no Peru. “Assim, se se olhar para o interesse das empresas farmacêuticas, não há um grande entusiasmo em levar um medicamento do ébola pelas fases um, dois e três de uma experiência e fazer uma vacina do ébola que talvez umas poucas dezenas ou centenas de milhares de pessoas venham a usar.”

    John Ashton, presidente da Faculdade de Saúde Pública do Reino Unido, escreveu um vivo artigo de opinião no Independent acusando “o escândalo do desinteresse da indústria farmacêutica em investir na pesquisa em produzir tratamentos e vacinas, algo que ela se recusa em fazer porque os números envolvidos são, segundo as suas palavras, tão pequenos que não justificam o investimento. É a falência moral do capitalismo a agir na ausência de uma moldura ética e social, concluiu.

     Esta situação não é única para o ébola. Durante trinta anos, as grandes empresas farmacêuticas recusaram-se a fazer investigação em novas classes de antibióticos. Devido a este “vazio de descobertas” os clínicos prevêem que dentro de vinte anos fiquemos totalmente sem medicamentos eficazes contra infecções de rotina. Muitas técnicas e intervenções médicas introduzidas desde os anos 40 dependem de um fundamento de protecção antimicrobiana. Os ganhos em expectativas de vida que a humanidade experimentou durante este tempo dependem de muitas coisas, mas certamente não teriam sido possíveis sem os antibióticos. Antes do seu desenvolvimento, as infecções com bactérias eram uma das causas de morte mais comuns.

Em Abril, a Organização Mundial de Saúde emitiu pela primeira vez um relatório referindo a resistência aos micróbios em todo o mundo, encontrando “níveis alarmantes” de resistência bacteriana. “Esta séria ameaça já não é uma predição para o futuro, mas está a acontecer neste momento em todas as regiões do mundo e tem o potencial para afectar toda a gente, de qualquer idade, em qualquer país,” avisou o corpo de saúde das Nações Unidas.

    A razão disto é simples, como as próprias companhias admitem: simplesmente não faz sentido para as empresas farmacêuticas investir cerca de $870 milhões (ou $1.8 biliões tendo em conta os custos de capital) por medicamento aprovado pelos reguladores num produto que as pessoas só usam uma mão cheia de vezes na sua vida quando têm uma infecção, comparado com investir a mesma quantia no desenvolvimento de medicamentos altamente lucrativos para doenças crónicas como a diabetes ou o cancro que os doentes têm que tomar diariamente, muitas vezes para o resto da vida.

    Todos os anos nos EUA, de acordo com os CDC (Centros de Controlo e Prevenção da Doença) cerca de dois milhões de pessoas são infectadas com bactérias resistentes aos antibióticos. Em resultado disso, 23 mil morrem.  Vemos uma situação idêntica com o desenvolvimento das vacinas. Há décadas que as pessoas compram medicamentos para a asma ou insulina, por exemplo, enquanto que as vacinas habitualmente só precisam de uma ou duas tomas uma vez na vida.  Há décadas que muitas empresas farmacêuticas abandonaram não só a investigação e o desenvolvimento de vacinas mas também a produção, de tal modo que em 2003 os Estados Unidos começaram a sentir escassez de muitas das vacinas para a infância. A situação é tão grave que os CDC têm um site público que dá conta da escassez e dos atrasos correntes em vacinas.

    Mas pelo menos, com respeito ao ébola onde o mercado se recusa em prover, o departamento de defesa sente-se à vontade para intervir e afastar os princípios do mercado livre no interesse da segurança nacional.

    O virologista Thomas Geisbert do Ramo Médico da Universidade do Texas em Galveston falou à Scientific American sobre a sua esperança na vacina VSV uma das opções mais promissoras contra o ébola: estamos a tentar arranjar financiamento para fazer os estudos humanos … mas depende de facto do apoio financeiro às pequenas empresas que desenvolvem estas vacinas. Os estudos humanos são caros e necessitam de dólares do governo. Com o ébola há um pequeno mercado global, não há um grande incentivo para uma grande empresa farmacêutica fazer uma vacina contra o ébola e por isso vai ser preciso financiamento governamental.

William Sheridan, o médico director da BioCryst Pharmaceuticals, que desenvolveu a droga anti-viral experimental BCX4430, descreve assim a difícil situação financeira que enfrenta a investigação e o desenvolvimento do tratamento do ébola: “Simplesmente não faria um corte numa grande empresa.”

   Mas para uma pequena empresa como a sua, o governo federal apoiou a investigação e prometeu comprar as provisões de medicamentos anti-ébola como medida preventiva contra o bioterrorismo. A BCX4430 também é desenvolvida em cooperação com o Instituto de Pesquisa Médica para Doenças Infecciosas do Exército dos EUA (US Army Medical Research Institute for Infectious Diseases (USAMRIID). “Há um mercado e o mercado é o governo dos Estados Unidos”, disse à NPR.

    O  USAMRIID, juntamente com a Agência para a Saúde Pública do Canadá, também está a apoiar o desenvolvimento do ZMAPP, um soro de anticorpos monoclonais, por uma pequena empresa biotecnológica, a MAPP Biopharmaceutical em San Diego, o qual foi administrado a semana passada a dois médicos americanos, Kent Brantly e Nancy Writebol, a trabalhar com o grupo missionário evangélico cristão Samaritan’s Purse.  Os dois tinham adoecido na Libéria quando cuidavam de pacientes infectados com o vírus ébola. O estado de Brantley tinha-se deteriorado rapidamente e tinha telefonado à sua mulher a despedir-se. Uma hora depois de Brantley ter recebido o soro experimental o seu estado tinha mudado de forma evidente, com a melhoria da respiração e o fim da irritação na pele.

   Na manhã seguinte foi capaz de tomar duche sozinho e quando chegou aos Estados Unidos depois de ter sido evacuado da Libéria, foi capaz de descer da ambulância sem ajuda. Igualmente, Writebol está “de pé e a andar” depois da sua chegada a Atlanta procedente da capital liberiana.

Devemos ser extremamente cautelosos quanto a tirar conclusões deste desenvolvimento, afirmando que este medicamento curou os missionários. Temos uma amostra de apenas dois nesta “experiência clínica” sem grupos cegos ou de controlo. O medicamento nunca tinha sido testado até ao momento em seres humanos por segurança e eficácia. E como em qualquer doença, uma certa percentagem de doentes melhoram por si. Não sabemos se o ZMapp foi a causa da evidente recuperação. Não obstante, não é descabido afirmar que este acontecimento é uma grande esperança.

   Dois dos anticorpos ZMapp foram originalmente identificados e desenvolvidos por investigadores no Laboratório Nacional de Microbiologia em Winnipeg e em Defyrus uma “empresa de biodefesa das ciências da vida” em Toronto com financiamento do Canadian Safety and Security Program of Defence R&D Canada. O terceiro anticorpo na mistura foi produzido por Mappbio em colaboração com o USAMRIID, os Institutos Nacionais de Saúde e a Agência de Defesa de Redução de Ameaças. As empresas associaram-se com a Kentucky Bioprocessing em Owensboro, uma firma produtora de proteinas que foi comprada no início deste ano pela empresa-mãe da RJ Reynolds Tobacco, para fazer pharming nas plantas de tabaco carregadas de anticorpos.

   Ao saber-se do papel do Pentágono e da instituição de defesa do Canadá, alguns deram um salto para as teorias da conspiração. Com efeito, ZMapp parece ser uma tempestade perfeita de uma nemésis popular: OGMs, Big Tobacco, Pentágono e injecções que se parecem um pouco com vacinas!

Mas o financiamento do Departamento de Defesa não deve ser visto como maléfico. Antes, é clara a superioridade do sector público como guardião e motor da inovação.

    No entanto, nem todas as doenças não lucrativas são sujeitos de preocupação pelo bioterrorismo dos coronéis. E por que havia o sector privado de agarrar as condições lucrativas e deixar as não lucrativas para o sector público?

Se, devido ao seu imperativo de busca do lucro, a indústria farmacêutica é estruturalmente incapaz de produzir esses produtos de que a sociedade precisa, e o sector público (neste caso debaixo da capa militar) tem consistentemente de cobrir as falhas deixadas por esta falha do mercado, então este sector tem de ser nacionalizado, permitindo que as receitas dos tratamentos lucrativos subsidiem a investigação, desenvolvimento e produção de tratamentos não lucrativos.

    Em tal situação, não teríamos sequer que discutir se a prevenção da malária, do sarampo ou da poliomielite merece uma maior prioridade; podíamos apontar ao mesmo tempo para os grandes nomes e para as doenças negligenciadas. Não há garantia que abrir a torneira do financiamento público produza imediatamente um resultado positivo, mas neste momento, as empresas farmacêuticas privadas nem sequer estão a tentar.

    Isto é precisamente o que se quer dizer quando os socialistas falam de o capitalismo ser um entrave no desenvolvimento posterior das forças produtivas. A nossa preocupação aqui não é meramente que a recusa da Big Pharma em se envolver em doenças tropicais esquecidas, em vacinas e em antibióticos R&D seja grosseiramente imoral ou injusto, mas que a produção de uma potencial quantidade de novos produtos e serviços que possam trazer benefícios para a nossa espécie e expandir a esfera da liberdade humana estejam bloqueados devido à letargia do mercado livre e à escassez de ambição.

    É vital concentrar a atenção numa vacina ou em medicamentos. Mas fazer isso sem também prestar atenção à deterioração da saúde pública e das infraestruturas gerais ao longo da África Ocidental e às condições económicas que contribuem para a probabilidade de epidemias de doenças zoonóticas como o ébola é como usar um balde para esvaziar a água de um barco roto que se está a afundar.

   O filogeógrafo e ecologista Rob Wallace descreveu bem como a disputa neoliberal estabeleceu as condições ideais para a epidemia. A Guiné, a Libéria e a Serra Leoa são alguns dos países mais pobres do planeta, ficando nos 178º, 174º e 177º lugares entre os 187 países no Indice do Desenvolvimento Humano das Nações Unidas.   Se tal surto ocorresse nos países do norte da Europa, por exemplo, nos países com algumas das melhores infraestruturas de saúde do mundo, a situação teria mais probabilidades de ser contida.

    Não é apenas a inexistência de hospitais de campo, a falta de práticas de higiene apropriada nos hospitais existentes, a ausência de unidades de isolamento e um quadro limitado de profissionais de saúde altamente treinados capazes de seguir todas as pessoas que possam ter estado expostas e isolá-las. Ou que melhores cuidados de apoio sejam uma condição vital para melhores resultados, qualquer que seja o tratamento disponível. A propagação da doença também foi exacerbada por um tremendo afastamento das estruturas governamentais básicas que, de outro modo, seriam capazes de mais eficazmente restringir movimentações, gerir dificuldades logísticas e coordenar-se com outros governos.

    Daniel Bausch, epidemiologista e especialista em doenças infecciosas, que trabalhou em missões de investigação perto do epicentro do actual surto, descreve num artigo publicado em Julho no jornal da Public Library of Science Neglected Tropical Diseases (Doenças Tropicais Esquecidas) como “testemunhou este “contra-desenvolvimento em primeira mão”; em cada viagem de volta à Guiné, em cada longa viagem de carro de Conakry à região da floresta, as infraestruturas pareciam cada vez mais deterioradas – a estrada que tinha sido pavimentada estava pior, os serviços públicos eram menos, os preços mais altos  e a floresta mais desbastada.”

     Wallace refere que aqui, tal como em muitos países, uma série de programas de ajustamento estrutural foram encorajados e aplicados por governos ocidentais e por instituições financeiras internacionais que exigem a privatização e a contracção de serviços governamentais, a remoção de tarifas enquanto o agro-negócio do norte continua subsidiado e uma orientação no sentido de as colheitas irem para exportação à custa da autosuficiência alimentar. Tudo isto leva à pobreza e à fome e, por sua vez, à competição entre a comida e as colheitas para exportação para a capital; a terra e as produções agrícolas que levam a uma cada vez maior consolidação da posse da terra, em especial por companhias estrangeiras que limitam o acesso dos pequenos agricultores à terra.

    O ébola é uma doença zoonótica, o que significa uma doença que se espalha dos animais para os humanos (ou vice versa). Cerca de 61% das infecções humanas ao longo da história foram zoonóticas, desde a gripe à cólera ou o HIV.   O único maior factor que leva ao crescimento em novas patogenias zoonóticas é o maior contacto entre humanos e a vida selvagem, muitas vezes pela expansão da actividade humana na selva. À medida que as forças de ajustamento estrutural forçam as pessoas a sair do campo, mas sem isso ser acompanhado com oportunidades de emprego na cidade, Wallace refere que elas mergulham “no interior da floresta para se expandirem no território, para alargar as espécies de animais caçados, para encontrar madeira para produzir carvão e nas minas para extrair minerais, aumentando o seu risco de exposição ao virus do ébola e outras patogéneses zoonóticas nestes cantos remotos.”    Como Bausch refere:   “Factores biológicos e ecológicos podem levar à emergência do vírus da floresta, mas claramente a paisagem sociopolítica dita para onde ele vai daí, um ou dois casos isolados ou uma grande e prolongada epidemia.”

  Estes resultados são a consequência previsível de desenvolvimento crescimento não planeado, ao acaso, em áreas que se sabe serem a origem da propagação zoonótica e sem o tipo de apoio infraestrutural  e valores igualitários que permitiram, por exemplo, a eliminação da malária da América do Sul depois da II Grande Guerra pelos CDC numa das suas primeiras missões.

   Nestes poucos meses que passaram o pior surto de ébola na história expôs a falência moral do nosso modelo de desenvolvimento farmacêutico. A luta pela assistência de saúde pública nos Estados Unidos e a luta aliada contra a privatização da assistência médica noutros sítios no ocidente sempre tem sido uma meia batalha. O objectivo de tais campanhas só pode verdadeiramente ser atingido quando se montar uma nova campanha: reconstruir a indústria farmacêutica internacional como um serviço do sector público assim como atingir as políticas neoliberais mais vastas que minam indirectamente a saúde pública.

     Podíamos ir buscar inspiração aos grupos activistas do HIV/SIDA do fim dos anos 80/princípio dos anos 90 como o ACT UP e o Treatment Action Group e nos anos 2000, a Campanha Acção de Tratamento da África do Sul que combinava acção directa e desobediência civil contra as empresas e contra os políticos, com uma compreensão cientificamente rigorosa da sua condição.   Mas desta vez, precisamos de uma campanha mais vasta e global que cubra não apenas uma doença, mas a panóplia de falhas do mercado quanto a desenvolvimento de vacinas, vazio de descoberta de antibióticos, doenças tropicais negligenciadas e todas as doenças esquecidas da pobreza. Precisamos de um activismo do tratamento com base na ciência que tem o objectivo estratégico, ambicioso, mas alcançável da conquista democrática da indústria farmacêutica.  Precisamos de uma campanha para destruir as doenças não lucrativas.



Publicado por Xa2 às 08:51 | link do post | comentar | comentários (7)

Domingo, 31.08.14

O que é o Ébola?

O Ébola é um dos dois vírus pertencentes à família Filoviridae (o outro é o vírus Marburgo) e que tem por característica a ocorrência de febre hemorrágica. Os surtos surgem normalmente em aldeias remotas da África central e ocidental, junto a florestas tropicais. Neste momento, o vírus do Ébola existe no continente africano, mas já houve casos nas Filipinas e na China.

De acordo com a Organização Mundial da Saúde (OMS), a infeção pelo vírus Ébola pode assumir diversos sintomas: febre, dores musculares, dores de cabeça e de garganta, fraqueza e vómitos. No seu estágio inicial, pode ser difícil diferenciar o diagnóstico da doença, já que alguns dos sintomas iniciais são semelhantes aos da malária, febre tifóide e disenteria. A estes sucedem-se a insuficiência renal e hepática e as hemorragias internas e externas.

O período de incubação da doença varia entre os dois e os 21 dias e o grau de sobrevivência é muito baixo, variando entre os 10% e os 30% nos surtos verificados no continente africano.

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A OMS e o Centro para a Prevenção e Controlo de Doenças (CPCD) disponibilizam fichas sobre a doença. No site do CPCD é possível ainda consultar relatórios sobre os anos posteriores a 2000 em que se registaram surtos de Ébola, bem como uma cronologia onde são apresentados todos os surtos desde que a doença foi descoberta. É possível ainda acompanhar os relatórios publicados semanalmente sobre a evolução do atual surto.

O vírus do Ébola foi descoberto em 1976, depois de se registarem dois surtos da doença na cidade de Nzara, no Sudão, e em Yambuku, na República Democrática do Congo, junto ao rio Ébola, que deu nome à doença. Supõe-se que o vírus já exista há muito tempo noutras espécies — sendo conhecida a sua prevalência em várias espécies de macacos e morcegos, tendo apenas sido registada a sua migração para o homem na década de setenta.

Os surtos que fizeram mais vítimas mortais registaram-se na República Democrática do Congo, em 1976 (280 mortos), 1995 (250 mortos), 2002 (128 mortos) e 2007 (187 mortos), no Sudão (151 mortos), em 1976, e no Uganda em 2000 (224 mortos). De acordo com os dados da Organização Mundial de Saúde, desde que o vírus foi descoberto, já morreram 1548 pessoas (não contando com o número de mortos já resultante do atual surto).

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O vírus do Ébola é transmitido através do contacto direto com sangue, urina ou fluidos corporais de pessoas infetadas, como o suor ou saliva. No caso dos homens que sobrevivem à fase aguda da doença, esta pode ser transmitida através do sémen até sete semanas após a recuperação. Os rituais fúnebres das vítimas podem representar também um risco elevado, pelo contacto com o cadáver, o que é comum nas comunidades africanas.

Animais infetados também podem transmitir o vírus aos seres humanos, em particular os macacos e os morcegos da fruta, já que são espécies portadoras do vírus. A OMS recomenda que se evite o consumo da carne crua desses animais.

Nos hospitais e nos centros de saúde o risco de transmissão também é elevado, especialmente se não forem tomadas as devidas precauções como a utilização de máscaras, óculos de proteção, batas e luvas.

Existe, mas por enquanto apenas para chimpanzés. Em maio deste ano foi publicado um artigo na revista norte-americana Proceedings of the National Academy of Sciences, onde uma equipa de cientistas da Universidade de Cambridge, no Reino Unido, testou com sucesso em seis chimpanzés uma vacina que tinha sido desenvolvida primeiro para humanos, mas sem autorização para ser testada em pessoas.

A vacina fez com que os chimpanzés produzissem anticorpos contra o vírus Ébola. Esses anticorpos foram depois testados em ratinhos que tinham sido previamente infetados e verificou-se que os anticorpos evitaram a morte de 30% a 60% dos ratos.

Poderá estar disponível em 2015 um vacina preventiva contra o ébola, que deverá passar à fase de ensaios clínicos em setembro. De acordo com as declarações do diretor do Departamento de Vacinas e Imunização da Organização Mundial de Saúde à rádio francesa RFI, em setembro devem avançar os ensaios clínico da vacina que está a ser desenvolvida no laboratório britânico GSK, primeiro nos Estados Unidos e depois num país africano, uma vez que é em países do continente Africano que têm surgido casos.

Oficialmente, não. Mas um “tratamento milagroso” aplicado em dois doentes infetados pelo vírus Ébola veio trazer dar uma nova esperança à ciência. Kent Brantly, de 33 anos, e Nancy Writebol, de 59, dois missionários norte-americanos receberam um tratamento, nunca antes aplicado em seres humanos, e já saíram do hospital. Foi testado apenas em macacos e os resultados obtidos foram surpreendentes: dos oito animais testados, seis sobreviveram à infeção.

O medicamento chama-se ZMapp e consiste numa solução de anticorpos. Estes foram obtidos da seguinte forma: o sistema imunitário de cobaias expostas a um vírus desenvolve anticorpos específicos contra ele. Os glóbulos brancos que os produzem (linfócitos) são isolados em laboratório e multiplicados por processos de cultura celular. Neste caso, foram separadas três linhas celulares (clones ou “famílias” de células) que produziram anticorpos específicos muito eficazes contra o Ébola. Estes três anticorpos, reunidos numa solução única, são a base deste “super medicamento”.

Apesar de Kent e Nancy terem recebido alta, ainda existem muitas dúvidas sobre o ZMapp, o fármaco que constitui agora uma esperança para a cura do surto do Ébola. E também sobre o que agora acontece aos que recuperaram. Aqui poderá encontrar algumas questões, levantadas pela CNN, que o Observador decidiu recuperar.

Enquanto não se encontra uma cura “oficial”, o tratamento limita-se à manutenção dos níveis de oxigénio no sangue, do controlo da pressão arterial e dos níveis de hidratação, seja através da ingestão de bebidas ricas em sódio e potássio, seja pela via intravenosa.

Ainda que não seja uma tarefa fácil, o diagnóstico precoce é fundamental para evitar a propagação da doença. Caso se suspeite de uma infeção pelo Ébola, o paciente deve informar as autoridades oficiais (no caso português, a linha Saúde 24) mas sem sair de casa. Este pormenor é muito importante para evitar a propagação do vírus. Depois, o doente será transportado para um hospital e mantido em isolamento.

Os especialistas aconselham que não se toque em nada que possa ter estado em contacto com um portador do vírus e que se lavem as mãos várias vezes ao dia. Na manipulação direta de objetos e doentes suspeitos é necessária a utilização luvas, bata, máscara e óculos de proteção.

Nos hospitais é imprescindível a esterilização do equipamento médico, nos casos em que o mesmo não é descartável. As superfícies devem ser desinfetadas regularmente. Caso um paciente morra, deve evitar-se ao máximo o contacto com o cadáver. Os agentes sanitários devem tomar as medidas de proteção adequadas.

O atual surto de Ébola é o pior de sempre. Começou no final de 2013 e já matou 1350 pessoas: 396 na Guiné Conacri, 374 na Serra Leoa, 576 na Libéria e 4 na Nigéria (dados de 21 de agosto do Centro para a Prevenção e Controlo de Doenças).

A Organização Mundial de Saúde declarou o surto uma “emergência de saúde pública internacional” e que uma “resposta coordenada é essencial para parar e fazer recuar a propagação mundial do Ébola”. A organização Médicos Sem Fronteiras, que tem várias equipas a trabalhar no terreno, também lançou um alerta: a epidemia de Ébola está totalmente fora de controlo na zona oeste de África e há o risco de a doença se conseguir espalhar para mais países.

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No Centro para a Prevenção e Controlo de Doenças (CPCD) é ainda possível acompanhar os relatóriospublicados semanalmente sobre a evolução do atual surto.

De acordo com a Organização Mundial de Saúde, as práticas culturais e as crenças tradicionais em alguns países africanos têm dificultado a aplicação de medidas preventivas no âmbito da saúde pública, contribuindo para a propagação da doença.

No início de julho realizou-se um encontro de emergência no Gana, organizado pela OMS e no qual participaram ministros de Saúde de 11 países da África ocidental. Todos os participantes na reunião acordaram que a estratégia a adotar passa pela melhoria das políticas de educação e não pelo encerramento das fronteiras dos países.



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