Por via da inusitada "geringonça" de esquerda no Parlamento, a UGT reduzida àquilo que sempre foi – nada e sem implantação no terreno do trabalho, com excepção de alguns sindicatos de bancários e seguros; esvaziada da função para a qual foi criada – dizer que sim às confederações patronais e assinar de cruz tudo o que lhe ponham na frente, luta desesperadamente pela sobrevivência e tenta fazer da Concertação Social uma espécie de Câmara Alta do Parlamento, bóia de salvação do sindicalismo fantoche. Desesperados. Responsavelmente desesperados. Desesperados com "sentido de Estado".
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Calem-se, por favor, mas de vez!(por j.simões, 18/4/2016, 365forte)
«'Portuguesas' e 'portugueses' não é apenas um erro e um pleonasmo: é uma estupidez» É bem verdade, mas apresentemos argumentos um pouco mais científicos. Com a preocupação de defender os direitos das mulheres, o primeiro-ministro francês fez aprovar o Decreto n.º 84-153, de 29 de fevereiro de 1984, que criou uma comissão de terminologia encarregada de estudar a feminização dos títulos e funções, assim como, de uma maneira geral, o vocabulário respeitante às atividades das mulheres. A comissão começou a trabalhar com base no pressuposto de que a língua francesa seria machista, assumindo-se que o masculino favorecia um apagamento do feminino, que o masculino se sobrepunha e abafava o feminino. Era essa a ideia do governo francês, e foi com essa ideia que a comissão de terminologia foi criada.
Surpreendentemente para o governo, mas não para os linguistas sérios, a comissão veio declarar que a preferência (nas palavras/frases) pelo masculino em nada abafava ou diminuía o valor do feminino. Com efeito, diz a comissão: «Herdeiro do neutro latino, o masculino mostra-se imbuído de valor genérico, sobretudo nos casos de plural que lhe atribuem a capacidade de referir indivíduos dos dois sexos, neutralizando assim os géneros.» E continua, a propósito do que refere como «a regra genérica do masculino»:
«Para referir o sujeito jurídico, independentemente da natureza sexual do indivíduo referido, melhor será recorrer ao masculino, uma vez que o francês não tem género neutro. [...] A comissão defende que os textos regulamentares devem respeitar o regime da neutralidade das funções.»
Na mesma linha se pronunciou a Academia Francesa, chamando a atenção para a não coincidência do género gramatical e do género natural (ou 'sexo'), que todos os linguistas bem conhecem. De facto, a associação do género gramatical ao género natural (ou sexo) é abusiva. As crianças podem ser do sexo masculino, assim como as vítimas e as testemunhas podem ser homens. Também o príncipe Hamlet é uma personagem shakespeariana. No entanto, a língua marca essas palavras de femininas, independentemente de o referente ser masculino ou não. O crocodilo não é necessariamente masculino nem a mosca necessariamente um animal (ou animala?, para não ser machista) feminino. Em francês, a vítima (la victime) é uma palavra do género feminino, mas a testemunha (le témoin) do género masculino. O género gramatical é uma convenção linguística, tal como o número e o caso, por exemplo.
E contrariamente ao que já foi publicamente dito, não é verdade que «a língua reflete os valores, usos e costumes da sociedade. Promove a desigualdade se usarmos uma linguagem que consagra a ideia do masculino como universal». Não é a língua que promove a desigualdade, é a sociedade que promove a desigualdade. Acusar a língua é deitar poeira para os olhos, dirimindo responsabilidades e deixando a sociedade longe de toda a culpa. A culpa é da língua?! E assim ficarão todos contentes quando falam com os colegas e as colegas.
No actual paradigma empresarialês, a única opinião legítima é a do gestor-economista-empreendedor-consultor, porque, já se sabe, não há nenhuma actividade que possa ser analisada sem o recurso a instrumentos e conceitos da Economia, da Gestão ou da Contabilidade.
É certo que há elementos de outras profissões que também têm direito a emitir opiniões, desde que recorram unicamente aos instrumentos e conceitos utilizados pelos gestores-economistas-empreendedores-consultores. É por isso que os profissionais de qualquer ofício não podem exprimir-se, pelo menos em público, sem falar em “contenção de custos”, “empreendedorismo”, “competitividade” ou timing.
É claro que a Educação não poderia ficar imune a este movimento. Aliás, a Educação, à semelhança do futebol, sempre foi um tema sobre o qual todos discorrem com grande segurança e à-vontade. Carlos Guimarães Pinto é um dos autores do livro “O Economista Insurgente” e resolveu brindar-nos com a introdução do capítulo dedicado à Educação, tendo escolhido para título do seu texto“Porque é que os professores estão sempre a protestar?”.Ricardo Gonçalves Francisco e Miguel Botelho Moniz são os outros autores. Se consultarem as hiperligações, descobrirão que estamos na presença de lídimos representantes da classe do gestor-economista-empreendedor-consultor, ou seja, do especialista em tudo, de uma maneira geral, e em Educação, mais especificamente.
Ficamos a saber, em primeiro lugar, que a sólida organização dos professores e a sua capacidade de reivindicação terá levado a que alguns ministros da Educação não tenham completado o mandato. Tenho, relativamente aos três autores, a desvantagem de ser professor há vinte e seis anos, mas não me lembro de nenhum ministro que tenha saído desgastado pelos protestos docentes: aliás, Maria de Lurdes Rodrigues, a mais contestada de todos, completou o mandato e continua convencida de que é especialista em Educação, tal como qualquer gestor-economista-empreendedor-consultor.
Para além disso, não consigo descortinar os efeitos do enorme poder reivindicativo dos professores, uma vez que, tal como muitas outras classes profissionais, têm perdido direitos, rendimentos e condições de trabalho. Mais uma vez, estarei a ser vítima do desconhecimento próprio de quem não é gestor-economista-empreendedor-consultor.
Logo a seguir, os especialistas insurgentes repetem a ideia de que Portugal é um dos países da Europa onde há mais professores por aluno. Curiosamente, os professores, esses seres inferiores que se limitam a trabalhar nas escolas, entram nas salas e vêem sempre muito mais alunos do que aqueles que o rácio anuncia. O gestor-economista-empreendedor-consultor está demasiado informado para se tentar informar do modo como os professores são contabilizados. Vale a pena ler alguns textos do Paulo Guinote, mesmo sabendo que é, também ele, coitado, um professor, inconveniência a que junta um doutoramento em História da Educação e a publicação de livros, artigos e textos sobre Educação.
Os três doutos autores informam, ainda, que os professores conseguiram “rejeitar todo e qualquer modelo de avaliação até hoje apresentado”. Se por “rejeitar” se entender que os professores consideram que os modelos de avaliação são maus, tendo a concordar. Se o objectivo for o de declarar que o modelo de avaliação não está em vigor, graças à pressão dos professores, há uma boa probabilidade de os especialistas poderem estar parcialmente errados: as quotas para progressão na carreira estão perfeitamente instituídas. Do ponto de vista do gestor-economista-empreendedor-consultor, isto é avaliação.
Os professores têm outro entendimento do que é avaliação, talvez porque estão habituados a avaliar alunos. Muitos professores, por terem desempenhado a função de orientadores de estágio, estão, até, habituados a avaliar outros professores. Tudo isto poderá levar a que os professores estejam convencidos de que são entendidos em avaliação em contexto escolar e em avaliação docente, mas o que é isso comparado com o saber do gestor-economista-empreendedor-consultor?
O gestor-economista-empreendedor-consultor também é alguém que se sabe divertir. Só assim se compreende a imagem dos milhares de candidatos a professores que preferem esperar no desemprego por uma oportunidade de iniciar a carreira. Ora, sabendo que é impossível entrar na carreira docente e que é difícil arranjar emprego noutro lado qualquer, o desemprego não é uma escolha. Para além dos candidatos a professor, categoria que me é desconhecida, há milhares de professores desempregados, muitos com mais de quarenta anos de idade.
Quando fala sobre Educação, o gestor-economista-empreendedor-consultor gosta de fazer referência à descida da natalidade como indicador de que serão necessários cada vez menos professores. Nuno Crato, como visionário que é, conseguiu despedir milhares de professores em três anos, antecipando os efeitos da baixa de natalidade. De qualquer modo, e aceitando que o Ministério da Educação não tem de garantir emprego, não me parece, dentro das minhas limitações, que a diminuição do número de alunos obrigue a prescindir de professores, porque pode haver vários factores a ter em conta na organização dos recursos humanos, em benefício dos alunos.
Talvez por ser professor, não consigo descortinar os privilégios com que sou cumulado, segundo os insurgentes, mas para qualquer gestor-economista-empreendedor-consultor, o simples facto de se respirar é um privilégio. O resto é aceitar a condição de proletário e respirar baixinho.
Ousando discordar de tão insignes criaturas, penso que os professores deveriam protestar mais e melhor, porque, sem isso, continuam a ser cúmplices da destruição do sistema educativo perpetrada pelos gestores-economistas-empreendedores-consultores, essa subespécie dos ignorantes atrevidos. (mas que, tendo poder decisório ou mediático, são muito perigosos !)
Para os iluminados pelo espírito empresarialês, o mundo não é mais do que um conglomerado empresarial (holding para os amigos), o que faz com que qualquer instituição seja vista como uma empresa. No fundo, o empresarialismo é uma religião, com os gestores (e economistas-empreendedores-consultores), erigidos em sacerdotes abençoados pela infalibilidade, a anunciarem (propagandearem) virtudes cardeais como a concorrência (condicionada) ou a competitividade (aldrabada) ou o empreendedorismo (apoiado pelo Estado/ contribuintes).
Sendo uma religião proselítica, é claro que os clérigos tudo fizeram até impor as suas crenças a entidades que não eram empresas, como é o caso das escolas e dos hospitais. Assim, criaram a ilusão de que o sucesso é sempre mensurável: a Igreja fazia proclamações; o empresarialismo anuncia estatísticas, rankings e percentagens. Como sempre aconteceu, a maioria, embrutecida, repete a ladainha.
É graças a estes fundamentalistas que é possível, por conseguinte, usar expressões como o “melhor hospital do país”. Imagine-se o que pensará uma população crédula, esmagada pela autoridade dos números, quando souber que o hospital das redondezas está entre os últimos classificados: “Estás doente? Olha, deixa-te estar, que o hospital é dos piores: em vez de curar uma pessoa, mata-a. Assim como assim, morres em casa, que é mais quentinho!”
Depois de ter levado os piores anos da minha infância a assistir ao Natal dos Hospitais, chego à meia-idade e passei a seguir o campeonato dos hospitais. Já não deve faltar muito para que os jornais desportivos passem a anunciar a contratação de médicos que, chegados ao aeroporto, poderão declarar coisas como “Estou muito feliz por iniciar esta nova etapa da minha carreira, agradeço a confiança que o presidente depositou em mim e vou trabalhar para dar o meu melhor.” No fundo, voltamos sempre à religião.
Arriscando uma sociologia de bolso, diria que, desde os anos 80, pelo menos, o mundo está dominado pelo empresarialês, uma religião (e, portanto, uma linguagem) cujos seguidores proclamam que tudo no universo é uma empresa. Para os cultores do empresarialismo, cabe ao gestor dirigir o mundo, com a avaliação substituída porrankings, ou seja, por listas ordenadas (o gestor, apóstolo do empresarialismo, confunde avaliação com classificação, mas, como qualquer membro de uma seita, não admite argumentos, nem críticos!!).
Esta religião é seguida por todos os políticos do arco da governação, o que tem condicionado, evidentemente, as decisões sobre todas as áreas. Tudo é, portanto, economia, empresa, dinheiro, excel. O mais grave é que esta mentalidade já se entranhou no resto da sociedade. Vejamos alguns exemplos, antes de chegarmos (ou voltarmos) à importância dada ao ensino do chinês nas escolas portuguesas.
Como se defende, normalmente, o chamado acordo ortográfico? Menoriza-se os argumentos dos linguistas e invoca-se o facto de o Brasil ser uma potência económica e de ter uma população muito maior do que a nossa, chamando xenófobos aos críticos, se for preciso.
Nas escolas, com a colaboração entusiástica de professores e pais fascinados com o empresarialismo, os alunos têm sido sujeitos a uma lavagem ao cérebro sob a forma de uma coisa chamada educação financeira, através da glorificação do empreendedorismo, palavra que encerra ensinamentos como “trata de ti, não penses nos outros e faz um Seguro de Saúde, que os hospitais são para os pobres.”
E chegamos ao ensino do mandarim. O discurso oficial até pode estar embelezado com referências à cultura, mas a verdade é que os chineses, como candidatos a donos disto tudo, querem ter a certeza de que as suas ordens serão entendidas. Ao mesmo tempo, os últimos três governos fizeram grandes avanços na diminuição de salários e de direitos laborais, o que poupará mais trabalho aos donos.
----- Problemas da Escola Pública ...(-por Zé T.,12/3/2015)
Não tenho a mesma percepção (que N.Serra) dos principais problemas / factores que influenciam/determinam a situação do sistema de ensino nas escolas públicas, mas reconheço que se devem "atacar" principalmente as causas e não tentar fazer "remendos" sobre "buracos" ou andar sempre a "apagar fogos" e a fazer "mais um esforço"... - mas perguntem aos profissionais da educação, no terreno, nas escolas públicas e àqueles docentes (e ...) que têm vindo a pedir a reforma antecipada (porque estão FARTOS / desgastados até ao limite/exaustão ... pois trabalhar neste contexto não é "pêra doce"!), mesmo com grandes penalizações, ... . o porquê da situação, quais as causas(...aumento da carga burocrática, sucessivas e muito discutíveis alterações de programas e nomenclaturas/TLEBS, gramática, "acordo ortográfico", ... ou das des/orientações/ má governação, 'cortes', ... distribuição de diversos níveis/anos/ciclos e disciplinas por docente, avaliação depois de corrigir 100a300 testes x2ou3 em cada período, ... alunos NEEs e/ou 'problemáticos' e/ou sem 'pré-requisitos') e algumas medidas para melhorar, ... . em vez de consultarem (e pagarem caro a) "especialistas externos" e de encomendarem "elaborados estudos" (a ...) 'confirmadores' ou tomarem decisões 'em cima do joelho', nos gabinetes (cheios de 'boys' e 'yesmen'), . ou intencionalmente seguirem a cartilha neoliberal (mais dolosa ou incompetente ?) procurando destruir o sistema público (desinvestir, mal-organizar, ...) para privilegiar o "empreendedorismo" e contratos-negócios privados. ...
Eu, já com + de 50 anos, no meu percurso escolar nunca estive em turmas com mais de 29 alunos -- valor que actualmente é ultrapassado em algumas turmas de várias escolas e onde a inclusão de alunos NEE e/ou 'problemáticos' e/ou sem 'pré-requisitos' (de aprendizagem de matéria anterior e/ou domínio da língua, falada, escrita e sua interpretação/ iliteracia), faz baixar imenso a duração efectiva das aulas, o seu aproveitamento e o progresso dos alunos dessas turmas ... e desgastar docentes e pais/enc.educ., e desacreditar o sistema de ensino público. Por outro lado, no passado: . as escolas não se integravam em mega-agrupamentos e a gestão era mais simples e directa/próxima; . a burocracia era reduzida (menos 'grelhas' e planos disto e daquilo, menos reuniões, menos papeis, ...); . os regulamentos/directivas e a educação (familiar e social) restringiam imenso os "maus comportamentos" e em especial a perturbação/abandalhamento durante e nas aulas, pelo que as aulas serviam para transmitir saber, praticar e aprender a "matéria"/programa;
. não havia turmas 'normais' com inclusão de vários NEE (alunos com necessidades educativas especiais, algumas bem graves e exigentes), ou 'problemáticos' e tratamentos diversificados (no ensino, na avaliação, ... e 'passagem administrativa/empurrar prá frente'); . os programas eram mais simples/concentrados e não estavam em constante alteração; . claro que (antes de 1974) também havia uma restrição de acesso e "selecção económico-social" (e até intelectual/comportamental) dos alunos (como fazem as escolas/ colégios privados), menos liberdade, etc. ... -----
Na recente Recomendação sobre Retenção Escolar no Ensino Básico e Secundário, o Conselho Nacional da Educação assinala de forma certeira as principais consequências das reprovações nestes níveis de ensino. Os seus efeitos são hoje bem conhecidos e verificam-se tendencialmente, entre outros aspectos: na desmotivação, indisciplina e abandono escolar; no facto de as reprovações não se traduzirem numa recuperação das aprendizagens e na melhoria de resultados (aumentando, ao invés, a propensão para novas retenções); na maior probabilidade de reprovação nos casos de alunos de baixa condição socioeconómica e/ou de alunos provenientes de países estrangeiros. Em suma, sabe-se hoje que as reprovações constituem uma medida inútil, iníqua e ineficiente. O Conselho Nacional de Educação não deixa também de assinalar o peso que as retenções assumem em termos comparativos internacionais. Anualmente, são cerca de 150 mil os alunos do sistema educativo português que ficam retidos no mesmo ano de escolaridade, o que explica o facto de «35% dos jovens portugueses com 15 anos terem já sido retidos pelo menos uma vez, contra a média OCDE de 13%». Nos 31 países analisados no Relatório PISA de 2012, Portugal encontra-se entre os quatro países com maiores taxas de retenção. E o CNE constata ainda a inversão, a partir de 2011, da tendência de descida do número de retenções, verificada em anos anteriores. Não é pois ao nível do diagnóstico, da sinalização e da caracterização do fenómeno, que a Recomendação do CNE suscita algumas reservas. Desse ponto de vista, o documento é não só consistente e relevante como particularmente oportuno. O problema reside, isso sim, em dois aspectos fundamentais: 1. Por um lado, na ausência de referência explícita e assertiva, como se impunha, à profunda degradação e desvirtuação a que foi sujeito o sistema de ensino nos últimos anos, muito em particular a Escola Pública. Não o fazer implica branquear os impactos, ao nível da qualidade do ensino e da igualdade de oportunidades, de medidas como o aumento do número de alunos por turma, a redução no número de professores, a criação de mega-agrupamentos (aumento da carga burocrática, sucessivas e muito discutíveis alterações de programas e nomenclaturas/TLEBS, "acordo ortográfico", gramática, ...) ou das orientações que acentuaram a dualização da rede educativa. Isto é, políticas que contribuem para o risco de aumento de retenções, como de resto os dados mais recentes já demonstram. Especialmente no que respeita ao aumento do número de alunos por turma e às condições de exercício da actividade docente, resultante da redução selvática no número de professores, basta lembrar o que já foi referido neste blogue: tratou-se de (espezinhar toda uma classe profissional e fazer) um despedimento massivo de docentes, muito para lá do propalado «factor demográfico» ou de supostos ganhos virtuosos de «eficiência».
Assim, ao não contemplar as respostas estruturantes que permitem enfrentar os danos causados no sistema educativo ao longo dos últimos três anos e meio (propondo por exemplo o regresso a rácios razoáveis de alunos por turma e/ou a redução do número de turmas por professor), e ao limitar-se a estabelecer um quadro difuso de medidas, casuísticas e pontuais, de sinalização precoce e de apoio complementar aos alunos com dificuldades, o Conselho Nacional de Educação sugere que é suficiente apagar um incêndio com regadores de água, descartando uma intervenção consistente e sistemática nos factores que o originam. Como se nenhuma transformação de relevo tivesse ocorrido nas escolas nos últimos três anos e meio. 2. No quadro das recomendações especificas formuladas pelo CNE, a maioria das quais certeiras - como é o caso das que visam o combate à «cultura da nota e dos exames» (que hoje se sobrepõe a processos de avaliação continuada e formativa) ou tendentes a que a reprovação em algumas disciplinas não implique a repetição do ano - sobressai o «romance da autonomia» (e/ou da "municipalização do ensino" que, como sempre, vem acompanhado da esconjura do «monstro do centralismo»). Critica o CNE, neste sentido, aspectos como a «legislação uniforme e prescritiva para a organização das turmas» ou «as formas e critérios de distribuição de serviço lectivo e colocação de profissionais, dirigidos e controlados centralmente», para advogar um reforço da autonomia das escolas nestes domínios. Mas parece assim esquecer-se o Conselho Nacional de Educação que foi por exemplo reforçada nas escolas, nos últimos anos, a já de si excessiva autonomia para organizar turmas e distribuir professores e horários, com as profundas iniquidades que todos conhecem e que consagram, logo à partida, o reforço da desigualdade de oportunidades que o sistema educativo tão frequentemente acentua e reproduz. Não se espantem, portanto, se para além de legitimar as políticas seguidas recentemente, a questão das retenções vier a servir, de modo perverso, para alimentar as lógicas de «descentralização» em curso e que mais não são do que uma outra forma de atacar e subverter o sistema público de educação e os princípios que o enformam.
Graças à abundância de dados estatísticos, vivemos no paradigma da rankinguização, porque tudo é rankinguizável. Ele é as três melhores cidades com as mais belas repartições de Finanças, ele é as dez livrarias com mais ácaros no mundo, ele é os cinco cus mais espectaculares dos países nórdicos, ele é o diabo a quatro!
No fundo, esta moda está associada a uma certa pimbalhização (o neologismo está a render, hoje), patente em revistas e livros de auto-ajuda com títulos como “As dez maneiras de a/o deixar louca na cama” ou “As quinze perguntas que deve fazer a si próprio dois minutos antes de se levantar”.
Ontem, voltaram a ser publicados os rankings das escolas e reapareceram os mesmos erros de análise e as mesmas frases bombásticas. Por isso, não há muito mais a dizer, porque o mundo está transformado num campeonato perpétuo.
Os defensores cegos do Ensino Privado continuam a esconder que as escolas mais bem classificadas, de uma maneira geral, escolhem os alunos, desvalorizam as disciplinas que não estejam sujeitas a exames nacionais, inflacionam as classificações internase desrespeitam abundantemente os direitos laborais dos professores.
Entretanto, pessoas ligadas às escolas públicas deixam-se arrastar para este festim de marketing, comemorando subidas nos rankings e ajudando, desse modo, a perpetuar publicamente a ideia de que estas listas servem para avaliar o seu trabalho. Ora, a verdade é que, em muitos estabelecimentos de ensino, uma média negativa pode corresponder a um enorme sucesso, se se tiver em conta muitos outros condicionalismos.
Leia-se a recomendação do Paulo Guinote (tb em comentário anexo e de textos de Santana Castilho) para que haja uma melhor publicação dos rankings. Um dia, talvez seja possível, mesmo sabendo que os desonestos e os distraídos não ficarão calados.
O filósofo Slavoj Zizek citou T. S. Elliot num comício da Syriza para dizer que “há momentos em que a única escolha é entre a heresia e a descrença”. E clarificou a ideia afirmando que “só uma nova heresia, representada hoje pela Syriza, pode salvar o que vale a pena salvar do legado europeu: democracia, confiança nas pessoas, igualdade e solidariedade”.
O estado em que a política educativa dos dois últimos governos colocou escolas e professores faz-me suspirar por um “momentoSyriza” na Educação. Por uma nova heresia, que coloque cooperação onde hoje está competição. Porque a cooperação aproxima-nos e sedimenta-nos enquanto grupo e a competição, ampliando as diferenças, afasta-nos, isolados por egoísmos. Porque a cooperação serve as pessoas e harmoniza-as, tal como a competição, hoje sacralizada na nossa cultura, serve os números e os conflitos.
Informação constante de um novo portal do Ministério da Educação e Ciência veio dizer-nos que há 24 escolas onde são dadas todos os anos notas internas significativamente mais favoráveis do que as conseguidas nos exames nacionais. Daí a mais um lance na competição público versus privado foi um passo, sem espaço para assumir que se comparam coisas diferentes: num caso o conhecimento científico demonstrado num só teste; no outro caso o percurso de um ano de desempenho num ambiente pluridisciplinar e multifactorial, sendo que alguns desses factores de classificação são bem relevantes para a formação integral do aluno e para a sua maturidade cívica.
Os exames nacionais e os testes estandardizados internacionais têm vindo a assumir uma dominância evidente na concepção das políticas para a Educação definidas pelos dois últimos governos. E essa dominância tem a sua génese na nossa intestina tendência para importar modismos alheios. Com efeito, quando a Escola se manifestou em crise um pouco por todo o mundo ocidental e alguns teóricos começaram a clamar contra determinados métodos pedagógicos e o que consideravam autonomia excessiva dos professores, primeiro, e emergiram as primeiras tendências para encarar a Educação como serviço passível de ser submetido a regras de mercado (com o concomitante discurso da liberdade de escolha por parte das famílias), depois, logo surgiram as pressões para introduzir nos sistemas de ensino instrumentos que tudo medissem, particularmente resultados.
Recorde-se, a propósito, duas referências incontornáveis, que continuam a produzir efeitos retardados entre nós e que nos levam aos ventos que sopraram de Inglaterra em 1976 e dos EUA em 1983. Refiro-me à iniciativa reformista de James Callagahan sobre Educação, que ficaria conhecida por “The Great Debate”, em que o primeiro-ministro de então do Reino Unido lamenta a falta de rentabilidade dos professores e das escolas, pede maior controlo da qualidade dos docentes e clama pela reorientação precoce da educação para os aspectos vocacionais, qual discurso profético que seria retomado pelo nosso ministro da Educação, 43 anos mais tarde. E refiro-me ao relatório A Nation at Risk: The Imperative for Educational Reform, produzido a pedido de Ronald Reagan, cuja violência classificativa do trabalho dos professores e da escola americana está bem traduzida nesta frase, que o integra, a qual, fora ela do conhecimento do nosso primeiro-ministro e certamente teria substituído, 32 anos volvidos, a metáfora da salsicha educativa: “Se um poder estrangeiro tivesse tentado impor à América a mediocridade do desempenho educacional que hoje existe, deveríamos ter encarado esse acto como um acto de guerra.”
Não é, portanto, de modo solitário no contexto internacional que a novilíngua classificativa portuguesa em matéria de Educação se tem desenvolvido centrada em metas, testes e exames, apesar de todos sabermos que nenhum sistema sério de prestação de contas em Educação se esgota no despejo sistemático sobre a sociedade dos resultados de testes, mesmo que estandardizados, e de exames nacionais. Tanto pior quando esses resultados de alunos são o critério primeiro para avaliar escolas e professores. Mais: mostra-nos a história recente que os governos que assim procederam acabaram, por via das ideologias neoliberais que adoptaram, a utilizar os resultados como estratégia para induzir medidas de privatização e promoção de lógicas de educação como serviço sujeito a regras de mercado.
É tempo, pois, de procedermos a uma reflexão despida de preconceitos ideológicos sobre o seu contributo técnico para a decantada “accountability” educacional. Porque muito do que deve contar em Educação não pode ser medido e é de comparação difícil. Porque, no dizer de Licínio Lima, “enquanto orientação política, a educação contábil evidencia uma alta capacidade de discriminação da educação que conta e da educação que não conta, ou conta menos”.
-- (em comentários:críticas à Prova de Avaliação e ao desAcordo Ortográfico,...)
Nota: Este cidadão prefere escrever com erros próprios do que oficializar erros alheios, pelo que não obedece ao execrável 'Acordo ortográfico' (e que todos os outros países lusófonos não aplicam).
«Anda por aí à solta uma epidemia da obediência antecipada, um zelo narcísico em obedecer e uma pressa institucional em se fazer obedecer, a bem dos brandos costumes. Por toda a parte onde se escreva e não se questione: nas editoras, nas universidades, na escola, nos serviços públicos, nas entidades privadas "esclarecidas".
No gesto tão modernaço quanto burocraticamente hirto com que abusivamente se procura dar por "oficializado" esse disparate técnico e essa inépcia política designados "Acordo Ortográfico de 1990" (AO90), uns, mais papistas que o Papa, emitem despachos: e os subpapistas despacham-se a cumpri-los, pelo facto de serem despachos. Nessa concha fechada do institucionalismo, emitiriam e cumpririam também os despachos opostos, uns com a alegria maldosa do álibi hierárquico, os outros com o prazer perverso ligado ao acto simbólico do puro exercício formalista do poder. Ainda outros, entregues à tara provinciana de serem os primeiros; quando não é o caso de terem na mira uma oportunidade de negócio em letra impressa: "já" estarem do lado bom das vendas.
Essa admirável cultura da legalidade ignora viciosamente o vasto historial argumentativo da resistência científica e, por isso, cívica que desde 1986 torna tudo menos "evidente" (e "de vosselências mui atento e obrigado") o cumprimento de despachados despachos.
Ah, admirável superstição de amanuenses dóceis, que nos vêm recordar, caso estivéssemos esquecidos, que a Lei é a Lei, e que a tal ponto esta tautologia é majestosa e em si mesma, que, dizem, submete por igual soberanos e súbditos, enchendo-nos a todos de candura e paz! Talvez seja vício filosófico perguntá-lo, mas, na fórmula mágica "igualdade perante a Lei", perante que instância é que essa famosa "Lei" por sua vez responde?
Um caso a vários títulos eloquente, a este respeito, foi o de Vasco Graça Moura, à frente do Centro Cultural de Belém, posto onde demonstrou sossegadamente a absoluta irrelevância, quer da teologia da obediência, quer de algum esbracejante anarquismo da desobediência (que ele jamais reconheceria, porém, como ingénua "desobediência"): limitou-se com toda a tranquilidade a continuar a escrever recusando-se à aplicação, não da Lei ou de temerosos despachos, mas da rábula técnica e da mistificação diplomático-editorial que dá pelo nome de "Acordo Ortográfico".
Ah – e proclamando-o publicamente. Ponto importante, e pouco português, que nos acusa: moles!, lassos! E coragem exemplar que nos envergonha duplamente, não só por ele a ter tido, mas por nos ter assim mostrado a todos que essa imaginária vigilância kafkiana a que a inércia, mais que o temor, nos subordina, é um tigre de papel.
O que deve, em tais circunstâncias, fazer um agente institucional médio à frente de um serviço de Estado sob despacho? Pois, escrever tranquilamente o seu português e lamentar a quantidade de gralhas persistentes que os revisores de comboio forem, em seguida, capazes de descobrir todos lampeiros no sucinto trajecto entre Carcavelos e a gare de Oeiras.
Esses zelosos oficiais de pala bem podem então correr a levar ao senhor Chefe de Estação os escandalosos bilhetes apreendidos, e ele que os faça passar, se lhe aprouver, pelo olho de Lince do programa corretor, nosso patrono, restituindo a Ordem das coisas e do seu estado, e repondo a moral pública e o aprumo no sistema ferroviário nacional, expurgado de choques e atrasos. Desde que eu não os assine pelo meu punho na sua nova versão aguada e ignara. Pois só se deve assinar aquilo que se escreve.
Sem sermos aqui demasiado kierkegaardianos, o que Graça Moura fez foi escolher a escolha – e não a falsa alternativa entre obedecer e desobedecer. A liberdade que ele exerceu não se mede contra o constrangimento de uma regra, mas escolhendo o que liberta – a língua, que é do que se trata, e não a norma, cuja forma – o ser-norma – é por definição alheia à língua, à qual trata como seu objecto. Pode-se escolher como se vive: na língua – ou como funcionário.
Paradoxalmente, o zelota é aquele que defende com tanto arreganho a ortografia anterior, como qualquer uma que pretenda revogá-la: uma ortografia é correcta por obedecer à lei, não à língua, e eis que a Lei é o melhor argumento linguístico que há, senão o único: questão de regulamento interno por despacho de sua excelência.
Não é aqui o lugar para mergulhar numa filosofia da linguagem ou numa teoria da escrita. Limitemo-nos a apontar uma evidência que esvazia em cinco segundos toda e qualquer pertinência de uma proposta de "acordo ortográfico" baseada na alegação de que a unificação ortográfica produziria uma unificação linguística suficiente: para todos os efeitos práticos, um acordo ortográficonão serve absolutamente para nada, porque é falso que unifique o português escrito e o brasileiro escrito, nem sequer no plano ortográfico (onde se multiplicam casos de dupla grafia, o "AO" auto-sabotando assim o seu próprio princípio formal), quanto mais nos outros três dos quatro planos em jogo, insanavelmente divergentes e livremente criativos. Com efeito, no dia em que nos fóruns internacionais a lusofonia queira expressar-se a uma só voz (incluindo a Guiné Equatorial do 'simpático' falante Obiang) e num documento unificado, a versão que soar terá ainda que escolher se dirá "ônibus", "machimbombo" ou "autocarro" (são alternativas lexicais não unificáveis); se formulará "policial" ou "polícia" (são alternativas morfológicas não unificáveis); se articulará "me deixa te dizer" / "deixa-me dizer-te" (são alternativas sintácticas não unificáveis). A multiplicar por mil.
A extensão e a profundidade das diferenças lexicais, morfológicas e sintácticas sobrepassam esmagadoramente as divergências ortográficas, epidérmicas em relação àquelas – tornando o "acordo" impróprio para os embaciados fins político-diplomáticos que foi sugerido esperarem-se dele. Apelamos, pois, aqui, não à "desobediência civil", mas tão simplesmente a este português em que escrevemos.» - José Manuel Martins, no Público.
... Razão tinham já os gregos antigos, para quem palavra e pensamento eram (e são) a mesma coisa: logos.
... A questão nacional está aqui e agora bem viva: as reivindicações de soberania quer pelas nações periféricas que querem independência face ao Estado Espanhol, quer pelos Estados intervencionados pela Troika e sob ataque da finança internacional (com cumplicidade das burguesias indignas) são disso exemplos fortes e familiares.
A língua é um dos elementos estruturantes das nações enquanto realidade social. É uma determinação mas não única, nem suficiente. Várias nações falam as mesmas línguas, mas são realidades socioeconómicas diferentes, com uma história política que as moldou de forma diferenciada.
... O termo galeguia como substituto de lusofonia foi cunhado pelo escritor brasileiro Luís Ruffato em 2005, num dia simbólico: o dia da Pátria Galega, 25 de julho. Estava o escritor brasileiro em Santiago de Compostela no VIII congresso da Associação Internacional de Lusitanistas quando formulou essa ideia. Adriana Lisboa (Brasil), José Luís Peixoto (Portugal), Possidónio Cachapa (Portugal), Ondjaki (Angola), Luís Cardoso (Timor), Quico Cadaval (Galiza) e Carlos Quiroga (Galiza) foram os primeiros escritores e escritora a aderir à nova expressão. No mesmo ano, em visita à Galiza, também Pepetela defendeu as virtudes político-culturais da galeguia para substituir a lusofonia, nomeadamente por suprimir o peso colonial.
Num tom libertador, a cantora angolana Aline Frazão resumiu assim a proposta: “Vai ser que, afinal, não falamos a língua do colono: falamos galego de Angola, com o sabor bantu do Atlântico-Sul”. É uma forma romântica (em diferentes sentidos) de encarar a galeguia como alternativa à lusofonia. De imediato fiquei seduzido por esta ideia de substituir aquela palavra que foi decalcada do francês “francophonie” - como recordou Pepetela - e que tem o gene da Françáfrica mutado para versão Lusotropical - acrescento eu.
Galeguia é uma palavra e uma ideia que permite na batalha ideológica uma reapropriação popular do espaço de cooperação e produção cultural que está cativo na CPLP. Em resumo, note-se como a vergonhosa adesão da Guiné Equatorial, com cheiro a petróleo e a sangue4, desmascara bem os valores da “lusofonia” dos dominantes. É certo que Aline Frazão, criticando esse evento, defende adesão da Galiza à CPLP, no artigo ‘Trocar a Lusofonía pela Galeguía’5. Reivindicação justa. Mas o que era preciso era que essa cooperação e esses países, incluindo a Galiza, se reencontrassem com a força histórica dos movimentos de libertação anti-coloniais.
Mais que uma língua, o diálogo entre as línguas da galeguia constitui o nosso tesouro comum. A polémica linguística do Galego entre o “autonomismo”, por um lado, e o “reintegracionismo” (na língua portuguesa), por outro, é questão que diz respeito principalmente às galegas e aos galegos. Disso, portanto, não tratarei (nem do “minha pátria é a língua portuguesa” com que Bernardo Soares/Fernando Pessoa criticava a reforma ortográfica de 1911 e acordos subsequentes). Quero antes sublinhar que o reconhecimento do papel do Galego e introdução da tónica “descolonial” é libertadora para o potencial de cooperação cultural e científica entre os povos cujas línguas partilham uma origem na língua medieval galego-portuguesa.
Com a opção pela galeguia: o que se revaloriza etimologicamente na fonte do contacto linguístico (língua galego-portuguesa) não é a mítica do povo português como herdeiro dos ‘lusitanos’, mas a raiz galega, língua reprimida pelo Estado Espanhol durante o franquismo e, por outros meios, ainda hoje reprimida, e a nação a quem é negado o direito a decidir sobre o seu futuro. Assim, com a adesão àquela ideia, a língua portuguesa pode expiar os seus pecados de perseguição às línguas dos povos das colónias. Desta forma, essa língua que ganhou força e corpo por ter “exército e marinha” pode reconciliar-se com os crioulos da pátria de Amílcar Cabral.
O acordo ortográfico é uma decisão política e como tal deve ser tratado. Não é uma decisão técnica sobre a melhor forma de escrever português, não é uma adaptação da língua escrita à língua falada, não é uma melhoria que alguém exigisse do português escrito, não é um instrumento de cultura e criação.
É um acto político falhado na área da política externa, cujas consequências serão gravosas principalmente para Portugal e para a sua identidade como casa-mãe da língua portuguesa. Porque, o que mostra a história das vicissitudes de um acordo que ninguém deseja, fora os governantes portugueses, é que vamos ficar sozinhos a arcar com as consequências dele.
O acordo vai a par do crescimento facilitista da ignorância, da destruição da memória e da história, (e das importantes raízes linguísticas ao latim e grego, que são também partilhadas pelas várias línguas ocidentais: alemão, inglês, francês, italiano, castelhano, galego, 'hispânico', ...) de que a ortografia é um elemento fundamental, a que assistimos todos os dias. E como os nossos governantes, salvo raras excepções, pensam em inglês “economês”, detestam as humanidades, e gostam de modas simples e modernices, estão bem como estão e deixam as coisas andar, sem saber nem convicção.
O mais espantoso é que muitos do que atacaram o “eduquês” imponham este português pidgin, infantil e rudimentar, mais próximo da linguagem dos sms, e que nem sequer serve para aquilo que as línguas de contacto servem, comunicar. Ninguém que saiba escrever em português o quer usar, e é por isso que quase todos os escritores de relevo da língua portuguesa, sejam nacionais, brasileiros, angolanos ou moçambicanos, e muitas das principais personalidades que têm intervenção pública por via da escrita, se recusam a usá-lo. As notas de pé de página de jornais explicando que, “por vontade do autor”, não se aplicam ao seu texto as regras da nova ortografia são um bom atestado de como a escrita “viva” se recusa a usar o acordo. E escritores, pensadores, cronistas, jornalistas e outros recusam-no com uma veemência na negação que devia obrigar a pensar e reconsiderar.
Se voltarmos ao lugar-comum em que se transformou a frase pessoana de que a “minha pátria é a língua portuguesa”, o acordo é um acto antipatriótico, de consequências nulas no melhor dos casos para as boas intenções dos seus proponentes, e de consequências negativas para a nossa cultura antiga, um dos poucos esteios a que nos podemos agarrar no meio desta rasoira do saber, do pensar, do falar e do escrever, que é o nosso quotidiano.
Aos políticos que decidiram implementá-lo à força e “obrigar” tudo e todos ao acordo, de Santana Lopes a Cavaco Silva, de Sócrates a Passos Coelho, e aos linguistas e professores que os assessoraram, comportando-se como tecnocratas ("iluminados" e fanáticos) – algo que também se pode ter do lado das humanidades, normalmente com uma militância mais agressiva até porque menos "técnicas" são as decisões –, há que lembrar a frase de Weber que sempre defendi como devendo ser inscrita a fogo nas cabeças de todos os políticos: a maioria das suas acções tem o resultado exactamente oposto às intenções. O acordo ortográfico é um excelente exemplo, morto pelo “ruído” do mundo. O acordo ortográfico nas suas intenções proclamadas de servir para criar uma norma do português escrito, de Brasília a Díli, passando por Lisboa pelo caminho, acabou por se tornar irritante nas relações com a lusofonia, suscitando uma reacção ao paternalismo de querer obrigar a escrita desses países a uma norma definida por alguns linguistas e professores de Lisboa e Coimbra.
O problema é que sobra para nós, os aplicantes solitários da ortografia do acordo. O acordo, cuja validade na ordem jurídica nacional é contestável, que nenhum outro país aprovou e vários explicitamente rejeitaram, só à força vai poder ser aplicado. A notícia recente de que, nas provas – que acabaram por não se realizar – para os professores contratados, um dos elementos de avaliação era não cometerem erros de ortografia segundo a norma do acordo mostra como ele só pode ser imposto por Diktat, como suprema forma de uma engenharia política que só o facto de não se querer dar o braço a torcer explica não ser mudado.
Porém, começa a haver um outro problema: os custos de insistirem no acordo. A inércia é cara e no caso do acordo todos os dias fica mais cara. A ideia dos seus defensores é criar um facto consumado o mais depressa possível. É esta a única força que joga a favor do acordo, a inércia que mantém as coisas como estão e que implica custos para o nosso défice educativo e cultural.
É o caso dos nossos editores de livros escolares que começaram a produzir manuais conforme o acordo e que naturalmente querem ser ressarcidos dos seus gastos. Mas ainda não é um problema insuperável e, acima de tudo, não é um argumento. Passado um período de transição, pode voltar-se rapidamente à norma ortográfica vigente e colocar o acordo na gaveta das asneiras de Estado, junto com as PPP e os contratos swaps, e muita da “má despesa”. Porque será isso que o acordo será, se não se atalhar de imediato os seus estragos no domínio cultural.
O erro, insisto, foi no domínio da nossa política externa com os países de língua portuguesa, e esse erro é hoje mais do que evidente: os brasileiros, em nome de cuja norma ortográfica foram introduzidas muitas das alterações no português escrito em Portugal, nunca mostraram qualquer entusiasmo com o acordo e hoje encontram todos os pretextos para adiar a sua aplicação. No Brasil já houve vozes suficientes e autorizadas para negar qualquer validade a tal acordo e qualquer utilidade na sua aplicação. Os brasileiros que têm um português dinâmico, capaz de absorver estrangeirismos e gerar neologismos com pernas para andar muito depressa, sabem que o seu “português” será o mais falado, mas têm a sensatez de não o considerar a norma.
Nós aqui seguimos a luta perdida dos franceses para a sua língua falada e escrita, também uma antiga língua imperial hoje em decadência. Querem, usando o poder político e o Estado, manter uma norma rígida para a sua língua para lhe dar uma dimensão mundial que já teve e hoje não tem. Num combate insensato contra o facto de o inglês se ter tornado a língua franca universal, legislam tudo e mais alguma coisa, no limite do autoritarismo cultural, não só para protegerem as suas “indústrias” culturais, como para “defender” o francês do Canadá ao Taiti. Mas como duvido que alguém que queira obter resultados procure no Google por “logiciel”, em vez de “software”, ou “ordinateur”, em vez de “computer”, este é um combate perdido.
Está na hora de acabar com o acordo ortográfico de vez e voltarmos a nossa atenção e escassos recursos para outros lados onde melhor se defende o português, como por exemplo não deixar fechar cursos sobre cursos de Português nalgumas das mais prestigiadas universidades do mundo, ter disponível um corpo da literatura portuguesa em livro, incentivar a criatividade em português ou de portugueses e promover a língua pela qualidade dos seus falantes e das suas obras. Tenho dificuldade em conceber que quem escreve aspeto – o quê? – em vez de aspecto, em português de Portugal, o possa fazer. (- por JPPereira, Abrupto, 17/2/2014)
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«Este blog ainda não adoptou o acordo ortográfico. O autor prefere escrever com erros pessoais a fazê-lo com erros oficiais.»-LNT
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Também muitas das alterações gramaticais são a afirmação de uns pseudos linguístas modernaçosque se se aliaram ao poder político para se afirmarem e retirarem benefícios pessoais à custa da maioria dos cidadãos, sejam docentes, alunos, pais, técnicos, ... - que de um momento para o outro, com a adopção de nova nomenclatura/classificação das várias componentes das frases e suas inter-relações, passaram a ser rotulados como incompetentes/desconhecedores dos mecanismos e regras de análise, interpretação e uso da língua. Raios os partam !!
« Este blog ainda não adoptou o acordo ortográfico. O autor prefere escrever com erros pessoais a fazê-lo com erros oficiais. » - LNT e ... ... as "vogais e consoantes politicamente incorrectas do acordo ortográfico" + um Plano de Acção que garante que (a "irreversibilidade" e)o impossível não é mais do que aquilo que ainda não foi possível realizar: 1 – Suspensão imediata do AOPL nos organismos de administração pública e no sistema de ensino; 2 – Revogação automática e prioritária das disposições do AOLP que mereceram reprovação mais generalizada; 3 - Abertura de conversações com Angola e Moçambique para avaliação das discrepâncias entre a norma ortográfica do AOLP e a que vigora naqueles países; 4 – Nomeação de uma comissão multidisciplinar de peritos para uma revisão profunda do AOLP; 5 – Elaboração de um vocabulário otográfico comum, avalizado pela comissão de peritos; 6 – Aprovação de uma moratória de três anos para a entrada em vigor do AOLP, transferindo-a de 2015 para 2018, data em que voltará a ser avaliada a sua aplicação. ... (- por LNT )
Numa semana de Outubro de 1990, dúzia e meia de sábios iluminados reuniram-se no velho edifício da Academia das Ciências de Lisboa para mudarem a ortografia de uma língua falada por mais de 200 milhões de pessoas. Foi assim, neste ambiente de secretismo, quando não havia nenhuma demanda social para esse efeito, que nasceu o acordo ortográfico.
... O acordo nasceu torto desde logo por ignorar a esmagadora maioria dos pareceres técnico-científicos sobre a matéria. Foram produzidas notáveis peças de análise crítica por parte de escritores, professores, linguistas - e todas acabaram no fundo de uma gaveta, olimpicamente ignoradas. O poder político fez tábua rasa dos alertas da comunidade científica - não só portuguesa mas também brasileira - que advertiam para as suas inúmeras deficiências técnicas, para as suas incongruências conceptuais, para os seus clamorosos erros. Temos, portanto, um acordo que quase ninguém defende, que quase ninguém respeita, que quase ninguém aplica na íntegra. O Presidente da República, que o promulgou, confessa numa entrevista que em casa continua a escrever como aprendeu na escola. O Ministro da Educação, que o faz aplicar no sistema lectivo, admite que não gosta de mudar a maneira de escrever. O secretário de Estado que o assinou em nome do Governo português continua a escrever, em blogues e jornais, na correcta grafia anterior ao convénio de 1990. Este acordo pretendia unificar o nosso idioma, na sua versão escrita, mas acabou por consagrar grafias diferentes. Hoje o Estado angolano, por exemplo, tem uma grafia diferente da do Estado português. E este, por sua vez, acolheu como boas mais de 200 novas palavras que passam a ser escritas de forma diferente entre Portugal e o Brasil. Palavras como recepção ou excepção, que viram cair o p nos documentos oficiais portugueses, enquanto mantêm o p que sempre tiveram no documentos oficiais brasileiros.
Entre nós, em resultado das chamadas "facultatividades" reconhecidas pelo acordo, vai-se abolindo o carácter normativo da escrita, dando lugar a uma espécie de ortografia à la carte, ao sabor da subjectividade de cada um. Assim é possível ver órgãos de informação pertencentes ao mesmo grupo editorial escreverem nuns casos sector, com c, e noutros setor, sem c. Há jornais que adoptaram o acordo, mas adiantando desde logo várias excepções à regra, continuando por exemplo a pôr acento na palavra pára. Ainda há dias, a propósito da co-adopção, registámos quatro grafias diferentes desta palavra: com p e sem p, com hífen e sem hífen.
... O acordo acabou por conduzir, portanto, ao caos ortográfico. O que fazer?
Aquilo que deve ser feito quando alguma coisa não está bem: mudá-la.
Deve ser constituída sem demora uma comissão de revisão do acordo, com carácter muito alargado e reunindo especialistas dos mais diversos saberes, de modo a produzir um dicionário ortográfico e regras claras, que não violem a etimologia das palavras, como no absurdo espetador em vez de espectador, e não separem famílias lexicais, como na frase «há egiptólogos no Egito». Enquanto não houver essa revisão profunda e enquanto não for produzido esse dicionário, o acordo deve ser suspenso. E naturalmente a sua aplicação obrigatória, prevista para 2016, deve ser adiada, como aliás o Brasil já fez.
Alguém me perguntava há dias por que motivo não se ouvem as vozes dos defensores do acordo.
A resposta é simples: essas vozes não se ouvem porque os defensores deste acordo são em número muito diminuto. Basta folhearmos livros que vão sendo publicados, de escritores das mais diversas tendências, das mais diversas escolas estéticas e de todas as gerações para se perceber que fazem questão em escrever estas suas obras na ortografia anterior ao acordo ortográfico de 1990. Isto sucede não apenas com escritores portugueses: ainda agora foi editado um livro póstumo de Antonio Tabucchi, intitulado Viagens e Outras Viagens. Lá vem a advertência, na ficha técnica: «Por vontade expressa dos herdeiros do autor, a tradução respeita a ortografia anterior ao actual acordo ortográfico.» O mesmo sucede nos jornais: mesmo naqueles que aplicam o acordo, aliás cada qual a seu modo, não faltam colunistas e articulistas que insistem em escrever na ortografia pré-AO.
Em todos os sectores da sociedade portuguesa a rejeição das normas acordísticas é claríssima. E maior seria ainda se não houvesse a imposição de adoptá-las na administração pública, incluindo nas escolas, onde são largos milhares os professores que se opõem às regras ortográficas emanadas do AO. A estes professores, tal como a todos os utentes qualificados da língua portuguesa, o poder político tem a estrita obrigação de reconhecer e garantir o estatuto de objecção de consciência. (e Resistência activa ao AO pela Assoc. Estudantes )
... Nós devemos continuar a resistir também. Em nome daquilo em que acreditamos. ... Porque nós, os mais velhos, somos fiéis depositários de valores culturais que temos o dever de legar às gerações futuras. E nenhum valor cultural é tão nobre e tão inestimável como a nossa língua.
Parabéns ! (-por A. Vidal )A Mia Couto, que acaba de ganhar o prémio Camões. É actualmente um dos meus escritores preferidos de língua portuguesa e o único (repito, o único) que me leva ao sacrifício de ler um livro escrito em acordês. Porquê? Porque, simplesmente, pior do que isso seria não poder lê-lo. Mas é pena que tenha cedido ao AO e ao enganador argumento da uniformização do português. Logo ele, que tem um vocabulário tão próprio e por isso contribui de forma tão expressiva para a diversidade da nossa língua.