Quarta-feira, 30.11.16

------ Degradação da política e do Estado

 ?!!   (J.P. Pereira no Público de 5/11/2016, via Entre as brumas...):
     «O conflito entre a maioria dos partidos parlamentares e da opinião pública e António Domingues e os novos administradores da Caixa Geral de Depósitos e as demissões causadas nos governos (neste e no anterior) pelos falsos títulos académicos são eventos com causas próximas. O seu ponto em comum é a contínua degradação da política e do pessoal político, em complemento e em simbiose com a degradação do Estado nas suas componentes políticas, profissionais e técnicas. É o resultado de processos de demagogia, alimentados por uma opinião pública e uma comunicação social populistas, e por uma deterioração acentuada dos grandes partidos, em particular do PSD e PS, com mecanismos oligopólicos, e a crescente importância de carreiras pseudoprofissionalizadas, que se fazem dentro dos partidos por critérios que pouco têm que ver com a seriedade, o mérito, a capacidade política, profissional e técnica, tendo mais que ver com fidelidades e intrigas de grupo e com o acesso ao poder do Estado por via do poder partidário. (…)
     O Estado deveria ter na sua administração capacidade técnica e profissional de primeira água, juristas, mecânicos, jardineiros, gestores, administradores hospitalares, técnicos fiscais, polícias, carpinteiros, especialistas em finanças e em mercados, deveria pagar salários compatíveis e promover carreiras de mérito com critérios de exigência (e transparência). Esse é o ideal burocrático que substituiu na Europa as hierarquias de nascimento ou o inventário das “almas mortas” do livro de Gogol, mas que em Portugal ainda não arrancou de uma cultura de cunhas e patrocinato (e nepotismo, directo ou cruzado). Daí, “em baixo”, os boys e, “em cima”, os tecnocratas relutantes, muitas vezes desprovidos do mínimo senso político e noção de serviço público, condição para assumirem funções num Estado democrático.
     O caso da nova administração da CGD é exemplar de todos estes equívocos. Toda a gente já percebeu que o acordo feito entre o ministro das Finanças e os quadros bancários que entendeu recrutar para a Caixa passava pela manutenção ou mesmo melhoria dos altos salários que já recebiam, e pela isenção da categoria de gestores públicos, numa lei feita à medida, incluindo a desobrigação de apresentação de declarações de património. Foi tudo mal feito, porque o ministro muito provavelmente prometeu isenções que não são legais e os candidatos a administradores pediram um estatuto de privilégio inaceitável em quem vai trabalhar para o Estado e, por muito que não queiram sujar as suas impolutas mãos com essa coisa menor da política, em cargos que têm uma forte componente política.
     O seu objectivo não pode ser apenas tornar a CGD “competitiva com a banca privada, como hoje se repete por todo o lado para justificar os seus salários. Não. É suposto que a CGD tenha também funções (sociais, concorrenciais, de referência,...) em relação à economia portuguesa que não se esgotam nessa “competitividade” e podem até prejudicá-la de algum modo. A CGD é pública por uma decisão política, como política era a intenção do PSD de a privatizar, e só tem sentido como banco do Estado se tiver funções distintas da banca em geral, incluindo alguma regulação indirecta do sector. Isso não significa, como é óbvio, que seja mal gerida ou que se continuem os desmandos cometidos por comissários políticos, cujo papel no agravamento dos problemas da Caixa não pode ser esquecido. Que esta administração rompa com essa época só pode ser saudado, mas isso não lhe dá carta-branca para se comportar como está a comportar-se. (…)
     Caem-lhes os parentes na lama se neste contexto tiverem obrigações de transparência e tiverem de ver os seus barcos e casas numa declaração? É incómodo ter estes dados atirados à rua e às “redes sociais” para gáudio de um público sedento de “espiolhar” os ricos e que só acha bem que os jogadores de futebol ganhem fortunas? (…)
     Coloquem na rua os boys que falsificam as declarações e não os mudem apenas de emprego para outro lugar de confiança política, e peçam aos senhores administradores da CGD que cumpram a lei. Se há mudanças a fazer de modo a que certos dados das declarações possam ser confidenciais, embora conhecidos do tribunal, procedam em consequência na Assembleia da República, não para estes homens em particular mas para todos. Se isto acontecesse, poderia sair-se desta confusão ainda com vantagem e melhoria para o país, mas a continuar assim, vai acabar tudo mal.» 
 
-----  Discurso de R.Gonçalves, ex-deputado PS, corajoso e sem rodeios...:   ---http://mediaserver4.rr.pt/newrr/discurso_ricardo_goncalves37714137.mp4
 

     Espero que Paulo Macedo não chegue a presidente da CGD, não me parece que seja a pessoa indicada para o cargo, além de não ter nem o currículo, nem as habilitações ou mesmo a independência para o exercício do cargo. Pessoalmente tenho dez bons motivos para não simpatizar com essa personagem, aliás, além de não simpatizar tenho muito desprezo pela mesma:

     1. As habilitações:    O percurso académico de Paulo Macedo não está à altura da gestão de uma Caixa Geral de Depósitos, não é uma passagem pela área fiscal e pouco mais que o habilita a administrar um grande banco. 
     2. Os falsos sucessos:    Apesar de, enquanto gestor da DGCI, ter sido um dos beneficiários dos grandes investimentos feitos na informatização da máquina fiscal, beneficiando da gestão dos seus antecessores e dos investimentos que estes mobilizaram, é mentira que Paulo Macedo tenha sido o melhor director-geral dos impostos, dos últimos anos.
     Avaliando os resultados dos últimos quatro diretores-gerais, Paulo Macedo ficaria na terceira posição, com piores resultados do que um dos antecessores, o Dr. Nunes dos Reis, e do seu sucessor Prof. Azevedo Pereira. Paulo Macedo só apresentou melhores resultados do que o seu antecessor, um senhor que foi notícia por estar a fazer o doutoramento ao mesmo tempo que desempenhava as funções de diretor-geral.
     3.O gestor que nada muda (ou que muda tudo para "deixar a sua marca" e 'rebenta a casa'):    Tirando uma sessão em que Paulo Macedo pôs todas as chefias da DGCI tocar uma corneta de plástico, nada de significativo deixou, não mudou chefias, não mudou modelos de organização e não mudou modelos de gestão. Aproveitou os resultados e publicitou-os, aproveitando a boa imprensa de alguém que pertencia a uma instituição com um grande orçamento publicitário.
     4.O especialista em propaganda (ou de marketing, spin, agências de imagem e comunicação):      Paulo Macedo transformava diariamente tudo o que a DGCI cobrava em sucessos pessoais, como se no passado nada fosse feito. Para além de contar com uma rede preciosa de amigos, tirava partido da boa imprensa do BCP para fazer passar sucessos atrás de sucessos. Muitas vezes os mesmos resultados eram publicitados na comunicação social apresentados de formas diferentes, para multiplicar o impacto. Os seus anos de DGCI foram uma intoxicação permanente da comunicação social, aliás, vimos o mesmo na saúde nos seus tempos.
     5. As ligações à Opus Dei (ou à maçonaria ou outros lóbis) :    A confirmar-se a possibilidade de ter ligações à Opus Dei pode questionar-se a isenção na liderança de um banco público. Recorde-se a importância dada por aquela organização à gestão do poder e, em particular, ao poder financeiro, importância que ficou evidente no seu envolvimento com o BCP. A Opus Dei tem grandes interesses económicos e na liderança de muitas instituições empresariais estão homens promovidos por aquela organização religiosa semi-secreta.
     6. As ligações à direita (ou ao centrão/arco do poder, nacional ou externo):     Sem militância conhecida são óbvias as suas relações com o PSD, a cujo governo pertenceu, onde foi um ministro da Saúde que procurou o sucesso com aumentos gratuitos do horário de trabalho e encerramentos de serviços. (ou cortes no pessoal, congelamento de remunerações, recurso a precários e 'outsourcings', para amigos...)
     7. A proximidade ao homem de Oliveira e Costa (ou aos 'facilitadores' de negócios):     Na DGCI tinha como um dos homens mais próximos um braço direito de Dias Loureiro a quem se juntou para promover a perseguição deste blogue, incomodado por críticas e convencido, ainda que sem qualquer prova ou fundamento, de que aqueles que ele pensava serem autores deste blogue teriam sido responsáveis por violações do sigilo fiscal em relação a factos contributivos da sua responsabilidade.
     8. O lado manhoso :     Uma pequena história ilustra o lado humano de Paulo Macedo. A determinada altura convidou Jorge Sampaio, então Presidente da República, para estar presente num seminário por ele organizado, certamente para engrandecer a sua imagem junto da comunicação social. Alguém foi perguntar a um ex-diretor-geral se já algum presidente tinha visitado a DGCI. Foi informado que o mesmo Jorge Sampaio havia inaugurado as novas instalações do serviço de finanças de Serpa. O resultado foi um comunicado informando que pela primeira vez um Presidente da República tinha estado presente num seminário da DGCI.
     9. O trabalho alheio:     Apesar de tantos elogios pelo seu trabalho da sua boca nunca se ouviu a atribuição dos resultados aos esforços de alguns, muitos poucos. Em vez disso, optou por agradecer a Deus e promoveu uma missa de acção de graças, nas Sé de Lisboa, para que os funcionários pudessem agradecer a Deus pelos resultados. Digamos que os funcionários da DGCI e principalmente os que contribuíram para os seus inúmeros comunicados de imprensa, ficaram com a bênção do padre, Paulo Macedo ficou com a fama e o proveito.
   10. As perseguições (ou assédios e despedimentos, versus nepotismo e promoção de 'especiais'):    A crer nas notícias que foram publicadas na comunicação social as perseguições atrás referidas chegaram ao ponto da IGF ter vasculhado os e-mails de todos os funcionários em busca de e-mails trocados entre funcionários e jornalistas. Nunca se soube o que fez Paulo Macedo aos resultados dessas investigações.
              O país está a assistir a um forte campanha para colocar Paulo Macedo na CGD, como se este fosse a última Coca-Cola do deserto. Quem estará por detrás desta campanha, o próprio Paulo Macedo ou outros interesses apostados em tomar conta da CGD? (tal como fizeram com o Montepio Geral e outras instituições não privadas?)
------ [ Neste texto podem colocar outras situações(...) ou outro nome de 'grande' gestor/administrador  ou simplesmente aplique-se a muitos dirigentes/chefias ...  e lembrem-se daquele que afundou a PT mas antes até ganhou prémio de melhor CEO/gestor do ano e da Europa, e condecoração,  para além dos 'benefícios', salários e prémios milionários !!...  Não esquecer que, também na administração pública e entidades para-públicas, mais do que "reformas" ('estruturais' / neoliberais) há ainda muito a fazer relativamente a transparência, concursos, simplificação ('kiss') e melhorias da organização em geral. ]
 
 ------- A    genética das 'nossas'  empresas e dos 'nossos'  empresários   (-OJumento, 14/12/2016)

.O condicionalismo industrial (e ...), combinado com um ambiente laboral gerido com recurso a uma poderosa polícia política, estimulou a criação de uma classe empresarial que ainda hoje denota algumas dificuldades em se adaptar a um quadro económico, social e político diferente. Porque ao longo de décadas o proteccionismo assumiu várias formas, não tendo havido uma rotura com esse passado.    Se na natureza a evolução das espécies é um processo lento, que pode levar muitos milhares de anos e se os processos de aprendizagem das espécies animais são lentos, no caso das empresas, a que se podem aplicar alguns conceitos da teoria da evolução das espécies, tudo pode mudar em poucas gerações. 

    O grande motor da competitividade reside na capacidade e vontade dos empresários e dos gestores, são eles que se adaptam a novas circunstancias, que buscam novos mercados, que promovem a inovação para ganhar novos clientes, que estimulam os seus trabalhadores a serem mais produtivos, que promovem a inovação tecnológica, que buscam os investidores que apostam em soluções mais sofisticadas.
    Se criamos um ambiente social, laboral, fiscal, económico, político e cultural em vez de termos empresários e empresas competitivas teremos empresários e empresas geneticamente fracas. Em vez de procurarem soluções competitivas exigem que os Estado lhes garanta a competitividade, em vez de competirem em conformidade com as regras do mercado preferem o jogo sujo da evasão fiscal e da corrupção, em vez de trabalhadores qualificados e motivados preferem trabalhadores submissos e baratos.
    Uma empresa que recorre facilmente a esquemas de evasão fiscal não valoriza os estímulos fiscais, uma empresa que não declara os seus trabalhadores pouca importância dá às reformas laborais, uma empresa que recorre à corrupção para ganhar contratos com o Estado ou com outras empresas pouco aposta na qualidade ou na eficiência dos seus processos produtivas, uma empresa que vive de expedientes judiciais e de créditos concedidos de forma pouco clara não precisa de ter rigor na forma como aplica o dinheiro.
    Nas últimas décadas o país criou (/manteve) uma geração de empresas e de empresários sem qualidade genética e de pouco servem as políticas governamentais. Depois de décadas de subsídios a tudo e mais alguma coisa, dos mais variados programas de incentivos fiscais e de tudo o mais, uma boa parte das nossas empresas está insolvente, não são competitivas. Não estão doentes, são deficientes.
     É hora de os governos fazerem uma abordagem diferente das políticas económicas, preocupando-se não apenas com os resultados das empresas, mas principalmente com a qualidade genética das empresas e empresários que são criados (, com a sua capacidade e responsabilização).
 
-----( Reguladores da Economia)   Arrasem-se?  (-


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Quinta-feira, 24.11.16

Governo aprova novo regime para substituir a requalificação

  O Governo considera que a 'requalificação  "falhou em todos os aspetos", além de implicar uma redução remuneratória e uma redução de direitos.

O Conselho de Ministros aprovou o regime de valorização profissional dos trabalhadores em funções públicas que respeita a carreira, a categoria e a área de origem do trabalhador e mantém o nível remuneratório, revogando o regime da requalificação.

Na conferência de imprensa do Conselho de Ministros desta quinta-feira a secretária de Estado da Administração e do Emprego Público, Carolina Ferra, apresentou este novo regime, que revoga o aprovado pelo anterior Governo da 'requalificação' (/'mobilidade especial') da administração pública, justificando que este "falhou em todos os aspetos, além de que implicava uma redução remuneratória, uma redução de direitos e, no limite, a cessação de contratos de trabalho".

"Vamos ao encontro das necessidades da Administração Pública, promovendo uma mobilidade mais ágil, respeitando direitos dos trabalhadores porque não há redução absoluta e é respeitada a carreira e a categoria das pessoas", explicou.

O regime de valorização profissional dos trabalhadores em funções públicas mantém a categoria, posição e nível remuneratórios detidos no serviço de origem, durante um período máximo de três meses, respeitando assim os direitos dos trabalhadores.

"Ao contrário do regime da requalificação, há uma efetiva valorização profissional através de formação profissional", enfatizou a governante, sublinhando a "preocupação em acautelar a situação do trabalhador".

Este processo, segundo Carolina Ferra, chega a este ponto "fruto de um processo negocial" com sindicatos e estruturas representativas dos trabalhadores, esclarecendo que "o regime é para futuro" uma vez que "este Governo não conta ter quaisquer processos de reestruturação".

"Agora é preciso ter regras para quando isso acontecer. É um regime que tem origem em processos de reestruturação e racionalização", explicou.

Segundo a secretária de Estado da tutela "a Administração Pública é dinâmica e ir ao encontro das funções do Estado é dinâmico".

"É um estatuto mais claro, mais transparente, mais previsível, com maior segurança jurídica e com isso também valoriza os recursos que temos na Administração Pública", sustenta.

-------   A Greve       (- C.B. Oliveira, Crónicas do rochedo, 18/11/2016)

    Os funcionários públicos estão hoje em greve. Têm muitas razões para estar descontentes.

   As carreiras estão praticamente congeladas há mais de 10 anos, a transparência dos concursos continua a deixar muito a desejar, os salários estiveram sempre a diminuir desde 2010, há desigualdades salariais dentro das mesmas categorias, os horários de trabalho são diferenciados e foram, durante quatro anos, os 'bombos da festa' sempre que se falava em reduzir a despesa.
    Há no entanto uma grande diferença entre a justeza de uma greve e a sua oportunidade. E não me parece oportuno marcar uma greve poucas semanas depois de os funcionários públicos terem recuperado os salários que o governo anterior lhes tinha extorquido. (...)

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--Zé T.:  .Faltam os pormenores sobre o novo regime... mas é um 1º passo para valorizar a Adm. Pública e os servidores do Estado.
. Falta descongelar carreiras, categorias e remunerações (muito desactualizadas);
. Falta simplificar e melhorar o SIADAP (sistema de avaliação...) e instrumentos de controlo da Admin.Pública, como os QUAR, ...
. Falta reapreciar o sistema e a coordenação (e eventuais sobreposições ou lacunas) dos/ entre os organismos Públicos (DGs, serviços, divisões; institutos, agências, fundações, ... empresas púb., do Estado, regiões e municípios).
... falta muito...  oxalá se mantenha a conjugação de objectivos e práticas para fortalecer o estado social, com efetiva capacidade de regulação e defesa dos interesses estratégicos da res pública.---



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Sábado, 23.04.16

            Isto da tropa tem muito que se lhe diga!

    Tenho muitos amigos que me dizem, quase aconselham: deve-se ter cuidado a falar da tropa.
São muito sensíveis e tal e tal....
    É evidente que lhe devemos o 25 de Abril e mesmo assim não é a todos. Por um lado, não se trata de um dívida perpétua e, por outro, a tropa que o fez, hesitou em muitas fases e perdeu o comboio do tempo. Foram ou deixaram-se ir quase todos para a prateleira e temos o país que se vê a empobrecer.
    Mas esta dos chefes militares exigirem promoções em todas as patentes, como leio hoje, não me encaixa.
    E os argumentos são patéticos. O Governo decretou que, em certos casos, os generais podem ser promovidos segundo apreendi para exercer um posto de comando. Vi isso nos tempos do 25 de Abril só com uma diferença: quando deixavam o posto regressavam ao seu posto. Agora não. É para a vida.
    Então os generais que querem ficar bem com a arraia mais miúda e não querem ser contestados vêm propor promoções também para baixo, certamente para os sargentos que se mexem um pouco aí pelas ruas.
    E sabem porquê as promoções?
    Para minorar os problemas de funcionamento e motivação nas fileiras.
    Só há fileiras na tropa?  Parece que o resto do país anda bem motivado e não precisa de funcionamento !          (-Joao Abel de Freitas, PuxaPalavra, 31.1.2012)
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        Os governos e as crises     (-F.Seixas da Costa, 13/4/2016, 2ou3coisas)
...
(Um parêntesis para dizer que começo a ter escassa paciência para esta ideia de que a "tropa" é uma espécie de "chasse gardée" em que sempre se deve tocar com pinças, por uma espécie de reverência eterna que é devida a uma instituição composta por gente que, em princípio, se dispõe a arriscar a vida pela pátria (embora paga para isso) e a quem, além do mais, devemos o 25 de abril.
    Alguns militares parecem pretenderem preservar neste país um estatuto à parte, como se, lá no fundo, recusassem uma completa subordinação ao poder político, tentando garantir que na sua "quinta" mandam eles. Detesto e rejeito este sentimento de casta, até porque faço parte de uma carreira (diplomática) que lhes pede meças em patriotismo e devoção ao interesse nacional.
    Acho, aliás, que já chegou a hora do país deixar de levar a sério algumas indignações castrenses, que indiciam um tropismo obsessivo de afirmação de uma espécie de aristocracia fardada, pouco consentânea com os valores de abril.)   ...


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Quinta-feira, 24.03.16

      "O neoliberalismo é um fascismo"    ---  Lenéolibéralisme est un fascisme

O texto é da presidente do sindicato dos magistrados belgas, Manuela Cadelli, no jornal belga Le Soir , de 3 de Março de 2016 e o texto em Português trouxe-o daqui: LINK (original em francês)   ------------

      " O tempo das precauções discursivas já passou:   é conveniente nomear as coisas com as palavras certas, para viabilizar a preparação de uma reacção democrata concertada, nomeadamente no seio dos serviços públicos.

     O liberalismo foi uma doutrina emanada da filosofia das Luzes, a um tempo política e económica, que visou impor ao Estado a necessária distância, sem a qual não se realizam as liberdades e se inibe o advento da emancipação democrática. O liberalismo foi o motor da ascensão e dos progressos das democracias ocidentais. Já o neoliberalismo, é um economismo total, que age sobre toda e qualquer esfera das actuais sociedades, a cada momento da nossa época. É um extremismo.

O fascismo define-se como a sujeição de todos os elementos que compõem um Estado a uma ideologia totalitária e niilista.

Se digo que o neoliberalismo é um fascismo é porque a economia (neoliberal) realmente sujeitou às suas vontades os governos dos países democráticos, mas também cada pequena parcela do nosso pensamento. O Estado está agora ao serviço da economia e da finança, que o tratam como a um subordinado, explorando-o até ao ponto de pôr em risco a preservação do bem comum.

A austeridade tão desejada nos meios financeiros transformou-se num valor superlativo, substituindo-se à política. Sucede que “fazer economias” se tornou um modo de evitar a prossecução de qualquer outro objectivo público. O princípio da ortodoxia orçamental é de tal maneira impositivo que pretende mesmo inscrever-se na Constituição dos Estados. Enquanto isso, a noção de Serviço Público é ridicularizada. O niilismo que daí decorre permitiu anular o universalismo dos valores humanistas mais consensuais: solidariedade, fraternidade, integração e respeito por todos e por todas as diferenças.    Até mesmo a economia clássica tem dificuldade em realizar-se: é que o trabalho costumava ser um factor de procura, e, nessa medida, os trabalhadores costumavam ser objecto de respeito; a finança internacional fez do trabalho uma simples variável de ajustamento.

Deformação do real:  Todo o totalitarismo é antes de mais um desvirtuamento da linguagem e, como no livro de George Orwell, o neoliberalismo tem a sua própria novilíngua e os seus elementos de comunicação específicos que, juntos, permitem a deformação do real. Assim, qualquer corte orçamental releva actualmente sempre de uma mesma causa: a modernização dos sectores atingidos. Os mais desmunidos deixam de poder pagar (nem sequer uma parte) de quaisquer cuidados de saúde e renunciam à consulta no dentista? É por causa da modernização da Segurança Social.

     A abstracção domina o discurso público para evitar as implicações do que está a acontecer no humano. Assim, tratando-se de refugiados, torna-se imperioso que o seu acolhimento não crie um rombo provocado por uma injecção de capital que as nossas finanças não poderiam talvez assumir. Na mesma linha, os cidadãos beneficiando de apoios do Estado são qualificados como cidadãos beneficiando de «assistência», porque dependem da solidariedade nacional.

Culto da avaliação:    O darwinismo social domina e obriga todos e cada um às mais estritas prescrições em matéria de performance: enfraquecer é falhar. Os nossos fundamentos culturais são assim subvertidos: todo o postulado humanista é desqualificado ou desmonetarizado, pois o neoliberalismo detém o monopólio da racionalidade e do realismo. Margaret Thatcher disse-o em 1985: «Não há alternativa.» "Tudo o resto é mera utopia, irracionalidade e regressão". As virtudes do debate e da conflitualidade são por isso desacreditadas, uma vez que a História é regida por um imperativo de necessidade.

Esta subcultura oculta uma ameaça existencial que lhe é própria: a ausência de performance condena ao desaparecimento e, ao mesmo tempo, cada um é acusado de ineficácia e constrangido a justificar-se por tudo. A confiança quebra-se. A avaliação reina e tudo pode, e com ela reina e pode também a burocracia, que impõe a definição e a procura de uma multiplicidade de objectivos e de indicadores aos quais convém que nos conformemos. A criatividade e o espírito crítico são abafados pela gestão. E cada um é levado a espiar a sua responsabilidade pelos desperdícios e pelas inércias de que é culpado.

A Justiça negligenciada:   A ideologia neoliberal gera uma normatividade que concorre com as leis do parlamento. Desse modo, o poder democrático do Direito fica comprometido. Para evitar a concretização que representam das liberdades e direitos adquiridos, evitando pela mesma ocasião os abusos que impõem, o Direito e o procedimento jurisdicional são doravante encarados como obstáculos.

O mesmo sucedendo, aliás, com o poder judiciário que seja susceptível de contrariar as grandes linhas desse pensamento dominante que, verificando-se, deve ser cercado. A justiça belga encontra-se, aliás, num estado de sub-financiamento; em 2015, estava em último lugar num ranking europeu que incluía todos os Estados situados entre o Atlântico e os Urais. Em dois anos, o Governo conseguiu retirar-lhe a independência que a Constituição lhe havia conferido no interesse do cidadão, viabilizando que assim pudesse ter o papel de contra-poder que se espera que assuma. O objectivo parece ser o seguinte: que deixe de haver justiça na Bélgica.

Uma casta acima de todos os demais No entanto, a classe dominante não se auto-administra a mesma dose que prescreve aos cidadãos comuns, pois a austeridade bem mandada começa nos outros. O economista Thomas Piketty descreveu-o perfeitamente no seu estudo sobre a desigualdade e o capitalismo no século XXI (Temas&Debates, 2014). E enquanto o Estado belga consentia em dez anos e 7 mil milhões de euros de presentes fiscais às multinacionais, o cidadão comum viu negado o acesso à justiça, através de uma sobretaxa. Doravante, para obterem reparação, as vítimas da injustiça têm necessariamente de ser ricas. Isto num Estado em que o número de cargos públicos desafia todos os standards mundiais. Neste sector particular, não existe avaliação nem estudos de custos relativos aos privilégios. Um exemplo: mais de trinta anos decorridos desde o advento do federalismo e a instituição provincial sobrevive sem que ninguém possa efectivamente dizer para que serve. A racionalização e a ideologia gestora quedaram-se às portas do mundo político.

O “ideal” da segurança:    O terrorismo, esse outro niilismo que revela as nossas fraquezas e a nossa cobardia relativamente à afirmação dos nossos valores próprios, pode vir a agravar o processo, possibilitando, um dia destes, que todos os ataques às liberdades e à contestação prescindam doravante de juízes que, entretanto, foram qualificados como ineficazes –  diminuindo desse modo ainda mais a protecção social dos mais desmunidos que, assim, será sacrificada em nome desse «ideal» de segurança.

A salvação pelo envolvimento de cada um:   O contexto ameaça, sem qualquer dúvida, os fundamentos das nossas democracias. Mas quererá isso dizer que nos condena ao desespero e ao desencorajamento? De forma alguma. Há 500 anos, no auge das derrotas que fizeram cair a maior parte dos Estados italianos, impondo-lhes uma ocupação estrangeira de mais de três séculos, Nicolas Machiavel exortava os homens virtuosos a enfrentar o destino e, face à adversidade dos tempos, a preferir a acção e a audácia à prudência. Pois quanto mais trágica é a situação, mais ela pede acção, e a recusa de «rendição» (O Príncipe, capítulos XXV e XXVI).

Essa lição impõe-se de forma evidente à nossa época, na qual tudo parece comprometido. A determinação dos cidadãos afeiçoados à defesa intransigente dos valores democráticos constitui um inestimável recurso que, pelo menos na Bélgica, ainda não revelou o seu potencial de mobilização, no sentido de alterar o que é apresentado como algo inelutável. Graças às redes sociais e à liberdade de expressão que favorecem, cada um pode doravante envolver-se, designadamente no que aos serviços públicos concerne, mas também nas universidades, ao lado do universo estudantil, na magistratura e na advocacia, para trazer de volta o bem comum e a justiça social ao coração do debate público, nomeadamente em relação à administração do Estado e das comunidades locais.

O neoliberalismo é um fascismo  e deve ser combatido em favor do reestabelecimento de um humanismo total.    -----------  Lenéolibéralisme est un fascisme



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Quinta-feira, 17.03.16

Asfixiar o Estado  

Contra os excessos da regulação legal e do controlo judicial da Administração Pública. Mais uma vez, em contracorrente da ortodoxia e do conventional wisdom dominantes.

       Asfixia 

Os excessos no cerceamento legal da liberdade de acção da Administração e no controlo judicial da acção administrativa só podem tornar cada vez mais difícil e onerosa a defesa do interesse público.

    1. Há duas maneiras de subverter o Estado. Uma é a proposta neoliberal do “Estado mínimo”, cortando as suas competências;  outra é a asfixia do Estado, retirando-lhe capacidade (meios) de desempenhar as suas tarefas.

    [uma é a diminuição/perda de soberania para uma união/federação, pela adesão a tratados e organizações internacionais (U.E., SEM, NATO, OMC, TTiP, ...) ou pela captura do Estado através de oligarquias, de ditadura e/ou da dependência económico-financeira de «mercados», da bancocracia, de corporações transnacionais e seus lóbis, sabujos e mercenários... e, claro, pode existir uma mistura destas situações subvertoras e anti-Estado.]  

     Entre nós, a segunda via (asfixia) é mais perigosa do que a primeira, visto que esta (mínimo) encontra muitas resistências políticas à sua concretização, enquanto a outra (asfixia) parece gozar de um consenso político transversal e difuso.
     O primeiro instrumento de asfixia do Estado é a hiperregulamentação (e excesso de legislação feita com lacunas e 'alçapões', à medida de grandes interesses da advocacia, consultoras e corporações) da atividade administrativa, encurtando a necessária margem de decisão e a indispensável flexibilidade da Administração. À revelia dos propósitos de simplificação administrativa (KISs e Simplex), vão sendo aprovados verdadeiros monumentos de complexificação” administrativa que infernizam os serviços públicos e aumentam a litigiosidade administrativa, como, por exemplo, o Código dos Contratos Públicos (2008) e o novo Código de Procedimento Administrativo (2015).
    O segundo grande instrumento consiste na supressão dos instrumentos de autoridade típicos do “Estado administrativo”, em especial a “executoriedade” das decisões administrativas e a possibilidade de serem executadas coercivamente na falta de cumprimento pelos destinatários. Por um lado, generaliza-se a contratualização da atividade administrativa com os particulares (via 'outsourcing', concessões e privatizações) e anuncia-se o “requiem”(fim) do princípio da “autotutela executiva” da Administração, obrigando-a a recorrer aos tribunais para fazer executar as suas decisões. Por outro lado, acentua-se a banalização da suspensão cautelar automática da execução das decisões administrativas, quase sempre fútil, com os inerentes gastos de energia da Administração e dos tribunais (que ficam 'entupidos' e ineficazes por caducidade).
    Não é necessário sublinhar o efeito devastador desta subversão dos poderes de autoridade administrativa e desta tendencial equiparação entre a Administração e os particulares sobre a capacidade daquela para fazer valer o interesse público contra os interesses particulares.

     2. Como se isto não bastasse, vêm-se acentuando as tendências para apertar o controlo judicial sobre a atividade administrativa, mesmo aquela que tem lugar ao abrigo de “poderes discricionários”, cabendo à Administração adotar a melhor solução de acordo com as circunstâncias de cada caso.
     Invocando os princípios constitucionais e legais aplicáveis à atividade administrativa (cada vez mais numerosos), os tribunais têm vindo crescentemente a questionar a validade de decisões administrativas, ou mesmo de atos de governo, praticados ao abrigo de tais poderes. Ainda não chegámos à situação vigente noutros países, como o Brasil, onde os tribunais tomaram o “freio nos dentes” nesta orientação. Mas a suspensão judicial do encerramento da Maternidade Alfredo da Costa em Lisboa faz soar as campainhas de alarme sobre a separação de poderes entre a política e os tribunais.
     Bem se sabe que estes mecanismos de asfixia da Administração são sempre justificados pela defesa dos direitos dos particulares e pela necessidade de controlo judicial da ação administrativa, como é próprio de um Estado de direito. E é evidente que o Estado democrático tem de ser bem mais exigente do que era o Estado Novo (corporativo/ salazarista/ fascista) nesta matéria. Mas não era necessário passar do oito ao oitenta, sacrificando desproporcionadamente a eficácia e eficiência da Administração.
    Os excessos no cerceamento legal da liberdade de ação da Administração e no controlo judicial da ação administrativa só podem tornar cada vez mais difícil e mais onerosa a defesa do interesse público (da «res pública»), que é a primeira missão da Administração, em benefício da minoria que tem meios suficientes para defender os seus interesses por via judicial.



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Terça-feira, 15.03.16

 --- 'Jotas' :    As juventudes partidárias     (-por Rafael Pinto Borges, via mmpoupino,11/2/2016)
É sempre bom estarmos actualizados….  Isto deve passar-se em todas as juventudes partidárias!! (especialmente nas do centrão de interesses e do 'arco do poder')

            um 'exemplo' do gabiru que é uma piada de mau gosto.
     Cristóvão Simão Ribeiro tem 29 anos, é deputado do PSD, presidente da Juventude Social Democrata e colunista da revista Sábado. Arreigadamente (neo)liberal, o jovem Simão postula o combate à influência do Estado sobre a sociedade e a economia, defende todas as privatizações, propugna a liberalização da prostituição – que considera uma opção profissional legítima e aceitável – e proclama as virtudes da “meritocracia”, palavrão sempre útil a quem nada fez, faz ou fará na vida. (e se 'safa' na vidinha através de 'esquemas' e ou de nepotismo.) 

   C.S.Ribeiro pede o esmagamento do Estado, mas recebe dele – através da Assembleia da República – um salário mensal de 3683 euros; louva o mérito individual e as virtudes do "self-made man" (empreendedorismo), mas encontra-se há nove anos inscrito num curso de Direito que ainda não concluiu; fala da necessidade de “sacrifícios”, mas tem quase 30 anos, mal sabe escrever, não estudou e nunca trabalhou.  

    É certo que o presidente da JSD está longe de ser caso único, mas o seu percurso demonstra bem aquilo em que se transformou o mundo dos partidos. Não há dúvida de que o primeiro, mais valioso e mais necessário instinto a reconstruir é o pudor. Enquanto ele faltar, pouco haverá a fazer pelo país.

---- A  expulsão de Capucho e os partidos que temos    (por Daniel Oliveira, 13/2/2014, Expresso online)

     A direção que mais afastou o PSD da sua matriz ideológica  original expulsou do partido um dos seus mais emblemáticos fundadores, que  apoiou as candidaturas da Oposição Democrática durante a ditadura e, em 1974,  fundou, com Sá Carneiro, o então PPD. Dificilmente poderá ser considerado um  enxovalho para António Capucho, que perde bem menos do que o partido que o  expulsa. É claro que Capucho foi candidato numa lista independente contra uma  lista do PSD de que nem os eleitores mais fiéis do PSD gostavam. Como ficou  provado pelo humilhante resultado de Pedro Pinto, em Sintra. E é verdade que os  estatutos não permitem esta postura de Capucho e que ele é um candidato como  outro qualquer.

    Outro debate é saber o que leva um fundador do PSD, com as  responsabilidades internas que António Capucho já teve, a este ponto de ruptura  com o seu próprio partido. E para isso não é preciso muito latim. Basta olhar  para o governo e para quase todas as figuras históricas do PPD/PSD para perceber  que Capucho é apenas o caso extremo.

   O PCP tem, e com razão, fama de não permitir grandes  divergências internas e tratar administrativamente o que politicamente não  consegue resolver. Mas não é o único e, bem vistas as coisas, não é o pior.  Arrisco-me a dizer que PS e PSD, apesar das lições de democracia interna que  gostam de dar aos outros, já expulsaram muito mais gente do que os comunistas.  Isto apesar de terem instrumentos mais eficazes para manter as hostes na linha  (como a distribuição de lugares, assunto que  tratarei na edição do Expresso em papel). Quanto ao CDS, sei que retira da sede  fotografias de ex-líderes caídos em desgraça e que se transformou num partido  unipessoal. Mas confesso desconhecer o historial de expulsões. O BE, que eu saiba, apenas expulsou uma pessoa (e não foi por divergências  de opinião) e limita-se a ver em cada demissão um "acidente de percurso", como  se ninguém que discorde fizesse grande falta. Não é preciso expulsar para impor  uma cultura sectária.  

    Sim, os partidos têm estatutos. Mas vale a pena discutir esses  estatutos (ou a cultura informal que promovem) e que tipo de partidos eles  ajudam a criar. Recordando que os partidos não são associações como as outras. A  lei dá-lhes direitos especiais que lhes dão responsabilidades especiais. Para  que fique esclarecido, sou contra a uniformização dos partidos. Acho, aliás, que  a nossa lei é excessivamente formatadora e não respeita a natureza plural de  organização que os partidos podem e devem ter, consoante as suas convicções  ideológicas. Por isso, o que aqui defendo não é matéria de lei. É matéria  política. E essa, tendo em conta o poder que a Constituição dá aos partidos  políticos, é da nossa conta.  

    Se os partidos continuarem a achar que é possível manter uma  forte influência na sociedade - naquela que vive fora do aparelho de Estado - exigindo aos seus militantes um contrato de fidelidade absoluta terão um tipo de  militância. Se, pelo contrário, passarem a exigir uma comunhão de princípios  gerais e cooperação de esforços, garantindo, ainda assim, uma razoável autonomia  de pensamento e ação aos seus membros, terão outro tipo de militância. E são as  militâncias que tenham que garantirão a sua capacidade de regeneração e  adaptação às mudanças na sociedade.  

    Não digo que no primeiro caso lá fiquem apenas oportunistas em  busca de carreira. Há gente honesta - eu conheço - perfeitamente capaz de viver  com este tipo de cultura de organização. Mas é evidente que a percentagem de  oportunistas ou gente sem qualquer sentido crítico será maior. E que pessoas  desinteressadas que prezem a sua própria consciência tendam a afastar-se mais  dos partidos e, por essa via, da política. E que, com isto, aumente uma cultura  perigosa que vê (mal) o comprometimento partidário como sinal de carreirismo e a  "independência" como prova de superioridade moral e intelectual.

    No segundo caso, perdendo os partidos alguma eficácia na ação - ainda assim a solidariedade partidária pode ser conseguida sem coação -, é  provável que gente com um sentido critico mais apurado ou com menos paciência  para engolir sapos em troca de lugares esteja disposta a militar nos partidos  políticos. Nada disto é a preto e branco. Entre o "centralismo democrático",  onde nem a dissidência de opinião é tolerada, e a completa ausência de  obrigações há um mundo de possibilidades. E parece-me que do casamento com  comunhão total de bens se pode passar a viver, sem drama, em união de facto.  

    Alguém acha que o PSD ficará melhor, mais coeso, mais forte e  mais influente depois da expulsão de António Capucho? Que com este exemplo o PSD  será mais eficaz e terá maior influência social e política? Que esta expulsão  dará saúde à democracia e aos partidos? A expulsão de Capucho é como a  disciplina de voto dos deputados (que apenas deveria existir para os orçamentos,  programa de governo e moções de censura e confiança): a sensação de poder que dá  a quem manda é proporcional aos estragos que provoca.  

    Mas este tipo de organização partidária é aquela com que a  maioria dos portugueses, mesmo não gostando, sabe conviver. Por isso trata cada  divergência interna como sinal de "confusão", "desordem", "desgoverno", "zanga  de comadres". Num país que viveu meio século de ditadura, anseia por "consensos"  e "salvações nacionais", o pluralismo interno dos partidos é visto como sinal de  fraqueza. A falta de tolerância democrática dentro dos partidos corresponde à  falta de tolerância democrática num país que continua a gostar de líderes fortes  e tropas disciplinadas. Aliás, se olharmos para associações, sindicatos ou  organizações não governamentais as coisas não são melhores. Na realidade, como  em geral há menos garantias estatutárias e tudo é mais informal, são piores. Nem  é preciso expulsar. E esta é a parte em que os críticos mais irados da  "partidocracia" falham: os partidos que temos não são a causa da pobreza do debate político em Portugal. São a consequência.

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Estudo mostra que boys ajudam a controlar administração pública  (-por João Ruela Ribeiro, 12/02/2014

Tese de doutoramento de investigadora de Aveiro analisou 11 mil nomeações em 15 anos e concluiu que a maioria serviu para recompensar lealdades partidárias.

Estudo confirma cargos por recompensa política Daniel Rocha.  Estudo prova que existem mesmo "jobs for the boys"     

     Acabado de tomar posse como primeiro-ministro, em 1995, António Guterres prometia que ia acabar com os jobs for the boys, ou seja, que as nomeações para cargos públicos iam deixar de obedecer a critérios partidários. Quase 20 anos depois, um estudo, cuja análise começa em 1995, revela precisamente que as nomeações para os cargos dirigentes na administração pública são influenciadas pelos partidos políticos.

Na investigação da Universidade de Aveiro (UA) foram detectados dois tipos de motivações por trás das nomeações para cargos na cúpula da administração central: o “controlo de políticas públicas” e a “recompensa por serviços prestados anteriormente ou em antecipação aos mesmos”, segundo a autora, Patrícia Silva. “É difícil dizer que uma nomeação ocorra só por causa de um dos motivos, que por vezes se conjugam”, explica ao PÚBLICO.

    As conclusões apoiam-se numa base de dados de 11 mil nomeações e em entrevistas a “51 dirigentes políticos, ministros e observadores privilegiados da política portuguesa”, que, “na sua larga maioria, confirmam essa influência partidária”. “Há um alinhamento [ideológico] entre os partidos que estão no governo e as pessoas à frente” da administração pública, nota Patrícia Silva. A investigadora do Departamento de Ciências Sociais, Políticas e do Território da UA justifica esta realidade com a necessidade de os governos terem um programa para executar.

    Para além disso, há o recurso por parte dos governos à informação. “Há uma preocupação de a pessoa que foi nomeada contactar o ministro antes de tomar uma decisão”, observa a autora do estudo Novos dilemas, velhas soluções? Patronagem e governos partidários. A influência é exercida mesmo “quando o ministro não consegue nomear a cabeça da instituição”, acabando por indicar pessoas para cargos mais baixos.

    Por outro lado, “as motivações de recompensa surgem associadas às posições hierárquicas intermédias e a posições nos gabinetes ministeriais ou nos serviços periféricos da administração pública, bem como a posições menos visíveis, mas igualmente atractivas do ponto de vista financeiro”, conclui a investigação, que incide sobre um período temporal que abarca dois governos do PS (Guterres e Sócrates) e um governo do PSD-CDS (Durão Barroso/Santana Lopes).

    O estudo compara ainda, ao nível legislativo, várias realidades de outros países e a autora verificou que a influência partidária nas nomeações para cargos públicos “não é exclusiva de Portugal”. “Nos casos de uma administração pública permanente como no Reino Unido, os ministros sentem-se desconfortáveis em trabalhar com essas administrações, nomeiam special advisors e contornam estas limitações”, explica Patrícia Silva.

“Impacto económico tremendo” A influência dos partidos nas nomeações na administração pública é “uma realidade conhecida e um dos maiores problemas do país, com um impacto económico tremendo”, observa o vice-presidente da Transparência e Integridade, Associação Cívica, Paulo Morais, em declarações ao PÚBLICO.

    “Só por milagre um boy de uma juventude partidária, habituado a organizar jantares e comícios, consegue fazer um bom trabalho num organismo público”, critica Morais. O investigador reconhece que “há milagres, mas a regra é que [os nomeados] tomem decisões incompetentes e erradas”.

    O dirigente da TIAC admite que, no “círculo mais restrito da execução de políticas, se recrutem pessoas de confiança [dos governos], mas sempre com competência”, sublinhando que “esse critério da confiança faz sentido num universo de cem pessoas, não de cem mil”.

    O actual Governo lançou, em 2012, as bases de uma reforma do regime de selecção para cargos públicos, com a fundação da Comissão de Recrutamento e Selecção para a Administração Pública (Cresap). O objectivo é escrutinar de forma mais eficaz o processo de recrutamento para cargos públicos, ou seja, tentar acabar com os jobs for the boys, como havia prometido Guterres.  “A tendência é valorizar o mérito e não a fidelidade”, garante ao PÚBLICO o presidente da Cresap, João Bilhim. O responsável não se mostra surpreendido com as conclusões do estudo. “O último Governo de Sócrates assumiu isso [nomeações influenciadas por partidos] como um dado”, observa.

    Bilhim afirma que a administração pública vai deixar de estar dependente dos partidos no governo, algo que é garantido pela própria legislação que prevê cargos de cinco anos. “Digo nas entrevistas que não estamos a recrutar políticos, mas sim profissionais capazes de lidar com todas as cores políticas”, afirma o presidente da Cresap.

    Paulo Morais considera ainda ser cedo para se fazer uma avaliação do novo paradigma, mas nota que, “em teoria, é melhor que o anterior”. “A questão é saber se vem romper com o modelo anterior ou se o vai branquear.”



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Domingo, 13.03.16

O bem-estar das corporações multinacionais    (-R.N. Rosa, 23/2/2016, via OCastendo) 

(Fundos e empresas transnacionais, fisco e grandes consultoras, manipulação e captura de governantes e estados, 'offshores' e fluxos financeiros, U.E. e imposição de políticas)

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Rui Namorado Rosa  estuda no texto que hoje apresentamos os mecanismos do planeamento tributário das multinacionais, uma outra maneira de dizer ao normal pagamento (/fuga) de impostos nos diversos países:
      «A multinacional elabora um planeamento financeiro do qual resulta uma complexa estrutura organizativa de fluxos materiais, imateriais e financeiros que, tirando partido das especificidades dos variados regimes fiscais, procura optimizar os benefícios agregados. Entre diferentes itens que esse planeamento abarca e sobre os quais a multinacional toma opção, no processo de construir a sua estrutura, relevam os seguintes: onde incorporar a sede social, onde incorporar as suas subsidiárias, em que condições conduzir as transacções entre empresas do grupo, onde registar as suas vendas, onde incorrer os seus custos, onde localizar os seus activos, onde empregar o seu pessoal, onde aceder ao crédito, onde registar a sua propriedade intelectual, onde extrair privilégios fiscais especiais.»

     Quando uma grande empresa desenvolve as suas actividades internacionais recorre ao planeamento tributário, assistida por uma empresa de auditoria e consultoria fiscal e jurídica, optimizando fontes e fluxos de capital e de factores de produção, estruturando-se numa empresa multinacional (ou transnacional). É provável que menos de 10% das empresas do mundo sejam «corporações multinacionais» – grupos de empresas interdependentes por laços de propriedade e articulação funcional – e talvez menos de 1% sejam empresas-mãe de tais grupos. Todavia, transacções internacionais entre empresas do mesmo grupo representarão mais de metade do comércio mundial.

     As multinacionais pretendem ser reconhecidas como uma entidade única e publicam relatórios e contas que sugerem assim ser, porém consistem em grande número de empresas distintas quanto a localização e actividade. A empresa-mãe é proprietária da totalidade ou da maioria das demais, as subsidiárias, e controla todas elas. Poderão ser algumas apenas ou ser milhares. Uma contagem recente sugere que a BP detém mais de 3.000 empresas subsidiárias pelo mundo fora.

    Isto significa que, conquanto a corporação multinacional se apresente com uma só face perante o mundo, e publicite um conjunto impressionante de activos, actividades e resultados, a realidade é que quando se trata de tributação não existe tal coisa como uma simples entidade multinacional. Cada empresa de que se compõe é tributada de per si, geralmente ou no país em que se encontra incorporada ou no país onde conduz o seu negócio, não havendo norma universal. Uma sociedade estabelecida segundo o direito inglês é sempre tributável no Reino Unido sobre os rendimentos realizados em todo o mundo. Porém, uma empresa constituída na Inglaterra que tem uma filial em França é em primeira instância tributada em França sobre o rendimento da filial francesa, e depois no Reino Unido, mas com crédito dado ao desembolso fiscal já pago em França, nos termos do acordo de dupla tributação entre esses dois países.   Porém, diferentes países têm regimes fiscais diferentes, compreendendo diferenciadas actividades e tipologias de rendimentos, de tal modo que as taxas de impostos variam amplamente entre países e segundo as actividades desenvolvidas. Assim, uma multinacional detém empresas separadas por actividade em cada país em que opera, e conduz certas actividades em certos países e não noutros, à luz do planeamento tributário.

    A multinacional elabora um planeamento financeiro do qual resulta uma complexa estrutura organizativa de fluxos materiais, imateriais e financeiros que, tirando partido das especificidades dos variados regimes fiscais, procura optimizar os benefícios agregados. Entre diferentes itens que esse planeamento abarca e sobre os quais a multinacional toma opção, no processo de construir a sua estrutura, relevam os seguintes:   onde incorporar a sede social, onde incorporar as suas subsidiárias, em que condições conduzir as transacções entre empresas do grupo, onde registar as suas vendas, onde incorrer os seus custos, onde localizar os seus activos, onde empregar o seu pessoal, onde aceder ao crédito, onde registar a sua propriedade intelectual, onde extrair privilégios fiscais especiais.

     Respeitando à sede social, as multinacionais costumam configurar uma holding, propriedade da empresa-mãe, por sua vez detentora de empresas operacionais subsidiárias. Pouco acontece nesse nível intermediário, excepto que colecta dividendos das subsidiárias para depois conceder os recursos de que dispõe, não a título de dividendos mas como empréstimo à empresa-mãe. A localização intermédia é escolhida numa jurisdição com regime fiscal favorável quanto a tributação de rendimentos, dividendos e juros recebidos, e um amplo leque de acordos sobre dupla tributação com outros países – de modo a não suscitar suspeição de se tratar de um paraíso fiscal, embora o seja de facto. Na Europa, os locais mais procurados a respeito são os Países Baixos, a Irlanda, o Luxemburgo e a Suíça.
        As «quatro grandes»    empresas de consultoria e auditoria – Deloitte, Ernst & Young, KPMG e Price Waterhouse Coopers – são as multinacionais que dominam o sector de serviços de auditoria e consultoria contabilística, fiscal, financeira e jurídica, prestados a empresas de todos os demais sectores em todo o mundo. Elas são igualmente solicitadas por entidades públicas e governamentais para realizarem estudos e prestarem assessoria antecedendo decisões políticas.     Estas empresas gozam de acesso privilegiado aos círculos económicos, legislativos e executivos, e detêm informação que lhes faculta contribuir para conceber e operacionalizar modelos político-económico e jurídico-fiscais em que se configuram programas políticos e estratégias empresariais ao serviço do grande capital transnacional.

     Deloitte Touche Tohmatsu Limited, ou simplesmente Deloitte, sede em Nova Iorque, emprega 210 mil profissionais e gerou $34 mil milhões de receitas em 2014. Price Waterhouse Coopers (PwC), sede em Londres, é uma rede multinacional de serviços profissionais, presente em 157 países, emprega quase 200 mil técnicos, somou $34 mil milhões de receitas em 2014. Ernst & Young (E&Y), sede em Londres, opera como rede de firmas legalmente separadas em 150 países, emprega 210 mil técnicos, realizou $29 mil milhões. KPMG, sede em Amesterdão, emprega 160 mil técnicos, realizou $26 mil milhões de receitas.

       As «quatro grandes» actuam como plataforma giratória de pessoas, conceitos e métodos entre as esferas político-institucional e económico-empresarial, em que assenta o funcionamento do sistema capitalista na sua actual etapa.     A influência política abusiva das «quatro grandes» surge averiguado e verberado num relatório recente da comissão de contas públicas da Câmara Baixa do Parlamento britânico. O Governo britânico vem recorrendo a técnicos dessas empresas de auditoria e consultoria, destacados nos Serviços Tributários e Aduaneiros, para a redacção de leis fiscais. As referidas empresas são livres de depois aconselharem multinacionais e indivíduos em matéria fiscal, fazendo uso do conhecimento privilegiado que possuem, assim facilitando a exploração de detalhes e hiatos da legislação cuja redacção elas mesmas assessoraram. Trata-se de uma ilustração óbvia de um consabido mecanismo corruptor conhecido por «porta giratória».

      Os Serviços Tributários e Aduaneiros britânicos têm recorrido a auxílio externo ('outsourcing'), por alegada insuficiência de recursos, na tentativa de conter as perdas para o erário público causadas por via da evasão fiscal. Os números são convincentes: as «quatro grandes» empregam quase 9000 funcionários e cobram anualmente €2,8 mil milhões pelo trabalho que fazem para as autoridades do Reino Unido.   Os Serviços Tributários têm muito menos recursos, em particular na área de transferência de preços – transacções complexas implementadas por empresas multinacionais tendo em vista transferir lucros tributáveis para jurisdições de baixa tributação –, esquemas de evasão justamente montados com assessoria das mesmas consultoras. «Só nessa área de transferência de preços há quatro vezes mais funcionários que trabalham para as quatro consultoras do que para o correspondente serviço público», diz o relatório.    Um porta-voz dos Serviços Tributários justifica-se:  «Damos cuidadosa consideração a potenciais riscos assim como à forma de mitigar potenciais conflitos de interesse, antes de qualquer desses destacamentos ser acordado. Tudo ponderado, a utilização cuidadosa de quadros destacados é benéfico para o desenvolvimento da política fiscal e melhoramento da eficácia do sistema fiscal.»

     A KPMG aconselhou o Tesouro sobre o desenvolvimento do conceito e de normas para um regime de Direitos de Propriedade Intelectual designado por patent box, para de seguida emitir material promocional relevando o papel que havia desempenhado. Na brochura «patent box: o que ela tem para si» a KPMG sugere que a legislação representa uma oportunidade de negócio para reduzir os impostos, oferecendo ajudar os seus clientes na preparação da alocação de despesas elegíveis.   Depois, a KPMG explica-se em comunicado:   «Quando solicitados pelos departamentos governamentais destacamos especialistas para o seu serviço. O seu papel é fornecer subsídios técnicos e experiência comercial para que as autoridades possam fazer escolhas informadas sobre política fiscal. Os nossos quadros aí destacados não redigem legislação nem tomam decisões políticas». Também o chefe de política fiscal na Deloitte explica:   «Nós não cremos que alguma vez tenha havido qualquer conflito de interesses, e gostaria de ajudar a garantir que não há percepção de conflito».  Já o director de fiscalidade na PwC:  «Nós fornecemos ao governo uma visão técnica, mas apenas quando solicitados e nunca estamos envolvidos na decisão sobre política fiscal, que é uma questão do governo.»   E o chefe de fiscalidade da E&Y vai mais longe:  «Acho que há benefícios no trabalho que fazemos com o governo (…) benefícios para o país em geral. Se olharem para a qualidade da legislação que agora temos (…) é muito melhor do que era há 10 anos atrás.»  «Porque assim? Porque estamos trabalhando activamente com o governo, às nossas custas, para certificarmos que a base legislativa com que estamos a trabalhar é tão clara e concisa quanto pode ser.»

    Porém a presidente da comissão parlamentar identificou esse conflito de interesses e descreveu a acção dessas empresas como sendo equivalente a um esquema fraudulento. «As grandes empresas de contabilidade detêm numa posição poderosa no universo da fiscalidade e mantêm uma inapropriada relação de proximidade com o governo», afirmou, pedindo ao Tesouro para não mais aceitar essas assessorias externas na elaboração de futuras leis fiscais.

     A comissão parlamentar afirma estar «muito preocupada com a maneira como as quatro empresas parecem utilizar seu conhecimento interno da legislação para vender aos clientes aconselhamento sobre como usar essas regras para pagarem menos imposto», acrescenta o relatório. Prem Sikka, professor de contabilidade da Universidade de Essex, declarou:  «Elas [as quatro grandes] são o epicentro de uma indústria de elisão fiscal global, e a perda de receitas fiscais é directamente responsável pela actual crise económica. O Tesouro deveria actuar como as autoridades norte-americanas e processar e multar as empresas. Infractores habituais deveriam ser encerrados».

       Entre nós, a KPMG foi, entre 2002 e 2014, a auditora das contas das principais empresas do Grupo Espírito Santo, sediadas no Luxemburgo. Mantendo-se como auditora do BES «mau», surgiu agora a dar assessoria aos dois candidatos chineses Anbang e a Fosun nas negociações para a compra do Novo Banco (BES «bom»); enquanto isso, a actual auditora do Novo Banco, a PwC, surge também como assessora do fundo norte-americano Apollo, nas negociações para a compra desse mesmo banco. Os paraísos fiscais e as auditoras/consultoras estão omnipresentes e guardam bem os seus segredos.
             Evasão fiscal, paraísos fiscais
     As multinacionais concorrem pelos regimes fiscais mais generosos. Os governos dos países concorrem para as atrair, antecipando maiores receitas fiscais ou então, comprometidos no mesmo objectivo, oferecendo regimes fiscais favoráveis ou isenções.

     A concorrência fiscal, com incentivos para manipular e atrair investimentos, estimula a evasão e fuga de capitais. A concorrência fiscal mina a soberania financeira dos governos posto que contraria a adopção de política fiscal própria; induz mudanças de política tributária, de imposto sobre sociedades para o trabalho e o consumo, agrava a carga fiscal sobre os pobres (classes média e baixa, especialmente sobre os trabalhadores por conta de outrém, impossibilitados de fugir aos impostos); em estados vulneráveis resulta em redução da base tributária, maior assimetria social /desigualdade e enfraquecimento do estado nos planos interno e externo. É esta a corrida para o precipício que o capitalismo tem para oferecer.

      A elisão, a evasão e a fraude fiscal, difíceis de monitorizar e quantificar, resultam em enormes montantes de receitas públicas perdidas. Encaminhadas para paraísos fiscais, atingirão a ordem de $1 milhão de milhões anuais. Os paraísos fiscais, ao permitirem estatuto de privilégio às grandes fortunas e às multinacionais, contribuem para a redução das respectivas tributações, abrem caminho para que a carga tributária recaia sobre os trabalhadores. E iludem a percepção de realidade, risco e responsabilidade do sistema financeiro.

     A fuga de capitais, um fenómeno relacionado com a evasão e a fraude, reporta-se à saída de recursos produtivos de países em desenvolvimento ou periféricos. Embora haja várias motivações por detrás da fuga de capitais, a mais comum será a movimentação e acumulação de riqueza escondida. A fuga de capitais estima-se que exceda $500 mil milhões anualmente, tendo os paraísos fiscais como destino para os acolher com discrição em segurança.

      Fluxos financeiros ilícitos, isto é, movimentos de recursos ilegalmente adquiridos, transferidos ou utilizados, designadamente via transacções comerciais instrumentalizadas por sobre/subfacturação, visam iludir direitos aduaneiros, imposto de rendimento ou IVA, e obviamente também fundos oriundos ou aplicados de/para actividades criminosas. A pesquisa da Global Financial Integrity sugere que 45% dos fluxos ilícitos acabam em centros financeiros offshore e 55% em bancos nos países desenvolvidos. A exportação de fluxos financeiros ilícitos pelas economias em desenvolvimento e emergentes tem progredido à taxa anual de 9%, duas vezes mais rápida do que a geração do PIB global, tendo atingido $991 mil milhões em 2012 (estimativa conservadora por não compreender falsificação de facturação de serviços, dinheiro em espécie e lavagem de dinheiro).

     Um relatório de 2013 revela que, depois de ponderar todos os tipos de fluxos financeiros (legítimos e ilegítimos), incluindo investimentos, remessas, perdão da dívida e exportação de recursos naturais, a África é um credor líquido do resto do mundo. Para além do impacto económico negativo da saída de capital, os fluxos ilícitos têm um impacto terrível sobre os governos, as vítimas da criminalidade e a sociedade. Facilitam a criminalidade organizada, recompensam a corrupção, diminuem as receitas fiscais e comprometem a governação.

      Os fluxos ilícitos exportados por países em desenvolvimento excedem o total do investimento directo estrangeiro (FDI) e da assistência oficial ao desenvolvimento (ODA) recebidos. E o maior volume desses fluxos, 78%, é facturação fraudulenta de transacções comerciais. Aí está patente a marca da acção das multinacionais.

«De acordo com a UNCTAD, mais de 30 por cento do Investimento Directo Estrangeiro passa por paraísos fiscais e a tendência é crescente, distorcendo as estatísticas sobre fluxos de investimento e de capital. Por exemplo, alguns paraísos fiscais como Bermudas recebem mais investimentos dos Estados Unidos do que países como a China».

      A evasão fiscal é ainda mais facilitada quando incide sobre intangíveis, como Propriedade Intelectual (PI), patentes ou direitos de autor, mesmo logotipos e marcas registadas. A empresa-mãe de uma multinacional cede a propriedade de uma patente a uma empresa de fachada (holding) constituída em território de baixa tributação. Todas as subsidiárias produtivas desse complexo multinacional pagarão subsequentemente royalties a esta empresa de fachada, a partir dos proveitos de suas vendas atribuíveis a essa patente. Garante assim um débito contínuo de receitas para o paraíso fiscal. A Microsoft, só por registar os seus direitos de PI numa subsidiária na Irlanda, «poupou» $1800 milhões em impostos, entre 2001 e 2004, posto que tributados a uma taxa de 12,5% na Irlanda estariam sujeitos à taxa de 35% nos EUA.

      À mão das «quatro grandes» empresas de auditoria e consultoria, a engenharia fiscal é cuidadosamente planificada com vista a contornar e reduzir quanto possível os impostos cobrados a uma empresa, sem necessariamente contradizer a letra da legislação mas iludindo o seu espírito. Tirando partido de ambiguidades ou lacunas das normas legais, e das diferenças entre regimes fiscais vigentes em distintos países. A Organização Mundial do Comércio e o Fundo Monetário Internacional, ao promoverem a liberalização do comércio e da circulação de capitais, com vista ao crescimento e incremento dos lucros dos grandes grupos económicos, abriram caminho à infiltração de esquemas de elisão e evasão fiscal, de oportunidades de fuga de capitais e fraude fiscal.

                  Caso de sucesso: os Países Baixos

        A respeitável Europa está recheada de paraísos fiscais. O maior paraíso fiscal do mundo será a Suíça, tradicional esconderijo de grandes fortunas. Indivíduos e corporações acorrem discretamente a esse país para lá esconder os seus activos, protegidos por leis de sigilo bancário. Embora o regime fiscal compreenda imposto de rendimento sobre empresas (IRC, ...), todavia não cobra sobre proveitos auferidos por subsidiárias além-fronteira, por aí facultando a possibilidade de as empresas registadas na Suíça evitarem tais impostos. Porém a barreira do anonimato pode ser episodicamente derrubada, em caso de conflito entre centros financeiros, ou por força de investigações lançadas (por potências como EUA ou Alemanha) sobre incidentes bancários.     Crédit Suisse, UBS-AG, e Liechtenstein Grupo Global Trust (LGT) contam-se entre instituições financeiras acusadas de evasão fiscal pelas autoridades norte-americanas, penalizadas após sequente acção jurídica a pagar milhares de milhões de dólares em multas e a ceder informação sobre pessoas físicas e jurídicas com contas secretas. Foi alegado que «o maior gestor de fortunas do mundo [UBS] escondeu $17,9 mil milhões de 19 mil americanos que não declararam os seus bens ao Internal Revenue Service (autoridade tributária dos EUA).» A instituição financeira pagou «$780 milhões, admitiu fomentar a evasão fiscal e forneceu detalhes sobre 250 contas secretas,… posteriormente revelando outras 4450 contas.» Trata-se do maior banco suíço, presente em 50 países, tem 60 mil trabalhadores.

Os Países Baixos são um nó importante na rede mundial de evasão fiscal, onde presentemente estacionam $13 milhões de milhões. Numa União Europeia em crise é motivo de perplexidade e indignação.    O papel dos Países Baixos no sentido de facilitar a elisão e evasão fiscal remonta aos fins da década de 1970 quando, visando atrair empresas multinacionais, iniciou um regime de garantia de tributação favorável pré-acordada (the Dutch turn) em troca de lhes ser permitido o trânsito de capitais. Ao encaminhar proveitos através dos Países Baixos a caminho de paraísos insulares, as empresas podem colher um duplo benefício, não ter de pagar imposto sobre os seus capitais tanto à entrada como à saída.

       Empresas farmacêuticas ou ditas tecnológicas procuram reduzir os seus encargos fiscais pagando royalties sobre direitos de propriedade de patentes em subsidiárias offshore. Tais transacções normalmente incorrem em custos substanciais pois muitas nações desenvolvidas aplicam imposto de retenção na fonte sobre a saída de royalties para jurisdições com as quais não mantenham um acordo fiscal. Pelo contrário, os Países Baixos não impõem imposto de retenção sobre royalties que deixem o país, independentemente do destino. E o imposto é ou reduzido ou eliminado quando os pagamentos sejam feitos para uma jurisdição que seja parceira de acordo fiscal bilateral. A extensa rede de acordos fiscais neerlandeses protege o fluxo de pagamentos através das suas fronteiras.    A evasão fiscal tem fomentado uma vasta população de empresas trusts nos Países Baixos, e gerado cerca de mil milhões de euros de receitas fiscais anuais e cerca de 3500 postos de trabalho, segundo um estudo de 2009. Empresas locais, como Intertrust Group Holding SA e Grupo TMF disponibilizam caixas de correio para multinacionais, proporcionando-lhes um endereço em seus prédios de escritórios em Amesterdão.

      Atraídos por políticas amigáveis e uma vasta rede de tratados fiscais, empresas como IBM, Yahoo, Google, Cisco, Dell ou Merck transferiram proveitos para este país. De acordo com o próprio Banco Central dos Países Baixos, em 2010, empresas multinacionais encaminharam €10 milhões de milhões através de 14 300 «unidades especiais de financiamento» neerlandesas, muitas vezes unidades de negócio que existem apenas no papel, como é permitido por lei.   A IBM International Group BV foi constituída e registada de acordo com a lei dos Países Baixos em 1999, sucursal da IBM na Europa, por sua vez holding de uma rede de mais de 40 empresas subsidiárias representando a IBM por todo o mundo, incluindo as suas operações na Irlanda, um paraíso fiscal onde mantém alguns milhares de empregados. A holding holandesa tinha três funcionários em 2008, número que, desde então, multiplicou para cerca de 200 mil, no final de 2012, cerca de metade dos efectivos globais dessa multinacional. No final de 2012 a IBM tinha acumulado $44 mil milhões de lucros no exterior, dos quais não pagou impostos nos EUA, o sexto maior total de qualquer empresa norte-americana de acordo com dados compilados pela Bloomberg. Desde a constituição da IBM International Group BV, a taxa de imposto reportada pela empresa-mãe desceu 12 vezes em 14 anos. Os fundos por essa via liberados têm financiado a recompra de acções desde 2010, reduzido a quantidade de acções em circulação, e incrementando o lucro por acção, mesmo quando as receitas vão tombando.

     A Dell, um dos maiores fabricantes de computadores pessoais do mundo, usa os Países Baixos como base para evitar o pagamento de imposto de rendimento em qualquer lugar. A subsidiária neerlandesa Dell global BV, sem ter qualquer pessoal afecto, conduz de facto os seus negócios através de uma filial em Singapura, onde a Dell projecta e vende laptops e outros equipamentos para os EUA, Europa e Ásia. Dell global BV paga imposto à taxa de 1/10 de 1 por cento sobre lucros que ascenderam a cerca de $2 mil milhões em 2011, o que permitiu essa subsidiária angariar nesse ano quase três quartos dos proveitos mundiais da Dell. A Dell explica que para fins fiscais o lucro é produzido em Singapura, onde goza de um privilégio fiscal desde 2004. Embora a empresa pague quase nenhum imposto de rendimento em Singapura, os Países Baixos também não cobram imposto de rendimento significativo, alegando evitar a dupla tributação que pode ser reclamada evocando o lucro ser obtido em Singapura.   Como se comprova, também nos Países Baixos e em Singapura, os regimes fiscais à volta do mundo estão muito mais adequados a promover o bem-estar das corporações multinacionais do que das famílias trabalhadoras.

     Ora foi do Reino dos Países Baixos que, no início de 2013, o Senhor Jeroen Dijsselbloem partiu para Bruxelas para dirigir o Eurogrupo e o Mecanismo de Estabilidade Europeu. Em Junho de 2015, os cinco presidentes – Dijsselbloem, do Eurogrupo, Mario Draghi, do Banco Central Europeu, Jean-Claude Juncker, da Comissão Europeia e Donald Tusk, do Conselho Europeu, ditaram o «Relatório dos Cinco Presidentes» para valer como doutrina da União Monetária Europeia, impondo, de cima a baixo, aos Estados-membros as regras de política económica e social da zona euro.



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Terça-feira, 08.03.16

Os Concursos Públicos.  (-   Os concursos públicos são uma das garantias - ténue, é um facto - de que o Estado, nas suas aquisições de bens e serviços e nas nomeações a que está obrigado, para garantir o seu funcionamento, segue padrões razoáveis - falar em elevados seria manifestamente excessivo - de transparência e adopta prácticas que diminuem a corrupção e o tráfico de influências.
    Vem isto a propósito da argumentação, por interposto jornalista, entre o deputado José Soeiro - do BE - e o recém-nomeado gestor do CCB, Elísio Summavielle, sobre Concursos Públicos.
     Na origem da dita está a demissão abrutalhada -para dizer o mínimo - do eng.* António Lamas, presidente do CCB, pelo novo ministro da Cultura, João Soares.
    O BE, dentro do estilo que o caracteriza nesta fase, concorda com uma parte da posição do Governo e discorda da outra.  Acha José Soeiro que a não aprovação do Plano Estratégico Ajuda-Belém valida a decisão do ministro de correr com Lamas. Correr é a palavra adequada, atendendo ao  tempo e ao modo. Uma interpretação curiosa, esta do deputado José Soeiro.  Qualquer dirigente a quem um Governo solicite a elaboração de um Plano para a gestão de uma área da cidade, de um equipamento cultural ou da relação entre uma área da cidade e os equipamentos nela existentes, passa a saber que, caso o resultado não agrade ao Governo, será naturalmente demitido.  Ou melhor, corrido com o máximo estardalhaço, no modus operandi de João Soares.  Para tornar factos como este insusceptíveis de serem notícia, José Soeiro, propõe que "a nomeação do sucessor de Lamas só deveria acontecer depois de estar definido um novo Plano Estratégico.  E a seguir deveria ser aberto, no seu entender, um concurso público internacional para escolha do gestor que pudesse "dar corpo" a esse plano, implementando-o".  Mas, Soeiro não esclarece, quem iria elaborar esse Plano?  E um concurso Público Internacional significaria que na Administração Pública Portuguesa ou mesmo fora dela, seria impossível encontrar alguém qualificado?  Os outros países europeus também recorrem a concursos internacionais para escolherem os seus gestores públicos?
      Enquanto não se clarificam as razões que levaram José Soeiro a fazer esta proposta, regista-se o comentário que elas mereceram no agora nomeado Elísio Summavielle. "Essas ideias são politicamente corretas mas politicamente iníquas". "Acho que há um grande concurso público que são as eleições e os resultados obtidos", acrescentou. "Sou funcionário público há 35 anos e tenho as maiores reservas aos concursos públicos. As equipas devem ser da escolha de quem lidera."
      Esta ideia das eleições enquanto "grande concurso público" são uma contribuição teórica de grande valor dado pelo novo gestor do CCB. De acordo com esta "teoria política", nas eleições o povo decide atribuir ao vencedor o direito a escolher quem muito bem quiser para os lugares públicos e, presume-se, a desrespeitar o que a Lei determina sobre a disciplina aplicável quer à contratação pública quer aos procedimentos que são aplicáveis à nomeação de pessoal dirigente.   Ficaria assim definitivamente arrumado o eterno conflito que coloca frente a frente, de um lado, a necessidade de despartidarizar a Administração Pública e, do outro, a necessidade de ter a gerir projectos políticos relevantes, para um dado Governo, pessoas que estejam em sintonia com esse Governo, e com as quais exista uma relação de confiança política.
     Diga-se que este eterno conflito tem sido resolvido, por sucessivos Governos, com prejuízo da componente da despartidarização da Administração Pública, mais Cresap ou menos Cresap.
     Mais grave ainda é o facto de em termos de contratação pública os sucessivos Governos terem legislado de forma a que a excepção aos concursos públicos passasse a ser a regra. Refiro-me aos ajustes directos.  Esta é a forma pela qual a Administração Pública preferencialmente adquire os serviços.  Trata-se de um poder atribuído - desde o Presidente de uma Câmara, passando por qualquer dirigente intermédio da Administração - de determinar a quem é que se vai adjudicar este ou aquele serviço, pagando o limite que a lei permite, invocando, em noventa e nove por cento dos casos, como razão para essa opção, o facto de não se encontrar ninguém com capacidade para efectuar esse fornecimento ou prestar esse serviço.   Uma mentira na quase totalidade dos noventa e nove por cento dos casos.   Entre a esquerda antiga [antes de Costa], a direita radical de Passos e Portas, a Troika e a esquerda nova [de Costa, Catarina e Jerónimo] ninguém colocou um ponto final nesta porcaria. Com a "teoria Summavielle" ela tenderá a tornar-se numa "Teoria Universal" dispensando justificações de ocasião.
             (* - refiro aqui  a profissão de António Lamas porque, por razões que desconheço, mas das quais suspeito, os jornalistas passaram a referir-se ao homem como Dr.) 

------ J.Viegas:

    ...  falta mencionar a distinção entre cargos "administrativos" (providos por concurso publico, em condições de igualdade, etc.) e cargos "politicos", que implicam uma relação de confiança com os decisores eleitos e servem normalmente como correia de transmissão entre o "politico" (eleito todos os X anos) e o "administrativo" (muitas vezes um funcionario de carreira).
     Esta dicotomia pode e deve ser discutida, mas o post ignora a sua existência. Ora acontece que para os postos de maior responsabilidade (direcção de um grande estabelecimento publico, postos de chefia numa administração) é comum considerar-se que ha uma verdadeira componente "politica", ou seja que a tarefa consiste na verdade em ajudar os responsaveis politicos elieitos a traduzir as orientações do seu programa em directivas administrativas.
     E' certo que a dicotomia é discutivel. Com efeito, em teoria, um politico devia ser responsavel, e logo muito bem informado em relação às implicações administrativas das orientações que ele propõe no seu programa politico.  E por sua vez, em teoria, um responsavel administrativo devia ser competente e completamente isento, por forma a ser plenamente capaz de servir indiferentemente esta ou aquela orientação politica. Na pratica é mais complicado...   Por estas razões, na função publica local aqui em França, os postos de maior responsabilidade numa autarquia de grandes dimensões (director-geral dos serviços, chefe de gabinete, etc.) são providos por destacamento precário, revogavel em caso de simples perda de confiança, mas mantêm o direito a ser reintegrados nas suas funções anteriores caso vejam revogado o seu destacamento num lugar "politico" (os chamados "emplois fonctionnels").
      Não estou a dizer que o sistema exposto é bom, nem tão pouco que a distinção entre as duas categorias de postos é saudavel. Apenas que ela deveria fazer parte da analise, quando não a vejo mencionada no post.

----J.Guinote:

      ... Os lugares de nomeação política são necessários e estão previstos na lei. Muitas vezes, esses lugares são aproveitados para colocar pessoas cuja qualificação é nula [ apesar da "qualificação" partidária], e cuja contribuição para o desempenho da estrutura em que se inserem é de ... igual dimensão. Isso coloca duas questões: em primeiro lugar os cargos de nomeação política fazem sentido; em segundo lugar, lá por serem de nomeação política, devem ser objecto de escrutínio público. A obrigatoriedade de publicação do currículo/carreira do dirigente é um passo. O fundamento da escolha é outro. Ninguém escolheria o gestor do CCB por ser seu amigo e ter trabalhado consigo. Seria chocantemente curto. [Não digo que tenha sido o caso]
     O que eu quis salientar foi o carácter geral do argumento, do nomeado gestor do CCB. Disse ele que, do alto da sua experiência de 35 anos de funcionário público, os concursos públicos são uma inutilidade. Depois acrescentou o penoso argumento eleitoral e fez saber que estava a falar das nomeações políticas, das equipas que os governantes escolhem. 

    Os seus 35 anos de funcionário público não o habilitam a grandes tiradas sobre a matéria até porque passou a vida a ser nomeado politicamente. Não estão em causa a sua competência e as suas qualidades enquanto gestor cultural. Esta argumentação geral contra os concursos públicos é perigosa. Porque há, desde há décadas, uma campanha contra os concursos públicos que é na verdade uma campanha contra a transparência, a igualdade e a concorrência na vida pública e nos negócios do Estado.   Do mesmo modo a reacção do deputado do BE parece achar que os Concursos Públicos [internacionais, diz ele] são uma mezinha santa que tudo resolve. Não é o caso, de todo. Porque como bem referes há cargos políticos, previstos na lei, que o dispensam. Aliás, António Lamas foi escolhido pelo anterior Governo sem concurso, e ninguém na altura achou que se estivesse a violar a lei. Julgo que também não será essa a razão pela qual se poderá criticar a decisão de João Soares. Sobre os Concursos vamos falando.

-----J.V.:

A ideia de um "concurso internacional" para um posto da administração não faz sentido. Ou estamos a falar de um posto "normal" ("administrativo") e a pessoa escolhida, em principio, entrou na carreira por concurso, tendo em seguida progredido num processo que supõe, pelo menos tendencialmente, o respeito da igualdade de oportunidades entre os funcionarios da carreira e, neste caso, houve uma vaga e um "concurso" entre funcionarios que preenchem os requisitos, de maneira que a escolha, por principio e sob controlo da justiça administrativa, ter-se-a inspirado unicamente na consideração dos méritos. Neste caso, estamos de facto numa situação de concurso publico ou de simili-concurso, que por sinal não tem nada de "internacional", exceptuando a possibilidade aberta a todos os cidadãos da UE de concorrer à maioria dos concursos de ingresso na administração de um pais da UE (salvo quando impliquem o exercicio de prerrogativas politicas, la esta).
    Ou então estamos no caso de um posto politico. Nesse caso, podemos exigir que a escolha seja feita entre pessoas com aptidões especificas (tem de ser um médico, com experiência de x anos, etc.), mas no final, a escolha mesmo (entre candidatos que preencham os ditos requisitos), tera de assentar em critérios politicos, que por hipotese não têm rigorosamente nada a ver com um "concurso", mas apenas com uma questão de confiança politica (o que não significa uma escolha caprichosa, nem tão pouco a escolha de um amigalhaço).    Os ministros do governo, por exemplo, são escolhidos em função de critérios politicos. Quando escolho o meu ministro da justiça, estou a escolher a personalidade que acho mais indicada, politicamente, para implementar a politica preconizada pela minha formação politica em matéria de administração da justiça. Pode ser um jurista e, se calhar, em termos politicos, vou procurar que seja um jurista (porque isso tranquiliza os principais parceiros, porque oferece uma garantia suplementar que ele vai perceber o que esta a fazer etc.) mas a questão de saber se ele é um bom jurista é relativamente secundaria. O que eu quero antes de tudo é alguém que implemente o programa de governo que propus ao eleitorado. E pode perfeitamente suceder - e sucede alias muitas vezes - que um optimo ministro da justiça não tenha formação nem experiência juridica significativa. Numa democracia, isto não deve ser problema. Um carpinteiro pode dar um optimo ministro da saude, da mesma forma que um advogado pode dar um optimo ministro do trabalho (eheheheheh)...
     No caso do director do CCB, a primeira pergunta que me ocorre é : trata-se de um posto politico, ou não? E' que se for o caso, é normal que ele seja dispensado quando muda o titular da pasta da tutela . Alias, se for este o caso, ele so estava la, não principalmente por causa das suas competências técnicas, mas porque merecia a confiança dos responsaveis da tutela. (Bom, aqui é um bocado mais complicado, porque ha também o problema da continuidade do serviço, de maneira que costuma haver um entendimento politico que implica o respeito das nomeações do anterior governo, pelo menos numa certa medida, mas isso ja é outra conversa).

-----J.G.:

... Quanto ao caso do director do CCB a questão da confiança política preside à escolha. Até aí muito bem. O exercício das funções terá (?) um prazo que não está indexado à duração do Governo, que nomeia. Foi assim com Mega Ferreira e com Vasco Graça Moura. É um prazo, ponto. Neste caso o Ministro utilizou como razão para a demissão o facto de o Plano que Lamas elaborou não ter sido aprovado. Esta argumentação é, no mínimo, polémica. Daí o gestor ter-se recusado a sair pelo seu próprio pé. Daí não ter restado ao ministro, para impor a sua vontade, outro caminho que não a demissão do gestor. Presumo que isso acarretará a respectiva indeminização. C´ést ça.



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Quarta-feira, 20.01.16

Desejo:

Portugal é uma República soberana, baseada na dignidade da pessoa humana e na vontade popular e empenhada na construção de uma sociedade livre, justa e solidária.
      -Artigo 1º da nossa Constituição. Tenham um bom ano de 2016.      (-
 
 Na presente campanha eleitoral para a Presidência da República Portuguesa, nenhum candidato parece ter a ousadia de Franklin D. Roosevelt que, no discurso da sua tomada de posse em 1933, em plena Grande Depressão, afirmou: “A única coisa de que devemos ter medo é do próprio medo.
     A situação que vivemos em Portugal bem justificaria um programa de política económica com a ambição do New Deal. Porém, nem o regime constitucional português, nem a integração de Portugal na UE, permitem uma liderança política dessa natureza. De facto, sem menosprezo pelo PCP, não está (ainda) à vista uma proposta suficientemente aberta e mobilizadora dos portugueses para uma ruptura política de ataque às causas profundas desta crise.
     Precisávamos de um candidato que dissesse aos portugueses que o medo é o principal obstáculo à superação dos males que nos afligem. Em particular, o medo de desafiar as políticas absurdas da UE. O medo de pensar o nosso Bem-Comum liberto da ditadura do capital financeiro e dos interesses dominantes na Alemanha. O medo de que se repita connosco o que aconteceu à Grécia. Enfim, o medo de reconhecer que traímos a nossa História quando trocámos a soberania do país pelos Fundos Estruturais
     No meio de uma profunda crise do capitalismo liderado pela finança, cujas elites ambicionam destruir tudo o que de civilizado se foi conquistando no pós-Guerra (2ªGGM), ainda há demasiado medo de experimentar outros caminhos, outras políticas, outras lideranças. Alguém disse que “é muito difícil angariar apoio popular para pôr fim a uma união monetária (...) por causa do sentimento de incerteza que isso produz, além da inevitável grande inflação.” Ainda assim, há muitos portugueses que rejeitam a resignação e o colaboracionismo.
     Talvez devêssemos pôr os olhos na liderança do general Charles de Gaulle que, a partir de Londres, sem desfalecer, liderou a resistência, enquanto a maioria das elites francesas se rendia ao ocupante ou até com ele colaborava.   Não terá chegado a hora de organizarmos, também nós, a resistência às políticas cruéis e sem sentido que, mais tarde ou mais cedo, a UE (dominada por lobbies) acabará por também impor ao actual governo? Imbuídos de um genuíno espírito internacionalista, em nome do Artigo 1º da nossa Constituição, devíamos começar a organizar uma Frente de Libertação (ou Salvação) Nacional contra o Euro, em colaboração com os que em Itália e França querem seguir o mesmo caminho. Uma segunda volta nestas eleições ajudaria a vencer o medo.    (-
 
 
No outro dia, encontrei um ex-membro de governo e estivemos à conversa, de pé, umas boas horas. Ao fim de quase 30 anos de profissão de jornalista, não tenho muitas dúvidas sobre a força da penetração da corrupção nas estruturas públicas e da forma como se adultera - cada vez mais - a prática pública. Mas o que me aterroriza sempre é o à-vontade e a impunidade de como as coisas se fazem.
     A corrupção não é apenas um abotoar de dinheiros à custa do erário público. É o telefonema do colega de Governo para que recebe uma dada pessoa que quer um favor do governante, em nome da distrital do seu partido; é o cartão a dizer "Veja o que pode fazer com esta proposta" que se junta com um documento fornecido por um amigo; é a subtileza de o desvio de dinheiros com fins políticos se fazer à pala de uma dada frase num dado documento; é a inserção no Orçamento de Estado, à última da hora e sem qualquer parecer dos serviços do Estado, de alterações à lei com apenas um beneficiário; é o descaramento com que alguém pede ao governante para que um caderno de encargos de um dado concurso público seja subvertido para acomodar um dado fornecedor; é o gasto de dinheiros públicos na compra dispendiosa de bens sem qualquer estudo prévio sobre a necessidade pública; é a utilização de bens públicos como se fossem seus; é o gasto de dinheiros públicos em estudos externos aos serviços públicos, que de nada servem senão para distribuir dinheiros a amigos ou a amigos do governo. São os cargos em administrações de empresas, abertos a políticos, deputados, membros de governo, sem qualquer exigência de trabalho efectivo, constituindo-se numa clara avença, paga para qualquer efeito futuro. E a lista poderia continuar, sem fim.
     O problema não é o Estado. O problema é a forma como se usa o Estado. Todos nós sabemos que isso se faz. Todos nós sabemos como se faz. Todos nós sabemos que as máquinas partidárias estão demasiado viciadas no dispêndio de dinheiros públicos em favor de interesses privados (económicos ou meramente partidários). O grave é precisamente esse: TODOS SABEMOS.
     Todos sabemos e nada acontece. O Tribunal de Contas recolhe periodicamente documentos dos serviços públicos sobre como prevenir a corrupção, mas a corrupção é algo bem mais fluido. Passa pela cumplicidade de quem está sentado ao lado no Governo, na bancada parlamentar ou no topo do partido com quem o Governo lida todos os dias.
     O que fazer? Como fortalecer o Estado e impedir a porosidade larvar, alimentada por altos responsáveis político-partidários? Como revigorar um Estado presente e sólido sem ser este abastardamento das funções públicas?
    1. Como evitar a nomeação de boys incompetentes, de comissários políticos ignorantes, mas dispendiosos?  Deverá retomar-se a ideia inicial e benigna da forma de nomeação de cargos públicos?  Não há cá short list nem curricula com fotografia prévia? Apenas os mais qualificados, ponto final?
    2. Como evitar a opacidade das decisões políticasSerá que basta a exigência legal da publicitação - mesmo que apenas online - de TODOS os actos políticos, incluindo despachos, documentos de apoio, etc.?  Será que é possível decidir que qualquer detentor de cargos políticos ou públicos seria imediatamente destituído e privado de direitos públicos caso fosse detectada uma situação favorecendo a opacidade?
    3. Como impedir o à-vontade dos actos criminososO que se passa neste momento é o facto de o infractor não ter qualquer risco.  Será que se deveria agravar severamente as penas por qualquer acto ou tentativa ou gesto tendente a configuar um acto de preversão da função pública?  Não falo de pena de morte, mas verdadeiramente de o risco de pena de prisão, de perda de rendimento e propriedade, de perda permanente de direitos, algo efectivamente dissuasor.
    4. Como evitar que a decisão política seja baseada em pareceres comprados no exteriorSerá que se deveria fortalecer a obrigatoriedade dos serviços públicos de prestar parecer prévio, que seria obrigatoriamente público e publicitado?  Como evitar a corrupção dos serviços que prestam pareceres?   Ainda há uns anos se falava de um parecer, de um organismo público de apoio, que teria sido "pago" com um lugar no gabinete do secretário de Estado e com uma dada remuneração.  De facto, o dito parecer nunca foi publicitado e, no final, a diferença foram milhões e milhões de euros de benefício privado em favor de grupos económicos.
    5. Como evitar que o Orçamento de Estado seja a arma essencial da opacidade legal?  Talvez a primeira medida é fechar a elaboração do OE a firmas de consultoria fiscal, tal como até há pouco acontecia.  Deveria toda a alteração legal ser objecto de estudo prévio dos serviços, de estudos de impacto e de debate aberto e parlamentar?  Talvez essa obrigatoriedade impedisse a mania de cada governante querer deixar o seu cunho na lei, para não dizer algo mais grave.
      Creio que não seja muito difícil encontrar soluções. Deve haver experiências internacionais que se possam aproveitar. Mas nada fazer só contribuirá para a apatia e a cultura de pântano que actualmente se vive. Há décadas.


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Segunda-feira, 18.01.16

Horário de 35 horas para a administração pública - Histórico


     Sobre um dos temas do dia, e para entender de que se está a falar, procurei dados sobre a evolução histórica dos horários de trabalho na função pública. Os dois quadros aqui publicados resumem-na bem, na minha opinião. (clicar)     -- (Daqui   http://www.stal.pt/   : Avanços civilizacionais -vs- desvalorização salarial e saque aos trabalhadores e reformados.)
------------ Está na hora de outra economia política
  Como argumentámos na altura, o aumento do horário de trabalho no sector público para as 40 horas fez parte de uma ofensiva anti-laboral mais vasta, geradora de injustiças sociais e irracionalidades económicas imbricadas: desemprego de massas acentuado, de um lado, gente a trabalhar cada vez mais horas, do outro.
      Segundo Vital Moreira, a reposição das 35 horas no sector público vai reintroduzir uma desigualdade face ao sector privado, incentivando este último a corrigi-la, o que Vital Moreira vê como uma verdadeira desgraça para os patrões, que neste quadro intelectual levam o nome de “competitividade”, sempre reduzida à componente salarial. Na realidade, Vital está a descrever um processo virtuoso, em que uma alteração da correlação de forças num ponto estratégico do mundo do trabalho pode gerar dinâmicas de contágio laboral progressista noutros. A troika e o seu governo (neoliberal) estavam, embora em sentido contrário, a par disto: economia política do retrocesso (civilizacional e dos direitos humanos), chamámos-lhe.
      A conversa sobre a desigualdade entre trabalhadores do público e do privado ou entre trabalhadores novos e velhos, trabalhadores no activo e reformados (sempre trabalhadores...) serve para criar divisões horizontais que ofuscam as verdadeiras desigualdades verticais numa sociedade capitalista. Estas últimas só podem ser reduzidas pelo empoderamento dos trabalhadores, como até a investigação do FMI confirma: trata-se de um processo que ocorre a diferentes velocidades, sendo os seus feitos igualizadores cultivados por organizações que encarnem os interesses comuns do mundo do trabalho assalariado. Em Portugal, a que está mais próxima disto chama-se CGTP.
      Sabemos que uma das artes do controlo é dividir o mundo do trabalho para reinar, sabemos que esta é uma arte que exige muito investimento, das tecnologias às ideias.    A arte socialmente mais útil é a que caminha no sentido contrário: partindo da acção colectiva das classes trabalhadoras para um projecto nacional-popular que não dispensa fracções das tais classes capitalistas de que nunca se fala na sabedoria convencional (a segmentação que mais interessa politicamente tem de se fazer aí...).   (-
 
----- Da série   "Não Há Dinheiro Para Nada"     (por j. simões, derTerrorist, 18/1/2016)

 "Just 62 people now own the same wealth as half the world's population, research finds"-  "An Economy for the 1%".

62 pessoas (a hiperclasse dos 1%, os super ricos, + que bilionários) detêm a mesma riqueza que metade da população mundial !!  (ou: 62 super ricos são donos de metade do mundo !!).

UK paying millions in aid money to fund overseas tax havens 

David Cameron's father left assets in Jersey tax haven for family to inherit 

Miliband: Tax havens would be forced to expose companies

Last year an investigation by the Independent revealed that the UK was paying millions of pounds to EU-listed tax havens  in the form of international aid.

A significant number of tax havens are also British Crown dependencies and have Queen Elizabeth II as their head of state.

The Government says it has made cracking down on tax avoidance a priority. In September HMRC said it had collected £1bn from users of tax avoidance schemes as a result of new rules.



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